Estranhei o tom. Ele não havia entrado na brincadeira que fiz e o seu “É” tinha uma conotação que me deu um calafrio na espinha. Fiquei em silêncio por um tempinho, apenas o olhando e tentando decifrar aquele som, mas nada me veio. Então, já apreensiva, ele falou:
- A Márcia está grávida…
Capítulo 24 - Usada e abusada
- Háááá! Qual é, Marcos!? - Falei e caí numa gostosa e debochada gargalhada, imaginando que fosse uma brincadeira: - Grávida de quem, do Espírito Santo?
Ele, porém, continuava sério e me olhando com… apreensão! Da mesma forma como minha gargalhada surgiu rápida e estridente, sumiu célere e silenciosa. Eu o encarava agora também séria:
- É brincadeira, não é? - Insisti.
- Annemarye, calma! Deixa eu te explicar…
- Explicar o quê? Que você se separou da sua ex e continuou transando até ela engravidar? Porra, Marcos! Mas que palhaçada é essa!?
- Pelo amor de Deus, fica calma. - Falava, tentando segurar minhas mãos.
- Tira a mão de mim, Marcos! Não encosta em mim. - Falei, já puxando minhas mãos para longe dele e me levantando: - Porra! Idiota, idiota... Como eu pude ser idiota assim? Você depois de sei lá quanto tempo vem atrás de mim, me arrasta do escritório, faz amor comigo e me diz que sua ex está esperando um filho seu!? Ah, vá tomar no teu cu, cara!
Saí andando rápido em direção à suíte e já imaginando que ele viria atrás de mim, tranquei a porta:
- Filho da puta! Desgraçado! Miserável! - Fiquei xingando-o baixinho para mim mesma, enquanto começava a me vestir.
Aliás, me vestir era pouco. Eu queria sair o quanto antes dali e nunca mais olhar na cara dele. Ainda me vestindo, ouvi sua voz:
- Anne! Abre, por favor. Deixa eu entrar. - Ele passou a falar, dando leves batidas na porta: - Por favor, conversa comigo.
- Vai à merda, Marcos! - Falei e fui até o banheiro, me trancando.
Ali imaginei que não ouviria mais sua voz, mas ele insistia, pedindo e batendo na porta. Peguei, então, um batom que encontrei sobre a bancada, certamente da dona Eugênia, e tentei passá-lo em meus lábios. Não consegui! Minhas mãos tremiam ao ponto de tê-lo acertado no nariz. "Palhaça! Isso mesmo que eu sou, uma palhaça!", pensei ao me ver no espelho: "E tão triste quanto!". Sentei-me no chão frio dali e comecei a respirar fundo uma, duas, três vezes para tentar me acalmar. A única coisa que consegui com isso foi chorar dolorosamente de uma dor que vinha do fundo da minha alma. Me senti usada, abusada mesmo, e justamente pela pessoa que eu imaginei que pudesse ser a minha chance de, enfim, ser feliz.
- Porra, até tu, Marcos!? - Reclamei para mim mesma e soltei o mais alto grito que consegui para que ele ouvisse mesmo: - Vai tomar no teu cu, seu filho da puta!
Acho que ele me ouviu, pois parou de falar e agora só o som da hidromassagem quase cheia me chamava a atenção. Tive uma ideia louca nesse momento:
- Tenho mais nada a perder mesmo. Que se foda o mundo! - Falei comigo mesma.
Tirei, então, toda a minha roupa e entrei, mergulhando-me até a cabeça e ficando apenas com o rosto de fora da linha da água. Funcionou! Todo o som externo sumiu e fiquei imersa, literalmente, perdida apenas em meus pensamentos. Claro que eu não iria me matar por causa isso! Aprendi desde cedo que ninguém merecia a minha vida mais do que eu própria. Talvez um filho sim, mas fora ele, ninguém mais. Eu precisava daquele silêncio e precisava, mais que tudo, de mim mesma naquele momento! "Você é uma advogada, Annemarye, deve usar a razão livre da emoção", pensei. Respirei fundo para me acalmar, então:
- Ela está grávida, ok, mas eles não estão mais juntos. Já vi muito disso no escritório, casos de mulheres que engravidam tentando manter relacionamentos falidos e sei que não dá certo. - Comecei a falar comigo mesma.
- Mas é um filho! Como vou concorrer com um filho? - Perguntei para mim mesma e eu própria respondi, óbvio: - Ora, sua burra, você não vai concorrer com ele! São posições diferentes, são amores diferentes.
