Dei um sorriso amarelo para eles e me calei. Para mim a noite, havia terminado. Eles ficaram conversando entre si e jantaram conosco. A comida linda, cheirosa, apetitosa, descia como fel pela minha garganta, pois o assunto não era outro senão os detalhes do plano maquiavélico traçado pelo Rubens para se apossar da Annemarye. A cada detalhe que ele compartilhava, mais meu estômago ficava combalido. Quando todos já haviam comido e paga a conta, eu já imaginava que seria a sobremesa, o que foi confirmado pelo Guto:
- Bom, vamos pro apartamento ou pra um motelzinho, pai? Tá na hora da Renata justificar o seu salário, né não!?
- Ora, tem um motel muito bom pro lado da…
- Não! - Erick o interrompeu, sério e me encarando: - Eu saí com a Renata hoje e hoje… - Ele insistiu: - Hoje, ela será somente minha.
- O que é isso, mano!? Divide aí, caralho! - Guto insistiu.
- Chega, Guto! - Rubens o repreendeu: - Deixa o Erick se divertir. Amanhã, você sai e se diverte também. Aliás, amanhã não! Amanhã sou eu.
- Pô! - Guto falou, balançando os ombros, irado, mas acabou se resignando.
Eles se levantaram, se despedindo de nós e saíram. Erick chamou o garçom e pediu mais dois drinks para nós e, assim que o garçom se afastou, falou:
- Fica tranquila, Renatinha, por hoje você está segura. - Falou, pousando sua mão sobre a minha: - Agora, me explica melhor o seu plano.
[...]
Capítulo 41 - Acordando para um pesadelo.
Quando acordei e me vi ligada a vários fios, com tubos inseridos em lugares que não ouso sequer imaginar, fiquei em pânico. Logo uma enfermeira, possivelmente alertada pela repentina alteração em meus batimentos cardíacos, entrou no quarto onde eu estava para certificar o que estaria acontecendo. Ao me ver acordada e disposta, pediu que eu ficasse tranquila que ela já iria chamar o médico. Poucos segundos, talvez minutos, entrou um médico que eu já havia visto de relance pelos corredores da faculdade:
- Márcia, minha querida, como está se sentindo?
Apontei para os tubos em minha boca e ele entendeu de imediato que eu estava impossibilitada. Continuou:
- Vou fazer alguns exames só para me certificar de que você está bem. Daí retiraremos alguns desses incômodos tubos.
Dito isso, passou a me examinar com atenção e logo outra médica também entrou no quarto, cumprimentando a ele e depois a mim mesma, passando também a auxiliá-lo nos exames. Ambos ficaram satisfeitos com suas análises e começaram a retirar alguns dos tubos que me mantiveram viva. Feito isso, ele me perguntou:
- Consegue respirar sem dificuldades?
Não consegui responder porque minha garganta arranhava, doía mesmo, mas balancei afirmativamente a cabeça:
- Sua garganta logo, logo estará bem. Não se esforce. - Disse a médica.
“Tá bom”, pensei comigo mesma e na mesma hora falei, ainda baixinho e meio dolorida:
- Estou bem. - Disse, mas me corrigi no mesmo instante: - Melhorando…
- Ótimo! Já ficou muito tempo de molho, está perdendo muita matéria na faculdade.
Só então reconheci a médica como sendo a Dra. Márcia, coincidentemente minha xará e também minha professora de Fisiologia. Acabei soltando um sorriso meio desconcertado e perguntei em seguida:
- Cadê meus pais?
- Acho que estão na sala de espera. Vou verificar e já volto. - Ela disse e saiu, deixando-me a sós com o primeiro médico que continuava analisando minha condição clínica.
Poucos minutos depois, meus pais entraram. Meu pai vinha sorridente e animado com o anúncio da minha repentina melhora, contrastando com minha mãe que entrou chorando e se debulhou ainda mais em lágrimas ao me ver desentubada:
- Credo! Parece que preferia me ver morta. - Brinquei e daí que ela chorou de vez.
Comecei a rir e meu pai se aproximou para me dar um afago e um beijo na testa. Assim que eles se controlaram, melhor dizer, ela se controlou, começamos a conversar diversos assuntos até que chegamos ao tópico Marcos, com meu pai sendo tipicamente meu pai:
- A polícia desconfia que ele foi o mandante…
- O Marcos!? - Interrompi surpresa com o absurdo da hipótese: - Ele não mata sequer uma barata, pai. Claro que não foi ele.
