PARTE 1 - O DIA SEGUINTE
No carro, o silêncio era sepulcral. Meu marido, Carlos Henrique, a quem acostumei chamar carinhosamente de Kaká, olhava fixo para o horizonte enquanto dirigia nosso carro. Eu não sabia o que dizer, aliás, até sabia, precisava pedir perdão, mas não sabia como e isso eu não sabia mesmo, porque qualquer coisa que eu dissesse certamente seria mal interpretado e tudo o que eu não queria era inicial uma discussão naquele momento.
Ele também não parecia disposto a falar e o silêncio sufocava tanto ele como a mim mesma. Ele estava tenso, era visível, e eu também. Sabia que ele nunca me agrediria, mas sabia também que, pelo seu gênio forte e turrão, obter seu perdão não seria algo fácil de se obter, tampouco eu o conseguiria num curto espaço de tempo. Preferi ficar em silêncio e assim foi a viagem até nossa casa.
Assim que chegamos, logo após ele estacionar nosso carro, descemos e ele fechou o portão como sempre fez. Abriu a porta de acesso e, ao invés de me esperar entrar, como sempre fazia, entrou pisando duro e foi direto para nosso quarto. Eu entrei, tranquei a porta e fui até a cozinha beber um copo de água. Depois retornei, tomei uma ducha para me refrescar e lavar o suor daquela noite. Passei uma pomada de assadura no meu rabo e boceta que estavam vermelhos e ainda inchados das peripécias enfrentadas e coloquei uma camisolinha leve. Kaká já estava deitado e parecia dormir. Deitei-me ao seu lado e, como ele estava de costas para mim, abracei-o de conchinha:
- Não! - Resmungou e se levantou da cama.
- Kaká, o que é isso!? - Perguntei sabendo que o motivo de sua raiva fora a libertinagem que eu havia me permitido horas antes, mas insisti: - A gente precisa se acertar, amor?
- Se acerte com a porra daquele filho da puta do Juvenal. - Falou e saiu do quarto, indo para sei lá onde na casa.
Se eu fosse atrás, discutiríamos. Se não fosse, haveria paz, falsa mas paz. Preferi a segunda opção e custei a dormir.
No dia seguinte, levantei cedo e vi que ele dormira no sofá. Fui até a cozinha e fiz um café fresquinho, com leite amornado, bolachinhas de nata que havia comprado na tarde do dia anterior e geléia de goiaba. O cheiro do café o despertou e ele veio logo depois até a cozinha. Seu semblante estava péssimo:
- Bom dia. - Falei.
- Bom não sei para quem... - Respondeu, sentando-se e pegando uma xícara para se servir: - Vou sair e não tenho hora para voltar.
- Tá bom. - Falei, tomando um gole do meu café com leite e, em seguida, perguntei: - Eu queria conversar com você antes.
- Sobre o quê? Acho que a gente não tem mais nada para conversar.
- O que é isso, Kaká!? A gente é casado, se esqueceu? Precisamos conversar para superarmos os problemas juntos.
- Ah, agora você lembrou que é casada, Verônica! - Zombou de mim e continuou: - Mas ontem, quando aquele cavalo quis enfiar aquela tora no seu rabo, você se esqueceu completamente que tinha marido e um que nunca havia comido sua bunda, né?
- Essa história de novo!? Para, Kaká! Eu errei, me desculpa, mas já passou, acabou. Vamos seguir em frente, vamos?
Ele me olhava e estava desconcertado com tudo o que vira na noite anterior. Ficou em silêncio encarando sua xícara e depois fez uma cara de que havia tido um grande “insight”. Daí para me colocar contra a parede foi um pulo:
- Explica uma coisa para mim, se você nunca deu o cu antes para ninguém, como foi que você aguentou aquela tora toda sem reclamar?
Engasguei com meu copo de café com leite e passei a tossir buscando o ar que me faltava. Ele não se moveu um milímetro de onde estava para me ajudar e também não deixou de me encarar enquanto eu me recuperava. Quando terminei, ele insistiu:
- Vai, explica isso!
- Poxa! Eu... É... Então... Ah, sei lá. Só aconteceu. Acho que o calor do momento, a excitação, talvez a bebida, porque bebemos bastante, né? - Perguntei, mas ele balançou a cabeça negativamente, pois não havíamos bebido tanto assim: - Não sei mesmo.
