CAPÍTULO 06
*** MARCOS VALENTE ***
Estranho o silêncio ao sair do elevador. Depois de sete dias vivendo com uma criança, entendi que silêncio é um luxo que eu não terei mais, não enquanto estiver em casa, assim como a organização milimétrica de antes. Apesar de não duvidar do esforço que a nova equipe de limpeza e arrumação faz, há sempre uma boneca, ou um sapato, ou um brinquedo qualquer em espaços comuns da casa.
Enquanto passo pela sala de estar em direção às escadas de acesso ao segundo andar, consigo enxergar alguns desses objetos dispersos, já Anthony e Isabella não. Será que eles saíram? Olho para o relógio em meu pulso, seis da noite. Honestamente, a vida de quase casado tem sido muito mais fácil do que achei que seria em alguns aspectos, e muito, muito mais difícil em outros.
Apesar da morte precoce do silêncio, Anthony é exatamente aquilo que me levou a lhe propor casamento em primeiro lugar. Quase invisível. Se não fosse por Isabella, eu acho que realmente poderia passar anos casado com ele sem ver nem mesmo um rastro seu pela casa, por isso tudo está muito mais fácil do que imaginei que seria.
No entanto, cada maldita vez que o vejo, as coisas ficam muito, muito mais difíceis, porque em todas elas, eu senti falta da porra do uniforme cinzento. Se em seu primeiro dia morando aqui, encontrá-ll de short jeans enquanto fazia biscoitos com a filha me obrigou a recitar mentalmente várias vezes que ele era inalcançável, que é um esposo bebê, cada esbarrão nosso ao longo dos últimos sete dias me trouxe ao ponto de querer tatuar a frase “esposo bebê” na pele para ver se, assim, minha mente assimila a mensagem por osmose.
E, como se estivesse apenas querendo ilustrar meu desespero, Anthony surge diante de mim, saindo sabe-se lá de onde, molhado dos pés à cabeça e vestindo nada além de uma sunga branca. Puta que me pariu!
Estaco no lugar e nem me dou ao trabalho de tentar não a devorar com os olhos. Essa imagem testaria um santo, não se pode esperar que logo eu, que de santo estou longe, não seja testado, ou ainda, que eu seja aprovado no teste.
Os quadris largos, as coxas grossas, a barriga plana, a cintura, o tórax, caralho! Os mamilos! Eu não vou conseguir apagar essa visão da minha mente nem que tatue “esposo bebê” pelo corpo inteiro. Meu pau trava uma batalha intensa contra o tecido da minha calça, minhas bolas apertam e doem e eu aperto os dentes, precisando sair daqui, mas sabendo que, literalmente, correr do meu noivo, não seria educado.
— Me desculpe... eu... eu não pretendia entrar na casa molhado, mas Isabella caiu e não tinha gelo na geladeira lá de fora... Eu só entrei correndo... — se justifica, interpretando completamente errado minha expressão fechada. Franzo o cenho ao ouvir suas palavras, que forçam minha mente a pensar em outra coisa além de no quanto eu realmente gostaria de ver Anthony sem o pouco de roupa que usa agora.
— Ela está bem? Precisa de um médico? — Deixo a pasta que carregava e o paletó que tinha jogado em um dos braços sobre uma das banquetas da cozinha e me aproximo de Anthony, que ergue as sobrancelhas, surpreso com a minha preocupação. Constatar isso faz com que eu também me surpreenda, mas decido não pensar nisso agora.
— Não, está tudo bem. É só manha... — sorri como quase todas as vezes que fala de Isabella.
Eu os tenho observado. De longe, sem interagir, tentando ser tão invisível para elas quanto Anthony as faz para mim. Isabella é uma criança alegre, ativa, curiosa e muito apegada ao pai. Fico me perguntando como eram as coisas até semana passada, quando Anthony mal tinha tempo para respirar.
— Tem certeza? Não se brinca com uma queda, Anthony. Pode ter havido uma concussão, algo mais grave... — alerto e a primeira resposta que recebo é seu sorriso se tornando mais largo. Anthony é lindo, lindo para caralho! Não só o corpo gostoso, mas o rosto, o sorriso, tudo nele. Ninguém teria a menor dificuldade em acreditar que a escolhi para ser meu esposo, porque, em condições normais de temperatura e pressão, eu jamais o deixaria fora do meu radar.