- Mas e se ele precisar escolher entre um dos dois? Eu perco fácil nessa situação, porque eu não teria dúvida em sacrificar qualquer relacionamento por um filho. - Insisti e novamente me respondi: - Não vai acontecer, Annemarye: amor é amor e amor é amor, entendeu, sua caipira romântica idiota!?
Talvez ainda houvesse espaço para nós, talvez… Mas uma coisa era certa: ele havia errado feio comigo. Talvez se ele tivesse contado antes para mim, eu não estivesse tão brava. A gente até poderia não ter transado, mas teria tido uma conversa séria, adulta, racional e deixado a emoção para depois ou para outro dia, sei lá. Ele errou nisso, é fato! Mas eu também não insisti na conversa e me deixei levar, afinal, eu também o queria muito. “Tá! Mas ele errou mais!”, insisti comigo. Lembrei-me então de um antigo provérbio budista que talvez me ajudasse a somatizar aquela situação: “Se seu problema tem solução, então não há com que se preocupar. Se seu problema não tem solução, toda preocupação será em vão.”, que, traduzido para um jargão bem mais brasileiro seria algo como “Foda-se essa merda toda!”
Saí da hidro até melhor comigo mesma. Ainda estava brava, mas já não queria matá-lo. Enxuguei-me com toda a calma e cuidado que eu merecia, me vesti adequadamente, me maquiei porque eu também merecia e fui enfrentá-lo. Abri a porta e ele estava sentado no chão, encostado à parede e com as mãos na cabeça. Ao me ver, se levantou rapidinho e veio em minha direção. Coloquei a mão em seu peito para que não se aproximasse:
- Vamos conversar!
- Tá bom. - Respondeu e me deu passagem.
Fui até a mesa sem olhar para trás. Sentei-me e ele veio ficar ao meu lado:
- Não! Senta ali. - Indiquei uma cadeira na minha frente, do outro lado da mesa.
O que eu tinha para falar seria olho no olho e sem contato físico algum. Ele precisava entender de uma vez por todas, se realmente quisesse ter uma chance comigo, que eu não estava para brincadeira e que não aceitaria ser usada de maneira alguma por ele:
- Desculpa, Anne, eu…
- Para! Não quero ouvir suas desculpas agora. - O interrompi: - Mas quero que você me explique direitinho essa história desde o começo. Pode começar.
Ele passou então a me contar que depois que fui embora de seu apartamento, ele estava certo de que me queria e terminou com a Márcia logo em seguida, decidido a vir atrás de mim, porém, com o quase infarto de sua mãe, acabou tendo que ficar para cuidar dela, quando, sem querer, se envolveu novamente com a Márcia que ajudava nos cuidados com sua mãe:
- Sem querer, Marcos!? - Ironizei: - Ela te forçou, foi? Pôs uma arma na tua cabeça? Fez você tomar uma cartela do “azulzinho”?
- Não, não foi nada disso, Anne. Eu sei que errei. Eu devia ter sido forte, mas era tanta coisa envolvida, tanta pressão e ela ali… Bem… Enfim, aconteceu. Errei! Eu sei, desculpa. - Falou consternado.
- Tá e depois?
Passou a me falar, então, que havia tentado contato comigo por telefone, que sua mãe havia conseguido após uma ligação para o doutor Gregório, mas que, anotado errado, não havia dado em nada. Dise também que havia me enviado solicitação de amizade no Facebook e no Instagram, e que eu não havia respondido até aquele momento:
- Sério!? - Peguei meu celular disposta a confrontá-lo e comecei a verificar: - Ih, caramba, tem mesmo! Putz, quantas!? Uma, duas, três, quatro, pá, pá, pá, pá... Nossa! Tem gente pra caramba! Umas vinte solicitações ou mais aqui!
- E por que você não aceitou a minha, Anne?
Eu continuava olhando para o celular e vi solicitações inclusive do Gêra, do Erick, da Renata, do Guto e do Rubens:
- Eu não perco tempo com redes sociais, Marcos. Às vezes, muito raramente, dou uma sapeada, mas não curto muito, não. - Justifiquei e brinquei: - Pronto! Agora você já é meu amiguinho virtual.
- Não tem graça! Se tivesse me aceitado antes, a gente talvez já tivesse se resolvido há muito mais tempo.
Depois passou a me contar que foi até minha cidade natal, onde chegou a almoçar com meus pais, até recebendo suas bênçãos para vir atrás de mim:
- Da minha mãe, eu até acredito, mas do meu pai!? - Comecei a rir: - Era mais fácil ele ter te capado lá na roça.
