Contratados: A Rendição - Capítulo 01

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 12889 palavras
Data: 30/04/2023 11:33:37
Última revisão: 30/04/2023 11:36:13
Assuntos: Gay, Homossexual

CAPÍTULO 01

*** MARCOS VALENTE ***

— Eu preciso de um marido — digo para ao homem sentado diante de mim no escritório do meu apartamento.

O rosto de bochechas redondas e queixo fino me encara com lábios levemente separados. Olhos castanhos escuros se arregalam ao mesmo tempo em que as sobrancelhas grossas se unem. Deixo que meus olhos deslizem pelo corpo praticamente engolido pelas roupas largas e cinzentas e o movimento não me diz absolutamente nada sobre o que está escondido ali. Deus, esse é um péssimo uniforme.

Se eu tinha alguma dúvida de como era possível que eu nunca tivesse reconhecido sua presença em minha casa até semana passada, quando descobri que ele trabalha para mim há oito meses, não tenho mais. Definitivamente, é esse uniforme o culpado. Ele seria capaz de tornar invisível até mesmo o mais lindo dos homens.

— Eu estou sendo demitido, é isso? Seu esposo vai trazer a própria equipe de limpeza? — pergunta com as pupilas dilatadas e eu quase posso ver seu cérebro traçando um milhão de planos por trás de suas pálpebras. Inclino a cabeça para o lado, estudando seu olhar, que apesar de surpreso, não demonstra medo.

Toda a sua postura passou do preocupado, acredito eu por ter sido convocado a uma reunião comigo, para determinado. Seus ombros subitamente eretos, as costas distantes do encosto da poltrona e a voz grave me contam que o emprego é importante para ele. Tão importante quanto imaginei que seria para fazer uma proposta como essas. Bom, ótimo!

O maldito conselho não perde por esperar! Se eles querem tanto que eu tenha um marido, terei.

— Não, Anthony.... Você está sendo promovido, se aceitar minha proposta, é claro.

— Promovido? — A testa se franze, formando um vinco e, novamente, seu rosto passa por uma mudança. Se havia determinação estampada nele, agora há confusão. Não consigo evitar sorrir, apenas me contento em limitar o sorriso ao canto dos lábios. Tão inocente... Definitivamente, exatamente o tipo de homem que eu preciso para resolver meu problema.

Uma imagem do meu melhor amigo assalta minha mente, ele tem um olhar debochado e uma sobrancelha arqueada, me julgando silenciosamente, por depois de tê-lo criticado tanto por se envolver em um relacionamento por contrato, estar prestes a fazer o mesmo. O Marcos da minha cabeça ergue o dedo do meio para o João Pedro mental sem qualquer cerimônia.

Não é a mesma coisa. João Pedro fez toda essa merda por livre e espontânea vontade e ainda conseguiu se apaixonar no processo. O filho da puta está em lua de mel, porra! Em lua de mel! Definitivamente, isso não vai acontecer aqui!

Isso..., continua treinando, porque assim que o João Pedro chegar, você vai precisar ter essa conversa com ele. Nós sabemos que ele não vai deixar essa passar de graça, não depois da merda imensa que você fez... Ele pode até ter te perdoado, mas um filho da puta é um filho da puta! E todo mundo sabe que vocês dois são excelentes filhos da puta!

Meu subconsciente esfrega na minha cara e eu bufo.

Anthony ergue uma única sobrancelha em uma pergunta silenciosa e eu me arrasto para fora dos meus pensamentos, obrigando-me a focar no presente. Porque, apesar de eu ter certeza de que ele aceitará minha proposta, preciso fazer isso direito. Isso é importante.

Eu até poderia procurar outra pessoa, mas não quero. Todo o intuito de pedir meu empregado em casamento é que seja algo fácil e, além de tudo, enviar um recado muito claro. Quem manda na minha vida sou eu!

Sorrio. Não qualquer sorriso, mas aquele que afeta as pessoas. O vinco na testa de Anthony se torna ainda mais profundo, deixando claro o quão distante ele está de compreender o que estou pedindo aqui.

— Anthony... — digo seu nome devagar, ele inclina a cabeça para o lado e, pela primeira vez, realmente presto atenção em seus olhos. São escuros, castanhos, alguns tons mais do que seus cabelos. As pupilas pretas se destacam em meio a cor que parece não se decidir entre o caramelo e chocolate. Ele limpa a garganta e eu quero me chutar. Mas que porra? Minha concentração parece ter decidido tirar uma folga hoje.

Imito seu gesto e o som que sai da minha boca enche o escritório ao nosso redor.

— Eu quero me casar com você... Mais especificamente, daqui a quarenta e dois dias.

Ele se engasga com a própria saliva e tem uma crise de tosse. Me levanto da minha cadeira, dou a volta na mesa e paro ao seu lado. Apoio uma de minhas mãos em suas costas e a outra no seu rosto. Deslizo a mão lentamente pelo seu corpo, enquanto levanto seu rosto para que ele tenha mais facilidade para respirar direito.

— Ei, ei, ei! Tudo bem? — pergunto, mas ele não faz nada além de tossir de novo e de novo. Merda, eu deveria ter sido menos direto? Desse jeito, vou matar o cara antes de ter a chance de colocar uma aliança no dedo dele. Respiro fundo, buscando eu mesmo um pouco mais de ar.

Esfrego as mãos nas costas de dele e a sensação que atravessa meu corpo me faz franzir a sobrancelha. Mas que porra, Marcos?! Você nem viu o que tem debaixo de todo esse cinza!

— Á-água? — pede em meio a tosse e, pela segunda vez nos últimos minutos, eu tenho vontade de me chutar.

O prêmio de pessoa mais inadequada do mundo para cuidar de alguém, vai, sem dúvida alguma, para Marcos Valente! Como é que alguém pode achar que eu estou pronto para me casar? Se a necessidade faz o ladrão, o desespero, definitivamente, não faz um marido, porra!

Em passos largos e apressados, alcanço o pequeno bar no canto do ambiente e tiro do pequeno refrigerador uma garrafinha de água mineral. É só quando a estendo para Anthony que me dou conta de que deveria ter trazido um copo também. Puta que pariu!

Ele pega a água e rosqueia a tampa, me mostrando mais uma coisa que eu deveria ter feito e não fiz, abrir a porra da garrafa. Arrasto a mão pelos cabelos, irritado comigo mesmo, irritado com a situação, irritado com a constatação que é óbvia para qualquer pessoa que me conheça. Eu não sou material para marido e não deveria estar sendo obrigado a me tornar um.

O moreno a minha frente ingere a água em pequenos goles e depois limpa os cantos dos olhos, que só agora noto estarem molhados por lágrimas. Esse, provavelmente, foi o pior pedido de casamento já feito. Combina com a situação, ao menos.

— Melhor? — questiono e ele balança a cabeça, concordando.

— Desculpe... eu... — começa Anthony, fazendo-me sorrir, porque ele não tem razão alguma para se desculpar e, ainda assim, aqui estamos.

Ao invés de dar a volta na mesa e voltar a me sentar do outro lado, corto a distância entre nós. Puxo a cadeira ao seu lado, viro-o e sento-me de frente para a lateral do seu corpo. Ele se move, girando o próprio assento e ficando frente a frente comigo, com nossos joelhos quase se tocando.

— Eu sei que esse é um pedido... inusitado... — começo, ao que ele inclina a cabeça e ergue uma sobrancelha, desafiadora. Um sorriso largo toma conta do meu rosto e eu me pego gostando de que ele seja, ao mesmo tempo, inocente e atrevido.

— O senhor não me conhece... — declara, como se esse fosse todo o argumento necessário para fazer seu ponto. E, talvez fosse, se eu não estivesse tão determinado a conseguir o que quero.

— Marcos, Anthony. Nós estamos discutindo a possibilidade de um casamento, formalidade não faz o menor sentido... — Seu rosto se contrai em descontentamento, ele gira o pescoço levemente, inclinando a cabeça, e eu tenho vontade de rir outra vez, porque quase posso ouvir a vozinha irritante do meme gritando dentro de seus pensamentos: “já olhou para uma pessoa e se perguntou: o que passa na cabeça dela?” Tenho certeza de que é isso o que Anthony se pergunta nesse exato instante: o que se passa na minha cabeça...

— Não é tão absurdo quanto parece... — justifico e suas sobrancelhas quase alcançam as raízes dos cabelos: — Você trabalha para mim há meses...

— E se isso fosse requisito para casamentos, os recursos humanos das empresas viveriam em pé de guerra... — é rápido em responder e é a minha vez de erguer uma sobrancelha.

Definitivamente, atrevido. Ele balança a cabeça para um lado e para o outro, negando. Depois, toma uma respiração profunda antes de voltar a falar: — Você nem sabia da minha existência até uma semana atrás, quando... quan... quando... — gagueja. Voltamos à timidez, então...

— Quando você me salvou de dormir em cima do meu próprio vômito, na situação miseravelmente bêbada em que eu me encontrava...

— Exatamente... — concorda, desviando os olhos dos meus.

Recosto meu corpo no espaldar da cadeira e apoio um tornozelo sobre o joelho. Com o cotovelo sobre o braço da cadeira, levo minha mão ao queixo em uma posição pensativa. Anthony me encara e apesar de não o conhecer, a impressão que tenho é de que ele grita os pensamentos pelos olhos. É estranho me sentir tão conhecedor daquilo que deveria ser privado à mente dele.

— É um acordo completamente profissional, Anthony... — respondo à uma das muitas perguntas que leio em seu olhar. Ele dobra o lábio inferior para dentro da boca, chupando-o. A visão, contra todo o meu bom senso, provoca um arrepio em minha espinha.

Meus olhos querem, outra vez, deslizar pela sua pele e tentar desvendar se o que há sob o tecido grosso e horroroso, vale a pena, mas eu me impeço. Esse não é um acordo com o qual eu possa foder, literalmente.