O que só prova uma coisa, aquela porra de um uniforme cinza é um traje de invisibilidade e eu realmente precisava que ele o vestisse agora. Com a preocupação com Isabella descartada, percebo que me aproximar tanto foi um erro, um grande erro, porque agora eu vejo mais do que Anthony de sunga, eu vejo tudo.
Vejo o movimento que seu corpo fazem a cada inspiração e expiração, vejo a forma como seus cabelos um pouco longos molhados pesam em suas costas, vejo as gotas de água que escorrem pelo seu pescoço, ombros, pelo vale entre o peitoral, pela barriga e se infiltrarem na sunga. Minha boca saliva de vontade de lambê-las e eu decido que isso é muito, muito mais do que suficiente.
Dou alguns passos para trás.
— Tudo bem, eu vou pro meu quarto, então. — Recolho minhas coisas e os olhos de Anthony não se desviam de mim nem por um instante. Dessa vez, silenciosos. Ele me acompanha para fora da cozinha, carregando a pequena bolsa térmica nas mãos e nos separamos quando chego à escada. Estou subindo o terceiro degrau quando ouço meu nome.
— Marcos? — Viro o pescoço, Thony está a apenas um passo de cruzar a porta de acesso à varanda, onde fica a piscina.
— Você janta com a gente? Eu vou cozinhar... — estranho a informação.
— Carmem não deixou o jantar pronto?
— Hoje não, Isabella me pediu pra fazer sua comida preferida...
— E qual seria?
— Torta de batatas! — Ergo uma sobrancelha, sem ter ideia de como dizer que preciso de mais informações do que isso.
— Você não faz ideia de sobre o que eu estou falando, faz? — seu tom divertido beira o sarcasmo.
— Não... — admito.
— Mas você sabe o que são batatas, certo? — Agora ela é toda ironia.
— Sim, Anthony, eu sei o que são batatas! — Reviro os olhos.
— É tudo o que importa! — dá uma piscadinha e sorri de canto, eu estreito meu olhar para ela. — Coloco um prato pra você?
A resposta certa é não, mas eu sou realmente muito bom em falhar em testes.
— Sim.
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— O que você vai ser quando crescer? — Isabella me pergunta depois de exatos cinco minutos de silêncio, eu contei.
— Eu quero ser um super-herói! E você? O que você quer ser quando crescer? — a criança gargalha como se eu tivesse lhe contado uma piada muito engraçada!
— Você já cresceu, seu bobo! Não pode crescer mais! Era brincadeira! — explica seu raciocínio e volta a rir.
— A sua dicção é invejável... — comento mais para mim mesmo sobre algo que realmente me deixou impressionado nos últimos dias e, quando olho para Anthony, o sorriso orgulhoso em seu rosto poderia iluminar uma cidade inteira.
— É, não é? Sempre foi! Esses dias eu assisti um vídeo de uma menininha que deve ter uns dois anos falando palavras como “paralelepípedo” perfeitamente, a Bella era exatamente igual. E, quanto mais ela cresce, melhor fica.
— papai, o que é dicção? — é a minha vez de rir.
— É o jeito que nós falamos, meu amor. — A pequena testa da criança ganha uma ruga enquanto ela processa a resposta que a mãe lhe deu.
— Que jeito, pai? Esse jeito?
— Exatamente! Agora vamos comer?
— Vamos! — responde, parecendo realmente animada com a perspectiva. Ela pega a colher, que percebo ser da Minnie e fazer conjunto com o prato de plástico, e à sua maneira, leva à boca, — Huuuum... delicioso! — elogia e Anthony balança a cabeça, concordando.
— Muito bem! Continua, come tudo pra ganhar a sobremesa!
— Gelatina de limão?
— Gelatina de limão!
— Obaaaa! — comemora e seus olhos se voltam para mim.
— Por que você está sorrindo? — a criança questiona, me apontando algo do qual eu mal estava ciente.
— Eu só me lembrei de uma coisa engraçada...
— Você tem que comer, ou o papai não vai deixar você comer gelatina de limão... — me explica, parecendo genuinamente preocupada que eu fique sem sobremesa, e eu gargalho.
— Pode deixar, Isabella, nós não podemos ficar sem a gelatina de limão, certo? —Levo uma garfada da tal torta de batatas à boca e acabo soltando uma exclamação de prazer quando o sabor se espalha pela minha língua.
Anthony me dá uma piscadinha, satisfeito, e ensaio uma pequena reverência, percebendo que ele e a filha estão mais visíveis do que nunca e, ainda assim, esse é um dos momentos em que eu acho que tudo está muito fácil.
