Assim que a porta foi fechada, me dirigi até a cozinha e o Erick veio atrás, logo me encoxando. Desvencilhei-me de seus braços e o encarei. Era hora de colocar os pingos nos “is”.
Capítulo 20 - Senta no colinho
O Erick se afastou ao ver que algo não estava certo comigo, aliás, alguém que visse meus olhos, entenderia isso imediatamente. Peguei minha taça de vinho, tomando uma bela golada e fui direta:
- Qual é a do seu irmão e do seu pai me encarando daquele jeito?
- Que jeito?
- Não me trate como uma idiota, Erick! Conheço bem o olhar de um homem que quer me comer e é bem diferente do de um familiar que acabou de me conhecer como a namorada do seu filho ou irmão. Eles estavam me comendo com os olhos.
- Ah, Anne, o que é isso? Deve ser só uma impressão sua ou talvez o vinho que subiu um pouquinho mais alto. - Sorriu, desviando o olhar e veio para cima de mim logo em seguida: - Você só ficou tensa em conhecer minha família. Vem cá, vem, vou fazer uma massagem em você…
- Não encosta em mim! - Falei, colocando a taça entre nós: - Se você acha que pode me enganar, tudo bem, vou fingir que acredito, mas a gente vai dar um tempo porque agora eu não me sinto mais à vontade com você.
- Poxa, cara! Tem nada mesmo, não! Juro…
- Seu irmão falou na tua cara que vocês dividem tudo, me olhou pelo canto do olho, deu uma risadinha torta e você correspondeu. - Falei, brava, deixando-o branco com os detalhes de minha observação: - E você acha que eu estou vendo coisas? Tá bem! Tudo bem! Ficamos assim, então: você com seus segredinhos e eu comigo mesma.
Peguei minha bolsa e fui em direção à porta da sala. Ele sentiu o baque e não conseguiu argumentar mais nada comigo. Antes de chegar à porta, eu voltei e encarei novamente, enchendo-o de esperanças de que pudesse estar mudando de ideia, mas o frustrei logo em seguida:
- Depois que desocupar minha Marinex, faça o favor de me devolver, ok? Posso precisar dela para fazer um doce para quem mereça de verdade!
[...]
Quando cheguei na portaria do prédio dos pais da Márcia e o porteiro me reconheceu, imediatamente me contou que eles haviam saído há pouco, rumo ao hospital em virtude de um desmaio sofrido por ela. Perguntei para qual hospital eles foram e, informado, segui rápido para lá. Cheguei me apresentando e fui conduzido para uma espécie de sala de espera da família. Os pais dela, seu Jairo e dona Ana, aguardavam aflitos notícias de sua filha:
- Marcos!? Desculpa. Acabei não me lembrando de ligar para você. - Seu pai começou.
- Esquece disso. O que aconteceu?
- Não sabemos. Você se despediu da Márcia e pouco depois ela ficou branca, reclamando de falta de ar e desmaiou. A peguei e trouxemos correndo para cá.
- Os médicos estão com ela há um tempão e ninguém nos fala nada. - Sua esposa completou.
Fui até o balcão e pressionei uma atendente por informações, que repassou para uma técnica em enfermagem, que repassou para uma enfermeira que foi para dentro da área reservada, voltando minutos depois acompanhada de uma médica:
- O senhor é parente da paciente Márcia Regina?
- Sou namorado. Aqueles ali são os pais. - Respondi com eles já se aproximando.
- Sou a doutora Eliane. Atendi a paciente e podem ficar tranquilos! Ela já está bem, está consciente e respirando sem dificuldades.
- Mas o que aconteceu?
- Ela não deve estar se alimentando direito e, devido ao seu estado, teve um mal súbito, uma queda de pressão, e desmaiou. Apenas isso.
- Ela realmente não tem comido direito mesmo... - A mãe da Márcia falou: - Mas espera aí! Que estado é esse que a senhora está falando?
- Ela está grávida. Vocês não sabiam?