A menos que ele peça... meu subconsciente sussurra e eu não evito sorriso... porque, bem..., que tipo de marido eu seria se recusasse um desejo do meu esposo?

— Profissional?

— Totalmente! — respondo, na contramão das imagens absolutamente nada profissionais que povoaram minha mente nos últimos segundos.

— Um casamento?

— É o que eu espero...

— Seu Mar… — começa, mas eu lhe dou um olhar interrogativo, então ela se interrompe, respira fundo e recomeça: — Marcos... — pausa e eu sorrio, assentindo com a cabeça. Como se estivesse esperando pela minha permissão, depois disso, continua: —, eu não entendo o que você está me propondo...

— É simples, um casamento de conveniência...

— Nós estamos em— o comentário me arranca uma gargalhada.

— Se você fosse um advogado, saberia que isso não é nada incomum, mesmo no século vinte três... — Seu rosto ganha uma expressão chocada, que rapidamente é substituída por uma incomodada. Anthony engole em seco, vira o rosto para o lado e, outra vez, seus pensamentos parecem estar sendo gritados.

Ao menos, isso tornará as coisas mais fáceis quando estivermos casados.

— Um casamento por conveniência não deveria ser... conveniente...? — coloca em palavras aquilo que eu já havia ouvido seus olhos me dizerem.

— E é...

— Como isso é conveniente pra mim? — desafia, atrevido, e eu ergo as sobrancelhas.

— Eu posso ser franco?

— E não estava sendo antes?

Sorrio. Gosto dele, decido. Isso vai funcionar.

— Estava. Mas eu sou um advogado, meias palavras não são pra mim, a menos que seja conveniente. — Outra vez, noto que a menção à profissão faz com que sua expressão mude. Será que ele tem algo contra advogados? Sacudo a cabeça, voltando a me concentrar no que é importante agora.

— Então, vou ser direto com você. Não acho que você limpe minhas privadas por esporte, Anthony… — começo e seu queixo cai com minhas palavras. O choque se estampa em seu rosto, assim como vergonha, suas bochechas coradas me dizem. Dou a ele alguns segundos antes de continuar: — E um casamento comigo seria conveniente pra você, porque eu garantiria que isso nunca mais fosse necessário, mesmo depois de o nosso contrato acabar. Você teria todo o dinheiro que precisa, poderia viver de fazer compras, viagens, o que quisesse. Desde que mantivesse as aparências...

— Viver de compras? — questiona, piscando os olhos várias vezes, e eu me apresso em explicar.

— Não me leve a mal, eu realmente não me importo com a forma que você vai escolher ocupar o seu tempo. Na verdade, é exatamente disso que eu preciso, de um marido que o único trabalho será parecer bonito. Esse é exatamente o tipo de coisa que o maldito conselho adoraria, ou quase...

O homem balança a cabeça, concordando devagar. Passa a língua pelo lábio inferior e depois chupa-o, outra vez. Aperto os olhos, me recusando a lidar com a visão. Não de novo. Quando os abro, ele me encara com o rosto indecifrável.

— um cara que só precisa parecer bonito… — sussurra para si mesmo, mas próximos como estamos, é impossível não ouvir.

Ele parece quase... incomodado, mas… não... Isso não faria sentido... O que mais ele poderia querer? Quer dizer, de faxineiro a alta sociedade? Não dá para ficar melhor do que isso...

— Que conselho é esse que você tanto fala?

— Os sócios do escritório de advocacia da minha família...

— E por que eles se importam com quem você se casa?

— Eles não se importam. Pra eles, importa apenas que eu pareça respeitável e um marido faria isso...

— Você não parece respeitável agora? Por que é solteiro? — ele pergunta e eu rio, porque a meu ver, é exatamente esse o problema deles comigo: — E por que você disse que uma pessoa que é toda aparências é quase tudo o que eles querem, o que falta na figura de marido perfeito da imaginação dessas pessoas? Quais são as expectativas deles, Marcos? —seu tom é diferente, não é atrevido, soa... amargo. Mas isso não me impede de ser honesto.

— Provavelmente, um homem bem-nascido, bem-educado, formado, independente. Alguém cujo único trabalho não seja só ser um marido troféu..., mas eles vão ter que lidar com a minha escolha...

— E você acha que eu seria perfeito pra ser reduzido a isso?

— Reduzido? — um som de escárnio deixa sua garganta antes de ele reformular.

— Você sabe... Ser um marido troféu... — Gesticula com a mão, fazendo-me lembrar um desses vídeos de redes sociais, em que as pessoas acenam e as palavras aparecem escritas na tela.

— Bom, você é bonito e vai ter muito tempo sobrando...

Ele ri, mas uma risada sem humor.

— Bom, definitivamente, você sabe como ser franco...

— Achei que você preferisse assim...

— Eu prefiro... — diz as palavras e seus pensamentos gritam a razão disso. É a minha vez de sorrir.

— Você me acha um babaca — afirmo, porque não há dúvidas sobre isso em seus olhos.

— Pode me culpar?

— Oh, não, de maneira alguma. Eu sou um babaca, na verdade, eu sou mais do que isso, sou um bom filho da puta! Mas, de novo, eu achei que você preferisse minha franqueza, você me perguntou por que esse casamento seria conveniente, eu só estou te dando as minhas razões. E, se vamos fazer isso, é bom que fique claro quem eu sou desde o início...

— Se vamos fazer? — reage imediatamente às minhas palavras, plantando uma dúvida entre nós: — Eu não concordei com nada disso...

— Mas ainda está aqui, não está?

Seu olhar se desvia do meu e passeia ao nosso redor, mas é evidente que ele não está realmente prestando atenção em nada. Até porque, depois de oito meses trabalhando aqui, acho improvável que exista algum centímetro dessa casa que ele não conheça até mesmo melhor que eu.

Seus olhos vagueiam entre as estantes lotadas de livros e objetos decorativos inúteis, passam pelas paredes escuras e pelas poltronas acolchoadas de couro, focam-se no bar por vários minutos, antes de finalmente voltarem a me encarar.

— Por que eu?

— Porque seria fácil.

— Fácil... — repete baixinho antes de balançar a cabeça pra cima e pra baixo.

— Escuta, Anthony, eu não tenho nenhuma intenção de te ofender, ou, como você disse, te reduzir… — faço um sinal de aspas com as mãos ao dizer a última palavra e a testa do cara se franze: — Mas se eu estivesse na sua posição, minha escolha seria óbvia. Por isso, achei que seria fácil. Isso não é sobre você, é sobre a situação...

— E por que você não se casa de verdade?

— É complicado... — Sua cabeça é levemente inclinada para o lado, em um questionamento mudo com o qual eu sou obrigado a concordar. Bem, se vamos nos casar, é melhor que ele saiba de tudo. — Eu não sou material para Marido, Anthony...

— Sua autoestima é admirável... — ironiza e eu gargalho.

— Gosto que você seja atrevido...

— Mas não acha que eu seja inteligente...

— Eu nunca disse isso...

— Não, disse apenas que eu poderia viver de compras e que minha única razão de existir enquanto estivermos casados, será parecer bonito... — Sei que deveria me preocupar com a maneira como ele se sente sobre o que eu disse ou como disse, mas o que me chama mais atenção é o fato de que ele usou as palavras “enquanto estivermos”, não “se estivermos”.

— Eu nunca disse que você não poderia fazer mais do que isso, eu só disse que isso seria tudo o que eu exigiria de você. E reconhecer que eu não sou homem feito para casamentos verdadeiros, não é falta de autoestima, é saber quem eu sou. Eu não quero um marido, Anthony...

— Mas precisa de um, por quê?

— Bom, digamos que meu pai me pegou em situações... delicadas... nos últimos meses... por... três vezes... e a última nos custou um cliente muito importante — eu explico, fazendo pausas muito mais longas que o necessário, enquanto procuro palavras honestas, porém, que não sejam tão reveladoras. — O conselho não está feliz com o fato de que tudo isso aconteceu dentro da empresa e durante a gestão do meu pai e agora o está forçando a se aposentar. Em tese, eu deveria assumir o cargo de sócio gerente, uma vez que o escritório tem o meu nome na porta, mas da forma como as coisas estão, isso não vai acontecer…

— Situações delicadas? — Ergue uma sobrancelha e, estranhamente, sinto-me constrangido.

Não sou um homem que se envergonha com facilidade, tampouco que se sente desconfortável com as próprias atitudes, mas discutir o fato de que meu pai me pegou por duas vezes, em um espaço de uma semana, fodendo meus funcionários sobre a mesa do meu escritório, e que isso nos custou um cliente e os milhões que vinham junto com ele, por alguma razão não parece certo.

— Você estava com homens... — deduz com o meu silêncio e parece tão constrangido quanto eu ao dizer isso. Apenas concordo, decidindo que os detalhes não são importantes. — E agora eles querem que você se case?

— Eles querem que eu me torne respeitável... — dou ênfase ao absurdo que é essa exigência e, curiosamente, tenho a impressão de que Anthony concorda comigo sobre a total hipocrisia dessa visão sobre família, mesmo que ele não diga nada.

Não é que eu não acredite na instituição. Eu acredito, meus pais foram incríveis ao longo de toda a minha vida. Mas existem milhares de pessoas que não tiveram a mesma experiência, apesar de sua completa constituição familiar. Os tribunais que frequento estão abarrotados de casos de violência doméstica, abandono parental e coisas tão horríveis quanto, ainda que eu não trabalhe com elas.

— Meu pai tem um prazo pra se aposentar. Se eu não me casar e me provar um homem mudado até lá, a gerência do escritório será entregue pra um filho da puta que eu não suporto...

— Então, isso é pela gerência da empresa...

— Pode-se dizer que sim...

— Mas você quer isso? Ser sócio gerente do escritório?

