CAPÍTULO QUATRO
“NINGUÉM AGUENTA MAIS PASSEIOS INUSITADOS”
Depois do expediente me encontrei com a Elisa na entrada do prédio da InterOrsini e fomos dar uma volta no shopping porque, segundo ela, eu precisava de uma repaginada completa. Embora não estivesse muito a fim de gastar dinheiro com roupas, sapatos e acessórios, achava que a minha amiga tinha razão, até porque, pelo visto, teria que viajar em breve e participar de milhões de reuniões diariamente. Não dava para passar por nada disso só com o que eu tinha no guarda-roupa.
A minha vida mudaria muito e mais ainda quando os primeiros salários começassem a cair na conta. Aquele pequeno investimento valeria a pena, portanto, pela primeira vez na vida, entrei e saí de várias lojas e comprei quase tudo que eu estava a fim, dando-me o direito de gastar sem remorsos.
Ainda pensei em contar para Elisa o que estava acontecendo entre mim e Thomas Orsini, mas o mero pensamento sobre a situação já me envergonhava demais, além do que era tudo tão inacreditável que ela me encheria de perguntas e, talvez, ficaria toda empolgada, metendo bedelho. Sem contar que a coitada estava feliz, achando que finalmente olharam para o meu trabalho e haviam me dado uma oportunidade por puro merecimento. Significava certa esperança até para si mesma.
Cheguei ao apartamento tarde da noite, de modo que a minha mãe já estava dormindo. Joguei as inúmeras sacolas de compras no canto do quarto, tomei um banho reparador e peguei o celular, esperando que houvesse uma mensagem do CEO, mas não havia nada. Aproveitei a ausência de tentações e fui dormir de uma vez. Eu que não ficaria pensando no que ele estava fazendo àquela hora da noite. E, definitivamente, eu que não mandaria mensagem perguntando, só para saciar uma possível curiosidade.
No dia seguinte fui empurrado para um bocado de reuniões exaustivas; primeiro com diretores, depois com a equipe de internacionalização no Brasil e, por fim, com o pessoal de Los Angeles. Foi um dia longo, cansativo e livre da presença de Thomas Orsini, já que ele não esteve presente em nenhum momento. Não fiz qualquer pergunta ao seu respeito e ninguém nada mencionou, porém eu mentiria feio se dissesse que não estava interessado em saber onde ele tinha se metido o dia todo.
Perto do fim do expediente, enquanto eu saboreava mais uma combinação de café — aquela pequena máquina estava sendo uma novidade maravilhosa — ouvi batidas leves na porta da minha sala e o meu coração deu um solavanco. Eu me ergui e esperei que a pessoa entrasse, já ciente do quanto ela era invasiva, porém, depois de um tempo, apenas ouvi mais batidas.
— Entre! — falei em um tom firme, embora estivesse me desfazendo por dentro.
A pessoa abriu a porta e, para a minha frustração, não era quem eu imaginava. Tratava-se do entregador interno do prédio; um estagiário que ia e vinha para lá e para cá, recolhendo e enviando correspondências, documentos e o que mais fosse necessário dentro da própria empresa.
— Boa tarde, Bruno. Tem alguma coisa hoje? Uau! — o homem, que já me conhecia há tempos, olhou para a ampla sala, com os olhos iluminados.
— Como aqui é chique!
Sorri, meio sem graça.
— Não tenho nenhuma entrega hoje, Jamilson.
— Mas eu tenho para você! — sorrindo, pegou um pacote médio, que estava sobre o carrinho que sempre levava consigo, e me entregou. Era uma caixa amarela, parecida com a dos Correios, mas não havia nada escrito nela. — Boa tarde! — ele mesmo tomou a iniciativa de ir fechando a porta. Antes que concluísse o intento, consegui falar depressa:
— Obrigado, Jamilson, boa tarde!
Ouvi o barulho do trinco e passei ainda alguns segundos encarando o horizonte. A caixa era muito suspeita. Primeiro porque nunca havia recebido nada além de papeladas em envelopes e segundo porque não tinha remetente algum. Voltei para a mesa e me assustei quando o meu celular, sobre o tampo, vibrou e acendeu. Em um pulo, verifiquei a solicitação, mas não foi nada do que pensei.
Alguém queria entrar em contato com relação às flores que coloquei no Mercado Livre. Naquela manhã eu as tinha trazido para a nova sala e as depositado ao lado da incrível máquina de café. O espaço ficou bem bonito, singelo e colorido.
Observei-as da minha cadeira, suspirando profundamente. Droga. Eu estava me perdendo no meio daquela merda toda.
Jogando a toalha para o alto, respondi à solicitação recebida:
Desculpe, eu já vendi as flores. Vou retirar o anúncio.
E assim o fiz, porque no fundo não queria me desfazer daquelas merdinhas caríssimas, que não paravam de me encarar e gargalhar da minha cara por ser um grande e completo TROUXO, com letras garrafais. Uma hora talvez eu tivesse vontade de atirá-las pela janela, mas naquele instante só queria meu espaço do café bem organizado. Fala a verdade, o cargo novo estava me modificando.
Voltei a atenção para a pequena caixa à minha frente. Sentia pavor de conferir o que havia dentro dela, mas a curiosidade acabou falando mais alto e a abri de uma vez. Visualizei uma caixa menor, da cor preta, e o formato de quadrado perfeito fez com que o meu coração acelerasse. Retirei-a da caixa maior e puxei a parte superior. Um colar dourado se fez presente, junto com um pingente, também dourado, que tinha um formato de paralelepípedo, comprido e pesado. O meu nome estava gravado na face visível, de uma forma tão elegante que soltei um arquejo, sem acreditar.