- Eles acham que ele pode ter sido o mandante, Márcia. - Minha mãe que agora falava.
- Gente, ele nunca faria isso! E eu sei bem quem pode ter… - Preferi me calar para não colocá-los em risco.
- Márcia, você sabe de alguma coisa? - Perguntou meu pai e me alertou: - Já tentaram te matar duas vezes. Se você sabe de algo, é melhor contar tudo.
Eu imaginava, aliás, eu tinha quase certeza que, se houvesse um mandante, não seria o Marcos, mas sim o Lelinho. Entretanto, se eu contasse isso para os meus pais, isso e tudo mais que eu sabia, eu poderia colocá-los em risco também. Uma briga contra o Lelinho não seria fácil, nem eu estava à altura para tanto, e, se fosse esse o caso, eu precisaria de um aliado, alguém forte, alguém potente, alguém rico, enfim, alguém que pudesse assumir a briga comigo:
- Pai, eu preciso falar com o Marcos.
- Está louca, menina!? - Quase gritou minha mãe.
- Eu sei que ele não fez, nem mandou fazer nada, mãe. Quero conversar com ele. Eu preciso…
Meu pai, esperto, no ato entendeu que não se tratava de um quero, mas de uma necessidade e rebateu minha mãe:
- Se a Márcia está falando, vamos respeitar. Vou ligar para ele.
- Mas o que é isso, Jairo! Será que todo mundo ficou louco por aqui!? - Minha mãe bradava em bom tom: - Ele tentou matar sua filha. MA-TAR! Não vou deixá-lo chegar perto dela.
- Para, Ana! A polícia está vigiando todos que entram e saem do quarto. Ele não seria louco de tentar nada contra ela. Vou chamá-lo e assunto encerrado.
- Pai, embora a mãe esteja equivocada, tem outra pessoa que também poderia me ajudar. Liga para o seu Balthazar, então, por favor? - Pedi.
Eles me olharam surpresos e minha mãe, terrivelmente curiosa, tentou saber de mim que ajuda eu poderia querer do seu Balthazar que eles não poderiam me dar, mas neguei, óbvio. Mudamos de assunto e ficamos conversando ainda por um bom tempo. Depois que se retiraram, fiquei perdida em meus pensamentos. Marcos poderia me ajudar, mas será que ele acreditaria no que eu iria contar?
[...]
- Vamos jantar fora.
Assim Marcos me retirou de um transe que eu me auto havia imposto para tentar entender toda aquela trama que as nossas vidas pareciam ter se transformado:
- Como é? - Perguntei, ainda meio atordoado.
- Vamos jantar fora. Meu pai faz questão de nos levar em um de seus restaurantes preferidos e acho que seria uma boa oportunidade para desestressarmos. - Ele insistiu.
- Ah, sei não, Marcos…
- Mãe, ela não quer ir! - Ele falou num tom um pouco mais alto e logo dona Gegê surgia próximo a nós.
- Ah, Anne. O Balthazar faz questão de pagar um jantar para você e para o Gregório que tem feito o possível e o impossível para defender o Marcos. Não acredito que vai recusar nosso convite…
- Dona Gegê, só estou meio cansada…
- Tira um cochilo, ué! Descansa que quero te ver linda e maravilhosa para um jantar hoje. Não aceitamos um não e tentar recusar, chamo o Balthazar aqui!
- Ô gente…
- Cadê teu pai, Marcos? - Ela perguntou para ele e eu a interrompi.
- Tá bom, tá bom. Vou dar uma relaxada e saímos depois. - Resignei-me: - Jantarzinho informal, né?
- “Né” não, filha! Balthazar faz questão de pagar um jantar no melhor e mais exclusivo restaurante carioca, afinal, sua “norinha” merece, né.
- Mas não trouxe roupa para um evento desses, dona Gegê. - Resmunguei.
- Então, eu te empresto. - Ouvi uma voz familiar e ao me virar em sua direção, vi a Duda se aproximando: - Temos praticamente a mesma altura, apesar de você ter mais “fortinha” que eu…
- Ara! Tá me chamando de gorda, Duda? - Falei, já rindo da situação.
- Gorda não, mas que você é mais bunduda que eu, sem dúvida alguma. - Respondeu, rindo igualmente, enquanto se abaixava um pouco para me beijar o rosto: - Vem comigo. Vamos lá em casa rapidinho e depois te trago de volta.