— Eu não tenho muitas opções no momento...

— E tudo o que eu teria que fazer, seria manter as aparências? — questiona e eu me controlo para não sorrir, as coisas finalmente parecem estar se encaminhando para onde eu quero.

— Exatamente...

— Só isso, certo? Mais nada? Nada mesmo? — Franzo o cenho, confuso com a repetição desnecessária da pergunta e com a forma como seu corpo se retraiu ao fazê-lo. É só quando ele desvia o olhar do meu que me dou conta do que está sendo dito nas entrelinhas.

— Eu não preciso de um marido pra foder, Anthony. Isso eu posso fazer com qualquer um... — Outra vez, seu rosto veste a máscara de choque. Eld abre a boca e seu peito incha com a inspiração profunda que toma, mas a fecha sem dizer nem mesmo uma palavra. Indignado. Claro como água, vejo a indignação por todo o seu rosto. — Franqueza, se lembra? — recordo e ele estreita os olhos para mim.

— Franqueza e rudeza são coisas completamente diferentes — cospe as palavras e cruza os braços sobre o peito, fechando-se.

— Você é uma coisinha delicada, não é? — falo mais para mim mesmo do que para ele. Seu corpo se remexe na cadeira, apertando-se ainda mais em si mesmo. — É só sexo, Anthony... Não precisa de tudo isso...

— E como isso vai funcionar? Porque eu precisaria manter as aparências, mas você não? — Estreita os olhos para mim.

— Eu posso ser discreto... — respondo e ele resmunga baixinho algo que soa muito parecido com “seu pai discordaria...”

— E se eu quiser ser discreto? — questiona com uma sobrancelha arqueada e uma postura clara de enfrentamento, fazendo-me sorrir de canto. Curvo o corpo, aproximando-me um pouco mais dele e sendo atingido pelo cheiro da sua pele. É cítrico... gostoso... e eu não deveria estar pensando nisso...

Limpo a garganta e apoio os cotovelos sobre os joelhos.

— Você?

— Sim, eu... — Não consigo impedir o risinho que sai pela minha garganta. Dobro o lábio inferior para fora e balanço a cabeça, concordando.

— Desde que você mantenha as aparências... — digo só por dizer, porque não tenho a menor dúvida de que isso nunca vai acontecer.

No entanto, apesar da perspectiva de ter meu marido fodendo outros não ser animadora, a certeza da impossibilidade também não é. Ergo o corpo novamente, colocando uma distância necessária entre nós e esperando que o gesto transmita tanto ou mais do que as próximas palavras que digo.

— Eu preciso que algo fique muito claro. Esse é um casamento de conveniência com data de validade e nunca será mais do que isso. Eu preciso que você realmente entenda, nada além disso vai sair daqui...

É a vez dele de ler nas entrelinhas.

— Você está com medo de que eu me apaixone...

— Seria trágico..., porque isso... — faço um sinal entre nós dois — não é nenhum tipo de conto de fadas moderno. Sou um homem com interesses, aos quais, nesse momento, você serve. Nada além disso. Fui claro?

— Mais do que água...

— Ótimo! — Me levanto da cadeira e alcanço um envelope preto sobre a mesa. Estendo-o para Anthony, que olha para a minha mão com o cenho franzido. — Eu não espero que você me responda agora. Vou te dar dois dias de folga, quando voltar, espero que seja como meu noivo. No envelope está o contrato que estou propondo, se tiver alguma dúvida, nós podemos discutir na quarta-feira pela manhã. Eu o espero para o café.

— E se eu não aceitar? Vou ser demitido?

— Não… a menos que meu futuro marido queira trazer a própria equipe de limpeza... — brinco com as palavras que ele me disse mais cedo e recebo um revirar de olhos. Ele estende a mão, pega o envelope e, logo depois, se levanta sem calcular o quão próximos ficaremos com o movimento.

Com ele de pé, apenas alguns centímetros nos separam, e sendo mais alto, sou obrigado a olhar para baixo para vê-lo. Meus olhos procuram seus lábios como uma reação natural à proximidade, afinal, esse é o único propósito de estar tão perto de um homem ou, pelo menos, até agora tinha sido.

Ele expira forte e sopra ar morno em meu queixo.

— Boa noite, seu Mar… — interrompe a própria fala e limpa a garganta. — Boa noite, Marcos.

— Boa noite, Anthony — digo, no entanto, não dou os passos para trás necessários para que ele passe. Um segundo, talvez dois, mas eu franzo a testa com a sensação estranha que me atinge e aperta, dizendo-me que els tão perto não deveria parecer tão certo quanto parece.

**************

O cheiro dele continua no escritório, mesmo horas depois de sua saída, assim como eu. Deixo que minha cabeça se deite no encosto da cadeira e fecho os olhos. Situações desesperadas, medidas desesperadas. E até mesmo eu sou capaz de reconhecer que pedir meu empregado em casamento é uma medida desesperada.

Uma semana atrás, completou três meses dos seis que recebi para apresentar ao conselho uma mudança substancial em meu comportamento. Foram quatro meses sem dirigir quaisquer palavras que não fossem essenciais ao meu novo secretário, sendo o primeiro a chegar ao escritório e o último a sair dele. Foram quatro meses captando novos clientes com a intenção de minimizar os efeitos causados à minha imagem pela perda daquela que me pegou no flagra.

Foram quatro meses sendo o que prometi ao meu pai que seria, ainda que ele não acredite mais que eu seja capaz de ser: o herdeiro que o seu legado merece. E, para ser honesto, não me doeu ou custou nada, além de que a mudança na forma como as pessoas me enxerga ou me trata, apesar de gradual, não foi ruim. Apesar de ter dito ao meu pai que me casaria para satisfazer o conselho, eu realmente esperava que depois de quatro meses de uma postura impecável, eles tivessem mudado de ideia quando à essa ideia despropositada.

No entanto, sete dias atrás, cheguei ao escritório e encontrei Murillo, um dos nomes que meu pai havia me dito meses atrás que estava sendo cotado para substituí-lo, sorridente e arrogante, flertando com uma das recepcionistas do meu andar e gabando-se de que, em breve, seria o novo sócio gerente do escritório. Aquilo deixou claro que o conselho já não se importava mais com o meu comportamento, eles queriam que eu e minha preocupação com o legado do meu pai nos fodêssemos, colocariam outro em meu lugar, não importava como eu me portasse, quantos novos clientes captasse, ou quantas horas eu trabalhasse.

O que eu quis fazer ao constatar isso? Convocar uma reunião e palestrar sobre a hipocrisia daquela mesa redonda. Afinal, dos seis, eu sabia de podres e indiscrições de pelo menos quatro sem jamais tê-los procurado. Quanto aos outros dois, não tenho dúvidas de que seria fácil encontrar se a pessoa certa olhasse nos lugares certos.

O que eu fiz? Me embebedei em um clube de cavalheiros e voltei para casa na manhã seguinte, mal conseguindo andar, de tão trôpego.

O resultado? Vomitei por todo o saguão de entrada e, como se isso não fosse humilhação o suficiente, desmaiei em cima do meu próprio vômito. Foi, sem dúvidas, o momento mais miserável da minha vida e, se não fosse por Anthony, poderia ter sido o último.

Se ele não tivesse chegado mais cedo do que deveria, me encontrado e chamado ajuda, eu poderia ter morrido sufocado pelo meu próprio vômito aos trinta e dois anos. Quão fodido é isso? Passei a maior parte do tempo inconsciente, enquanto era socorrido, mas nos breves instantes em que fui capaz de abrir os olhos, a única coisa que vi foram os dele.

Nem os cabelos lisos, nem a pele clara, nem o uniforme horroroso. Tudo o que vi foram aqueles globos escuros que não conseguem decidir entre o mel e o chocolate e, que mesmo na minha situação miserável, pareciam gritar coisas para mim.

Ao acordar, procurei saber quem tinha me ajudado. E qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o homem trabalhava dentro da minha casa há nada menos do que oito meses, e, até àquela manhã, eu nunca havia me dado conta de sua existência. Anthony transitou por minhas salas e quartos por quase duzentos e quarenta e cinco dias e se fez tão notável quanto um papel de parede.

Eu poderia ter um marido, se ele se comportasse assim… — pensei, sentado em minha cama, pouco depois de receber a explicação e sentindo a cabeça pesar tanto quanto uma bigorna.

Fiz piada com a situação, mas me lembro como se fosse agora da sensação que fez meu corpo se grudar a cabeceira da cama quando me dei conta de que eu realmente poderia ter um esposo assim. E, mais do que isso, um esposo assim, era exatamente aquilo que eu precisava.

O fato de ele ser a resposta perfeita para a hipocrisia do conselho era um bônus para lá do caralho. Afinal, eles queriam me obrigar a me casar por causa do meu relacionamento com funcionários, algo que os filhos da puta já faziam muito antes de eu ter idade para foder alguém. Além de que estavam prontos para empossar um babaca que fazia mesma coisa, só não tinha bolas para deixar que outras pessoas soubessem e comentassem livremente.

Então, me casar com um funcionário mandaria a mensagem que eu vinha forçando garganta abaixo há quase dois meses e falhando miseravelmente na missão de engolir a seco. Ninguém controla Marcos Valente, porra!

Eu posso ser a porra do herdeiro e ser promovido à sócio gerente com um trabalho impecável, mas ninguém tem caralho nenhum com a minha vida pessoal!

Olhos destreinados poderiam ver minha conclusão apenas como a percepção de um louco. Mas os meus olhos... Ah, os meus olhos enxergam apenas perfeição. E, como se convocados pelo nome, os olhos de Anthony preenchem minha mente.

Olhos que gritam. Nunca havia visto ou ouvido nada igual. E, apesar de não fazer ideia de onde os verdadeiros andam a essa altura, aqueles que vejo em minha mente me desafiam tão expressivamente que franzo o cenho ao me dar conta das palavras que nunca poderiam ser ditas por eles, mas que eu consigo ouvir como se estivessem sendo pronunciadas por lábios rosados e volumosos.