- E recebi mesmo! - Falou sorrindo: - Com um abraço dele e tudo! Até foi lá que descobri que minha mãe, naquela afobação típica da dona Gegê, havia anotado errado seu número.
- E por que você não me ligou quando meus pais te passaram o número correto?
- Eu tentei! Aliás, nós tentamos, mas seu número só dava como “desligado ou fora de área”. Pergunta para ele! Nós tentamos no mesmo dia em nossos celulares.
Passou então a falar que foi até meu escritório, onde o doutor Gregório lhe informou que eu estava em Maceió e que eu ficaria duas semanas ainda, quando decidiu não ligar e me fazer uma surpresa, por isso nos encontramos lá:
- Porra! E por que você não foi atrás de mim de imediato, então? - Perguntei, já brava.
- Quando meu voo foi liberado, eu fui. Aí cheguei lá no seu hotel, todo arrumado, apaixonado, com buquê de rosas e tudo e... - Me encarou, constrangido e chateado, buscando as palavras: - Porra! Cheguei lá no meio do dia e fiquei plantado à tarde toda no seu hotel. Daí vi você chegando aos abraços e beijos com um carinha todo tatuado, rindo, brincando, feliz da vida...
- Tá de brincadeira, né, Marcos!? Era o Gêra. Ele foi só uma paquera que arrumei lá, caramba! - Rebati, chateada também: - Você achou o quê, que eu tivesse encontrado o amor da minha vida lá?
- Ah, não sei o que eu pensei. Na hora, eu fiquei super chateado, sem ação. Então, vi que vocês foram para o elevador e imaginei o que iria acontecer.
- Imaginou o quê, sexo!? É lógico que a gente transou, mas foi só isso, sexo sem sentimento. Pelo menos da minha parte, ele até queria me namorar, mas eu não quis, justamente porque eu imaginava que...
- Imaginava o quê, Annemarye?
- Nada! Nada mesmo. - Preferi não me entregar no momento.
- Depois, eu decidi que iria falar com você e fui duas vezes lá, mas acabamos nos desencontrando. Eu chegava e você sempre estava saindo de “buggy” com o seu “paquerinha”. - Ironizou.
- Sabe que teve um dia que eu tive a impressão de ter te visto mesmo quando a gente estava saindo!? Só que quando eu me virei no “buggy” para confirmar, não te vi mais e pensei que tivesse me enganado...
- Pois é... Eu cheguei até a ir atrás de você numa praia e te vi aos amassos com ele...
- E não chegou em mim, né!?
- E você queria que eu fizesse o quê? Chegasse em você e falasse, na frente dele, “Annemarye, eu vim aqui pra gente se acertar, pode ser ou vai tá difícil!?” - Brincou e deu uma gostosa risada, se controlando logo depois: - Pior é que eu tentei ligar pra você, mas a ligação estava horrível.
Eu só chacoalhei a cabeça negativamente enquanto o olhava e comecei a sentir um cheiro de queimado:
- Marcos, a lasanha! - Gritei.
Levantamo-nos e fomos até o forno. Por sorte, havíamos colocado em fogo baixo e o estrago foi pequeno. Começamos a rir e, apesar de toda a situação ser extremamente chata, fomos nos servir. Voltamos para a mesa, porque a conversa ainda precisava continuar:
- Olha, eu não sei por que você demorou tanto para tomar uma atitude? Até parece que gosta de sofrer! Acho que se você tivesse chegado em mim, a gente teria ficado juntos bem antes, aliás, tenho certeza. O Gêra é um cara muito legal, mas era só um amigo mesmo, um "ficante", na verdade.
Ele sorriu com minha confissão e se empolgou:
- Sofrer, não, ninguém gosta! Mas não vou negar que cheguei até a ficar excitado em te ver naquele biquininho que vi você usando.
- Ah, tá! Um biquininho que a mulher que você gosta usava com outro cara que a estava comendo? - Ironizei.
- Pois é... Loucura, né!? Aliás, até na praia, vocês estavam quase se comendo...
- E você não sentiu ciúme? Não ficou bravo? Não quis arrebentar ele? Me tirar dos braços deles? Me dar uma chacoalhada e me comer na praia, na frente dele?
- Ciúmes!? Claro muito! Eu queria matar aquele desgraçado, mas você estava tão feliz que eu acabei, sei lá, aceitando... - Falou, encabulado e mudando rapidamente o rumo daquela prosa que já estava ficando estranha: - Daí a gente se encontrou no shopping...