Um pedaço de papel caiu sobre a mesa e precisei largar o colar, que ainda não tinha me descido direito pela garganta, para lê-lo:
Lamento muito por estar ausente e não ter te dado atenção hoje.
Estou em viagem, mas retorno amanhã, a tempo para nosso jantar.
Não fique bravo pelo presente. Você merece ser mimado.
Me deixe te mimar. T.O.
Meu Deus do céu.
Definitivamente, eu não sabia o que sentir. Era uma mistura de raiva com puro incômodo, então surgiam pitadas de vaidade e uma vontade escandalosa de sorrir feito um TROUXO. Segunda vez que pensava nessa palavra em tão pouco tempo. Não era um bom sinal. Era um péssimo sinal. O meu rosto inteiro começou a pegar fogo diante das emoções loucas e controversas.
Tampei a caixa preta com o bilhete dentro e enfiei tudo aquilo na última gaveta acoplada à mesa. Passei a chave e tentei, com todas as forças, esquecer a existência daquele novo presente. Se eu ignorasse talvez Thomas Orsini parasse. Sim... Era uma boa ideia. Se a raiva e as brigas não davam jeito, somente a indiferença venceria o embate. Era a arma mais poderosa que eu possuía naquele momento.
Se eu queria ser mimado? Não, obrigado. Muito menos por ele.
De certo modo o bilhete e o presente me fizeram pensar nos esforços do CEO para me conquistar. Não parecia direito que me mimasse, sendo que não tínhamos nada e eu sequer queria isso. Mesmo que transasse com ele, seria apenas uma foda. A pequena mensagem me soou como uma justificativa, uma satisfação, coisa que ele não me devia e vice-versa. O que ele estava fazendo não me interessava. Uma coisa era ter curiosidade e outra totalmente distinta era ser da minha conta.
Decidido a ignorar e parar de pensar em milhões de asneiras, voltei para casa naquela noite e me concentrei em preparar um jantar gostoso para mim e minha mãe. Nós conversamos um pouco ao redor da mesa e assistimos a um filme juntas, coisa rápida, pois ela dormia cedo para aguentar o batente. No entanto, dias de quarta eram sagrado para nós, que separávamos um tempinho um para o outro, visto que aos fins de semana mamãe sumia no mundo dos forrós.
— Acho que não vou te ver mais antes do jantar com o poderosão lá, né? — Dona Délia comentou depois que me deu um beijo de boa-noite.
— Não sei, mãe. Vou vir pra casa, pois tenho que me arrumar. Ele vem me pegar às 20h, acho.
— Ah, então acho que dá tempo.
Revirei os olhos.
— Mãe, tem como a senhora fingir que nada está acontecendo? Não quero ver você toda empolgada com isso.
— Como não me empolgar? Meu menino tem um encontro com um homem cheio da grana e MA-RA-VI-LHO-SO — sério, ela deu ênfase a cada sílaba da palavra. — Acho que estou mais empolgada que você — fez uma brincadeira no meu nariz.
— Ele me pediu uma chance pra me mostrar quem ele é, mas eu já sei — afundei no sofá, exausto daquele assunto, mas ciente de que deveria ter mais forças para tudo o que tivesse a ver com o Senhor Orsini. — Vai ser só um jantar. No máximo, estourando, uma noite de sexo.
— E se você realmente gostar dele?
— Duvido muito — fui taxativo. — Não gosto de burguesinho.
— Eu acho que...
— Mãe! — cortei-a, olhando feio. Realmente não queria discutir sobre o assunto. Não era teimosia minha considerar Thomas Orsini um homem perigoso, controlador, riquinho metido a merda e alguém com quem eu não queria me relacionar.
Será que era tão difícil assim de me entender?
— Está bem! — mamãe revirou os olhos antes de seguir para o corredor. — Boa noite, filho.
— Boa noite.
Assim que me vi sozinho conferi mais uma vez o celular. Não havia a notificação que eu esperava, por isso soprei o ar dos pulmões. Saco. Precisava dar adeus àquela tortura de uma vez, caso contrário tomaria no rabo muito bonito. Não existia jeito mais bonitinho de explicar o tamanho da desgraça que seria.
Apesar de empoderado, consciente e firme, eu tinha sentimentos e precisava entender que era humano, só assim tomaria as medidas certas para me proteger do sujeito.
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A tão esperada quinta-feira chegou e junto com ela veio também um nervosismo fora do comum. Nunca fiquei tão aflito para um encontro, mas por outro lado nunca me encontrei com alguém como Thomas Orsini. Passei o dia inteiro angustiado, imerso nas reuniões infindáveis, tentando fazer o meu trabalho da melhor maneira possível e percebendo que, sim, eu realmente tinha muito a oferecer a InterOrsini.
As pessoas respeitavam minhas opiniões e incontáveis sugestões minhas foram anotadas para saírem do papel em breve. Eu me sentia alguém importante, ocupando um cargo que lhe era devido, não um peixe fora d’água. De certo modo isso me ajudou a me sentir um pouco melhor diante da loucura em que minha vida se enfiou nos últimos dias. As coisas estavam modificando tão rapidamente que mal dava para acompanhar. Eu ainda nem acreditava direito, principalmente quando chegava à minha sala e podia gozar de um ambiente agradável.
Era incrível, louco e eu poderia me acostumar fácil.
Naquela noite peguei um Uber de volta para casa, do contrário não me aprontaria a tempo para o jantar. Conforme o tempo passava, mais nervoso me sentia. Parecia que tinha um caroço de abacate preso no meu estômago. Cheguei até a pensar em cancelar, mas só prolongaria a situação com Thomas Orsini e eu precisava definir de uma vez, antes que pirasse completamente.