Eles me questionam, perguntam se eu tenho certeza de que seu dono é o que eu preciso. Afinal, ter sido invisível, não significa necessariamente que ele seja doce e submisso não é?

Estreito os olhos para os meus próprios pensamentos e deixo que eles sejam preenchidos por lembranças da minha pequena reunião com meu futuro noivo no início da noite. Olhares desviados com constância, a cabeça sendo abaixada repetidas vezes e os olhos, de novo e de novo, me dizendo coisas às quais ele não dava voz, por vergonha ou qualquer outra razão.

Ah, sim! Ele é exatamente o que eu preciso. Doce e submisso. Um perfeito enfeite, goste ele ou não de ser chamado assim. Diante de mim, sobre a minha mesa, algumas folhas espalhadas concordam comigo. O contrato de casamento.

Sorrio. Eu nunca achei que diria isso, mas encontrei o homem ideal.

***************************************

*** ANTHONY ****

CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL

(PARA TODOS OS EFEITOS, DENOMINADA CASAMENTO)

Separação Total de Bens

Por este instrumento particular de Contrato de União Estável de convivência duradoura, pública e contínua, com fundamento no art. 226 da Constituição Federal de 1988, Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996 e arte seguintes da Leide 2002, ficou justo e contratado entre os abaixo assinados:

PARTE 1, Anthony Machado Rodrigues, estado civil solteiro, profissão empregado doméstico, RG nºe CPF , residente e domiciliado na Rua Doutor Carluxo Sampaio nº 26, apartamento 402 Bairro Casa Verde, Cidade São Paulo, CEP, e,

PARTE 2, Marcos Leal Valente, estado civil solteiro, profissão advogado, RG nºe CPF , residente e domiciliado na Rua Felizardo Guimarães nº 58, cobertura, Bairro Morumbi, Cidade São Paulo, CEP, que acordam por mútua convenção nos termos da Lei o que segue:

CLÁSULA PRIMEIRA: Os NUBENTES, desde o dia, vivem sob o mesmo teto, na Felizardo Guimarães nº 58, cobertura, Bairro Morumbi, Cidade São Paulo, CEP, em convívio consorcial, com animus de constituir família, comprometendo-se ambos durante a convivência, ao respeito, à consideração, à assistência, à lealdade, a uma dedicação mútua e esforço em comum no sentido de atingir a harmonia necessária e ao bem-estar do qual o aconchego do lar poderá lhes oferecer.

CLÁUSULA SEGUNDA: Os NUBENTES declaram que o período de relacionamento anterior a este contrato foi exclusivamente de namoro, onde cada um convivia em sua residência, sem o animus de constituir família, pois estavam no período de conhecimento.

CLÁUSULA TERCEIRA: O tempo de duração do presente contrato é de dois anos e, durante a vigência da convivência, ambos os NUBENTES deverão observar o mais austero respeito e dignidade, um para com o outro, bem como a observância de todos os afazeres e cuidados exigidos para uma sólida e perfeita convivência;

CLÁUSULA QUARTA: No tempo de duração deste contrato o regime adotado é o da separação absoluta de bens, previsto no artda Lei, ou seja, quaisquer bens móveis ou imóveis, direitos e rendimentos adquiridos por qualquer dos NUBENTES antes ou durante a vigência do presente contrato pertencerão a quem os adquiriu, não se comunicando com os bens da outra parte; Os bens aquestos não se comunicarão.

CLÁUSULA QUINTA: Cada NUBENTE declara, para todos os efeitos legais, ter conhecimento:

da situação econômico, financeira e patrimonial do outro; de que todos os bens e direitos hoje existentes foram adquiridos antes do início da convivência ou por causa anterior

(legítima, doação, sub-rogação etc.); de que esses bens não geraram qualquer fruto ou rendimento

no período da união; de que não haverá qualquer comunicação de frutos, rendimentos ou quaisquer aquestos, pertencendo os respectivos bens e direitos exclusivamente ao NUBENTE que os tiver adquirido, inclusive a participação e lucros nas empresas em que os NUBENTE fazem ou farão parte do quadro societário.

Fica aqui reconhecido também que todos os demais detalhes que tangem a separação de bens estarão justamente acordados e devidamente registrados no acordo pré-nupcial anexo a este documento.

CLÁUSULA SEXTA: Fica a parte 2, responsável por todas as despesas do casal e também as individuais referentes ao bem-estar e felicidade material da parte 1.

Para tal, fica acordado o pagamento de uma mesada no valor de R$35.000,00 mensais à parte 1, para todas e quaisquer despesas pessoal pelo tempo que este contrato for válido, além da disponibilização de um cartão de crédito sem limite de uso.

CLÁUSULA SÉTIMA: Os NUBENTES, neste ato, acordam de forma irretratável e irrevogável ajuda material, a título de alimentos e manutenção do padrão de vida instituído durante o período de vigência do contrato, no momento de extinção dele.

Fica acordado uma pensão no valor de R$25.000,00 mensais em período vitalício após o fim do contrato. Pensão essa que será paga pela parte 2 à parte 1 deste contrato.

CLÁUSULA OITAVA: As causas de extinção do presente contrato podem ser:

por resolução involuntária (força maior ou caso fortuito); por resilição unilateral ou bilateral (por simples declaração de uma ou de ambas as partes); neste caso, fica acordado:

1) Caso a resilição seja vontade da parte 1, a obrigatoriedade de pagamento de pensão vitalícia fica suspensa.

2) Caso a resilição seja vontade da parte 2, dobra-se o valor obrigatório de pensão vitalícia.

3) Caso a resilição seja vontade de ambas as partes, mantém-se o estabelecido na cláusula décima primeira deste contrato. por rescisão unilateral ou bilateral (quando há lesão às cláusulas de convivência expressas na cláusula primeira; neste caso, fica acordado:

1) Caso a rescisão seja praticada pela parte 1, a obrigatoriedade de pagamento de pensão vitalícia fica suspensa.

2) Caso a rescisão seja praticada pela parte 2, dobra-se o valor obrigatório de pensão vitalícia.

3) Caso a rescisão seja praticada por ambas as partes, analisar-se-á se a quebra desempenhada pela parte 1 ocorreu em consequência à quebra desempenhada pela parte 2, em caso afirmativo, mantém-se o estabelecido na cláusula décima primeira deste contrato. Em caso negativo, fica a obrigatoriedade de pensão vitalícia suspensa.

pela cessação (no caso de morte de uma das partes ou de ambas). Em caso de morte de um dos NUBENTES, o outro não exercerá a inventariança dos bens do NUBENTE falecido. Em caso de morte da parte 2, o estabelecido na cláusula décima primeira mantém-se.

CLÁUSULA NONA: O termo do presente contrato inicia-se a partir do momento no qual os NUBENTES demonstraram seu animus de constituir família, representado neste ato pelo momento em que foram viver sob o mesmo teto (cláusula primeira).

CLÁUSULA DÉCIMA: Não há obrigatoriedade de consumação sexual deste contrato. No entanto, isso pode ocorrer, desde que o consentimento de ambas as partes seja expresso verbalmente. Neste caso, não haverá prejuízo a qualquer das cláusulas acordadas.

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA: Em caso de filhos durante o período de duração do contrato, os mesmos deverão ser registrados em nome de ambos os nubentes, sendo que ao pai será incumbido do registro dos mesmos;

CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA: A fidelidade não é um requisito para que se considere este contrato como sendo cumprido. Entretanto, a discrição para com eventuais relacionamentos extraconjugais, sim. Dessa forma, quaisquer indiscrições de natureza sexual ou afetiva com partes não citadas neste contrato podem ser consideradas quebra de contrato pela parte contratualmente obrigada envolvida.

CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA: As cláusulas e condições, reciprocamente outorgadas e aceitas, obrigam os NUBENTES ao fiel cumprimento deste contrato, estendendo-se aos eventuais sucessores e/ou herdeiros.

CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA: O presente contrato não é

legalmente válido, entretanto, será registrado em cartório que ateste sua existência e o acordo por meio dele firmado entre as partes.

Para efeitos legais, considerar-se-á o acordo pré-nupcial, anexo 1, a este documento, assim como o contrato de casamento civil a ser assinado 48 dias após a assinatura deste documento.

Fica eleito o foro da cidade de São Paulo UF SP para dirimir quaisquer dúvidas porventura vinculadas ao presente instrumento, com renúncia a qualquer outro, ainda que privilegiado.

E por assim estarem justos e contratados, firmam este instrumento particular para que produza seus efeitos jurídicos e legais, assinado perante duas testemunhas, na forma da Lei.

São Paulo, 10 de agosto de 2023.

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Anthony Machado Rodrigues

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Marcos Leal valente

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Testemunha 1

__________________________________________ Testemunha 2

Meus olhos estão fixos nos papéis alinhados sobre a pequena mesa diante de mim. Puta merda. Marcos não estava brincando e constatar isso me divide em dois. O primeiro quer rir, gargalhar do absurdo da situação. Já o segundo está bem sério sobre como reagir a tudo isso.

Ele quer sair dessa sala, fazer o caminho inverso ao que me trouxe até aqui e dizer poucas e boas para o filho da puta do meu chefe. Quer dizer, quem ele pensa que é? “Viver de compras?” Deus! Eu realmente poderia tê-lo agredido fisicamente naquele momento, se eu não precisasse tanto desse trabalho.

Eu sabia que Marcos Valente era o perfeito exemplar de bi padrão, sim, eu sabia. Inúmeras vezes fui testemunha de sua virilidade e escrotidão. Até uma semana atrás, quando o salvei de se sufocar dormindo sobre o próprio vômito, eu era tão invisível para ele, que mais de uma vez ele teria sido capaz de realizar suas peripécias sexuais diante dos meus olhos, já que não me viu.