**************
— Como a vida de casado anda te tratando? — é a saudação que recebo assim que entro na sala de João Pedro na manhã seguinte ao jantar com Anthony e Isabella.
— Você virou mesmo a porra de uma Maria fofoqueira, não virou? — respondo, mal-humorado, sem saber o porquê.
— Não, mas ver você pagar a sua língua é realmente uma das coisas que tem feito meus dias muito felizes!
— Que foi? A sua vida de casado já não te trata mais tão bem, João Pedro? Agora precisa de mim pra sua felicidade ser completa? Não, obrigado! Mas eu realmente não estou interessado em fazer parte de um trisal... — João Pedro gargalha...
— Tá estressadinho? Que isso? Tesão reprimido? Sabe o que resolveria? Um casamento de verdade...
— Vai tomar no cu, João Pedro! Eu não preciso de um esposo pra foder!
— Então por que é que eu tenho a impressão de que você está sofrendo de bolas azuis? — o filho da puta questiona com um sorriso imenso no rosto e isso é porque ele não sabe nem da missa metade... Porra... Se soubesse, nunca mais eu teria paz...
— Porque não tem nem a porra de uma semana que meu noivo se mudou pra a minha casa e até eu sei que seria demais dormir fora ou chegar de madrugada, e o como o caralho do trabalho não me dá um segundo de paz, minhas bolas estão ficando roxas... — me jogo na cadeira de frente para sua mesa. — É isso, eu virei o que eu mais temia, um João Pedro— Seus olhos se estreitam para mim.
— Ah, não. Eu nunca fiquei rabugento assim. Minhas bolas sempre foram muito bem tratadas...
— Sério? Porque eu me lembro muito bem de um certo alguém resmungando como um papagaio “ah, mas eu não tenho tempo... blablablá” “Ah, eu devia foder minha secretária, mas ela tem sessenta anos...blablablá” “Ah, mas eu só trabalho...blablabla” — recito as falas que um dia foram de João, afinando a voz e fazendo movimentos de abrir e fechar com as duas mãos. Mas, ao contrário do que era minha intenção, seu sorriso não se apaga.
— Tudo bem, eu admito... Eu passei por um momento bem fodido. Mas sabe quando ele acabou, Marcos? — Reviro os olhos, não querendo ouvir, mas tendo a certeza de que ele não vai esperar pela minha resposta para me dizer. — Quando eu assinei a porra de um contrato, então, não, você não virou um João Pedro 2.0, no máximo, um 1.5, mas eu ainda prefiro a versão em que eu era um Marcos 3.0, porque...
— Porque até em ser eu você é melhor e blábláblá! — digo junto com ele. — Nós podemos trabalhar agora?
João ri novamente, não tão escandalosamente quanto antes, mas nada que possa ser chamado exatamente de discreto.
— Você tem certeza de que isso é só sobre não estar transando, Marcos?
— Tenho! — minto, porque sei que não é sobre não transar, é sobre um cara estar tirando meu sono e não de um jeito bom.
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*** ANTHONY RODRIGUES ***
— Tudo bem, muito obrigado! Eu entrarei em contato! — me despeço da terceira e última candidata à babá para Isabella, sentindo-me exausto. Hoje é só o primeiro dia e eu já queria que fosse o último.
A mulher se levanta e enquanto Carmem a acompanha até a porta, pego o celular sobre a mesa e digito uma mensagem para Grazi. Conversámos um pouco.
Bloqueio a tela do celular e o coloco sobre a mesa outra vez. Passo os olhos pela pilha de currículos sobre o meu colo e esfrego as mãos no rosto, sentindo-me ansioso, preocupado.
— Vai ficar tudo bem. Você vai encontrar a pessoa ideal... — Carmem diz e eu levanto meu rosto, encontrando o seu. A pele morena e os cabelos lisos e escuros pintam um rosto bonito e gentil.
Carmem está quase na casa dos sessenta, mas olhando para ela, ninguém diria. Seus olhos levemente puxa dos denunciam sua ascendência indígena. Quando a vi pela primeira vez, a primeira coisa que pensei é que se o tempo passasse para os personagens de desenho animado, a Pocahontas, provavelmente, à essa altura, se pareceria muito com Carmem. Ela se senta ao meu lado no sofá e desliza a mão pelas minhas costas em um gesto de conforto.