“Grávida!”, pensei. De todas as hipóteses, aquela é uma que eu não esperava ouvir mesmo. Me tirou o chão e quem quase teve um mal súbito nesse momento fui eu. Seu Jairo notou que eu não estava bem e me amparou, me colocando sentado numa cadeira próxima. Uma técnica de enfermagem foi buscar um copo de água, me entregando. Sorri envergonhado para eles, sem saber se o sorriso era de nervosismo ou felicidade por saber que eu seria pai:
- Fica tranquilo. Já vi muito disso acontecer por aqui. - Disse a doutora Eliane, sorrindo, ao ver que eu já recobrava minha cor normal.
- Podemos vê-la? - Perguntei.
- Daqui a pouco. Ela está numa sala de observação no momento, mas já será transferida para um quarto. Daí poderão vê-la. Parabéns, papai!
- Obrigado.
Seu Jairo e dona Ana ficaram radiantes com a notícia. Eles seriam avós e o primeiro neto é sempre uma mudança e tanto na vida da família. Depois vieram e me abraçaram, compartilhando todo o orgulho e felicidade que estavam sentindo, sem sequer se darem conta de que eu não estava exatamente feliz. Pouco depois, uma enfermeira retornou dizendo que poderíamos entrar, de dois em dois, a cada vez. Deixei que fossem primeiro, porque eles eram os pais e eu precisava conversar com meus pais ou iria explodir. Liguei para meu pai e minha mãe atendeu:
- Oi, querido. Já falou com ela? - Me perguntou imersa em uma expectativa imensa.
- Não, mãe, não falei. A Márcia passou mal e foi trazida para um hospital.
- Hospital!? Mas o que aconteceu?
- Ela desmaiou.
- Mas…
- Grávida, mãe. - A interrompi: - A Márcia está grávida.
[...]
- Nana, como você me faz isso!? - Perguntei assim que Marcos saiu porta afora.
- Fiz o que tinha que fazer. Meu irmão não ama a Márcia. Você sabe disso, mãe.
- Mas ainda assim, ele é quem deveria tomar uma iniciativa. Você poderia ter me deixado falar com calma para ele, talvez dar umas indiretas.
- Ficar esperando a senhora contar!? Eu ia morrer e não veria ele e a Anne dando uns amassos.
- O que é isso, Nana! Modere sua linguagem. - Meu marido a repreendeu, mas caiu numa gostosa risada logo depois.
- O que!? Falei alguma mentira? Todo mundo aqui sabe que ele não ama a Márcia e isso ficou mais que escancarado quando vi a forma como ele encarava a Annemarye. - Nana bradava, falando com palavras, gestos e mãos: - Ele ama a Anne, mãe! Eu só não sabia que ela também amava ele, senão já tinha bancado a casamenteira há muito mais tempo.
Por mais precipitada que ela tenha sido, a verdade é que sua atitude gerou um efeito mais que desejável. Realmente eu já discordava do relacionamento do Marcos com a Márcia. Eles se gostavam, se respeitavam, se comiam, isso é fato, e bastante audível inclusive, mas não se amavam, pelo menos não ele. Não havia aquele fogo, aquela paixão, aquela vontade de viver juntos “até que a morte os separe”. Eu encarava minha caçula enquanto ela ainda explicava para os outros tudo o que havíamos conversado com a Annemarye no orquidário e depois o que ela própria falou para o Marcos em seu apartamento. Meu marido ouvia tudo com muita curiosidade e atenção, permeado às vezes com sorrisos pela forma de pensar e agir da Nana. Independente disso, a Anne já o havia conquistado com seu jeito único de ser e seria leviano imaginar que ele não a quisesse como sua nora também.
Fiquei perdida em meus pensamentos até que ele se deu por satisfeito com as explicações da Nana e veio ter comigo, convidando-me a acompanhá-lo em um café. Sentados na mesa, olhávamos um nos olhos do outro e ele começou:
- Se eles se amarem metade do que a gente se ama, serão felizes para sempre.
- Olha, posso estar enganada, mas ali tem amor, sim! Eu só não consegui mensurar, se é que isso é possível.
- Mais que a gente?