Pobre quando está nervoso fica com dor de barriga, por isso passei um bom tempo no vaso, pensando na vida e no que diria ao CEO. Já estava com um diálogo pronto na cabeça e até imaginei quais respostas me daria, baseada em tudo o que sabia sobre ele. Fiquei com menos tempo para o banho e me depilei sem muita dedicação, fiz a chuca, certo de que nada rolaria, mas não sendo estúpido a ponto de descartar a possibilidade.
Coloquei uma camisa de manga longa preta e uma calça. Calcei sapatos, estilo bota de cano curtinho, que eu tinha comprado na noite anterior. Penteei os cabelos, depois borrifei bastante perfume e me dei por satisfeito. Estava bonito e elegante para um jantar com alguém acostumado com gente bem arrumada.
Não passaria vergonha.
Ouvi o som do interfone e quase tive um infarto. Sério, precisei me sentar na cama e respirar fundo algumas vezes. Ouvi quando mamãe atendeu e gritou por mim em um tom nada discreto.
Minha nossa senhora.
Depois de mais um suspiro profundo, peguei a minha carteira e saí do quarto para receber o olhar entusiasmado de mamãe:
— Caramba, filho! Esse homem vai ficar doido de vez! — soltou uma risada e veio me abraçar. Eu nem soube como reagir, ainda estava tentando manter a respiração regular. — Aliás, ele já está lá embaixo. Bom jantar! Me avise se não vier dormir.
— Mãe...
— Shiu! Vá logo, não o deixe esperando!
Ao descer para a portaria, logo percebi um carro preto enorme, que eu sequer sabia a marca, só que devia ser caro pra cacete, estacionado em frente. Cumprimentei o porteiro, que me olhou por mais tempo que o normal, e saí para fora do prédio ao mesmo tempo em que um cara robusto desceu do veículo e abriu a porta traseira, acenando para que eu entrasse.
Meio assustado e constrangido, adentrei o veículo. Sentei em bancos de couro muito confortáveis, mas ao olhar ao redor percebi que não havia sinal do Thomas Orsini. O homem que abriu a porta para mim deu a volta no carro e entrou, tomando o lugar do motorista.
— Boa noite, senhor — ele saudou amigavelmente e balbuciei em resposta, meio aéreo. Meu coração já incomodava de tão forte que batia. — O Senhor Orsini infelizmente não pôde buscá-lo a tempo, mas eu o levarei até ele, tudo bem? Meu nome é Lineu, sou motorista dele há muitos anos.
— Tudo bem, Seu Lineu.
Ele sorriu pelo retrovisor e deu partida no carro. Fiquei me perguntando o que raios poderia ter acontecido para que Thomas não tivesse tempo de me buscar. Mas, enfim, eu não saberia como me comportaria diante dele dentro de um carro como aquele. Com certeza não me sentiria mais confortável, por isso tratei de relaxar, me acalmar para encontrá-lo de uma vez.
Quinze minutos depois Seu Lineu entrou em um prédio que eu não conhecia e estacionou em uma das vagas. Teve a delicadeza de abrir a porta para mim de novo e pediu para que eu o acompanhasse. Sem nada falar, segui o sujeito para os elevadores. Lado a lado, e em completo silêncio, subimos até a cobertura.
Seu Lineu andava a passos decididos e eu tentava imitar seus gestos, porém precisei parar quando me deparei com um heliponto imenso. Sobre ele um helicóptero aparentemente me aguardava, visto que era para lá que o motorista de Thomas Orsini seguia.
— Puta que pariu... — murmurei, paralisada, com os olhos esbugalhados. Eu nunca tinha andado num daqueles. Para ser sincero morria de medo de altura. Toda vez que viajava de avião precisava me entupir de calmantes e álcool. — Não é possível que...
Vi quando Seu Lineu olhou para trás e fez um gesto, chamando-me. Engoli em seco. Poderia fazer o maior piti, dar um escândalo daqueles, mas eu era um homem ou uma barata? Não estava pronto para enfrentar aquele medo, mas foda-se. Seria, no mínimo, uma experiência interessante.
Depois de alguns arquejos, dei um passo hesitante à frente. Aprumei os ombros, soprei o ar dos pulmões e resolvi agir com naturalidade. Seu Lineu e outro cara, que saiu de dentro do helicóptero, me ajudou a subir nele. O desconhecido ainda me auxiliou com o cinto de segurança e depositou sobre a minha cabeça uma espécie de fone de ouvido enorme e pesado, fazendo os meus brincos doerem na orelha.
Meu pai amado. Onde estava me metendo? Em que mais situações aquele imbecil me colocaria? Minha vontade era de esganar aquele filho de um puto.
Achei que Seu Lineu fosse ficar no prédio, por isso senti certo alívio quando ele ocupou um lugar ao meu lado, antes que o outro cara fechasse a porta de uma vez. Tentei relaxar, tentei não surtar, tentei não dar nenhuma bandeira, mas a primeira coisa que fiz quando aquela porra começou a subir foi soltar um gritinho fino.
Os homens riram de mim e o outro cara, que descobri ser o piloto, começou a dizer palavras tranquilizadoras, mas que não fizeram tanto efeito assim. Contudo, fiz o maior esforço possível para parar de passar vergonha. Fiquei com os gritos entupidos durante todo o percurso, que demorou mais do que previa. Achava que em pouco tempo chegaríamos ao local do jantar, mas me enganei miseravelmente.
— Para onde estamos indo? — questionei em voz alta, achando que não seria ouvido, mas aquele troço no ouvido tinha um microfone e devo ter deixado todo mundo surdo com a pergunta.