- Foi! E eu perguntei o que você queria de mim. Por que você não falou que tinha ido atrás de mim?
- Fiquei sem jeito, porque o seu “ficante” não saía de perto. Além disso, pela forma que você falou, eu até imaginei que seu casinho não fosse tão “inho” assim.
- Ah, qual é? Eu perguntei o que você queria de mim. Será que isso não foi claro o suficiente? Custava ter dito que queria ficar comigo. O que você tinha a perder, caramba? Nada!
- Talvez o resto de dignidade que eu ainda tinha, sei lá...
Suas palavras me doeram e fiquei sem reação. Passei a comer minha lasanha sem saber sequer se queria continuar aquela conversa. Eu gostava muito dele, mas eu acabei ficando sem jeito na sua presença. Entretanto, agora, ele é quem queria mais:
- Daí teve aquela vez no camarote...
- Que vez no camarote? - Perguntei, curiosa.
Passou então a me contar da vez em que me viu com o Aurélio no camarote, durante o carnaval, e pensou que pudéssemos estar tendo algum caso:
- É claro que não, sô! - Falei brava: - Ele é teu irmão, Marcos! Olha o tamanho do absurdo que você está me falando. Quem você pensa que eu sou? Uma biscate, uma interesseira?
- Mas vocês pareciam tão próximos que cheguei a pensar, sim.
- Como é que é?
- Não, não, não! - Falou enfaticamente ao me ver ficar irada com sua última resposta: - Não estou te chamando de biscate ou interesseira, sei que você não é. Eu só achei que vocês estivessem juntos. Só isso!
- Você viu a gente se beijar, por acaso?
- Nem fiquei lá! Quando vi vocês dois juntos, dei um jeito de sair na mesma hora. A Márcia até quis ir cumprimen... - Se calou, imediatamente por ter visto que já falava demais.
- Ah, a Márcia... - Resmunguei: - Mas vocês não tinham terminado?
- Depois daquele dia em Maceió, a gente acabou meio que voltando sem voltar, se é que me entende...
- Não! Não entendo, não! - Falei decepcionada e me levantando para levar o prato para a pia: - Poxa... Ainda bem que você queria ficar comigo, né!?
Cheguei na pia da cozinha e ele chegou quase que imediatamente. Eu, em silêncio, já estava lavando meu prato e talheres para deixá-los sobre a pia. Ele ficou encostado me olhando e, quando terminei, ele me segurou pela cintura de frente para si:
- Olha... A gente se desencontrou demais nessa vida. Acho que já passou da hora da gente tentar dar certo juntos. Eu te quero demais. - Falou e segurou meu queixo para olhar em seus olhos: - Olha pra mim. Você acredita em mim, não acredita?
- Não tenho porque duvidar de você, Marcos, mas, sei lá... Parece que não é pra ser.
- Mas por que? Como assim?
- Uai! Sempre que a gente parece que vai ficar juntos, acontece alguma coisa: sua mãe quase infarta, a gente se desencontra, a Márcia fica grávida... Ah, sei lá, parece o destino falando um “não” bem grande pra gente.
- Não diz isso! Escuta... Eu estou aqui de peito aberto, falando que te amo e dizendo que quero ficar com você. Fica comigo, poxa... Dá uma chance para a gente.
- Ah, Marcos... Eu preciso pensar. Eu... eu... Poxa! Os desencontros, tudo o que aconteceu tem uma explicação e isso eu consigo superar fácil, mas você ter terminado com a Márcia, sem terminar de verdade, e ainda a engravidar, isso me pegou de surpresa e... - Falei, com os olhos levemente marejados, já tentando me livrar de seus braços: - Ah, eu preciso pensar. Só isso.
- Ah, Anne, por favor... - Disse e me abraçou forte, apertado, parecendo já estar com saudade de alguém que não havia sequer partido ainda.
- Marcos... - Comecei a rir baixinho e brinquei: - Por favor, alivia um pouco. Eu preciso respirar.
- Não vou te deixar ir embora assim. Não vou. - Falou e continuou me abraçando: - Brava, decepcionada comigo, eu não deixo!
- Pois é... Por isso, eu preciso pensar para não falar algo que não deva.
- Então, fica e a gente se acerta! - Disse, ansioso com minha abertura: - Eu sei que a gente consegue.
- Vou não! - Ri novamente: - Eu tenho que trabalhar. Sou uma reles trabalhadora, meu caro: se não trabalho, não recebo.