- Olha, meu velho, acho que mais que a gente!
- E o que você acha disso tudo?
- Você a conheceu, Balthazar, ela é um amor de pessoa, simples, trabalhadora, inteligente, divertida. Isso que você viu hoje foi o que eu vi todos os dias no nosso apartamento. Ela é assim mesmo!
- E você gosta dela, não gosta?
- E você não gostou? - Perguntei até chateada com a forma como ele me indagou: - Eu a adoro! Quero ela pra nossa família, sim! Acho que o Marcos tem tudo a ver com ela.
- Eu, a princípio, gostei também, mas acho que é cedo ainda para ter um juízo formado como o seu. Quem sabe eles não se acertam, começam a namorar e daí te falo se quero ela para nora.
Olhei brava para ele que riu alto da minha cara:
- Não adianta me olhar desse jeito, Gegê. Sou sistemático e extremamente desconfiado. Você me conhece. - Falou ainda rindo: - Mas confio na sua avaliação e estou mais que curioso em ver onde isso tudo vai dar.
- Estou me coçando aqui, Balthazar. Acho que vou ligar para o Marcos…
- Vai nada! - Fui interrompida: - Deixa ele se resolver lá com a Márcia. Já, já a gente vai ficar sabendo de tudo.
Ficamos conversando sobre outros assuntos e logo o restante da família veio se juntar a nós na mesa, puxando o assunto deles novamente para a pauta principal. As opiniões eram variadas, mas surpreendentemente todas convergiam para concordar que o Marcos estava num relacionamento fadado ao fracasso se permanecesse com a Márcia. Duda, mais madura e centrada, era enfática em defender o direito do irmão em ser feliz:
- Além disso, a Annemarye se mostrou muito mais mulher que a Márcia hoje. Ela foi até fazer as pazes e trazer aquela teimosa para a mesa. - Ela falou: - E tudo isso para não deixar um clima chato atrapalhar nosso almoço. Achei esplêndido!
- Por mim, ela tinha ficado lá na sala e de lá pra rua. - Nana emendou, sem esconder sua antipatia pela Márcia: - Eu nunca gostei dela e ela nunca fez questão de tentar se aproximar de mim, não que ela me deva alguma coisa, mas ser simpática, educada, é o mínimo que se espera na casa da pessoa.
- Gente, pra mim a questão é simples: o Marcos fica com as duas e vive feliz para sempre. Segundas, quartas e sextas com a Márcia, terças, quintas e sábados com a Annemarye, e ainda sobra os domingos para a gente farrear junto! - Falou Felipe, marido da Duda, atraindo os olhares irados de todas as mulheres da mesa e um jocoso de meu marido.
- COMO É QUE É!? - Duda o interpelou, já se alterando e pronta para discutir.
- Só estou brincando, amor! - Ele começou a rir da cara dela: - Acho que vocês estão levando a questão muito a sério. Tudo bem que estamos falando de dois, aliás, três corações ali, mas eles são todos adultos, podem muito bem superar uma decepção e continuar vivendo.
- Não pode, não! - Precisei contestá-lo nesse momento: - A Annemarye já passou por boas decepções nessa vida e estava inclusive criando um muro ao seu redor para se proteger de novas. Essa menina já sofreu demais. Está mais que na hora de ser feliz com alguém e espero, do fundo do meu coração, que seja com o Marcos. Mas se não for com ele que ela encontre o amor nos braços de outro homem justo e merecedor.
- A senhora não tá falando do Lélio, não, né, mãe!? - Nana me interpelou, brava com uma possível sugestão.
- Por que não? O Lelinho também é uma ótima pessoa e se mostrou muito interessado nela.
- Isso não daria certo, Eugênia. Nunca! - O Balthazar é quem me contestou agora: - Mais cedo ou mais tarde, acabaria em briga certa entre os irmãos. Até por isso mesmo ainda estou meio reticente entre um relacionamento do Marcos com ela. Tenho medo do que possa acarretar no futuro entre nossos filhos.