Quando Seu Lineu disse o nome da cidade eu paralisei pela milionésima vez naquela noite. Estávamos seguindo rumo ao interior do estado, em uma cidade que estava a aproximadamente 2h, se fôssemos de carro, da capital.
— Já estamos chegando, não se preocupe! — completou o motorista, sorrindo para mim. Sorri de volta, mas sem qualquer vontade. Acho que acabei fazendo uma careta feiosa, já que o homem virou o rosto na direção do horizonte logo em seguida.
Eu me neguei a olhar para fora. Não queria. Se eu tivesse qualquer noção da altura em que estávamos era capaz de armar o maior barraco. Não dava para fazer aquilo a seco. Eu tinha que estar muito loucão da vida para encarar a situação.
Quando o bicho começou a descer eu não soube se sentia alívio ou se me desesperava. Fiquei me segurando no banco feito um alucinado, soltando gritinhos toda vez que sentia um solavanco. O barulho que fez quando finalmente pousamos me obrigou a soltar o grito final, acompanhado de mais risos dos homens. Merda!
— Chegamos, senhor! — Seu Lineu avisou o óbvio, todo animado.
Eu queria matá-lo. Queria matar todo mundo, aliás. Thomas Orsini, Seu Lineu, o piloto e qualquer um que aparecesse na minha frente.
Tudo isso foi para deixar avisado a todos que adoram passeios de helicópteros em livros, que acha que é bem romântico, divertido, chique e tudo mais. Não é, não, meu chapa. A parada é sinistra. Não tem glamour nenhum.
Pisei no chão, depois de ser ajudado pelos homens, e a sensação que tive foi de voltar a respirar depois de longos minutos com a respiração suspensa. Seu Lineu andou ao meu lado até os elevadores do prédio onde aterrissamos e digitou o andar da cobertura, apenas um abaixo do que estávamos.
— Senhor Orsini o aguarda neste andar. Vou resolver umas coisas por aqui — sorriu, acenando para dentro do elevador, mas me deixando entrar sozinho.
Eu estava tão assustado e chocado que não falei nada, esqueci até de agradecer a ele. As portas se fecharam e me recostei a uma face espelhada. Foi então que percebi que os meus cabelos estavam assanhados e a minha expressão não era das melhores. Usei aquele pequeno minuto para tentar ficar apresentável, mas depois percebi o quanto estava sendo idiota por ainda fazer questão de estar bonito para o homem que me fez entrar num helicóptero sem nem me servir um copo de uísque antes.
O elevador apitou e eu saí, sem saber o que me aguardava. Parei diante de um cenário fora do comum: Thomas Orsini estava parado ao lado de uma mesa muito bem posta, iluminada por uma vela, assim como todo ambiente ao nosso redor. Havia uma piscina linda adiante, com uma pequena cachoeira, o que me fez compreender que aquele andar superior era dedicado a festas e lazer.
Dei um passo à frente, hesitante, de queixo caído com o que via. O som das águas caindo, o cheiro de comida gostosa, o sorriso aberto do CEO filho da mãe. Thomas fez o favor de se aproximar, já que me tornei incapaz de me mover.
Contra toda a lógica possível, o homem me abraçou forte, como se não me visse há anos e estivesse louco de saudades. E, talvez na tentativa de liberar toda a adrenalina, abracei-o de volta, fervorosamente. Havia a provável possibilidade de eu desejar me ancorar no chão firme, depois de um momento traumatizante no ar, mas não saberia dizer com certeza. Só sei que meus braços foram parar ao redor de seu pescoço e traguei o seu cheiro delicioso como se fosse o oxigênio vital para a minha sobrevivência.
Thomas segurou o meu rosto com uma mão, enquanto a outra permaneceu firme em minha cintura. Fixou aquele olhar de abrir cus na minha direção e eu perdi toda a capacidade de raciocínio.
Quando ele avançou para me beijar não tive qualquer defesa. Não havia nenhum diálogo decorado, nenhuma ironia para jogar em sua cara lisa e bem desenhada. Juntei raiva, desejo, tesão, angústia e todos os sentimentos que reuni, para sentir unicamente por ele, e o beijei.
Não foi delicado. Até porque eu não era delicado. E acho que nem ele.
Nós começamos depressa e continuamos em um ritmo acelerado, usando línguas, lábios, provocando ruídos, deixando nossos corpos se chocarem, se esfregarem, se atiçarem a um nível absurdo. Prendi os dedos em seus cabelos e os puxei, dando fim a qualquer distância que pudesse nos separar.
Foi um beijo de desabafo. E eu sequer sabia que estava precisando tanto disso. Dele.
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“NINGUÉM AGUENTA MAIS FALSA PERFEIÇÃO”
Thomas Orsini foi capaz de me invadir completamente com apenas um único beijo. Tomava-me sem hesitações, com gosto, como se qualquer coisa fosse permitida e ele quisesse aproveitar ao máximo. Enquanto uma mão grande me agarrava pelos cabelos, ajudando na movimentação frenética de nossas cabeças, a outra não se fazia de rogada ao ser cravada em minhas carnes. Estava tudo tão gostoso e envolvente que...
— Ah! — berrei, afastando-me em um pulo e começando a me debater feito um peixe recém-pescado. Thomas levou um susto tão grande com o meu rompante que também pulou para trás. — Droga! Droga, droga! — repeti mil vezes enquanto ainda me contorcia, agoniado.
— O que foi? Bruno! O que foi? — ele bem que tentava me segurar, mas eu só fazia me debater e devo ter lhe dado uma pequena sessão de espancamento durante do processo, tanto que acabou se afastando. — O que deu em você, Bruno?