Então, sim! Eu tinha seu nível de babaquice em alta conta, mas Deus! Ele realmente me propôs um casamento de conveniência e, não apenas sugeriu, como disse, com todas as vogais, consoantes, pontos e vírgulas, que eu seria um belo enfeite. E, sob o pretexto de estar sendo franco, não teve nem mesmo a capacidade de disfarçar!

A audácia desse homem! Talvez, eu devesse tê-lo deixado morrer asfixiado, afinal. Teria livrado as pessoas desse mundo de um grande problema, se bem que, também as teria privado de uma enorme solução. Deus, aquele pau! Ele é o protagonista de muitas das minhas noites solitárias e isso eu não posso nem vou negar. Eu não pedi para ver, mas depois que vi, ficou não apenas muito difícil de esquecer, como impossível de não o imaginar enquanto brinco comigo mesmo ou com meu consolo!

Além do salário acima da média que me paga pelo meu trabalho, me dar essa visão enquanto saia despreocupado e pelado do banheiro, sem nem mesmo se perguntar se poderia haver alguém mais além dele circulando pela casa, foi a única coisa boa que Marcos Valente fez por mim nos oito meses em que trabalho para ele.

Mas pau, independentemente do quão gostoso aparente ser, não faz um homem e nem o torna descente. Por isso, apesar de ser obrigado a reconhecer que, em um universo paralelo em que meu chefe não fosse o ordinário que é, eu me sentaria nele sem pensar duas vezes, hoje eu quis estapeá-lo. Quis chutar suas bolas, eu quis matá-lo! Eu quis, muito, dizer para ele ir se foder, quis mandá-lo enfiar sua proposta no cu, mas eu não fiz, porque sou tudo, menos idiota.

Cristo, a que ponto eu cheguei?!

Meu consolo? Saber que eu sou exatamente o oposto do que o imbecil procura, mas sua arrogância não o deixa enxergar isso. Doce e submisso... um enfeite perfeito... Ele nem faz ideia... E aquela empáfia ao dizer que eu não deveria me apaixonar? Céus, o que ele acha que é?

O que ele pensa que eu sou? Porque, idiota nem começaria a me definir se eu me apaixonasse por alguém como ele. Mas se ele não foi suficientemente esperto para notar, não serei eu a destruir suas ilusões. Deixe que ele continue com a cabeça enfiada no próprio rabo...

O ar sai do meu corpo em um jato morno soprado pelos meus lábios, e sozinhos, meus olhos procuram os números no contrato. Trinta e cinco mil por dois anos, vinte e cinco para o resto da vida. Porra... Pelo menos ele sabe que é preciso muito dinheiro para tolerá-lo. Mas é o suficiente?

E a cláusula sobre consumação sexual? Quão cretino um ser humano pode ser para incluir isso em um contrato que já ultrapassava o absurdo sem qualquer ajuda? Vai sonhando, Marcos babaca! Vai sonhando!

— Terra pra Anthony? — Levanto os olhos, sendo trazido de volta à realidade por uma voz enrouquecida. Pisco ao me dar conta de que a sala ao meu redor está vazia. Ótimo, perdi a aula inteira pensando em diferentes formas de esmagar as bolas do meu chefe, ou deveria dizer noivo? Tomo uma respiração profunda e fecho os olhos por breves segundos.

Ao abri-los, encontro um Hugo sorridente com uma sobrancelha arqueada. Ele tem a mochila jogada sobre um dos ombros, uma mão segurando a alça e a outra jogada ao lado do corpo. Sua roupa social barata está amassada e desalinhada, depois de um dia inteiro.

A camisa azul tem as mangas dobradas até a altura dos cotovelos. Olhar para ele me distrai de novo, agora, de um jeito diferente.

— Oi? — pergunto.

— Você ouviu alguma coisa do que eu disse? — Torço os lábios, ótimo! Também não.

— Na verdade, não. Desculpe, eu...

— Dia ruim?

— Você nem faz ideia...

— O Coppola liberou mais cedo, parece que tem uma reunião de departamento, o que você acha de a gente tomar um chopp e eu te falar sobre o que você perdeu enquanto viajava durante a aula? — pergunta com o sorriso se tornando sugestivo.

Mordo o lábio, mas não preciso pensar sobre isso. Definitivamente, hoje eu não quero um chopp, preciso de um. Principalmente, porque nós dois sabemos que, provavelmente, não colocaremos uma gota sequer de cerveja na boca. Um chopp significa um sexo bem feito, mesmo que seja apertado no carro pequeno do Hugo, estacionado em um canto ermo da cidade.

— Quero! — a boca pequena de Hugo se estica em um sorriso largo que mostra quase todos os seus dentes. Ele passa a mão pelos cachos jogados sobre sua testa e faz uma mesura com a mão, dizendo-me para passar na frente. Jogo todo o meu material na bolsa de qualquer jeito, não estou com a menor disposição e preciso guardar o pouco que tenho para a maratona que me espera quando eu chegar em casa.

Não há cerimônias. Hugo dirige para o mesmo lugar de sempre. Uma rua escura, duas quadras antes do meu apartamento, e estaciona.

— Vem cá, lindo... — pede, inclinando o banco do motorista para trás tanto quanto é possível, e eu vou, porque lá está exatamente o que preciso para relaxar depois de tudo o que aconteceu.

O rosto bonito me encara em expetativa e eu desço as mãos pelo pescoço de Hugo, aproximando meus lábios dos seus. Ele agarra as raízes dos meus cabelos e puxa minha boca na direção da sua. Hugo tem um beijo lento, cuidadoso, bom, não incrível, mas bom. E isso nem importa, porque não é pelos seus beijos que estou aqui.

Sem qualquer delicadeza ou lentidão, começo a desabotoar sua camisa, até que eu seja capaz de tocar sua pele, ele geme em resposta, gostando do toque e enfiando as mãos por baixo da minha bunda. Faço um malabarismo pra tirar minha roupa. Não demora para que sua calça seja desabotoada, seu cinto desfeito, e eu deslize em seu colo.

Sua cabeça é derrubada para trás, apoiando-se no encosto do banco e deixando-me livre para me movimentar, rebolando e gemendo, buscando de maneira desesperada um alívio para minha mente perturbada pela incrível quantidade de merda que tive que aturar hoje. Não é perfeito, não é fantástico, não abala as minhas estruturas, nem me tira do chão. Mas deveria ser o suficiente, geralmente, é.

Mas hoje não funciona. Não como deveria, enquanto sinto meu corpo cada vez mais preenchido e dominado pelo prazer, meus pensamentos não se afastam tanto quanto eu gostaria da realidade . Por trás dos meus olhos, vejo o rosto e o corpo de Marcos Valente sob o meu, imagino que é ele me fodendo e ouço sua voz me dizendo todo tipo de absurdos, mas desses, eu gosto e gozo.

**************

— Correu tudo bem hoje? — pergunto enquanto pego a pequena mochilinha azul e coloco sobre os ombros.

— Tudo certo, Anthony. Mas tem recado na agenda pra você. O Dia dos Pais está chegando... — a responsável pelo turno da noite avisa e o gosto amargo em minha boca é inevitável.

Estendo os braços. Com cuidado, a menininha pequena e adormecida é passada para eles. Instantaneamente, sou inundado por uma sensação de paz e completude que nada nunca me deu, não até eu tê-la agarrada em meus braços pela primeira vez.

Afundo o nariz em seu pescocinho, cheirando a pele e os cabelos dourados. Fecho os olhos, sentindo a sensação fluir, e aperto meu abraço ao seu redor. Deus, ser pai é, definitivamente padecer no paraíso. Aos vinte e um anos, sozinho, sem rede de apoio? Definitivamente, padecer. Às vezes, muitas vezes, choro sozinho no banheiro, mas nada nunca me trouxe tanta paz quanto ter Isabella em meus braços.

As pessoas dizem que nasce um filho, nasce um pai. Não sei se isso é verdade, mas para mim, definitivamente, foi.

— Eu vou olhar, obrigado — despeço-me da mulher com um aceno e dou as costas para o portão da creche. Como sempre, Bella é a última criança a ser pega. Mas não tenho outra opção, não se eu quiser cursar a graduação.

É por nós que eu faço isso. Me dói profundamente pensar em tudo que estou perdendo da sua vida ao deixá-la dás sete da manhã às dez da noite em uma creche. Mas é por ela, para que ela tenha um futuro melhor. Sem estudar, eu não conseguiria oferecer para ela nada além do apartamento minúsculo em que moramos pelo resto de nossas vidas.

Se a faculdade de direito é como imaginei que seria aos dezessete anos, quando engravidei uma amiga minha por estar bêbado e ela ter morrido no parto? Não, não é. É noturna, particular, com aulas objetivas, sem tempo para festas e obrigação de ser autodidata. Mas nada é como eu imaginava que seria até saber da morte da minha amiga.

Em dias como hoje, quando a aula acaba mais cedo por quaisquer motivos, eu poderia me adiantar e buscar Isabella antes, mas isso não faria diferença alguma. Bella dorme às oito da noite e buscá-la meia hora antes não aumentaria nosso tempo de convivência, então, nessas raras ocasiões, uso o tempo extra para um chopp, literal ou figurado, e só Deus pode me julgar por isso.

Caminhando devagar, atravesso as duas ruas escuras e malcuidadas que separam a creche da nossa casa. O prédio sem porteiro é pequeno, pintado em um cinza encardido e não tem elevador, apesar dos seus quatro andares. Nós moramos no quarto.

Subo as escadas de degraus irregulares com cuidado, sem poder me apoiar no corrimão e cheia de pesos desequilibrados. Bella em meu colo, minha mochila nas costas e a dela nos ombros. Suspiro ao alcançar, ofegante, meu último obstáculo. Com as chaves já nas mãos e a perícia de um especialista, abro a fechadura e o cheiro do meu pequeno lar preenche o cantinho da minha alma que ainda não estava em paz.