— Eu sei, mas é tão difícil confiar em alguém, Carmem. Muito difícil... — me lamento. Seu sorriso gentil diz que ela me compreende.
— Você é muito jovem, Anthony. Muito jovem. É normal ter medo...
— Pais mais velhos não tem medo?
Ela gargalha e eu não entendo o porquê.
— Todas os pais são jovens demais, não importa a idade, todas os pais têm medo por seus filhos. — Penso em minha mãe. Nem todos... Como se lesse meus pensamentos, Carmem balança a cabeça para cima e para baixo, concordando.
— Mas nem todas as pessoas que têm filhos são pais, Anthony. Algumas são só progenitores....
— Progenitores... — repito a palavra.
— Isso. Bem, amanhã será outro dia, meu filho...
— E se eu não encontrar ninguém, Carmem? O Marcos... — começo, sem me importar com como isso vai soar, mas Carmem me interrompe.
— Se você não encontrar ninguém, eu fico com a Bella...
— Isso não seria justo, Carmem. Você já tem feito muito mais do que devia na última semana. Não dá pra isso acontecer sempre. Não dá...
— Vamos fazer assim, se você não encontrar quem fique com a Bella, você para de procurar por uma babá e começamos a procurar por uma cozinheira, o que você acha?
Franzo a testa, ela está falando sério?
— Você faria isso? De verdade? Eu sei o quanto você ama cozinhar, Carmem. O quanto tem ciúmes dessa cozinha...
— Eu amo ser útil, eu amo cuidar desse menino teimoso que tá agarrado nas minhas saias desde que era um bebê e, agora, cuidar dele significa cuidar de você e da Bella também! Aquela menina é um doce! Não dá trabalho nenhum! Mesmo pra uma velha como eu!
— Ai, Carmem! — A abraço, sentindo-me tão gratalo, imensamente grato, — Obrigado! Muito obrigado! — Minha vontade é cancelar as entrevistas que tenho e começar, imediatamente, a procurar por uma cozinheira, ou nem isso. Eu mesmo posso cozinhar, pelo menos até voltar para a faculdade. Qualquer coisa, qualquer coisa pela certeza de que minha filha vai estar bem cuidada.
— Mas você sabe que a Bella não vai poder ficar em casa pra sempre, certo? Em algum momento... Ela vai precisar ir à escola...
— Ainda falta muito pra esse momento, ela vai fazer quatro anos agora, até lá, nós já vamos estar mais preparados!
— Nós?
— Sim! A Bella e eu!
— Você está me dizendo que a menina que pergunta pela creche todos os dias não está pronta? — o sorriso em seu rosto deixa claro que não importa o que eu responda, ela sabe a verdade.
— O que eu posso dizer? Eu sou muito jovem! — uso suas próprias palavras para me justificar e nós dois rimos.
****************
O toque em meu ombro, apesar de suave, me assusta, e eu dou um pulo, gritando, quase derrubando o notebook no chão. Meus fones de ouvido são subitamente abaixados, e eu ouço a voz de Marcos.
— Calma! Sou eu, Anthony! — De pé, apoio os braços esticados sobre a ilha da cozinha enquanto luto para retomar o controle da minha respiração. Puta que pariu, mas que porra! — Aqui... — diz, eu levanto a cabeça e encontro um copo de água estendido em minha direção. Aceito. Dou pequenos goles. Meu peito sobe e desce em um ritmo acelerado, volto a fechar os olhos apertando-os, foi um susto do caralho.
— Me desculpe, eu não queria te assustar...
— Está... está tudo bem... — minha fala ofegante discorda das minhas palavras, e eu abro os olhos, finalmente vendo o causador do meu quase ataque cardíaco, seminu, outra vez. Marcos veste apenas um short de pijamas xadrez, que deixa muito para a imaginação de um homem que estava, sozinho, as três da manhã, assistindo videoaulas de direito bancário.
— Isso é porque você não se ouviu gritar... — comenta e eu rio. Foi alto, eu sei que foi, e Deus queira que não tenha acordado Isabella...
— Eu realmente não esperava alguém me tocando... E eu estava muito distraído... Achei que pudesse ser um invasor... Me desculpa...
— Sou eu o errado aqui, Anthony. Mas eu chamei por você, quando percebi que você não me ouvia, achei que o toque seria a melhor abordagem, claramente, eu estava errado...
— Eu estava estudando... — aponto para os materiais em cima da mesa.
— A essa hora?