- Mas gente, isso não vai acontecer. O Marcos chegou primeiro, quer e vai lutar por ela e ainda tem mais… - Nana dizia até ser interrompida pelo toque do celular de Balthazar.
Olhei na tela do seu aparelho e Marcos tentava fazer uma chamada. Tomei o aparelho para mim, mas mudei de ideia e ativei o viva voz, afinal, todos estavam tão curiosos quanto eu pelo deslinde daquela situação. Pedi silêncio a todos e começamos a conversar. Logo, ele disse que a Márcia havia passado mal, mudando imediatamente o foco de nossa curiosidade. Entretanto, logo em seguida que entendemos que o problema seria muito mais complicado de se resolver:
- Grávida, mãe. - Ele falou, com uma voz claramente abatida: - A Márcia está grávida.
Um silêncio sepulcral tomou conta de todos naquela mesa. Até meus netos se calaram. Ninguém se atrevia a abrir a boca, aliás, ninguém sabia o que falar. Balthazar, o patriarca da casa, racional e analítico como sempre, me encarou, levantando suas sobrancelhas, numa clara demonstração de estar surpreso e tomou para si as rédeas da situação:
- Você está precisando de alguma coisa, Marcos?
- Ah, pai… Acho que só de um pouco de sorte na vida. Só isso.
- Fica calmo. Em qual hospital vocês estão?
Ele falou o nome do hospital e após conversarem mais um pouco, Balthazar encerrou a ligação, se levantando da mesa e dizendo:
- Vou até lá.
- Vou com você, meu velho. - Falei.
- Não! Você não vai. Vou até lá ajudá-lo e quero ter uma conversa de homem para homem com ele. Vocês se deixaram envolver pelo romance, mas está na hora de ser prático.
- Balthazar…
- Não, Gegê! - Ele me interrompeu novamente: - Vou sozinho e acabou.
[...]
Após o estranho jantar no apartamento do Erick, decidi lhe dar um “gelo”. Ele bem que me ligava, mas eu recusava nova aproximação. Coincidência ou não, uns três dias após o jantar, num final de tarde em que eu tinha ido ao shopping comprar algumas lingeries novas, topei justamente com a Renata na mesma loja, que me reconheceu de imediato:
- Annemarye!? Oi, menina. Está lembrada de mim?
- Oi, claro, Renata. Tudo bem com você?
- Tudo! E você?
- Vou bem também, obrigada.
- Ah, comprando lingerie nova para usar com o Erick, né, danadinha… - Falou com um sorriso malicioso, alisando uma das peças que eu olhava: - Eu adorei essa vermelha!
- Então… Na verdade, estou comprando para mim mesma. Se ele vai ter o prazer de ver, vai depender mais dele do que de mim. - Respondi enquanto separava algumas para eu provar.
- Credo! Vocês brigaram?
- É… Mais ou menos isso. - Não queria me alongar porque ainda me sentia incomodada com a forma como ela me encarou no jantar e pedi sua licença: - Se me dá licença, Renata, eu vou provar algumas peças. Se você quiser comprar, aproveite que eles têm ótimos produtos e bons preços também.
Entrei no provador e experimentei alguns conjuntos que havia escolhido. O sutiã de um deles ficou apertado na base de meus seios e pedi a uma atendente que me trouxesse um número maior. Pouco depois quem me entregou a nova peça foi a própria Renata que se auto convidou para entrar no provador comigo, aliás, entrou sem permissão alguma com algumas peças para ela própria provar:
- Olha, Renata, desculpa se pareço careta, mas eu não me sinto à vontade para trocar de lingerie na sua frente. A gente acabou de se conhecer…
- Deixa disso, Anne! Eu tenho uma xereca, dois peitos e duas bandas de bunda, igualzinha a você! Quer ver? - Rebateu.
Antes que eu disse mais alguma coisa, ela soltou a alça do vestido que usava que veio rápido ao chão, ficando apenas de calcinha na minha frente, a qual também não se rogou em tirar em segundos:
- Tá vendo? Somos apenas duas mulheres experimentando lingerie no mesmo provador. Relaxa!