Casa. Finalmente. Puta que pariu.

Apesar do alívio, depois de colocar Bella em sua caminha, meu segundo expediente começa, o de pai solo. Abro sua mochila, tirando as roupas, os potinhos de biscoito e a garrafinha de suco sujos, confiro sua agenda e começo a preparar a mochila do dia seguinte.

Depois de toda a rotina da manhã seguinte adiantada e da casa varrida e organizada, me dou direito a um banho. A água morna desliza pela minha pele e tudo o que consigo pensar é que rude ou não, Marcos estava coberto de razão. Para quem tem a minha vida, a proposta dele parece o céu. Não passo todo o tempo que gostaria debaixo do chuveiro, porque minhas pernas doem e eu mal consigo manter meu corpo de pé.

Enquanto me seco, a exaustão mostrada pelo espelho não me surpreende, mas me frustra. As olheiras marcadas, os cabelos malcuidados, as manchas de sol na pele. Tudo em mim grita cansaço. Não costumo pensar nos anos que antecederam essa época da minha vida. Há muito tempo fiz as pazes comigo mesmo e com o meu presente, mas hoje, depois de ter tido tudo o que um dia já tive me oferecido de bandeja, é impossível impedir que meus pensamentos viajem para aquele passado, ou para a possibilidade de um futuro semelhante.

As roupas caras, as viagens, as companhias, os lugares luxuosos, a casa confortável, eu. Um eu completamente diferente do de hoje. Os cabelos eram loiros e claros, a pele era limpa e aveludada. Não havia olheiras, não havia preocupações, não havia boletos, não havia exaustão e não havia Bella também.

Não havia Bella.

Se tivesse a oportunidade, eu escolheria diferente?

A pergunta que me carimba como um péssimo pai assalta minha mente outra vez, ela sempre vem. Não importa o quanto eu repila, não importa o quanto eu responda que não, não faria. A pergunta sempre volta.

Será que ela me deixaria em paz se eu pudesse ser um pai melhor? Se eu pudesse oferecer à minha filha todo o conforto que eu tive durante a minha infância? Durante a minha adolescência? Se eu pudesse ser presente em sua vida como meus pais nunca foram?

É tão irônico. Sempre me ressenti disso e agora reproduzo exatamente o mesmo comportamento. Eles eram ausentes para manter as aparências e aumentar ainda mais a riqueza que já tinham, eu sou ausente para que nós não morramos de fome e para que Isabella nunca passe pelo que eu passei. Não importa que escolhas ela faça na vida, eu sempre estarei ao seu lado e, talvez, isso faça de mim um pai um pouquinho melhor.

Suspiro, despertando-me dos meus próprios pensamentos e enrolando a toalha em volta do meu corpo. É ainda enrolado nela, que pego meu celular e faço minha chamada de vídeo diária.

— Oi, minha pessoa! — minha voz sai fraca, cansada, enquanto me esfrego no sofá que é duro, mas parece um verdadeiro paraíso depois do dia que tive. Sem a minha permissão, imagens da mobília do apartamento luxuoso de marcos invadem minha cabeça, chutando um cachorro morto, no caso, eu.

— Oi, chuchu! Como você está? — pele morena, lábios cheios, cabelos longos e olhos negros aguardam pela minha resposta, que não passa de um suspiro fraco. — Na merda... — ri. — E minha afilhada?

— Perfeita, como sempre. Dormindo como o anjinho que ela é… — Olho para a porta entreaberta do quarto sem realmente procurar nada, apenas aproveitando a sensação de saber que minha filha está bem, saudável e descansando. Essas certezas fazem tudo valer a pena.

Deito a cabeça no encosto e fecho os olhos enquanto mantenho o braço esticado, com a câmera apontada para o meu rosto.

— Você parece péssimo... — comenta, inclinando a cabeça para o lado, deixando-me ver que ela está dentro do seu closet. E um outro closet, esse, recheado de ternos e gravatas, assalta meus pensamentos.

Homem maldito, xô!

— Eu estou péssimo… — assumo, honestamente.

— Amigo, por que você não volta pro Rio?

— Você sabe muito bem o porquê, Grazi...

— Ninguém que não importa precisaria saber, Anthony. Você teria a mim e, talvez, até o Danilo...

— Em algum momento você vai desistir de falar do Danilo?

— Você sabe que eu não concordo com isso...

— Seria difícil não saber, já que passou os últimos cinco anos repetindo a mesma coisa feito um papagaio, Grazi... — é a vez dela de suspirar e fechar os olhos.

— Eu odeio ver vocês dois sozinhos, eu odeio que você tenha que se matar de trabalhar quando...

— Foi a minha escolha, Grazi...

— Escolha é um jeito bem romântico de ver as coisas, Anthony! Vem pra cá! Sabe que se dependesse de mim, eu ainda estaria aí com você! Sabe que...

— Eu sei! E isso só me faz te amar mais. Tudo o que fez por mim e pela Bella, Grazi... Se não fosse você ter me socorrido naquela noite, não sei onde nós dois estaríamos. Por cinco anos, foi toda a minha rede de apoio. Mas também tem sua vida, amiga... Não seria justo com você!

— Não é justo contigo....

— Não importa, ela é minha... e só minha. Talvez, algum dia, eu encontre alguém para compartilhar ela, mas eu não vou caçar fantasmas, Grazi ... Cinco anos é tempo demais para voltar atrás...

Minha amiga suspira, não convencida, porém, conformada. A cada quinze dias temos essa conversa. Ela tenta me convencer a voltar para o Rio e eu digo que não. Ela me diz que não é justo que eu crie Bella sozinho e com tanta dificuldade, quando ela tem avós vivos e saudável, e eu digo que não importa. Ela diz que estaria aqui e eu digo que não seria justo com ela. E não seria mesmo.

Cinco anos atrás, quando eu tomei a decisão mais difícil e mais importante da minha vida, Graziela me salvou. Mas ela não pode me salvar para sempre, não das consequências dos meus próprios atos e escolhas.

— Mas e você? Como vão as coisas na empresa?

— Bem... Você sabe. Eu sou só uma estagiária, então, tenho muito o que fazer e pouco o que pensar...

— Você é a herdeira da empresa, Grazi. Um dia, tudo aquilo lá vai ser seu...

— É, mas até que seu Martins diga que eu estou pronta para isso, ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte. E ninguém sabe que eu sou a filha do meu pai, então, sou só mais uma na estatística de estagiárias que odeiam o chefe!

Gargalho, porque sei bem o tipo de ódio que Graziela sente pelo chefe!

— Grazi, você já imaginou o dia que esse homem descobrir que, na verdade, você é a chefe dele? Meu Deus, a fanfic veio pronta! — me controlo para não rir muito alto por causa de Bella..., mas Deus! Se tivesse um livro com uma história dessas, eu juro que leria.

— Ah, mas você não tem ideia de quantas vezes eu já quis jogar isso na cara dele, amiga! Nosso Deus! Todo santo dia, pelo menos umas quarenta vezes. Eu queria ver a cara de babaca que ele faria!

— E o que você diria, Grazi? Cala a boca e para de fazer o seu trabalho porque eu sou a filha do dono de tudo isso?!

— Não! Eu... Eu...

— Grazi — a interrompo. — Eu acho, sinceramente, que seu problema se resolve em uma sentada, talvez, duas... — gargalho outra vez.

— Aff, cala a boca, Anthony! Eu nunca sentaria naquele cretino!

— Unhum... tá! E me lembra aqui, por que mesmo ele é um cretino, hein?!

— Porque..., porque... porque ele é tão irritante! Acha que está sempre certo, adora ouvir o som dá própria voz e Deus! Ele é tão gostoso, que não consigo odiar tudo sobre ele, e essa é, com certeza, a parte mais irritante dele inteiro! O infeliz não soube nem ser completamente odiável!

Dessa vez, a gargalhada vem antes que eu consiga pensar em controlá-la e tudo o que posso fazer é tapar minha própria boca com a intenção de abafar o som.

— E, desde quando ser gostoso é defeito, Grazi? — questiono aos risos e ela resmunga várias coisas incompreensíveis.

— Se você quer tanto falar de chefes cretinos, por que não falamos do seu, hein?! Estou mais do que pronta para o meu momento Marcos Babaca! Conta, qual foi a pérola daquele mito da escrotidão hoje? — fala animada, não apenas por conseguir mudar de assunto e tirar o foco de si mesma, mas porque falar mal do meu chefe é quase como assistir a um filme ou uma série para nós duas.

Comecei a trabalhar para Marcos uma semana antes de Grazi se mudar de volta para o Rio, depois de cinco anos aqui em São Paulo comigo. Na teoria, ela veio para fazer faculdade, na prática, essa foi a desculpa perfeita para que pudéssemos sair do Rio. E eu realmente precisava, antes que os olhos julgadores da elite carioca tornassem minha vida ainda mais miserável do que meus próprios pais já haviam tornado.

Mas com o fim da graduação, seu pai exigiu que ela voltasse para casa. Afinal, ela é sua única filha e, como consequência disso, herdeira do seu império de tecnologia da informação. Formada, não havia mais desculpas para que ela se mantivesse afastada daquele que, um dia, seria seu império.

Foi assim que me vi, pela primeira vez em cinco anos, sozinho com Isabella. Por cinco anos Grazi foi minha rede de apoio emocional e financeira. Bella e eu morávamos no apartamento do seu pai em São Paulo e, enquanto ela estudava, eu cuidava de absolutamente tudo na casa. Os primeiros meses foram os mais difíceis, porque precisei aprender a existir sem que houvesse alguém limpando cada pedaço do caminho que eu trilhava.