- Você também vai? - Perguntei, curiosa.
- Eu!? Nós, você quer dizer, aliás, nós todos da família fomos convidados.
- Gente, olha o trabalho…
- Para com isso, Annemarye! Tira esse bundão do sofá e vem comigo. - Insistiu já me puxando pelos braços.
- Eu levo vocês. - Marcos participou, sorrindo, feliz da vida.
- Leva nada! - Duda o repreendeu: - Vou sair com a minha cunhadinha sozinha. Você fica.
- Duda? - Ele insistiu, surpreso.
- Não!
- Duuuuudaaaaaa!? - Insistiu novamente, fechando levemente seu olho em sinal de contrariedade.
- Cara feia para mim é fome. Não é não e acabou! - Ela o rebateu outra vez e se virou para mim: - Vem, mineira. A gente vai rápido e volta rápido também.
Eu era minoria e já me dava por vencida. Dona Gegê nem tentou nos acompanhar porque Duda parecia querer um momento a sós comigo e isso me deixou curiosa. Já em seu carro, cortávamos algumas avenida cariocas quando ela soltou:
- A gente está bem, né, Anne?
- Uai! Tá, não tá? Pensei que estivéssemos. - Falei, surpresa.
- É que depois daquela história de vida liberal, eu pensei que pudesse ter queimado minha imagem com você.
- Ara sô! Capaz mesmo, Duda! Deixa de ser boba, sô. Tenho nada a ver com sua vida. Se está bom assim para você e seu marido, quem sou eu para me meter. - Falei e ainda brinquei: - Ele não tá querendo meter em mim não, né!?
Ela deu uma gostosa e sonora risada, uma gargalhada eu diria até. Pouco depois, se controlou e continuou:
- Olha, acho que até quer, mas com a família fica meio complicado, né. A gente não gosta de misturar.
- Ufa! Ainda bem, né!? Imagina só o rolo que isso ia virar.
Ela mudou de assunto para não correr o risco de me constranger e conversamos sobre diversos assuntos, até chegarmos em seu apartamento num luxuoso prédio de frente para uma famosa praia carioca, cujo nome eu, mineira raiz, não sabia e continuo sem saber. Subimos e logo estávamos dentro de seu apartamento, decorado com uma pegada mais minimalista, com exceção de algumas estátuas e pinturas que quebram toda a limpeza visual do ambiente:
- Vem, Anne, entra. - Chamou-me para dentro da área reservada de seu apartamento.
Logo estávamos em sua suíte e dela para seu “closet”. Imenso, variado, chique pra caramba!
- Tenho alguns vestidos longos aqui. - Mostrou-me alguns pendurados lado a lado: - Estes quatro aqui eu sequer usei.
Eu fiquei deslumbrada porque era um mais belo que o outro:
- Poxa, Duda, fico até sem jeito.
- Fica não, menina, e capricha, viu!? Se bem conheço o papai, hoje ele não perde a chance de te apresentar para alguns amigos da alta sociedade carioca.
- Ah, nem brinca!
- Por que? Você e o Marcos não estão bem?
- Claro que estamos. É que, sei lá… É tudo muito recente ainda.
- Deixa disso, menina. Todo mundo em casa gosta de você. “Carpe diem”, Annemarye, “carpe diem”.
- Qual você vai usar? - Perguntei para não constrangê-la.
- O meu já está separado. Você pode escolher à vontade. - Disse e voltou a alisar os quatro vestidos, pegando um vermelho escuro, quase bordô: - Usa esse! Com sua cor de pele, vai ficar um arraso.
Coloquei o vestido a frente do meu corpo e era lindo, mas uma dúvida surgiu:
- Será que serve? - Falei quase involuntariamente, fazendo ela rir: - O que foi?
- Não disse nada. Você que sugeriu.
Ela me puxou para seu quarto e pediu que eu o experimentasse. Tirei minha roupa rapidamente e o coloquei sobre o meu corpo. Ficou maravilhoso, apesar de ter ficado um pouco mais justo abaixo da linha da cintura, como eu já esperava, ainda assim, após me maquiar e fazer um bom penteado, eu ficaria deslumbrante:
- Ah, Duda, poxa, mas é seu!
- Gostou?
- Lógico! Ele é lindo.
- Então é seu! Assim a gente não mistura o cheiro das xerecas.
- Que é isso!? - Falei e comecei a rir alto, aliás, nós duas.