Eu meio a contragosto, tirei a lingerie que estava usando e coloquei a nova que ela me entregou:
- Você tem um corpão, menina! Malha muito? - Ela me perguntou.
- Só o suficiente. Sou meio preguiçosa para atividade física.
- O que é isso, hein? Ó! Tudo durinho… - Disse, apalpando minha bunda: - E esses peitos, então? Adorei teu silicone.
- São naturais, Renata.
- Ah, vá! Mentira sua!
- Claro que são! Originais de fábrica…
Sem que eu esperasse, ela colocou sua mão nos meus seios e os massageou sob o meu olhar atônito, quase em pânico por estar sendo bolinada no provador da loja:
- Nossa, que delícia! Macios e durinhos ao mesmo tempo. Só Deus para fazer assim mesmo…
- É… Renata! - Falei, contrariada: - Já deu, né!?
- Opa! Desculpa. - Disse, recolhendo suas mãos: - Mas e aí? O que aconteceu entre vocês dois? Espero que não seja nada sério.
- Eu prefiro não falar sobre isso. - Respondi, já vestindo minhas roupas para sair do provador.
- É algum homem? Ou homens, quem sabe? - Ela insistia.
- Renata! Por favor, né...
Fui rápida! Saí quase correndo e, lá fora, enquanto eu finalizava a compra ela surgiu pouco tempo depois, já com o celular em mãos. Só ouvi ela dizendo “Já escolhi. Tá bom, te espero. Beijo.” Naturalmente, imaginei que o Augusto fosse aparecer para pagar sua compra, mas qual não foi minha surpresa quando, em questão de minutos, entrou o Rubens na loja:
- Annemarye!? Que surpresa boa! - Disse, sem demonstrar a menor surpresa, o que me surpreendeu, por sua vez.
- Como vai, seu Rubens?
- Vou bem e é só Rubens. Pelo amor de Deus, já estou de cabelo branco, falando assim vou me sentir mais velho ainda.
- Tá bom. Desculpa.
Ele olhou para a Renata e ela mostrou para ele as peças que tinha escolhido. Ele as olhou cuidadosamente, examinando a transparência das calcinhas contra a luz da loja e eu, naturalmente, estranhei tal intimidade entre ela e o pai de seu namorado. Aliás, a proximidade entre eles era tão grande que seria quase impossível para alguém que visse a relação de fora não imaginar que fossem eles o casal. Acho que ele se tocou que eu os observava incomodada e falou:
- O Guto pediu para eu pagar. Infelizmente, ele vai atrasar um pouco…
- Sim. Claro. - Respondi sem querer me delongar.
Fizemos os pagamentos e eu já me preparava para me despedir deles quando a Renata me fez um convite:
- Vamos tomar um chope, Rubens? Até o Guto chegar. Vem com a gente, Anne!
- Claro! Podemos sim e seria um prazer ter a sua companhia, Annemarye.
- Ah, eu agradeço, mas acho melhor não. Quem sabe outro dia, não é?
- Outro dia! Quando? Como? Eu moro no Mato Grosso do Sul e vivo viajando pelo Brasil e América Latina, nem saberia dizer quando volto para São Paulo. - Ele argumentava, tentando me convencer: - Vamos lá. Só um chopinho.
- Sem essa, vem! - Renata insistiu e já foi me puxando pelo braço.
Deixei-me levar porque estava com um calor danado e um chope geladinho viria bem a calhar, mas mais que isso eu estava curiosa em relação aqueles dois e pensava poder descobrir algo numa conversa mais descontraída e diluída em álcool. Uns dez metros adiante, a Renata inventou moda:
- Vamos deixar a turma com inveja, Anne?
- Como é que é?
- Vamos pegar nos braços do Rubens, uma de cada lado. Vamos fingir que ele é o nosso “Sugar Daddy”. - Falou e já foi para o lado esquerdo dele.
Ele me olhou, sorriu de uma maneira maliciosa e abriu seu braço direito para mim. Eu não me senti à vontade e recusei:
- Obrigada, mas não! - Seu sorriso murchou na mesma hora: - Não me sinto à vontade. Sinto muito. Além disso, algum cliente poderia ver e isso complicaria minha situação no escritório.