— Eu perdi o sono e comecei a estudar, mas aí senti fome e desci pra comer... Trouxe as coisas e fiquei por aqui... — Marcos balança a cabeça, concordando, e seus olhos se desviam do meu rosto, descendo pelo meu corpo, e eu acho que por causa do notebook que estava na minha frente, só agora ele se dá conta do que estou vestindo. Eu sei que, com certeza, só agora eu me dou conta do que estou vestindo. Puta que pariu!
Quando saí do quarto vestindo apenas um short e uma camiseta, eu não tinha a intenção de ficar na cozinha assim, mas me perdi, prestando atenção à aula, e esqueci completamente o porquê de ser tão importante eu voltar para o meu quarto. Bem, parece que o universo decidiu me lembrar, e esse lembrete, o olhar de Marcos, parece marcar minha pele à ferro e fogo.
É o mesmo olhar que esteve em seu rosto ontem, quando me encontrou de sunga na cozinha. Eu juro que não estou tentando provocar o homem, até porque, a cada encontro desses, eu me sinto tão tentado a ter e frustrado por não poder ter, quanto ele. Quer dizer, como eu deveria me manter imune ao desejo de tornar realidade todas as fantasias que já tive com esse homem quando ele me olha desse jeito? É impossível, simplesmente impossível.
Passo a língua sobre os lábios e, imediatamente, percebo que essa foi uma má escolha, porque os olhos de Marcos a acompanham, milímetro por milímetro, enquanto ela umedece a pele fina. Todas as coisas que ele gostaria de fazer comigo... Eu quase posso ver as imagens sendo criadas pelo seu cérebro... Todas as coisas que eu gostaria de fazer com ele... Será que ele também consegue enxergar meus pensamentos?
Sinto minhas bochechas e pescoço esquentarem, assim como um ponto muito específico entre minhas pernas, sinto-me ficar duro sob seu olhar e eu sei que não serei capaz de dormir sem me masturbar esta noite. Uma imagem surge sorrateira por trás dos meus olhos, eu me toco, com as pernas completamente arreganhadas enquanto Marcos me observa...
Porra! Puta que pariu!
— Eu já estava subindo... — digo, deixando o copo sobre o balcão e recolhendo o computador. — Boa noite, Marcos...
— Estava.... — Não espero que ele complete a resposta. Não quando sinto meu corpo inteiro incendiar mesmo que ele estivesse a distância de um braço de mim. Sem olhar para trás, saio da cozinha, me perguntando se amanhã, quando eu acordar, vou me lembrar disso como um sonho, ou como realidade.
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— Co-como? — gaguejo, olhando para oa roupa pendurada diante de mim sem poder acreditar que meus olhos não estejam me pregando uma peça — E-esse é o… — minha voz falha antes que eu tenha a chance de concluir a frase e uma lágrima escorre morna pelo meu rosto.
Grazi segura em minha mão e eu me viro para ela. Sempre ela. Deus, se um dia eu puder retribuir apenas um pouquinho do que ela já fez e continua fazendo por mim...
— Um leilão... — responde à minha pergunta. — Você passou anos me dizendo que se casaria com essa roupa, Thony. Eu nunca deixaria que fosse diferente, você já teve muitos sonhos roubados... — Passo a língua sobre os lábios e desvio os olhos numa tentativa inútil de controlar minhas emoções, porque no instante seguinte, eu a abraço e choro como uma criança, agradecendo aos céus por essa ser uma loja exclusiva o suficiente para termos sidos deixados sozinhos.
De costas para roupa, de olhos fechados, ainda sou capaz de descrevê-lo com perfeição. Quando Grazi e eu tínhamos quinze anos, eu vi essa roupa de noivo da Vera Wang em uma série de televisão e disse que me casaria com ele, disse não, eu decidi.
Por meses, eu fui incapaz de falar em qualquer coisa que não fosse aquela roupa ou aquela estilista, cheguei até mesmo a ir a Nova Iorque apenas para visitar o ateliê em quea roupa havia sido produzido, mesmo que já naquela época eu não tivesse grandes aspirações para me casar. Mas eu estava decidido de que quando acontecesse, eu o usaria. Aos dezessete anos, eu comprei o vestido e o deixei sob os cuidados de uma empresa especialista nesse tipo de serviço, cuidar de roupas que não são de uso comum.
