**CAPÍTULO VINTE E TRÊS **
Gabriel cumpriu com a palavra e se afastou de mim. Domingo fiquei sozinho e desolado, preso dentro do quarto, costurando. Na segunda e na terça, por sua vez; estive na cozinha ajudando a Julia. À tarde fui para academia e descarreguei a minha raiva por Gabriel ser tão covarde.
Hoje, quarta-feira, depois do almoço, Osvaldo bate à minha porta.
— Boa tarde, senhor Samuel.
— Oi, Osvaldo — cumprimento, me encostando no batente.
— O senhor Miller mandou te entregar isto. — Ele me estende uma carta, o que faz meu peito se encher de alegria.
— É dos meus pais?
— Acho que sim.
Só não saltito em sua frente, pois me acharia um louco. Talvez ele já me ache, mas tudo bem.
— E onde está o Gabriel?
Não o vejo desde sábado à noite, nem sei se ele está vindo para dormir.
— Ele não está, senhor, só veio tomar banho e saiu de novo.
Sinto a tristeza no seu tom de voz.
— Por que ele mesmo não veio entregar?
Eu sei a resposta, mas a raiva me faz perguntar do mesmo jeito. Ele está me ignorando. Será que se acertou com o Vinícius?
— Não sei, senhor. — Ele abaixa o olhar, parecendo decepcionado.
— Obrigado, Osvaldo.
A melancolia começa a me derrubar novamente, então afasto Gabriel dos meus pensamentos.
Assim que Osvaldo vai embora, fecho a porta e vou direto abrir a carta. Estou ansioso para saber o que eles têm pra me dizer. Quem sabe me animo mais?
“Querido Samuel,
Como é bom ter notícias suas, estamos muito felizes por você estar bem. Apesar disso, tememos por você, e sentimos a sua falta. Nunca nos esqueceremos de você, querido.
Esse monstro ainda vai se arrepender de ter levado você, ele é sem alma e sem
coração. Abomino a ideia dele te tocando, e espero muito que não tenha feito isso.
Aqui está tudo bem, nós estamos levando a vida como podemos. Seu pai mandou um grande abraço. Não se esqueça, meu querido, que amamos muito você. Escreva-nos de novo assim que der, anseio por respostas suas. Meu coração se aperta tanto pela distância.
E sobre o Lucas, não tenho muito a dizer, está seguindo com a vida da forma que dá, mas percebo que ele sente sua falta. Talvez espere que você volte como também esperamos.
Sentimos sua falta.
De Papai e Mamãe.
Obs.: Esse homem ainda vai queimar no inferno e você será libertado, tenha fé.”
Rio dessa última parte. Quem vai queimar no inferno sou eu, por querer um homem que deveria abominar.
Só de saber que estão bem me deixa alegre, mas queria muito ter a chance de um dia voltar a vê-los, isso sim me traria felicidade.
***
Na manhã de sexta, acordo horrível, cansado e completamente louco, sentindo o cheio do Gabriel no ar. Provavelmente é só meu subconsciente me torturando com lembranças.
Dormir está ficando quase impossível, preciso de uma notícia dele.
Preciso vê-lo, nem que seja de longe.
Como posso amar alguém como ele? Será que é mesmo amor?
Sinto um vazio no peito, só de pensar nele meu coração dispara feito louco. Me sinto decepcionado por ele ser quem é, queria ser forte o suficiente para enfrentá-lo e mudá-lo, quebrar aquela máscara de fodão e fazê-lo enxergar que pode amar. Que pode ser feliz...
Já não suporto mais ficar dentro do quarto, remoendo a minha desilusão. Coloco uma sunga, calço um chinelo e desço levando apenas a toalha.
Chegando à piscina, deixo minhas coisas e mergulho, sentindo a água aquecida relaxar meu corpo. Depois de alguns minutos, resolvo tomar sol e pegar um bronze.
Deito na espreguiçadeira e, quando tento fechar os olhos, vejo Douglas, o segurança/personal.
— Douglas? Douglas!
Levanto de uma vez e corro em direção a ele e o abraço, sentindo um alívio descer pela minha espinha.
— Oi.
Sinto suas mãos na minha cintura, mas não me abraça de volta, então me afasto.
— Desculpa! Eu... Que bom ver você, pensei que Gabriel ia te matar.
— Eu também achei. — Ele ri. — Como está? Fiquei com medo de ele ser duro com você.
Na verdade, ele foi bem cruel. Tento ignorar o fogo que se alastra pelo meu corpo só com a lembrança.