Ele começou a afrouxar o abraço e vi em seu rosto um sorriso triste, mas conformado. Nesse momento, um telefone tocou sobre a ilha da cozinha e, de onde estávamos, vimos a imagem da dona Eugênia surgir na tela. Era uma foto simples, dela mostrando a língua, bem ela mesma. Não tive como não sorrir e ele foi atendê-la enquanto eu buscava seu prato para lavar:
- Oi, mãe. - Ele começou a falar: - Tudo bem, sim. Bem, mais ou menos.
- Falei, sim, mãe. - Ele respondeu de uma forma séria e continuou: - A gente conversou bastante. É, claro que sim. Lógico que não gostou.
- Está aqui, claro, mas já está de saída. Ela disse que “tem que trabalhar”. Tá. Espera aí.
Eu só apurei o ouvido e ouvi o que já imaginava:
- Dona Gegê quer falar com você, Anne.
- Ah, Marcos, agora não...
- Agora, sim, mocinha. - Fui interrompida por uma voz artificial vinda do seu celular: - Vai falar comigo agora, sim, senhora!
Olhei espantada para o aparelho na mão dele e mordi meus lábios, brava e emburrada por ter sido abordada daquela forma. Peguei seu celular e desativei o viva voz, indo me sentar no sofá da sala. Se ela queria falar comigo, seria comigo, não com a gente:
- Oi, dona Eugênia. - Falei ainda emburrada: - Já tô aqui!
- Oi, não, mocinha. Tem que falar “oi, sogrinha, tudo bem?” - Brincou e riu: - No mínimo, dona Gegê, de agora em diante.
- Desculpa. Tudo bem com a senhora?
- Vou bem, querida, e você? Como está?
- Vou levando...
- Está chateada, né? Eu imagino como deve estar se sentindo.
- É...
- Quer conversar?
- Não quero, não! Eu estou meio confusa com tudo ainda. Eu preciso pensar com calma.
- Eu entendo. Mas vocês não brigaram, não, né?
- Eu acho que não. Nós discutimos um pouco, conversamos bastante, mas briga mesmo, não teve, não.
- Melhor assim. Pense com calma, querida, e se quiser desabafar, mesmo que seja para xingar o Marcos, me liga que eu te escuto. Sou uma sogra boazinha, pode acreditar...
- Feliz do Felipe, né, dona Gegê?
- Por que?
- Ele é teu genro. Eu não... - Acabei me interrompendo para não ser descortês.
- Não, ainda! - Ela insistiu: - Mas mesmo que não queira me ver como sua sogra, então me considere como sua segunda mãe. Não se esqueça que cuidei de você.
- É verdade. - Ri, mas logo me desanimei novamente e acabei soltando: - Poxa, dona Gegê, grávida!?
- É... Eu sei, querida... Ele não foi correto, mas acho que a Márcia também facilitou bastante, talvez até tenha premeditado tudo. - Falou, consternada ao telefone: - E homem é um bicho burro, Anne. Eles pensam demais com a cabeça de baixo e só depois veem a burrada que cometeram.
- Ah, dona Gegê, ainda assim...
- Escuta, não estou isentando ele da culpa. Ele errou, sim! Mas agora estou mais preocupada com vocês, principalmente com você. Eu vou para São Paulo e queria me encontrar com você, naturalmente se você quiser conversar comigo.
- Eu adoro a senhora, dona Gegê! Não tenho porque recusar uma conversa.
- Ótimo! Vou fazer um cafezinho caprichado pra gente com bastante pão de queijo. - Brincou, rindo: - Esfria a cabeça, querida. Pense com calma, reflita bastante e depois vamos conversar como duas mulheres maduras, amigas antes de tudo, ok? Se quiser me ligar também, fique à vontade. Quero o seu melhor e vou ajudá-la no que for possível. Eu te prometo.
- Tá bom. Obrigada.
- Você pode passar o telefone para o Marcos, por favor, querida. - Me pediu com aquela voz tranquila, centrada, que só a maturidade tem a capacidade de ensinar: - Ah, e fica com Deus e um beijo meu bem no seu coração.
- Passo, sim. Obrigada e outro pra senhora também.
Entreguei o telefone para o Marcos e voltei para o sofá. Ouvi que eles conversaram mais alguma coisa, só que, de onde estava, não consegui entender nada. Pouco depois, eles desligaram e Marcos veio se sentar do meu lado:
- Eu sei que não tenho o direito de te cobrar nada, mas, e a gente? Como ficamos agora? - Perguntou.