No entanto, quando meus pais me expulsaram de casa, esse foi mais um dos sonhos que deixei para trás. E, até hoje, eu não havia nem mesmo me dado permissão para visitá-lo em minha própria mente. Havia muito mais coisas, muito mais importantes para eu me preocupar, do que uma roupa de noivo, um capricho adolescente, não importava o quanto eu o quis, nem por quanto tempo.
E agora, aqui está ele, diante de mim, ao alcance das minhas mãos. É como se, de uma vez, a vida tivesse decidido que eu deveria recuperar tudo o que eu já tive. Só espero que ela não tenha expectativas de que eu volte a ser aquele meninalo que eu já fui. Isso seria impossível...
— Você é a melhor irmã que a vida poderia ter me dado! — soo tão choroso quanto estou ou me sinto e me afasto, para olhar o rosto também lavado de lágrimas de Grazi. Sei que não adianta dizer obrigado. Ela dispensaria a palavra com um aceno de mão, então escolho dizer o quanto ela significa para mim e não apenas seu gesto.
— Irmãos de almas! — sussurra e levanta o dedo mindinho para o nosso cumprimento infantil.
— Irmãos de almas! — repito, entrelaçando nossos dedos mínimos e beijando-os, o que ela faz logo em seguida. — Você é, oficialmente, a melhor organizadora de surpresas que existe... — ela ri e ergue a mão, secando minhas lágrimas, eu faço o mesmo com as suas.
— Já basta que aquele porco do seu noivo tenha impedido a nós dois de fazer o casamento dos sonhos!
— Não acho que ele deva ser chamado de porco por isso,
Grazi...
— Você o está defendendo? — Ergue as sobrancelhas para mim.
— Oh, não! Deus sabe que Marcos pode ser chamado de porco por uma infinidade de motivos, só estou dizendo que não acho que contratar uma empresa de organização de eventos ara organizar uma recepção genérica pra um casamento de conveniência seja um deles... Marcos é um advogado, seu trabalho é resolver problemas, se casar era um, ele resolveu, a recepção era outro, ele resolveu também! —Minha amiga respira dramaticamente, fingindo alívio e eu reviro os olhos.
— Ufa! Por um momento achei que você estivesse começando a ver Marcos babaca com outros olhos...
— Não, Grazi, os mesmos olhos de sempre, mas mesmo o babaca merece algum crédito...
— Se você diz. Eu ainda acho que ele deveria ter te perguntado... — resmunga e eu rio.
— Eu sou seu funcionárialo, Grazi. Não sou seu amigo, ou noiva de verdade... — esclareço o que ela já deveria saber e ela olha para as próprias unhas, fingindo desinteresse em minhas palavras.
— Não importa! Só se casa pela primeira vez uma vez! Ele deveria ter te consultado!
— Só se faz qualquer coisa pela primeira vez, uma vez, Grazi! Deixa de ser implicante! — ela bufa.
— Você está determinada a me contrariar hoje. — Revira os olhos — Enfim... Vamos secar esse rosto, porque um Vera Wang não merece ser experimentado por uma cara inchada! — rio da mudança abrupta de assunto e nego com a cabeça, achando graça da sua costumeira vontade de ter o controle sobre absolutamente tudo. Agora, tentando passar do humor emocionado para o indiferente, literalmente, em um piscar de olhos. Não é assim que funciona, Grazi. Não é assim, tenho vontade de lhe dizer, mas me calo. — E, além do mais... O spa nos espera... Hoje é dia de nocautear seu noivo! — a frase, solta em um contexto completamente inesperado, ainda assim, me transporta para a noite passada.
Acordei com a certeza incontestável de realidade, de que aquilo realmente aconteceu, aquele olhar, toda aquela fome. Mas desejei que tivesse sido um sonho, porque o problema não era o que havia em seus olhos, mas sim o desejo de retribuição nos meus e a imensa vontade que quase levou meu corpo às cinzas.
Grazi estava preocupada que eu estivesse começando a ver Marcos com outros olhos, eu estou muito mais preocupado em continuar vendo-o exatamente com os mesmos e, ainda assim, desejar coisas que não deveria.
— E já que hoje nós estamos nostálgicas, quanta saudade você ainda sente de ser loiro, Thony? — é a pergunta que me faz voltar a prestar atenção no que quer que Grazi estivesse falando enquanto eu divagava.
Um som de contentamento deixa meus lábios pela distração bem-vinda. Pensar sobre a cor do meu cabelo parece ser exatamente o tipo de fuga de que preciso.
— Muita, muita mesmo...