— Estou bem, não foi nada comparado ao susto daquele dia.
— Verdade.
— Mas me responda uma coisa: o que faz aqui? Estava no escritório?
— Sim, vim notificar alguns problemas que estão acontecendo em Rio Preto, nada que possa te falar.
Concordo com a cabeça, não quero encrencá-lo novamente.
— Estava em Rio Preto esse tempo todo?
— Sim, bem melhor que uma cova rasa.
— Deveria pedir demissão, você tem uma vocação menos perigosa do que essa a qual está atualmente. Personal Trainer é um ótimo cargo se for ver bem. — Brinco.
Ele dá risada.
— Não seria nada mal. No entanto, gosto do meu trabalho e, se quero mantê-lo é melhor voltar para o meu posto. Acredito que se o senhor Miller me pegar de novo, não será tão misericordioso.
— Com certeza não.
Por que Gabriel o poupou? Não que eu esteja reclamando, mas ele não conhece a palavra misericórdia, não quando está vestindo a sua máscara de todo-poderoso.
— Foi muito bom ver você, senhor Samuel. — Abre um sorriso sincero e seus olhos brilham em diversão.
Ele sabe que odeio ser chamada assim, então protesto:
— Não. Isso de novo?
Dá de ombros.
— São ordens.
— Tudo bem. Até mais.
— Até.
Fico olhando-o se afastar. Assim que viro para voltar à espreguiçadeira, vejo Gabriel encostado no batente da porta, de braços cruzados, me encarando.
Será que viu minha conversa com Douglas? E o abraço?
O seu olhar é mortal, assim como o sorriso sombrio, deixando claro que viu toda a cena.
Merda. Duas vezes MERDA.
— Bom dia — cumprimento-o me aproximando, tentando esconder o tremor na minha voz enquanto encho a minha mente com a sua visão.
Como ele consegue ser tão lindo mesmo de cara fechada?
Sinto um impulso, uma vontade enorme de abraçá-lo, mas paro a quase dois metros de distância dele.
— Não está tão bom assim pra mim. Pelo visto vocês viraram amigos ou sei lá o quê. — Eleva a sobrancelha, formando uma linha fina na testa.
— Amigos? Não sei, talvez. Algum problema?
— Todos. Mas posso ignorar os meus instintos de que isso não vai acabar bem e colocá-lo como seu “segurança particular”. — Desencosta da porta, chegando mais perto.
Seus olhos estão flamejantes, me intimidando.
— Não preciso de segurança, obrigado. Porém, seria um bom amigo.
Ele ri e coça a ponta do nariz.
— Imagino que sim.
Percebo a desordem em seu rosto, mas logo se recupera. Como não falo nada, ele continua, mudando o assunto:
— Precisa de alguma coisa?
— De você? Não, eu tô legal. Agora da Julia, com certeza. — Dou alguns passos em direção à cozinha. Preciso sair daqui logo, antes que o impulso de abraçá-lo acabe vencendo e eu faça uma besteira.
— Samuel!
Me viro de volta.
— Sim?
Ele parece estar em uma luta interna, seu rosto ansioso fazendo o trajeto com os olhos pelo meu corpo. Pigarreia voltando à atenção para o meu semblante.
Perco ligeiramente o equilíbrio, mas forço a ficar de pé.
— Nada não, vou sair e não sei volto hoje. — Sua voz sai baixa, quase sem som.
Sair? De novo.
— Nossa, que novidade! Quer dizer, achei que você nem morava mais aqui.
Não quero mostrar o quanto isso me incomoda, mas está aqui dentro, em cada palavra que sai da minha boca.
— Está sentindo a minha falta? — Um leve sorriso surge em seus lábios, me perturbando.
Muita, sinto muita a sua falta.
Droga, Samuel!
— Nem um pouco. — Viro e vou para cozinha, sem nem olhar para trás.
***
Só volto a ver Gabriel na sexta-feira à noite. Ao voltar da academia, nos encontramos coincidentemente no meio da escada.
— Samuel?
— Oi, não sabia que você estava em casa.
O ar sai dos meus pulmões, mas me controlo. A única coisa que não consigo controlar é o frio que se apossa do meu corpo, juntamente com milhões de borboletas no estômago.
— Estava na academia até agora?
Seu cheiro começa a aquecer meu corpo.
— Si... Sim, é como ocupo o meu tempo. Gosto de livros, mas não tenho nenhum.