Tirei o vestido para não correr nenhum risco e bem na hora em que eu estava só de calcinha, a porta de sua suíte se abre e Felipe entra, dando de cara comigo seminua. Cobri meus seios como pude, mas ciente de que ele devia ter me visto quase como eu havia chegado ao mundo:
- Felipe! - Duda gritou.
- Eu não sabia. Já tô saindo. - Respondeu, mas não sem antes assobiar um “fiu-fiu” para mim, deixando-me ainda mais vermelha.
Assim que ele saiu e fechou a porta, Duda veio se desculpar comigo. Não havia mais o que fazer e eu me vesti. Depois saímos de sua suíte e o Felipe estava sentado no sofá com um celular à mão:
- Muito bonito, hein, Felipe? - Duda o interpelou.
- O que!? Estou na minha casa e você não me avisou que teríamos visita. Como eu poderia imaginar.
- Tá tudo bem, Duda, ele tá certo. Além disso, ele não viu nada demais.
- Ééééé… - Ele resmungou, com um sorriso malicioso no rosto: - Meu cunhadinho tá bem servido, viu? Como é que vocês dizem em Minas mesmo? “Benzá Deus”?
- Felipe! - Duda falou, quase gritando.
- O que? - Ele respondeu, rindo alto e se voltou para mim: - Desculpa, Anne, de verdade. Não foi minha intenção te ofender.
- Tá tudo bem. - Respondi e me voltei para a Duda: - Eu vou indo. Preciso dar um jeito na minha juba, alisar as garras. Cê sabe, né? Coisas de mulher.
- Annemarye, eu ia me arrumar num cabeleireiro, amigo meu. Vem comigo. Tenho certeza que ele te encaixa. A gente já sai de lá prontas.
- Ainda assim eu precisava comprar uma lingerie. - Falei baixinho, na tentativa de somente ela me ouvir, mas o Felipe estava atento.
- Vai sem! Aposto que o Marcos não vai se incomodar. - Ele falou.
- FELIPE! - Duda gritou, quase avançando sobre ele.
- O que? Caramba, hoje não é o meu dia. - Respondeu, rindo.
Antes que eu respondesse, a Duda pegou seu celular e ligou para a dona Gegê, informando que iríamos passar no cabeleireiro e que, de lá iríamos para o restaurante. Marcos quase teve um chilique do outro lado da linha quando soube que não me veria por um tempo e ela colocou no viva voz para que eu acompanhasse sua irresignação:
- Ela tá ouvindo você dar chiliquinho, Quinho. - Ela zombou e começou a rir.
- Como é que é? - Ele perguntou, num tom claramente constrangido.
- Coisa feia, hein, Marcos… - Brinquei com ele.
Acabou vencido depois que a Duda disse que ele não se arrependeria por confiar nela, pois ela tinha uma surpresa para ele. Não entendi de imediato, mas desconfiava que ela estava armando algo. Daí, ela desativou o viva voz e conversou em voz baixa alguma coisa com alguém, sem que eu conseguisse ouvir. Depois de desligar, ela combinou alguns detalhes com o Felipe sobre os filhos e fomos pegar nossos vestidos para sairmos.
Fomos diretamente a um shopping famoso, exclusivo e caríssimo. Passei deslumbrada por uma vitrine de sapatos e entrei, afinal, eu precisava de um calçado à altura do vestido. Comprei um sapato de salto alto agulha, dourado, bem como uma bolsinha de mão, mínima e também dourada, lindos de viver e caros de morrer! Voltamos a andar em direção ao salão e, ao passar em frente a uma loja de lingerie, tentei entrar, mas ela me segurou pelo braço:
- Aqui não! Vem que eu vou resolver tudo.
Continuamos andando e entramos num salão. Logo, um rapaz de longos cabelos lisos hiper hidratados, muito mais bonitos que o meu, e requebrando mais que nós duas juntas, veio recebê-la. Seu nome era Anderson. Ela me apresentou e disse que eu precisava de sua arte, pois teríamos um compromisso de alta classe para hoje. Ele me olhou de cima a baixo com um olhar dos mais críticos possíveis. Fiquei constrangida e brava ao mesmo tempo. Quando eu já me preparava para enquadrá-lo, ele perguntou:
- Vestido?
- Trouxemos. - Duda respondeu.
- Sapatos?
- Trouxemos. Ela acabou de comprar um lindíssimo dourado. - Duda disse novamente.
