“Não vai atender?”, perguntou Sheila.
Marcelo, recostado à parede, tinha acabado de abrir a janela e acender o cigarro. Estava tentando largar o fumo, mas aquele cigarro pós-transa estava se mostrando o maior obstáculo.
Seu celular, no bolso da calça caída em algum lugar entre a porta e a cama, começara a tocar, ocasionando a pergunta de Sheila.
“Não.”, respondeu, carregando a voz com toda a indiferença que conseguiu conjurar.
“E por que não?”, ela retrucou. Até então, estivera com a cara enfiada em seu próprio celular, mas agora seus olhos azuis o fitavam. Observando. Perscrutando.
“Porque eu sei quem é.”, respondeu ele. “E sei o que vai dizer.”
Claro que sabia quem era. Ambos sabiam.
Era ela.
“Ahhh.”, Sheila disse.
Ficaram em silêncio enquanto o telefone seguiu tocando.
Quando parou, após cerca de vinte toques, ele respirou fundo e voltou ao contemplar a úmida noite carioca.
Sheila desceu da cama e ficou de quatro. Pôs-se a engatinhar até onde Marcelo estava. Ele levou um susto quando a viu.
“Que p—”, dizia, interrompendo-se quando ela esticou um dos braços e segurou seu pau.
Gemeu quando ela o botou na boca.
Rendido, pôs-se afagar seus cabelos loiros.
Sempre tivera uma quedinha por loiras, embora só tenha namorado com morenas.
Freud explica.
O celular voltou a tocar.
“Talvez você devesse atender.”, disse Sheila, entre uma chupada e outra.
“Huh? Por que?”
“Uai, deixar a pessoa assim, no vácuo, não parece a coisa certa a se fazer”, Sheila disse. Embora vivesse no Rio, pra onde viera ainda bem jovem, era natural de Barretos. Os muitos anos na Cidade Maravilhosa haviam amainado seu sotaque, mas ele voltava a ficar bem pronunciado quando ela ficava muito irritada. Era um termômetro que Marcelo usava para saber até onde podia ir quando discutiam. Ela, quando percebeu isso, passou a evitar palavras terminadas em ‘R’ quando queria esconder a raiva. “Não acha?”, disse, logo em seguida enfiando o pau dele o mais fundo na garganta que conseguiu.
Ele gemeu alto. “Ela que se foda.”, disse.
Sheila gostou do que ouviu.
Continuou a chupar até que ele gozasse em sua boca. Era a segunda da noite.
Engoliu.
Sheila foi ao banheiro, e quando voltou, Marcelo estava deitado na cama, olhos fixos no teto.
Ela deitou-se ao lado dele, e por algum tempo eles conversaram. Amenidades, em sua maioria. Séries que estavam assistindo, anedotas dos respectivos empregos… Riram e sorriram e trocaram afagos e carícias. Mas, a despeito da aparente leveza da situação, havia uma tensão escondida pairando no ar, como um monstro debaixo da cama, apenas esperando o apagar das luzes para atacar.
“Por que você quer tanto que eu atenda?”. A quem não estivesse prestando atenção, a pergunta pareceria ter vindo ‘do nada’.
Sheila olhou nos olhos dele, uma expressão estranha no rosto. Não raiva, ou tristeza. Desapontamento.
Não respondeu, apenas deu de ombros. Marcelo pôs uma série no Netflix.
Outra vez, o celular começou a tocar.
“Não vai atender?”
“Não.”, ele disse. “Nunca.”, completou.
Sheila sorriu ferinamente.