Como mágica, o Augusto surgiu do nada e pegou o meu braço, como se tivesse mais intimidade comigo que com a própria namorada que estava agarrada ao seu pai. Eu o encarei surpresa e me desvencilhei dele, para espanto dele e dos demais. Ficou um clima chato, mas logo eles começaram a conversar, brincar com a situação, tirando sarro do “fora” que eu acabei de dar nele, sempre rindo. Nesse momento, a Renata soltou o Rubens e deu os braços para ele. Seguimos até um quiosque de uma marca famosa e pedimos quatro chopes. Passamos a papear e, sinceramente, eu sentia alguma coisa estranha neles, na forma deles agirem um com os outros. Havia intimidade demais, muita mesmo, entre a Renata e o Rubens. Eu diria até mais que entre ela e o Augusto. O chope já havia acabado e como eu não havia conseguido descobrir nada na conversa, já me preparava para sair. Mais que rapidamente eles pediram uma segunda rodada:
- Só mais esse e vou embora, gente. - Deixei avisado.
- O que é isso, Anne? A noite é uma criança. O paizão tava até falando que iria pagar o jantar para a gente hoje, não ia, não, velho?
- Será um prazer. Ainda mais se contarmos com a ilustre presença de nossa advogada, doutora Annemarye.
- Por que “nossa advogada”, Rubens? - Perguntei, curiosa.
Estranhamente, ele engasgou com as próprias palavras e depois resumiu dizendo que era força de expressão. Eu o encarei e ele entregou, dizendo que era cliente do Gregório que cuidava de algumas questões para ele. Terminado o chope, me despedi, mas o Augusto pediu uma terceira rodada:
- Só mais essa! Prometo. - Falou.
- Não. Obrigada mesmo.
Tentei me levantar, mas a Renata grudou em mim, dizendo estar adorando me conhecer melhor, que tinha certeza que poderíamos ser grandes amigas, perguntando sobre como aproveitar a noite paulistana, etc. e tal. O Augusto também grudou do outro lado, passando a servir tira gostos na minha boca, aliás, literalmente, enfiando goela abaixo, sem que eu tivesse tempo de recusar.
Num desses eventos inexplicáveis do destino, Liliandra apareceu e me reconheceu na mesa. Aliás, a mim e ao Rubens, vindo nos cumprimentar. Aproveitei a deixa e me levantei, ficando ao seu lado e segurando em seu braço. Ela, cobra criada, estranhou minha atitude, mas não recusou. Depois de uma breve conversa entre eles e deles terem tentado convencê-la a se sentar e a mim a permanecer, nos despedimos e saímos andando pelo shopping:
- Ai, Liliandra, obrigada. Eles não estavam querendo me deixar sair…
- E por que fariam isso?
- Não sei! Encanaram em mim, sei lá. Eu tive um relacionamento com o outro filho do Rubens, o Erick, e eu os conheci há alguns dias. Daí… sei lá… Ah, deixa pra lá.
- Tô te estranhando, “Jéssica”... Eu sei que o Rubens é o tipo canalha, que se deixarmos ele come todas as moças que passem na frente dele, acho até que ele já traçou a Tereza…
- A Tereza do escritório? - Perguntei, surpresa, interrompendo-a.
- Sim! Mas isso não interessa. A buceta é dela e ela enfia o que quiser dentro. Além disso, ele paga bem demais pelo nosso trabalho.
- É. Pode ser coisa da minha cabeça…
- Além disso, por que ele iria querer ficar com você, sendo uma ex do filho dele e se ele já namora aquela moça bonita lá? Regina, se não me engano.
- Aquela da mesa? A Renata?
- É. Isso. Renata... Ela mesma! Outro dia, inclusive, os dois foram juntos lá no escritório. Você ainda estava em Maceió…
Não ouvi mais nada do que ela dizia. Se eu já estranhava aquilo, agora tinha ainda mais motivos para desconfiar de que algo não cheirava bem.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.