Me lembro da estante de livros que ele tem no escritório. Já fiquei curioso sobre qual seria seu acervo, só que, neste momento, não seria louca de pedir nenhum favor, apesar de que meu dia é muito longo e com livros se tornariam muito melhores, pelo menos deixaria minha mente afastada do Gabriel.
— Vou providenciar pra você. Faça uma lista dos seus escritores favoritos, depois me entregue no quarto essa noite.
No quarto? Ele vai dormir aqui?
— Não vai dormir fora hoje?
— Não.
Penso por um momento. Algo me ocorre de repente, o que me faz ir direto ao ponto:
— Se for trazer alguém para dormir com você, apenas me avise para eu não sair do quarto.
Ele franze o cenho, enquanto ignoro a dor no meu peito só de imaginá-lo com outra.
— Não trarei ninguém. Acha mesmo que... Deixa pra lá. — Me lança um olhar intrigado.
Melhor não saber, o achismo já me deixa louco.
Mudo de assunto, ajustando um conteúdo que eu possa manter sem morrer de infarto ou ter um colapso nervoso.
— Recebi a carta dos meus pais, obrigado.
Ele abre um sorriso, daquele de tirar o fôlego. Na verdade, já estou sem fôlego desde o momento em que o vi.
— Que bom que isso te fez feliz. Quando quiser responder é só me avisar.
— Ok. — Meneio a cabeça. Não estou mais aguentando seu cheiro que me envolve por completo. Está me embriagando, me deixando tonta. Lembro-me de imagens da pele dele contra a minha e dos sonhos pelos quais venho tendo ultimamente. Afasto, de imediato, todos esses pensamentos, e mal percebo que minha voz está falha, afirmando quase num sussurro: — Obrigado.
Volto a subir, fugindo do furacão que é o Gabriel.
— Samuel... — Sua voz é rouca, capaz de derramar desejo e sedução, ou é só o meu cérebro pregando uma peça?
Senhor!
Fecho os olhos e acalmo os meus hormônios. Estou de costas pra ele. Ainda não posso me virar.
— Oi.
— Está tudo bem?
Por que ele tem que perguntar? É claro que não.
— Não, mas quem sabe um dia fique? — Volto a subir, sabendo que seus olhos ainda permanecem em mim.
— Espere. — Ele sobe os degraus, se aproximando. — Jante comigo.
O convite me força a olhar pra ele.
— Outro jantar? — Deixo escapar toda a minha indignação.
— Não é o fim do mundo, é só um jantar — esclarece, exibindo um rosto sério.
— Tudo bem. Só preciso de um banho e já desço. — Tento esconder meu nervosismo.
— Vou avisar a Julia.
Concordo e volto a subir, ele não me impede dessa vez.
O que será que ele quer?
Meu estômago se contorce de medo e ansiedade.
Depois que termino o banho, coloco uma das roupas que costurei.
Se for mesmo um jantar, irei caprichar.
A primeira reação do Gabriel quando me vê, é de choque. Segundos depois, um desejo queima seus olhos, mandando faíscas para o meu corpo, me aquecendo num grau bem elevado. Preciso respirar algumas vezes antes de conseguir falar.
— Estou pronto.
— Está maravilhoso. — Sua voz sai levemente rouca. — Venha.
Ele pega a minha mão, enviando uma onda de energia por todo meu corpo, me fazendo estremecer. Tento ignorar o máximo que consigo.
Percebo que ele está me levando para os fundos, em direção à piscina.
— Aonde vamos? — pergunto, me sentindo um pouco desconexa.
— Mandei arrumar a mesa do lado de fora. A noite está linda, devemos aproveitar, e também tenho um presente — diz ele, sua voz é séria e profunda.
— Presente?
Pauso o andar enquanto ele se vira pra mim. Está tão próximo que posso tocá-lo, mas não me atrevo.
Seus olhos cautelosos analisam meu rosto, parando vagamente nos meus lábios rosados e, assim, voltam aos meus olhos outra vez.
— Se não quiser, eu vou entender, mas me deixe mostrar. — Sinto certa vulnerabilidade em sua voz que não combina com sua expressão séria. — Venha.
Sigo-o até a piscina.
A mesa está posta embaixo da área, decorada com velas e uma garrafa de vinho no gelo, além de pratos e taças, deixando tudo muito surreal. Parece que estou sonhando e vivendo as páginas dos meus livros desgastados.
Passamos pela mesa e ele me leva um pouco mais adiante, até que vejo, no meio do jardim, um carro preto, maravilhoso e reluzente; banhado com a luz da lua num grande laço vermelho.