- Ok, então. Vou sair, pensar em tudo o que aconteceu e depois talvez a gente termine essa conversa, de uma vez por todas.
- Kaká, não faz isso. Deixa eu sair com você, então? A gente precisa ficar juntos. Não fica brigado comigo.
Ele só me lançou um olhar triste, mas continuou se levantando e foi até nosso quarto. Demorei um pouco pensando em como minha vida havia se bagunçado em tão pouco tempo e decidi ir atrás dele para colocar os pingos nos is. Cheguei com ele saindo do quarto, vestindo uma bermuda, camisa esporte, tênis e com uma mochila no ombro:
- O que é isso? Onde você vai? - Perguntei.
- Vou sair. Eu preciso respirar ares em que você não esteja. Quero pensar para decidir o que... - Calou-se, de repente e disse: - Preciso pensar, só isso.
- Você não tá pensando em ir embora, tá? - Perguntei, agarrando-me na sua mochila.
- Me deixa, Verônica! Vou sair e você não vai me segurar, nem você, nem ninguém! - Ele insistiu puxando a mochila.
Como eu não a largava e ele também não, ficamos os dois disputando aquela bolsa como duas crianças birrentas de quinta série. Depois de um tempo, como eu não desistia, ele se deu por vencido e a empurrou sobre mim:
- Fica com essa merda! Eu me viro... - Disse e saiu andando apressado em direção à porta e dali para fora.
Fiquei ali parada como uma paspalha, segurando sua mochila. A curiosidade me impeliu e a abri. Havia algumas trocas de roupas, cuecas, o necessário para uma breve estadia fora, ou seja, ele realmente estava pensando em dormir fora. Soltei-a no chão e fui correndo até a garagem, mas ele já havia saído, só consegui chegar quando o portão já completava o ciclo de fechamento.
Voltei para dentro de casa, chorando de raiva por tudo o que estava acontecendo na minha vida. Fui até sua mochila e a recolhi, levando-a para o quarto e guardando carinhosamente suas roupas nas gavetas de onde ele as havia retirado. As horas começaram a passar e nada do Kaká retornar. Duas, três, quatro horas depois e nenhum sinal dele. Liguei em seu celular e ouvi um toque no criado mudo de seu lado da cama. Ele havia esquecido ou o deixado para trás. “Caramba, Kaká, você não facilita mesmo, hein?”, pensei.
Deitei-me na cama e as lágrimas não cessavam. Ali deitada e chorando, adormeci sei lá depois de quanto tempo. Fui acordada no meio da tarde por seu telefone tocando, atendi e a voz que ouvi me arrepiou completamente:
- Alô? Kaká? - Perguntava uma voz feminina e suave.
Fingi ser o meu marido, alterando o tom de minha voz e alternando pedaços de palavras com sons de estática, e a biscate da Sandrinha não percebeu. Sério, eu merecia um Oscar pela minha atuação, pois ela começou a se entregar mais ainda:
- Amor, não estou te ouvindo, a ligação está péssima. Tá me ouvindo? Kaká? Oi? Kaká!? Eu queria te encontrar para mostrar um presentinho novo que eu comprei...
Sorte a dela estarmos afastadas por sei lá quantos quilômetros, pois se estivéssemos no mesmo ambiente, eu mataria aquela cobra enforcada com a sua própria língua. Ela insistiu mais algumas vezes e, apesar da vontade de manda-la à merda e ainda culpa-la pelo fim quase certo de meu casamento, me contive. Depois de um tempo, ela desistiu.
Acessei o WhatsApp de seu celular só para confirmar o óbvio, ela queria marcar um novo encontro com ele, certamente para darem uma nova trepada, mas ela deu com os burros n’água, pois ele havia deixado seu meio de contato em casa. “Menos mal, pelo menos sei que ele não está com ela, mas onde será que ele está?”, pensei. Desci para comer alguma coisa, pois não havia almoçado, e as horas continuavam a passar lentamente. Anoiteceu e nada de meu marido. Liguei para meus sogros e eles me disseram não tê-lo visto hoje. Fiz o mesmo para minha cunhada que também disse o mesmo. Liguei então para seu amigo mais íntimo, Roberto, que também disse não tê-lo visto:
- Aconteceu alguma coisa, Vê? - Ele me perguntou.