- Dourado, é? Tão cafona…
- Cafona!? - Falei, já bufando.
Eles começaram a rir da minha cara e ele levantou a barra sua calça boca de sino que escondia um tênis dourado de doer os olhos, tanto que ofuscava:
- Vem, querida, só estou brincando com você. Vou te dar um talento inimaginável hoje. Você vai sair daqui sem se reconhecer. - Ele disse.
Olhei para a Duda que já estava sendo acompanhada para espaço reservado enquanto eu era conduzida para outro e ela me deu um sorriso antes de sumir da minha vista. Não vou detalhar tudo o que fizeram comigo nesse dia, mas, resumindo, me viraram do avesso! Mas não posso reclamar do tratamento, massagens relaxantes, máscaras faciais, cremes corporais, unha, cabelo, depilação íntima, até meu cu não escapou. Não sei quanto tempo fiquei lá, mas foi muito, muito mesmo.
Quando eu estava praticamente pronta, uma moça entrou com uma mala cheia de lingeries para que eu escolhesse. Anderson se adiantou e escolheu uma rendada e com uma armação super diferente, que imaginou sumiria dentro do vestido. Errou feio, pois o sutiã aparecia. Experimentei outros dois modelos e nada. Cheguei a pensar em usar uma espécie de pétala adesiva, mas desisti pouco antes de experimentá-la:
- Deixa eu experimentar sem nada, Anderson!
- Uuuuuuui! Peladinha, sem nada!? Adorei, gata, desinibição é tudo. - Ele vibrou.
Coloquei o vestido e o salto sem nada mais por baixo e caiu super bem. Me olhei no espelho e decidi que iria assim:
- Tem certeza? - Ele insistiu uma vez mais.
- Tenho! Não vou estragar o efeito do decote desse vestido.
- Isso aí, amiga. Adorei!
Voltei a me despir enquanto eles terminavam minha maquiagem e já passava das vinte horas quando finalmente ele se deu por satisfeito. Coloquei minhas meias calças sete oitavos, com uma linda e delicada renda na parte superior, presas somente pela adesão do silicone de sua parte interna. Depois, coloquei o vestido, longo, insinuante, com uma fenda imensa na perna esquerda, um discreto decote na frente, mas um imenso nas costas, que por pouco não alcançava minha bunda. Anderson me calçou os pés e somente então ele me revelou seu trabalho. Uma maquiagem suave, de extremo bom gosto, mas insinuante e marcante nos pontos certos. Além disso, havia me feito um penteado que misturava um meio coque, com um topete baixo e os cabelos trabalhados em uma ondulação caiam pelo meu ombro direito. Realmente o danado era um “Francisco de Goya” dos salões de beleza.
Quando saí do meu reservado, reencontrei a Duda que já me esperava, lindíssima e trabalhadíssima num salto alto em um vestido longo azul anil, com um belo decote frontal. Sua maquiagem era tão bela quanto a minha, talvez até mais, pois combinava sutilmente com a cor de seu vestido. Anderson vibrava com suas obras, comemorando como se tivesse marcado um gol em final de Copa do Mundo. Felipe e os meninos estavam a seus lados, todos vestidos com roupas sociais e gravatas, no caso dos meninos, borboleta. Lindíssimos. Quando os vi, perguntei se me dariam um beijo, mas os dois se esconderam atrás do pai. Eu a encarei e, após, perguntei:
- Pagamento?
- Já tá tudo certo, Anne. O Marcos já fez suas vezes.
- Ara! - Franzi a testa.
- Não, não, não, não! Sem franzir a testa, Annemarye. Leveza, leveza… Não estraga minha obra prima. - Pediu Anderson.
Felipe, que havia me visto em trajes muito mais sumários naquele mesmo dia, me encarava surpreso e não resistiu:
- Esse cunhadinho tá se dando bem demais.
- Felipe! - Duda o repreendeu novamente.
- O queeeee? Poxa, já é a quarta vez hoje. - Ele resmungou e ela começou a rir.
- Mas, dessa vez, não posso discordar, o Marcos vai ficar de queixo caído. - Ela emendou, se levantando e vindo em minha direção.
Com um indicador virado para cima, vez um movimento em círculo, como que pedindo para eu dar uma voltinha, o que fiz no ato. Ela soltou um suspiro de admiração e se aproximou de mim, dando uma leve puxadinha no meu decote e, ao não ver nenhum sutiã, foi para trás e fez o mesmo na parte traseira acima da minha bunda. Depois me encarou com um baita sorrisão safado no rosto, cúmplice de um detalhe que poucos sabiam:
- Bem, vamos então? - Perguntei.