Deus salve o YouTube, porque sem ele, eu estaria perdido. Aprendi a cozinhar, limpar, a usar um ferro de passar roupas e a ligar a máquina de lavar, dentre muitas outras coisas. Grazi poderia ter contratado uma empregada, mas eu não queria ser um peso maior do que já estava sendo. Ela deixou sua casa por mim, sua família, seus amigos. Eu precisava retribuir de alguma forma e na minha condição, cuidar da sua casa enquanto ela estudava foi a maneira que encontrei.

Por quase cinco anos,os quase quatro de Isabella, fomos uma dupla e tanto. Mas quando esse tempo terminou, eu não poderia mais ficar no apartamento do pai de Grazi, afinal, ele nem sabia que eu morava com sua filha e eu preferia que continuasse assim. Eu precisava de um emprego, não tinha qualquer formação e tinha uma criança de três anos. Uma coisa que não precisei do YouTube para aprender? Ninguém quer contratar pais de crianças pequenas.

Foi assim que fui parar na casa do Marcos babaca, como apelidamos meu chefe ainda na minha primeira semana de trabalho, depois de eu tê-lo flagrado fugindo de uma mulher que ele mesmo havia levado para casa. Marcos pediu à cozinheira que mentisse para a pobre coitada sobre uma emergência de trabalho, quando, na verdade, estava dentro da casa dormindo em outro quarto. Sério? Dá para ser mais babaca do que isso?

Desde então, falar mal dele se tornou uma espécie de momento de lazer para nós duas. O momento Marcos babaca. Mas hoje, especificamente, a babaquice dele foi maior do que qualquer outra que eu já tenha presenciado. Grazi nem faz ideia...

— Qual é, Thony! Já faz quase uma semana desde que ele quase morreu sufocado com o próprio vômito! Eu preciso de alguma coisa, estou entrando em abstinência aqui...

Rio sem humor algum. Passo a língua sobre os lábios e, erguendo as sobrancelhas, disparo.

— Você tá pronta?

— Ah, eu estou prontíssima! — responde e fecho os olhos, encho os pulmões de ar e, junto com eles, solto as palavras.

— Ele me pediu em casamento...

Graziela gargalha tão alto que preciso diminuir o volume do celular, preocupada em acordar Bella.

— Meu Deus, amigo! O quão bêbado esse homem ficou dessa vez? — praticamente grita e eu entendo, porque eu também riria, se não soubesse que a situação é séria, seríssima.

— Oh, não, amiga. Ele estava sóbrio, completamente sóbrio.

A mudança na expressão de Grazi acontece gradualmente. Seu sorriso vai morrendo até que seu rosto esteja completamente sério e suas sobrancelhas arqueadas.

— O quê?

****************

*** MARCOS VALENTE ***

No meu escritório, as paredes ao meu redor parecem se movimentar, enquanto espero que a compreensão atinja meu amigo. Não há muitas pessoas para quem eu possa contar o que pretendo fazer, na verdade, há apenas uma, e depois de duas semanas fora, ela acabou de ser atualizada sobre as minhas últimas decisões.

— Então, me deixa ver se eu entendi direito. Você foi descartado como sucessor do cargo de sócio gerente, hoje ocupado pelo seu pai, por se relacionar com funcionários. E, agora, sua solução pra isso é se casar com um funcionário? Nenhum daqueles com quem você se relacionou, mas com um completamente diferente?

— Dizendo desse jeito, parece horrível... — Sentado diante de mim, na mesma poltrona em que Anthony esteve sentada ontem pela manhã, João Pedro inclina a cabeça, dobra uma perna sobre a outra, apoiando um tornozelo sobre o joelho, e arqueia uma única sobrancelha em um questionamento silencioso.

— Porque é horrível, Marcos! E eu realmente não acredito que você me tirou de casa, no dia que eu cheguei da minha lua de mel, pra isso, porra!

— O que aconteceu com o “amigos antes dos homens”, hein? — resmungo e João Pedro bufa.

— Quando você tiver um homem pra chamar de seu, você vai entender que escolher um homem peludo à um homem lindo e gostoso, é totalmente irreal!

— Doeu? — questiono sério e a testa dele se franze em confusão.

— O que, Marcos?

— A cirurgia de mudança de sexo, João Pedro! Porque não existe outra explicação pra toda essa merda! — Suas sobrancelhas se erguem e eu reviro os olhos.

— Você sabe que esse foi um comentário muito preconceituoso com as pessoas que realmente optam por uma mudança de sexo, certo? E isso é escroto até pra você! — me repreende como se eu fosse uma criança, mas porra! Ele tem razão. As escolhas alheias não devem ser vistas como piada.

— Tudo bem, eu fui um babaca... Mais babaca, quer dizer. Mas você tá muito sensível...

— Não fode, Marcos! — desdenha e leva o copo de Uísque à boca.

— É a única forma de fazer as coisas funcionarem. Você sabia que isso teria que acontecer — volto a conversa para aquele que deveria ser seu foco.

— Pra começo de conversa, se você não tivesse fodido a porra toda, literalmente, não precisaria de uma solução. Eu tinha esperanças de que você desistisse dessa ideia absurda... — argumenta e o fato de não poder contestá-lo, me faz virar de uma vez o restante do uísque em meu copo. — Sério? O que deu na sua cabeça, Marcos? Você sempre foi inconsequente, mas nunca estúpido, e eu sempre te disse que foder seus secretários, eventualmente, ia dar merda. Ainda assim, achei que ser pego pelo seu pai uma vez seria o suficiente pra colocar algum bom senso nessa sua cabeça. Mas não, você precisou de uma segunda e perder um cliente de milhões, caralho, Marcos! Isso é demais até pra você!

— Sei lá, porra! Eu só não queria lidar com o fato de que eu estava prestes a virar um João Pedro 2.0.

Ele gargalha.

— Um João Pedro 2.0? O que isso deveria significar?

— Eu tenho que lembrar como era sua vida até seu precioso Eduardo aparecer nela? — dessa vez seu riso é contido, como se soubesse de alguma coisa que eu não sei.

— Eu sinto te informar, Marcos, mas nesse caso, você já é um João Pedro 2.0, ou, talvez, eu fosse um Marcos 3.0. Porque até em ser você, eu sou melhor que você...

Bufo, me levanto da cadeira e vou até o bar. Sirvo outra dose dupla de uísque e viro toda de uma só vez garganta abaixo.

— O quê? Vai se embebedar agora? Nós dois sabemos que você toma péssimas decisões quando está bêbado... — alfineta, fazendo referência ao fato de que da última vez em que me embebedei em público, no aniversário de casamento dos seus pais, causei uma grande confusão, levando até mesmo João Pedro a sair na porrada com um “amigo” de infância nosso. Amigo é uma palavra forte, um encosto de infância seria uma definição melhor. Me viro em sua direção.

— Você nunca vai deixar isso pra lá, vai?

— Nunca? Isso aconteceu há menos de três meses, Marcos! A cara do Bruno ainda tá quente, então, não, eu ainda não esqueci! Sua sorte é que eu sou um amigo melhor do que você, que o Eduardo é melhor que nós dois juntos e que toda aquela merda acabou me dando o empurrão necessário pra eu tomar melhor decisão da minha vida, ou eu nem estaria olhando nessa sua cara feia!

— Eu tinha acabado de perceber que teria que me casar, me dá um desconto, vai?! E como ele está, aliás?

— Isso não é justificativa, porra! Eu sei, você sabe, o caralho do mundo inteiro sabe, mas como eu disse, no fim das contas, tudo se encaixou, e ver você ajoelhado na frente do Eduardo foi um momento da porra! Eu tenho a foto aqui, quer ver? — oferece, estendendo o celular na minha direção.

— Vai se foder! — o filho da puta gargalha.

Confesso, aquele não foi meu melhor momento, mas quando a bebedeira passou e eu acordei com uma ressaca da porra, fiquei realmente desesperado ao me dar conta da confusão em que envolvi João Pedro e Edu naquela noite. Apesar da dor de cabeça explodindo cada um dos meus neurônios, tentei desesperadamente falar com meu amigo, que recusou todas as minhas ligações.

Meu próximo passo lógico foi dirigir até sua casa e me ajoelhar aos pés do seu, agora, marido. Rendido como o filho da puta é, eu sabia que se ele me perdoasse, ele também faria. Demorou algum tempo, mas ele finalmente cedeu antes do seu casamento.

— E agora você se lembra de que meu marido existe?! Depois de me tirar dele no dia em que chegamos de viagem de lua de mel, perguntar sobre ele era a primeira coisa que você devia ter feito, filho da puta!

— Marido? — testo a palavra, ignorando todo o restante do discurso, e o gosto é mais amargo que o uísque. — Qual é a sensação de ter um?

— A melhor que existe? — questiona. — Mas não acho que possamos comparar as situações, Marcos. Eu escolhi Eduardo, você está contratando um boneco... É bem diferente...

— Seu relacionamento também começou com um contrato... — ele ergue uma sobrancelha, não entendo o motivo até ouvir suas próximas palavras.

— Então, você está dizendo que está disposto a trilhar o mesmo caminho que eu trilhei no meu relacionamento? — ironiza e só então me dou conta do que falei.

— Mas é claro que não, porra! Esse casamento é só uma forma de cumprir a exigência estúpida do conselho, João! Eles nem mesmo tentaram ser menos absurdos... É um acordo profissional, nada além disso...

— Eu vou ter que concordar, mas isso é só porque eles tinham certeza de que essa era uma linha que você não cruzaria. Ninguém em sã consciência, aliás...

— Eles subestimaram a minha vontade de honrar o legado do meu pai...

— Eu acredito que quando você decidiu foder seu secretário, literalmente, cinco minutos depois de ter dito para o seu pai que se comportaria como um herdeiro responsável e nem ao menos se deu ao trabalho de trancar a porta do escritório, deu a eles boas razões para acreditar exatamente no que eles acreditam...