— O que é isso?
Estou em choque.
— Um carro. — Uau, agora o senhor autoritário faz piadas? Ele percebe a minha falta de humor e fica sério. — É um Porsche Panamera Turbo, ele foi construído na Alemanha e tem capacidade...
— Não precisa falar mais, não entendo nada a respeito, só que eu gostaria muito de saber: por que você me deu um carro?
Não posso lidar com isso... Um porsche?
— Acho que devo um pedido de desculpas, acabei deixando você sozinho, e queria compensar.
Que hipocrisia! Estou começando a me arrepender de ter aceitado o convite dele.
— Um pedido de desculpas seria o suficiente — retruco, revoltado.
— Não gostou do carro?
Gabriel parece um pouco decepcionado com minha reação. Mas o que ele achou que eu fosse fazer?
— O que ainda não consegui entender é por que me deu um carro. Será que vai caber dentro do meu quarto?
Percebo a raiva tomando conta de mim.
Ele solta o ar, suspirando. Passa as mãos pelo cabelo — percebo que faz isso sempre que está tentando se acalmar. Me encara por um tempo, o controle vai se esvaindo dos seus olhos negros.
— Anjo, eu... Eu sei que é demais, mas essa foi a única forma que encontrei de te agradar — confessa, parecendo constrangido. — Vai ajudar se eu disser que estou um pouco perdido? Nunca estive num relacionamento.
O quê? Que relacionamento?
— Achou que iria me agradar se me desse um carro? — pergunto. Não estou conseguindo acreditar nem controlar minha raiva.
Ele se aproxima e passa a mão no meu rosto. Arruma os meus cabelos que o vento bagunçou, atrás da orelha. Estremeço com seu toque.
Droga! Devia pelo menos ter o controle do meu próprio corpo.
— Só queria te dar algo de valor, e me desculpar por ter sumido esses dias.
Quem é esse na minha frente? Chega a ser cruel me tratar bem, mostrar que se importa de alguma forma, só para depois me trancar naquele quarto e fingir que não existo.
Meu peito sangra, a dor da decepção é tão grande que corrói os nervos.
Só me resta raiva e mágoa.
— Não sei o que quer de mim, Gabriel, mas está sugando o que ainda tenho de bom.
Ele para de me acariciar e seus olhos mudam, a expressão do seu rosto é de dor. Parece que o atingi profundamente.
— Samuel... Eu... — Ele está tão destruído, desolado, tão solitário quanto eu.
— Obrigado pelo carro, Gabriel, mas não é necessário, até porque sou um prisioneiro.
Não quero ferir os seus sentimentos, mas é o que eu realmente sinto.
— Não diz isso, Samuel. — A sua angústia me quebra. Seu peito sobe e desce, descompassado.
Vulnerabilidade. Essa palavra surge no meio do redemoinho de pensamentos que está em minha cabeça agora.
Estamos tão próximos que posso beijá-lo a qualquer momento, mas não vou. Não posso. Eu tenho meus princípios.
— O que você quer que eu diga, se é exatamente isso que sou? Fico sozinho, sem poder sair. Estou morrendo aos poucos, me sinto tão vazio...
— Anjo. — Ele me interrompe, encostando a testa na minha, depois se afasta um pouco. — Vou deixar você sair, está bem? Mas sempre irá acompanhado por um dos meus seguranças e precisarei saber todos os lugares que você for.
— E se eu não quiser? — pergunto.
Ele se afasta mais, parece cansado, mas não tira suas mãos de mim.
— Então não permitirei que saia, ainda não é seguro. Aqueles caras são perigosos, preciso te manter protegido até resolver toda essa situação — explica suavemente.
— E tudo bem se eu usar os seus seguranças?
Mais uma vez deixo a raiva falar por mim.
Provavelmente estou querendo que ele exploda e brigue comigo de alguma forma, pois não consigo lidar com esse homem.
— Ele não vai encostar em você. — Seus olhos ficam sombrios, perigosos, me desafiando a dizer qualquer coisa ao contrário.
— Tudo bem. Contanto que eu consiga sair para algum lugar, está ótimo.
Ele suspira aliviado.
— Que bom que nos acertamos nessa parte, agora vamos comer antes que a comida esfrie. — Ainda segurando a minha mão, ele me leva até a mesa.
Quando me solta apenas para se sentar do outro lado, me sinto vazia novamente.