- Eu vou pensar em tudo, Marcos. Por enquanto, continuamos só amigos.
- Vem jantar comigo depois, então, só como amigos. Tem bastante lasanha ainda.
- Eu não sei, talvez... Depois eu te ligo.
- Tá. Leva meu cartão, dessa vez. - Brincou: - Agora a gente já tem o telefone um do outro e o meu está funcionando sempre, ouviu?
Apenas acenei com a cabeça e me levantei para sair. Ele também se levantou e veio me abraçar. Eu não recusei e errei feio com isso, porque uma vontade imensa de chorar me abateu e abri a boca em seu peito. Ele me acolheu como tinha que ser e tive a impressão de que chorou também. Ficamos os dois ali, abraçados por um tempo ainda, enquanto eu tentava me controlar. Depois de um tempo, eu o encarei, acariciei de leve seu rosto e me soltei de seus braços:
- Me deixa te levar? - Pediu.
- O carro é meu, Marcos. Eu vou dirigindo. Não se preocupe.
- Mas você está nervosa...
- E vou ficar muito mais se você não me deixar ir. - Rebati.
Despedi-me dele com um beijo no rosto e um olhar triste, de ambos na verdade. A vida continuava e eu precisava trabalhar, me focar, ocupar minha cabeça, ou iria surtar de vez.
[...]
- O que foi, mãe? - Nana me perguntou, curiosa: - Eles treparam ou não?
- Nana! Modere seu linguajar, menina! - Falei, brava e sorrindo ao mesmo tempo.
- Ah, qual é!? A senhora preparou sua suíte para eles terem uma “noite de amor”, vulgo, trepar até esfolar o lombo, e vai querer me cobrar moderação no linguajar. Parô, né!? - Rebateu, irônica como sempre.
Não aguentei a cara da minha caçula e comecei a rir. Quando parei, sabia que tinha que saciar sua curiosidade ou ela seria bem capaz de ligar para o irmão:
- Não sei se eles treparam ou fizeram amor, Nana, mas conversaram bastante e a Anne parecia bem triste no telefone. Parece que a história da gravidez a atingiu em cheio.
- Aquela filha da puta da Márcia… Sempre ela!
- Teu irmão também tem culpa, Nana! Ela não o estuprou que eu saiba.
- É, eu sei. É outro idiota também.
- Bem, vamos dar um tempo para a Anne pensar. No final de semana, vou para São Paulo e conversarei com ela. Ela precisa de espaço, mas sempre sabendo que vamos apoiá-la. Acho que posso ajudá-la a encontrar uma boa solução, talvez uma nova perspectiva.
- Eu também vou!
- Vai aonde, baixinha? - Perguntou Duda que entrava na sala nesse momento.
Ela se aproximou, nos cumprimentou com beijos e se sentou à mesa, curiosa com nossa conversa:
- Para São Paulo comigo, Duda. Marcos e Anne se encontraram e tiveram uma conversa que já deveria ter acontecido há tempos.
- Oba! Cunhadinha nova para gente passear no shopping? - Ela comemorou, sorrindo, mas vendo nossos semblantes sérios, entendeu que algo não estava bem: - O que foi? Já brigaram?
- Não, querida. Bem, pelo menos, eu acho que não. - Respondi, serenamente: - É que a gravidez da Márcia pegou a Annemarye desprevenida. Senti pela voz dela que ficou magoada demais.
- Vem com a gente também, Duda!? - Nana disse: - Vamos lá ajudar esses dois no final de semana.
- Não, não vão! É uma conversa mais delicada e vocês duas podem mais atrapalhar que ajudar.
- Poxa! Brigada, viu, dona Gegê. - Nana falou e se levantou, indo em direção ao quintal, já resmungando: - Você não vai, não, sua retardada, bocuda, língua solta do caralho!
Acabamos rindo dela e Duda falou:
- Mamãe, talvez a senhora esteja pondo pressão demais no relacionamento deles, idealizando demais o lado romântico da história, como o papai já disse. Sinceramente, acho que seria melhor alguém mais racional conversar com ela.
- Quem? O seu pai?
- Claro que não, né, mamãe! - Rebateu, sorrindo: - Talvez eu seja a pessoa mais indicada para fazer isso. Afinal, o Felipe também tem um filho fora e temos conseguido administrar muito bem nosso casamento com o Ique e a Cristina.
- Você faria isso?
- E por que não?
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.