- Ainda não. - Disse e foi até o Felipe, de quem pegou uma caixinha e me trouxe: - Mamãe pediu para você usá-los.
Abriu então a caixinha e dentro havia um belíssimo colar de pedras preciosas e uma maior no centro, vermelha como sangue, ladeada por dois brincos também de pedras, mas estes menores e mais discretos:
- Lindo rubi. - Falei, sem pretensão alguma.
- É um diamante vermelho. Raríssimo e pouquíssimas vezes saiu do cofre da casa da mamãe. - Ela me corrigiu e falou em seguida com uma pontada de decepção: - Ela nunca me deixou usá-lo…
- Ai, Duda, não quero…
- Quer, claro que quer! Mamãe me mata se você não usá-los. Ah, e tem essas pulseiras também para completar o visual. Ela só as usa no pulso direito… - Disse e me mostrou o conteúdo de outra caixinha, com três pulseiras também de pedras preciosas que eu já nem queria olhar.
Tentei convencê-la a não usar aquilo, mas ela me convenceu do contrário ao argumento de que ficariam mais seguras em mim que no carro. Depois que as coloquei e me olhei no espelho, senti um peso imenso na consciência e um medo terrível por portar aquelas pedras. Despedi-me do Anderson e saímos do salão. Meu fardo foi comprovado e aumentou exponencialmente quando notei quatro imensos e mal encarados seguranças, vestidos de preto, que estavam ali apenas para nos acompanhar e evitar que um mal intencionado pudesse querer ver aquelas joias mais de perto. Dois deles seguiam à nossa frente e dois deles atrás.
Quando entramos no carro do Felipe, respirei minimamente aliviada. Eu e os meninos seguimos no banco de trás, Duda na frente com Felipe. Dois dos seguranças levaram o carro da Duda e os demais viriam em outro veículo. Do shopping, fomos para o tal restaurante, situado numa cobertura de frente para uma das vistas mais privilegiadas e valorizadas da cidade do Rio de Janeiro.
Ao chegarmos, um “valet” abriu a porta e me ajudou a descer. A fenda lateral do meu vestido exibiu a renda de minha meia calça como uma “première” daquela noite. O moço, magrinho e tímido, arregalou os olhos, mas foi extremamente discreto. Duda posicionou os filhos a sua frente e se posicionou ao lado do Felipe, pedindo-me para segui-la atrás logo atrás. Vi vários fotógrafos antes da entrada do prédio, fotografando aqueles que chegavam. Havia até um colunista social entrevistando alguma celebridade ou político que não reconheci no ato:
- Duda, onde vocês estão me metendo?
- Relaxa, Anne, vai dar tudo certo. Só me segue e repete tudo o que eu fizer. - Ela me respondeu.
Os meninos foram na frente e se deixaram fotografar, fazendo poses próprias de suas idades. Mesmo naquele ambiente formal, eles souberam se divertir minimamente. Depois Duda e Felipe se adiantaram e foram igualmente fotografados. Quando tentei seguir, uma mão me interrompeu, e uma moça pediu que eu aguardasse o fotógrafo terminar com eles primeiro. Na sequência, os segui e próxima a entrada, fui fotografada como nunca havia sido antes. Entrei, enfim, suspirando aliviada e, graças a um ar condicionado, não suei meu nervosismo todo ali.
Aliás, entrei em um saguão que parecia saído dos filmes de princesa da Disney. Iluminado e com uma riqueza de detalhes que me deixaram boquiaberta. Recompus-me rapidamente e a tempo de ver uma moça se aproximando de mim com um gravador:
- Querida, sou Rita Ramis, colunista do Jornal Primeira Hora. Será que eu poderia fazer algumas perguntas para a mais bela dama desta noite?
Antes que eu pudesse responder alguma coisa, Duda me alcançou e, pedindo licença, disse que falaríamos mais tarde, mas que, naquele momento, ela iria levar sua cunhada para encontrar o irmão:
- Cunhada, Duda? Aurélio? - Ela insistiu.
- Não, Rita, Marcos.
- Ahhhhh… - Disse enquanto voltamos a seguir em direção a um elevador, mas não sem antes ouvir: - Cara, que furo! Vou dar uma exclusiva hoje.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.