- A gente discutiu e ele saiu de casa. Deixou o celular e sumiu. Já faz um tempão...
- Quer que eu vá até aí fazer companhia para você? - Perguntou-me num tom suspeito.
Suspeito para alguns, porque eu havia entendido muito bem. O talarico do amigo íntimo do meu marido estava se insinuando para tentar entrar na minha intimidade novamente. Cortei de imediato suas pretensões e bati o telefone em sua cara.
Já passava das dez da noite quando Kaká retornou. Ouvi seu carro sendo estacionado, mas ele o deixou na rua, não na garagem e isso me acendeu uma luz de alerta, pois ele poderia estar pensando em sair novamente. Pouco depois, ele entrou e me viu de pé, próxima à porta, com os braços dobrados próximos ao meu peito, louca de vontade de abraça-lo. Ele não se aproximou. Ao contrário, afastou seu corpo deixando bem claro que não estava disposto a manter contato comigo:
- Quero conversar com você. - Pediu-me já se dirigindo à cozinha: - Você vem ou posso dar por acabado o nosso casamento?
Não respondi, mas o segui calada, meio cabisbaixa. Sentamo-nos à mesa e ele foi direto:
- Quero a verdade! Você já estava transando com alguém, não estava? Ficou óbvio para mim porque você não me deu o cu e depois deu para três na mesma noite, sem reclamar, sem chorar, praticamente sem sentir dor. Pra quem você está dando? Você tem um amante?
- Não, não tenho um amante. Eu poderia se quisesse, mas não quero.
- Então, como foi que...
- Transas esporádicas, Kaká! - Acabei o interrompendo: - Transei com alguns homens, alguns inclusive que se dizem seus amigos, como o pilantra do Roberto, mas não repeti com nenhum deles, se é o que quer saber?
Ele me encarou irado. Havia ódio e real em seus olhos. Eu nunca havia visto aquele sentimento em suas íris e isso me amedrontou um pouco, ainda mais quando ele passou a bater com a mão fechada na mesa: uma, duas, três vezes, enquanto me encarava com sangue nos olhos:
- Alguns? - Ele insistiu.
- Cinco, no total.
- Sua biscate, filha de uma puta, eu quero o divórcio! - Disse se levantando com as duas mãos espalmadas na mesa, me encarando: - E quero que você saia da minha casa.
Assim que ele começou a se movimentar, achei melhor dar minha melhor carteada para ele entender que eu não estava desprovida de boas cartas:
- É tão diferente assim eu ter transado uma vez para cinco caras diferentes do que você me fez, transando com uma várias e várias vezes? - Perguntei e ele parou na mesma hora: - Ah, a Sandrinha te ligou. Disse que queria de mostrar um presentinho novo que ela comprou.
Ele ficou parado um tempinho ali, de costas para mim e depois, ainda de costas, voltou a se sentar em sua cadeira, para depois me encarar. Agora já não havia mais ódio, mas uma grande surpresa e um pouco de vergonha. Acho que ele também estava cansado demais de mentir e preferiu assumir a verdade de uma vez:
- Há quanto tempo você sabe dela?
- Isso faz alguma diferença agora?
- Por favor...
Fiquei o encarando enquanto fazia alguns cálculos mentais e resolvi saciar sua curiosidade:
- Acho que uns dois meses; três, no máximo.
- E por que não me falou? Por que não brigou, não fez nada?
- Ora, mas eu fiz, amor, te paguei na mesma moeda.
- E acha que isso foi certo? Fez algum bem para você?
- Claro que não foi certo. Já bem... Acho que a única coisa para que serviram essas trepadas foi para me ensinar alguns truques novos.
- Então, você já estava dando o cu antes de ontem?
- Porra, mas que implicância com essa história do meu cu, Kaká! - Respondi, incomodada com sua insistência: - É claro que já! Eu estava com tanta raiva de você quando descobri seu "casinho" que dei meu cu já na primeira vez que saí com outro. Amor e você está certo, doeu pra caramba...
- Com quem foi? Com o Roberto?