— O que deu em mim? — finalmente parei, acalmando-me por causa da distância segura que ele tomou. Andei até a mesa montada e peguei um copo, depois uma garrafa de uísque, que eu sequer reconhecia a marca, e me servi de uma dose.
Virei tudo aquilo de uma só vez e soltei um longo suspiro. O álcool precisava agir logo para que eu voltasse ao “normal”.
— Você está bem? — Thomas perguntou de forma hesitante. Nem parecia o mesmo cara que estava me agarrando na maior safadeza.
— Se estou bem? O que você acha? — encarei-o com ferocidade. — Primeiro você me manda um completo desconhecido me pegar num carro enorme, que mais parece daqueles que levam defunto, e me senti como um gado sendo levado pro abate. Depois me põe dentro de um helicóptero barulhento, que treme mais que batedeira, e, veja só, EU TENHO PAVOR DE ALTURA! Sem contar que me desloca pra uma cidade distante sem mais nem menos, retirando de mim toda a chance de voltar pra casa se esse encontro der errado!
Mas o imbecil só me olhou fixamente por uns segundos, piscando os malditos olhos claros, para em seguida abrir um sorriso enorme. Chegou até a provocar um barulho de riso, mas logo se controlou, creio que notando a cara feia que fiz pra ele. Disfarçou com uma pequena tosse, levando uma mão à boca.
— Eu não sabia que você tinha medo de altura. Em seu Instagram tem algumas fotos das viagens que fez, inclusive fotos dentro de avião.
— Pode ter certeza que nessas fotos ou eu estou muito bêbado ou muito dopado! — confessei, servindo-me de mais uma dose do tal uísque, que descobri ser gostoso pra cacete. Com toda certeza devia valer uma fortuna. Mas eu não estava nem aí pra isso. — Pra que raios precisou me trazer pra tão longe, Thomas Orsini? Pra que toda essa ostentação? Eu não gosto de gracinha pro meu lado!
Ele me viu virar mais uma dose. Parecia muito curioso, olhando-me como se eu fosse um acontecimento e nitidamente segurando a vontade de rir da minha cara. Ah, e por falar nisso...
— Ainda servi de comediante para os seus funcionários porque não consegui fazer essa viagem forçada sem gritar! — parei para tentar controlar a respiração ofegante. — Não me coloque em um helicóptero de novo — apontei o copo em sua direção, como se fosse uma grande ameaça. — Se ainda quiser ficar com o seu pau — olhei para baixo, tentando soar ameaçadora, mas Thomas Orsini só prendeu os lábios com força.
— Você quer ficar com o meu pau? — questionou, cheio de malícia.
— Argh! — resmunguei, partindo para a terceira dose. No entanto, ele roubou o copo de minhas mãos sem qualquer esforço e me separou de vez da garrafa de uísque, como se eu fosse um bebum desesperado.
Ok, eu estava agindo feito um bebum desesperado.
— Em minha defesa eu realmente não conseguiria chegar a tempo — explicou, depositando a garrafa em uma mesa mais afastada, que acho que servia de apoio. Voltou devagar, todo despreocupado, com as mãos nos bolsos. — A minha última reunião terminou a menos de vinte minutos. Só deu tempo de vir e te esperar, sequer troquei de roupa — abriu os braços, gesticulando para si mesmo, fazendo-me ver que ainda usava um terno todo elegante, que não parecia confortável.
Como ele ainda conseguia ficar cheiroso pra cacete depois de um dia de trabalho? Perfume caro de gente rica é outro nível mesmo, não é?
— Por que não desmarcou? Eu compreenderia — falei em um tom ameno, já um pouco mais calmo.
Thomas negou com a cabeça.
— De modo algum. Isso não era uma opção.
— Sua melhor opção foi me fazer pagar um mico tremendo?
Ele abriu um sorriso bonito, de derreter cuecas. Só que daquela vez ficou mais parecido com o Coringa e eu precisei rir outra vez.
— Mas você está aqui, não está? E já ganhei um beijo delicioso. Valeu a pena.
— Não fique envaidecido, naquele momento eu beijaria até o Seu Lineu! — balancei a cabeça em negativa, rindo de mim mesmo e de vê-lo daquela forma, meio vulnerável. Não tê-lo como um CEO perfeitinho fazia toda a diferença e me ajudava a prosseguir com a conversa sem perder o juízo de vez. — Estava nervoso, cheio de adrenalina, me tremendo todo.
— Eu vi por que você tremeu. Acho que não teve a ver com helicópteros. — Revirei os olhos e cruzei os braços à minha frente, encarando-o de forma rígida. Thomas aproveitou para me observar da cabeça aos pés, devagar e atentamente. — Você está lindo demais. Se eu não tivesse quase desmaiando de fome, pularia para a sobremesa agora mesmo.
— Esse jantar tem um objetivo bem claro — deixei-o ciente, descruzando os braços e me aprumando melhor sobre os saltos. — Não tem nada definido aqui. Até agora você só me mostrou que é controlador e que move mundos e fundos pra ter o que quer, na hora que quer. Disso eu já sabia, nada de novo — dei de ombros.
— Bom, temos a noite inteira. Por que não se senta? — ele apontou para a mesa posta e fui andando devagar, até porque também estava com fome. Não tinha comido nada desde um pequeno lanche no trabalho, à tarde, e já eram quase 21h.
Thomas Orsini arrastou a cadeira para trás, como um cavalheiro, e depois a empurrou para frente, ajudando-me a sentar à mesa. Em seguida se sentou à minha frente, olho no olho. Ele virou o rosto para o lado e acenou com leveza, então um rapaz apareceu do nada, trazendo pratos e mais pratos.
— Sério? Tinha gente aqui todo esse tempo?