O jantar é servido ao seu comando. Dou algumas garfadas na comida, sob seu olhar atento. Ele me serve uma taça de vinho, degusto aos poucos, tentando suavizar a minha garganta seca.
— Me desculpe pela ausência, queria te dar um pouco de espaço — diz, cauteloso.
— Quase não reparei — respondo, mais ou menos em um sussurro.
Que feio mentir, Samuel! Meu subconsciente me repreende.
Seu sorriso se alarga, provavelmente sabendo que eu menti.
Silêncio.
Volto a comer e ele também.
O silêncio não me incomoda, o que me incomoda é sentir o peso do seu olhar formigando o meu corpo todo.
Termino de comer rapidamente. Assim que solto o garfo, ele solta o dele, quase não comeu nada.
— Quer a sobremesa?
Queria muito comer algo doce, mas não vou conseguir sentir o sabor de qualquer forma.
— Não.
— Samuel... — Seu tom de voz grave antecipa um alerta, talvez não goste nem um pouco do que irá dizer, principalmente pelo seu olhar malicioso. — Precisamos conversar sobre um assunto desconfortável, mas necessário.
Sinto meu coração retumbar no peito. Pego a taça de vinho e viro de uma vez, depois me sirvo outra taça. Essa conversa vai precisar de álcool.
— Diga — afirmo, tentando esconder meu embaraço.
O canto da sua boca se curva em um leve sorriso.
— Preciso de uma posição sobre nós dois. Eu sou homem, Samuel, tenho minhas necessidades. Sei que disse que posso ter outros homens, mas não quero isso, eu quero apenas você.
Um fogo denso e abrasador percorre meu corpo, parando entre as minhas pernas. Automaticamente as cruzo, tentando aplacar o desejo que se instalou.
— Deixei isso claro pra você, Gabriel. Se quiser qualquer coisa comigo, terá que forçar. Farei o que me pedir, mas não quero você.
Queria que isso realmente fosse verdade, mas meu corpo parece um vulcão em erupção, sem qualquer chance de se apagar.
Antes de expressar sua posição em relação a mim, ele me examina meticulosamente.
— Não forçarei nada, você já sabe disso. Agora espero que entenda que preciso me aliviar de alguma forma. Só quero saber ao certo o que você estaria disposto a fazer, mas entendo a sua posição. — Ele se inclina na mesa, aproximando-se. Chega tão perto que seu cheiro já está inebriando meus sentidos. — Tenho vários homens a minha disposição, pode ficar tranquilo quanto a mim, mas não pense que o mesmo vale para você. Não se deitará com ninguém a não ser comigo, e estarei pronto se quiser algo.
Argh!
A raiva me queima como ácido.
— Isso não vai acontecer. Então se divirta com os seus homens e me esquece. — Deixo transparecer todo o ódio que estou sentindo por ele agora. Levanto quase derrubando a cadeira. — Bom, obrigado pelo carro e pelo jantar, foi ótimo. — Me viro para ir embora, ganhando distância.
Ouço seu suspiro pesado.
— Anjo. — Ele vem atrás de mim e agarra a minha mão, me obrigando parar. Sua voz é como súplica entrando em minha mente enlouquecida de raiva, quebrando minhas barreiras, me deixando fraco.
Não quero sentir mais isso, quero odiá-lo. Quero esse homem longe de mim.
— O que quer, Gabriel? Depois de tudo que me fez e falou, acha que vou correr pra sua cama só porque é o seu desejo? Ou você comprou o carro apenas para isso? — Solto um riso irônico enquanto seus olhos percorrem os meus. — É isso mesmo? Achou que eu pularia de felicidade e esqueceria tudo que se passou, esqueceria todas as vezes que me feriu, só por causa de um maldito carro? Espero que não, porque isso não vai acontecer.
Estou à flor da pele, e com raiva de mim mesmo, porque não consigo odiá-lo. Mesmo olhando para ele agora e vendo como é um cretino egocêntrico, ainda sinto amor.
— Não foi por isso que eu te dei o carro. — Seus olhos estão cravados nos meus, parecendo perdidos. — Samuel...
— Não, Gabriel, estou cansado de ser quebrado por você. — Puxo meu braço, me viro e saio pisando duro, praticamente correndo.
Sei muito bem que se eu ficar mais tempo aqui, cederei ao seu olhar, a sua súplica. Assim que entro no meu quarto, fecho a porta e me encosto nela, tentando respirar.
— Não posso ser fraco — digo a mim mesmo.
É difícil resistir quando ele está vulnerável, mas não vou ceder.