- Não! Foi com um cara que eu conheci na academia. Eu estava a fim de dar para o primeiro que cruzasse meu caminho e ele passou bem na minha frente nessa hora. Lembra aquele dia que cheguei tarde porque disse que tinha ido consolar a Solange? - Perguntei e ele acenou afirmativamente a cabeça: - Então, fomos para o apartamento dele e rolou de tudo, até dupla penetração.
- O cara tinha um consolo na casa dele?
- Claro que não, né, Kaká! O cara divide o apartamento com um amigo e esqueceu de avisá-lo para chegar mais tarde, pelo menos foi o que ele me disse. Daí o amigo chegou e nos viu pelados, trepando como loucos na sala, e ele era bem grandão, bonito, forte, eu queria te foder e acabei deixando eles me foderem da forma que quiseram. Então, rolou de tudo, até dupla penetração.
- Você já falou.
- Ah é! Desculpa... - Disse e continuei: - Se faz alguma diferença, foi só uma vez, não rolou nada de sentimental e apesar de fazermos musculação no mesmo horário, o podei logo em seguida.
Ele ficou em silêncio, olhando para o nada à sua frente. Pouco depois, suspirou fundo e falou:
- Eu vou sair de casa. Acho que não dá para a gente continuar…
- Posso te perguntar uma coisa? - O interrompi e ele assentiu com a cabeça: - Você ama a Sandrinha?
- Oras, mas que pergunta é essa!? - Ele disse, contrariado, mas parou para pensar um pouco e respondeu em seguida: - Olha, amar, amar, não! Mas gosto um pouquinho. Ela é esperta, divertida, honesta e tem uma mente bem aberta.
- O problema então era eu! Foi o fato de eu ser conservadora, ter me guardado e ficado só com você, não dar bola para homem na rua, não querer frequentar certos pardieiros… É isso?
- Não, claro que não… Você sempre foi perfeita, talvez só um pouco perfeitinha, certinha demais.
- Você ainda me ama?
- Por que você acha que eu estou tão perturbado assim, Vê!? Claro que eu ainda te amo, caralho! Não sei sequer se é possível deixar de amar assim de uma hora para a outra.
- O que nos impede de recomeçar?
- Sei lá… Falta de confiança, talvez?
Essa me acertou em cheio e, de certa forma, ele tinha razão: como ele poderia confiar em mim e eu nele depois de tudo o que havíamos feito. Eu estava perdida, absorta em meus pensamentos quando ele prosseguiu:
- Além disso, tem esse negócio do sexo que você fez com meia cidade e ainda dando o cu…
- Caralho, Kaká, essa história de cu de novo, meu!? Para! Se a gente conseguir se acertar, eu dou pra você também. Pronto! Agora foca na solução do problema, por favor. - Falei e antes que ele dissesse mais alguma coisa, eu complementei: - Ah, e eu só dei para cinco, seis na verdade porque foram dois na primeira vez.
- Pois é, cinco, seis ou sei lá quantos caras diferentes rindo da minha cara quando cruzam comigo na rua e um deles é meu amigo, de infância, mas deixa eu encontrar com aquele filho da puta do Roberto, vou arrebentar a cara dele.
- Pra quê? Pra todo mundo saber que ele comeu a tua mulher? Você está fugindo do tema novamente: foca na solução do problema: eu e você.
- Tá, tá, tá… Ainda assim eu preciso pensar. Vou sair de casa por uns dias, pedir uma licença no trabalho, sei lá, e depois a gente vê o que faz.
Aproximei-me dele um pouco mais e coloquei minha mão sobre a dele. Ele tentou puxar a dele, mas eu a agarrei forte, literalmente cravando minhas unhas nela e ele sucumbiu:
- Fica! Eu durmo no quarto de hóspedes e você fica na suíte. Só fica perto de mim e me deixa ficar perto de você. Eu não vou te incomodar. Prometo.
Ele me olhava sem jeito, constrangido, triste, ofendido, numa verdadeira miscelânea de sentimentos e emoções. Não seria fácil, mas pelo menos ali, eu senti que ainda havia uma ponta de esperança para a gente, que ele próprio corroborou:
- Tá bem então... Só essa noite e eu fico no quarto de hóspedes.
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