Ele sorriu.
— Para você ver que não foi a única que passou vergonha hoje.
— Por que não disse isso antes?
— Não tive tempo. Você chegou feito um furacão, me arrastando por toda parte. Sobrou pouco de mim. — Ele se escorou na própria cadeira e ficou me olhando enquanto o funcionário terminava de nos servir.
Só então observei os pratos que trazia: eram muitas variedades de sushis, sashimis e demais itens da culinária japonesa. Abri os olhos em surpreso.
— Como soube que eu gosto de sushi?
— Instagram.
Fiz uma careta imensa enquanto ele só parecia se divertir comigo.
— Tem algo sobre mim que você não saiba?
— Aí é você que vai ter que me dizer — murmurou, ainda sorrindo. — Mas creio que errei na bebida. Achei que fosse querer vinho e não uísque.
Separei um muito bom pra você, mas...
— Vinho está bom — cortei-o de uma vez.
Creio que o funcionário ouviu aquela conversa, pois logo chegou com uma taça bonitona e abriu uma garrafa na nossa frente. Serviu-me com tanta dedicação que o agradeci em um murmúrio.
— Eu vou acompanhá-lo, então — Thomas definiu e o rapaz acenou, voltando rapidamente com outra taça para servi-lo também.
Em seguida o funcionário simplesmente sumiu e eu percebi que era a hora da verdade. Precisava ser forte e agir de acordo com meus princípios. Soltei um longo suspiro e quase tomei um gole de vinho antes do tempo, mas Thomas ergueu sua taça, fazendo-a se chocar com a minha.
— A nós — falou em um tom manso, suave.
Não soube o que dizer, por isso apenas sorri e experimentei o divino sabor daquele líquido escarlate.
— Gostou?
— Delicioso — respondi, tomando outro gole em seguida.
— Como você.
Ergui as sobrancelhas em sua direção. Sério? Cantada barata, Senhor Orsini? Você pode ser melhor do que isso. Ou não.
Para ser sincero eu não esperava nada diferente do que cantadas baratas, insinuações e papo raso. Ele era do tipo que parecia se aprofundar só quando conversava com homens. Falava de negócios e do que mais lhe interessava com propriedade, mas na hora de lidar com pessoas agia como uma verdadeira anta, porque no fundo acreditava que elas serviam apenas para transar e possuíam pouca inteligência ou uma inferior à sua. Já tinha cruzado com espécimes desses ao longo de minha jornada e simplesmente os abominava.
Peguei o hashi ao lado do prato porque suportar uma noite de ladainha com a barriga vazia não era de meu feitio. Jorrei um pouco de molho teriaki em um pequeno pote, afundei a primeira peça escolhida ali e enfiei na boca. Ao mastigar, percebi que estava realmente saboroso. Muito, muito mesmo. Thomas Orsini devia ter escolhido um bom restaurante, e, claro, caríssimo, para nos preparar aquilo.
— Bom? — perguntou depois que comeu sua própria peça.
— O melhor que já comi — respondi depois de engolir a segunda.
— Sabia que iria gostar. É do meu restaurante japonês favorito — sorriu e, internamente, dei a mim mesmo um ponto por ter adivinhado. Eu o encarei por tanto tempo que o Thomas parou e questionou: — O que foi?
— Nada.
— Daria qualquer coisa pelos seus pensamentos.
— Pena que esses você não pode pagar, né?
Ele deu de ombros.
— É realmente uma pena. Mas você poderia me oferecê-los de bom grado.
Soprei o ar e, após um gole de vinho, soltei:
— Estava me perguntando que tipo de problemas você tem na sua vida. Porque a gente sabe que ninguém é perfeito e totalmente feliz. Esse mói de dinheiro que possui te deixa pleno de verdade? — Thomas abriu bem os olhos e ficou me olhando como se me visse, realmente, pela primeira vez. — Conte-me seus defeitos e problemas, Senhor Orsini. Quero começar por aí.
— Estou confuso. Achei que esse jantar fosse para te dar vontade de transar comigo de uma vez, não de te fazer brochar e desistir.
— E o que você acha que poderia me dizer para fazer com que eu liberasse de vez o buraquinho?
Ele riu diante daquela expressão. Prometi a mim mesmo que eu seria espontâneo naquela porcaria de noite, então era assim que estava agindo. Até porque, sinceramente, pouco me importava com o resultado. Eu não me via na obrigação de agradá-lo, de ser perfeito, de ser o homem ideal para ele comer quando quisesse. Não fazer questão dessas coisas me deixou mais relaxada e confiante.
— Não sei, acho que você me pegou. Cantadinhas de duplo sentido não funcionam contigo, já percebi isso.
— Que bom que percebeu. E então não sobra mais nada?
Ele se encostou à cadeira, levando a taça consigo, e depois de engolir o que tinha na boca, tomou um gole. Tudo isso sem desviar o olhar hipnotizante de mim.
— Vamos ser sinceros — começou, depositando a taça sobre a mesa. Aquiesci devagar, já pronta para o que viria. Finalmente aquele homem seria desmascarado. Eles nunca aguentam quando os colocamos contra a parede de forma inteligente, sem joguinhos. — Eu acho que a gente se confundiu ou está se confundindo a toa. Tenho certeza de que você só quer sexo comigo e, da minha parte, isso é recíproco. — Prendi os lábios, no fundo bastante ciente da informação, mas lá no fundo MESMO, quase achando petróleo, um tanto frustrado. — Não acho que seja necessário nos aprofundarmos na vida um do outro. Então você não precisa saber os meus problemas, até porque só os compartilho com quem sou íntimo. E olhe lá — deu de ombros. — Muitas vezes não falo para ninguém.