— Eu já mandei você se foder hoje?

— Unhum... duas vezes, inclusive. Se foi só pra isso que você me tirou da minha casa, eu já posso ir embora, certo?

Bufo.

— Não, porra! — expiro fortemente e fecho os olhos, controlando minha irritação, porque sei que é exatamente essa a intenção do filho da puta. — Eu esperava que você fosse minha testemunha...

— Seu padrinho de casamento? — sorri de canto, gostando de ver minha miséria.

— Que seja...

— Você vai ter que fazer melhor do que isso... — Gira o pouco que resta de uísque em seu copo e, então, me dirige um olhar cheio de desafio.

— Eu devo te lembrar como foi que você me convidou pra ser padrinho do seu casamento?

— Não importa, você teve sorte de ter estado no meu casamento!

— Até cinco minutos atrás, eu tinha sido a razão pela qual seu casamento aconteceu!

— E você estaria certo, se eu não tivesse uma eternidade de vantagem sobre qualquer discussão que a gente venha a ter! — afirma, arrogante como só nós dois sabemos ser.

— E quem foi que instituiu isso?

— O código da amizade gay?

— O código da amizade gay diz “amigos antes de homens”!

— Essa parte não presta! — dispensa meu comentário com a mão.

— Ah, claro! E me deixa adivinhar? Não posso contestar isso porque você tem a vantagem sobre as nossas discussões pelo resto das nossas vidas, de acordo com o código da amizade gay, que você mesmo está questionando a validade?

— Exatamente!

— Puta que pariu! Você é um filho da puta! Se a carreira de administrador não der certo, realmente pode desengavetar aquele diploma de direito, seria um advogado do caralho! — acuso e ele dá de ombros, — Tudo bem! Que seja! Você, João Pedro Govêa, aceita ser meu padrinho de casamento? — faço uma mesura exagerada e afino a voz, em deboche. Seus olhos se estreitam e ele balança a cabeça, concordando.

— Você tem certeza disso, Marcos? Quer dizer, isso pode virar uma merda gigante. Esse cara, como você sabe que ele não é um problema disfarçado?

— Eu só sei...

— Essa não é uma resposta muito boa...

— Ele é pobre, precisa do dinheiro, João. Por que ele estragaria isso?

— Essa é uma resposta péssima. Não te preocupa que ele possa ser alguém interessado em dinheiro e que você esteja, literalmente, abrindo a porta da sua conta bancária pra ele?

— Sério? — Ergo uma sobrancelha e faço uma expressão de cansaço.

— O quê?! Você me fez essa mesma pergunta quando era eu no seu lugar! —assume um tom de reprovação.

— É diferente!

— Como isso é diferente?

— Fui eu quem procurou Anthony, não o contrário. E, além disso, ele já trabalha para mim há meses! Se ele tivesse qualquer intenção de me seduzir pelo meu dinheiro, eu, provavelmente, já o teria encontrado nu em minha cama. Essa, com certeza, é a forma mais eficiente de me seduzir… — digo a última frase com um sorriso no rosto, João Pedro a dispensa com uma das mãos e revira os olhos.

— Você devia ser mais cuidadoso, Marcos. Nós estamos falando de um casamento, para alguém que se preocupou tanto comigo, você tá bem relaxado com a própria situação. Você, pelo menos, investigou esse cara?

— Todos os meus funcionários passam por uma checagem completa antes de serem contratados e você sabe disso, porque isso é procedimento padrão em qualquer família. Nós aprendemos a desconfiar das pessoas antes mesmo de aprender a andar, João Pedro...

— Então, por que exatamente você tá confiando tão cegamente nas suas certezas infundadas, porra? — Coloca o copo sobre a mesa sem delicadeza alguma. Todo o tom brincalhão foi deixado de lado e, em seu lugar, há um cenho franzido.

— Não são infundadas, eu sei tudo o que há pra saber. Pobre, trabalha porque precisa, não é jornalista e é doce e submisso. Exatamente o que eu preciso...

Ele balança a cabeça, negando.

— É diferente, caralho! Uma investigação preliminar de funcionário não é a mesma que você deveria fazer pra um homem que você quer tornar seu marido.

— Diferente por quê? Se é exatamente o que ele vai continuar sendo? Meu funcionária? É um contrato completamente profissional, João. E, se eu tiver alguma sorte e debaixo daquele uniforme ridículo morar um corpo gostoso, talvez, eu possa foder meu esposo. O que poderia dar errado?

****************

Saio do banheiro com a toalha enrolada na cintura e a cabeça cheia pelas palavras de João Pedro, mesmo quase um dia inteiro depois da nossa conversa. Mas ele está errado, redonda e completamente. Se Anthony tivesse qualquer interesse escuso em mim, eu já teria percebido depois de tanto tempo, mas não, ele não fez nem mesmo com que sua presença fosse notada.

Pela milésima vez, desde que os vi, os olhos de Anthony assaltam minha mente e eu começo a me perguntar se estou imaginando a quantidade cada vez maior de detalhes que vejo neles e fazem parecer que há o contorno de um girassol em suas íris. Mas que porra!

Essa situação está me enlouquecendo e eu sei exatamente do que preciso para resolver isso, aquilo que sempre resolve, música, a companhia de um cara gostoso, ou dois, talvez três, e uísque, muito uísque.

Me celular toca, distraindo-me das imagens que minha mente repassa silenciosamente, invocadas pelos planos para essa noite. Olho para o visor do aparelho em minha mão e a foto do meu pai brilha nele. Caminho pelo closet analisando as prateleiras e escolhendo o que vestir. Respiro fundo, ele parece ter um radar e aparece naqueles momentos em que eu sou tudo, menos o que ele gostaria, seja fisicamente, através de uma ligação, ou nos meus pensamentos.

— Oi, velho! — saúdo assim que atendo a ligação.

— Velho é o mundo! Eu sou antigo. E nem tanto assim. Como você está, meu filho? — rio da resposta de sempre.

— Bem, pai. E o senhor?

— Bem também, mas sinceramente? Cada dia mais ansioso pela aposentadoria... — seu tom é brincalhão, ele não escolheu suas palavras, apenas respondeu com sinceridade, porém, o silencio que as seguiu deixa claro que ele se arrependeu disso.

— Está tudo bem, pai. O senhor pode falar sobre a sua aposentadoria...

— Porra, Marcos. Você tinha que ter feito uma merda tão grande? Não importa o que eu diga, aqueles velhos não se convencem... — reclama, fazendo-me rir outra vez. Primeiro, porque os conselheiros da Valente são velhos, ele não.

Depois, porque apesar de ter sido ele a me pegar enterrado em meu secretário, seis meses atrás, depois que sua raiva passou, Joaquim Valente começou a tentar, de todas as maneiras possíveis, convencer o conselho de que isso não era motivo para que eles me impedissem de ser empossado sócio gerente.

Há quem diga que ele está passando a mão na minha cabeça e que essa é a razão de eu continuar inconsequente aos trinta e dois anos. Talvez, essas pessoas estejam certas. Mas foda-se, isso só faz com que eu admire ainda mais o homem que meu pai é. Assim como não acho que eu seja material para ser marido, também não acredito ser material para pai, e ele é todo o motivo disso.

Eu nunca seria capaz de ser para alguém nem mesmo dez porcento daquilo que meu pai é para mim. E, apesar das minhas atitudes imprudentes passadas, eu realmente quero dar continuidade ao seu legado da maneira que me julgo capaz, com trabalho. E, enquanto me pego em paz, apenas por ouvir sua respiração do outro lado da linha e por saber que, não importa o tamanho da merda que eu faça, ele sempre estará lá para mim, a certeza de que eu realmente faria qualquer coisa por isso, se assenta dentro do meu peito.

— Não tem graça, Marcos!

— Não, pai! Não tem, mas não foi pra isso que o senhor me ligou, foi? — desvio o assunto, não quero dizer o que estou planejando até que seja tarde demais para ele tentar me convencer do contrário. Olhos escandalosos e, aparentemente, floridos, piscam em meus pensamentos e, quase mudo de ideia, subitamente curioso sobre o que meu pai vai achar de Anthony.

Ele resmunga, insatisfeito, mas finalmente diz por que ligou.

— Você ainda não confirmou sua presença no evento beneficente da semana que vem...

— Ah, isso...

— Você precisa estar lá, Marcos. E, por favor, sem surpresas! — quase implora a última parte, me dando uma ideia. Esse seria um momento incrível para apresentar Anthony, oficialmente, como meu noivo.

— Tudo bem, pai, eu estarei lá!

— Fácil assim? E não ouvi você confirmando que não haverá surpresas!

— Onde mais o futuro sócio gerente da Valente & Camil estaria na noite do maior evento organizado pelo escritório, pai?

— Marcos... — diz, devagar. — Talvez, você devesse começar a se acostumar com a ideia de que o conselho realmente não mude de ideia — ele tenta esconder, mas o peso em sua voz apenas em mencionar essa possibilidade, seria estímulo mais do que necessário para seguir adiante, se eu ainda precisasse de algum.

— Está tudo bem, pai. Se não nos vermos antes, nós nos veremos no evento!

— Marcos...

— Está tudo bem, pai! — asseguro e, segundos depois, vem a pergunta que eu esperava que o assunto pesado o tivesse feito esquecer.

— E quanto a surpresas indesejadas?

— Ah, pai! Eu prometo que minha surpresa será muito desejada!

— Marcos!

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Comentários

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Eu tô gostando do conto, assim como gostei do outro, só me incomoda esse negócio do passivinho pequeno e frágil junto com o homem viril e forte, pelo amor, case com uma mulher então, nem todo passivo é assim, bota o Anthony pra foder o Marcos com força. Isso seria bom, fora isso que me incomoda o resto tá ótimo

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