— Você mencionou que queria ser íntimo meu. — Ele piscou variadas vezes. — Saquei. Quer saber tudo sobre mim, mas não quer me dar de volta a mesma dose de informações. De modo que você sempre será um mistério, enquanto eu serei um livro aberto pra você folhear sempre que for interessante.
— Não é bem assim.
— E é por essas e outras que reafirmo que não quero me envolver contigo. Qualquer nível de interação com você será destoante, desequilibrada. Será que agora me entendeu?
— Confesso que não. Eu ainda não sei qual é a complicação para que a gente possa passar uns momentos agradáveis na companhia um do outro. É óbvio que nos queremos e nos desejamos, que temos uma química muito foda.
Eu fiquei calado, olhando-o sem acreditar que não me entendia ainda. Será que precisaria desenhar? Passei tanto tempo pensativo que, sem que ninguém dissesse mais nada, voltamos a comer. Acredito que ambos notamos que deveríamos estar bem alimentados para aturar o restante da noite.
— Tenho muitos defeitos e problemas, Bruno — ele disse depois de um bom tempo em silêncio, e logo ergui a cabeça para olhá-lo. Não esperava por aquilo. — Um dos principais defeitos é me fechar completamente quando alguém faz menção aos meus problemas. Desculpe pelo que falei.
Pisquei bastante na sua direção.
— Pelo quê, exatamente?
Ele mordeu os lábios.
— Há uma enorme possibilidade de eu ter dito que só queria sexo por puro medo de você jamais querer se aprofundar comigo.
— Você não quer só sexo? — atônito, larguei o hashi e o encarei como se Thomas Orsini fosse um fantasma. Uma assombração tenebrosa, pronta para me engolir, me remover completamente daquele mundo maluco.
— É bem verdade que quero conhecê-lo e é bem verdade que pretendia fazer isso sem dar nenhum aprofundamento ao meu respeito em retorno — ele suspirou, de forma que nunca esteve tão vulnerável aos meus olhos. Thomas ainda não tinha usado o guardanapo, por isso ainda estava sujo e engraçado. Contudo, ignorei aquilo e foquei no que estava me dizendo. Eu não esperava que ele tivesse esse nível de sinceridade para comigo. — No fim das contas talvez você tenha razão. Não passo de um idiota com relações desequilibradas.
— Pois é — confirmei.
— Poxa! — ele riu suavemente, tentando demonstrar que estava ofendido, mas ao mesmo tempo achando engraçado.
— Ué, foi você que disse! — levantei as mãos. — Falei nada.
— Você acha mesmo que sabe tudo sobre mim, não é? — comentou, olhando-me meio de lado. — Mas saiba que também posso te ler e tirar conclusões precipitadas só com o que já reparei em você.
— Ah, é? E qual é a sua conclusão precipitada, posso saber?
— Você me parece um tipo específico de cara que é fortemente inseguro e que já sofreu tanto que acaba criando uma casca quase intransponível ao redor de si. Fala e age como se tudo estivesse sob controle, mas provavelmente deve chorar à noite, com a cabeça no travesseiro. Usa o ódio e a raiva pra esconder que só quer ser amado e feliz, como todo mundo aparenta ser.
Pisquei mais trezentas milhões de vezes em sua direção.
— Hum... Bom... — dei de ombros. O meu coração estava acelerado e a respiração, errática. Suas palavras soaram tão doces e duras ao mesmo tempo. Eu não sabia que tudo aquilo era tão transparente assim e muitas vezes me via tentando disfarçar toda a dor que carregava e que se acumulava em uma personalidade forte. — Quem não chora à noite hoje em dia, não é?
O mundo anda meio coisado.
Thomas riu daquela minha definição.
— Acertei?
— Quem não sofreu, não deu a volta por cima, não aprendeu umas coisas novas e não quer ser feliz e amado que atire a primeira pedra — ergui as mãos, colocando-me vulnerável também. — Vai atirar?
— Definitivamente, não — ele riu um pouquinho, mesmo que meio sem graça.
Saber que Thomas Orsini não ficou imune a esse processo me fez sorrir e, por um lado, sentir certo alívio. O mundo dele não era perfeito, apesar de aparentar. Assim era a vida. Ficar mascarando e fingindo que tudo era muito bom não nos levaria a nada.
Ninguém aguenta mais falsa perfeição. Por isso que eu havia sugerido começar pelos problemas e defeitos. Era fácil demais amar as qualidades mascaradas; dinheiro, beleza, poder. Mas era o torto, frágil e imperfeito que mais me atraía.
— Então o que você falou sobre mim é o que poderíamos dizer sobre qualquer pessoa com um pingo de maturidade — comentei, convicto.
— Pensando melhor, é verdade. Mas por outro lado há uma leveza incomum em você. Algo que me atrai bastante e que muitas vezes não consigo definir o que é. Você é completamente pirado, Bruno, mas... Eu gosto.
O meu rosto devia ter ficado bem vermelho, porém tentei disfarçar o desconcerto.
— Ah, isso é besteira, foi só porque te dei um não — gesticulei com a mão, divertindo-me, ainda que estivéssemos falando coisas sérias.
Thomas Orsini, encarando-me, começou a desafogar a gravata até que, por fim, retirou-a de vez, depositando-a ao seu lado na cadeira. Soltou o ar dos pulmões, parecendo aliviado, e fez umas caretas. Aquela joça deveria o estar incomodando fazia muito tempo.
— Não acho que seja besteira — continuou. — Você fala como se eu nunca tivesse levado um não na vida.
— Vai dizer que alguma pessia já negou esse pedaço de coisa linda que você é?
Thomas soltou uma pequena gargalhada e eu acabei rindo junto. Ele decidiu se livrar do terno também. Terminou apenas com a camisa e soltou outro suspiro aliviado.
— Não me lembro de ter sido rejeitado, realmente, não nesse sentido — prosseguiu, sorrindo um pouco. — Mas já levei muitos nãos na vida, ao contrário do que pensa. Não sou um mimadinho, apenas me considero alguém muito determinado.
— E insistente.
— Realmente não desisto fácil.
— E então fica enchendo o saco — completei e ele assentiu.
— Até conseguir o que quero.
— Até a pessoa ser derrotada pelo cansaço.
Nós dois nos encaramos e rimos juntos. Era tudo verdade. Fazer o quê? O que ele chamava de determinação eu chamava de insistência, e não de um jeito positivo. Talvez ir atrás do que quer fosse uma qualidade em alguns quesitos, principalmente no profissional, mas no amoroso era um verdadeiro SACO. Ninguém aguenta gente que não entende quando a outra pessoa NÃO QUER nada com ela.
— Mas nunca ter sido rejeitado por homens nem sempre significa algo bom — ele continuou, levantando as mangas da camisa até os cotovelos. — As pessoas são interesseiras, sabia? Já me ferrei muito nesse sentido. Poucas vezes sei se alguém gosta de mim ou do meu dinheiro.
— Entendo. Deve ser foda mesmo esse lado.
— Eu tenho quase certeza de que você tem pavor ao meu dinheiro... — ele disse e, ao me ver prendendo o cabelo, sugeriu: — Vamos fazer isso de uma vez? A gente só para quando estivermos confortáveis de verdade.
— Ótima ideia.
Thomas Orsini desabotoou a camisa até a metade do peitoral, retirou os sapatos junto com as meias, retirou o cinto e desabotoou a calça social que vestia. Eu tirei meus sapatos.
— Pronto? — perguntei, sorrindo, e ele me olhava com divertimento evidente nos olhos claros.
— Estou bem. Ainda sou um pedaço de coisa linda, não?
— Com certeza, é — fui sincero, soltando por impulso.
— Você também é um belo pedaço de coisa linda. — Continuei rindo, porém ciente de que o meu rosto estava pegando fogo pelo constrangimento. — Eu fico admirado contigo. Você é tão intenso, tão dono de si, e ainda assim tem dificuldade de receber elogios.
— Eu? Não tenho, não.
— Tem, sim. Será que no fundo acha que não os merece? Bem como os presentes?
— Não, os presentes entram na sua categoria — apontei para ele, chacoalhando o dedo. — Eles são fruto do seu controle e reclamar disso é natural. Não vou jamais naturalizar essa sua necessidade de fazer o outro achar que te deve alguma coisa.
— Você merece elogios, presentes e ser mimado. Por que acha o contrário? — o imbecil ignorou completamente o que falei.
Não é possível.
— Eu não acho o contrário! — bati o pé, insistente.
— Então por que não veio com o seu colar novo? — apontou para o meu pescoço.
— Porque eu o ignorei e estou fingindo que nunca existiu, bem como todo seu controle e mania de gastar a troco de nada. Não vamos falar nisso, senão você vai ver a fera rugindo.
— Meu Deus, não! — Thomas soltou um riso. — Não, não, por favor, deixe-a aí quietinha. Não está mais aqui quem mencionou o presente.
— Não estou brincando — soprei, sério.
Ele segurou a minha mão que estava repousada sobre a mesa. Aquele pequeno ponto de calor foi capaz de me provocar um leve arrepio. Começou a me alisar apenas com o polegar, devagar, carinhosamente.
— E eu não tenho pavor do seu dinheiro — completei, ainda que um tanto balançado pela sua atitude. A mão dele ainda estava em mim e eu não sabia o que fazer ou sentir com relação a isso. — Só não quero ter nada a ver com ele.
— Bruno... Eu sou seu chefe.
Desviei o rosto para o lado, visualizando a piscina. Reparei pela primeira vez que subia muito vapor da água, sinal de que era aquecida. Ali no alto fazia certo frio, o vento corria em uma velocidade que às vezes me irritava. Até me arrependi de não ter levado um casaco.
— Eu sei disso.
— Você nunca vai assinar aquele contrato, não é?
Olhei-o fixamente. Thomas Orsini parecia ansioso.
— Não. Se me quiser vai ter que confiar — murmurei as mesmas palavras que a minha mãe falou, e que faziam todo sentido.
— Digo o mesmo, então — segurou minha mão com mais força. — Tem algo em você que me faz confiar.
— Isso é só o seu desespero pra me comer.
— Não — balançou a cabeça em negativa. — É mais do que isso. E eu quero descobrir o que é.
— E se você se ferrar?
— E se não?
— É muito arriscado.
— É. Só preciso que você me diga sim, Bruno.
Não o respondi. Em vez disso, levantei-me, arrastando a cadeira para trás. Thomas ficou confuso, mas se levantou também, creio que pensando que eu o agarraria ou algo da espécie. Mas os meus planos eram outros. Devagar, e deixando a vergonha e insegurança de lado, segurei a barra da camisa e a retirei por cima da cabeça, depois tirei a calça, exibindo a cueca nova, da cor preta, comprada na noite passada.
Surpreso, Thomas separou os lábios enquanto mantinha o olhar fixo em meu corpo seminu.
Virei as costas e caminhei lentamente até a piscina. Pulei de uma só vez, sem pensar nas consequências. Quando me virei para chamá-lo, Thomas já estava sem a camisa e retirava a calça, provocando-me o riso.
Se era pra mergulhar de cabeça então seria exatamente o que faríamos.