Antes de continuar, gostaríamos de agradecer novamente a todos que seguem curtindo nossa série. Graças a vocês, entramos no ranking dos mais lidos do site com a primeira parte e as leituras só crescem. Id@ e eu somos gratos por conseguir entreter e dar a todos vocês alguns minutos de lazer durante essa louca correria que é a vida.
Consultoria, revisão e co-autoria: Id@
Continuando:
Com a identificação da placa, as imagens do posto e da câmera da rodovia, a perícia não tinha mais dúvidas de que o proprietário da BMW era uma das vítimas. Sem dúvidas, era Antônio Kouris, filho do poderoso empresário Hélio Kouris. O vazamento para a imprensa era inevitável. Os exames do legista ajudariam a identificar a segunda vítima, mas pelas descrições e após uma rápida pesquisa nas redes sociais, os agentes não tinham dúvidas que ela era Yelena Torres, esposa de Hélio Kouris, madrasta do condutor.
O nome gravado na parte traseira do relógio queimado não deixava dúvidas da identidade do homem. Assim como a joia encontrada no assoalho do carro, a parte direita de um coração pela metade com o nome Yelena gravado e sua data de nascimento, um pingente que a mulher usava no pescoço.
Aquele caso era de extrema sensibilidade para a polícia. O interessado era um homem poderoso e influente e, de acordo com as gravações de populares no posto, tratava-se de uma traição. Será que em família? Por que enteado e madrasta estavam tão nervosos e dispostos a sumir juntos? Não adiantava especular, era preciso dar a triste notícia.
O próprio delegado, um conhecido de Hélio, junto a um de seus agentes, se prontificou a dar as informações iniciais à família. Eles chegaram ao condomínio por volta das oito e meia da noite, tocaram a campainha, mas ninguém se prontificou a entender.
Sentindo a culpa dilacerando seus peitos, Hélio e Mila estavam entregues ao remorso, à dor, ao desespero de quem se sentia responsável por aquela tragédia. Na cozinha, Bá estava em um transe só dela, em estado de choque, não reagindo a nenhum tipo de estímulo. Dois empregados ainda tentavam, sem sucesso, fazer com que ela reagisse. A única coisa que a cozinheira conseguiu, foi levá-la até o quartinho de descanso nos fundos da área de serviço, um quarto que a Bá usava para descansar quando precisava dormir na casa, e fazê-la se deitar.
Outro empregado decidiu atender a campainha e se deparou com os policiais. O delegado pediu:
– Eu sou o delegado Coimbra, boa noite! Pela sua fisionomia, parece que a notícia já chegou aqui. O Hélio está?
O homem o reconheceu, já o vira na casa algumas vezes, e sem saber o que dizer, fez sinal para que eles entrassem e os encaminhou até a sala de televisão, onde um Hélio catatônico, acompanhada de uma Mila tão inativa quanto ele, que só fazia chorar, não esboçou nenhuma reação.
O delegado se aproximou de forma cautelosa:
– Hélio, sei que é o pior momento possível, mas precisamos conversar …
Retomando sua expressão dura, ele perguntou:
– São eles? Você tem certeza?
Sem ter como enrolar e conhecendo Hélio, o delegado entregou o que sobrou do relógio com o nome do filho gravado e também o pingente de meio coração com o nome da esposa. Ele foi direto:
– Sim, meu amigo! Meus sentimentos. Eu sinto muito mesmo, mas são eles sim. Estamos aguardando a confirmação do legista, mas não temos dúvidas.
Hélio finalmente se levantou, buscando forças que ele não sabia onde encontrar. Pela segunda vez na vida se sentiu impotente. Um sentimento que ele jurou que nunca mais sentiria. Uma estranha e indefinida onda de arrependimento por tudo o que fizera, ou não fizera, pelo filho, invadiu seu coração de pedra.
Ele levantou Mila abruptamente do chão e a carregou até a casa dos fundos, sendo seguido pelos policiais. Ele apenas colocou Mila na cama e saiu. Passou novamente pelos policiais e disse:
– Me esperem na sala, eu já volto.
Ele atravessou a casa e não encontrou Bá na cozinha. A cozinheira apontou a direção do quartinho nos fundos. Hélio foi ao encontro dela, abriu a porta e naquele momento, com ódio no olhar, Bá se virou para ele:
– Essa culpa é de vocês dois. Vocês mataram o meu menino. Se existe justiça divina, espero que vocês tenham o que merecem.
Pela primeira vez em vinte e cinco anos, Hélio sentia alguma culpa por suas ações. O que tinha para falar já não importava mais. Ele disse:
– Me desculpe, você tem razão.
Hélio fechou a porta e, sem forças, corroído por sentimentos que não estava acostumado a sentir, se deu conta do quanto sua vida era vazia. Mas Hélio não sofria sozinho, pois Mila também sentia na pele o resultado de suas ações. Acariciando o travesseiro de Toni, sentindo o cheiro do xampu dele impregnado no tecido, ela lamentava suas escolhas.
Tinha o homem perfeito: parceiro, carinhoso, dedicado, apaixonado, mas não soube dar valor à maravilhosa chance que a vida lhe deu. No jogo da vida, suas cartas eram as melhores e naquele momento de dor profunda e sufocante, ela não conseguia entender por que sempre queria mais, por que precisava de mais, por que jogou fora a felicidade que a vida não só deu, mas como vivia esfregando na cara dela.
Hélio se recompôs como pôde, lavando o rosto no tanque e enxugando na camisa. Não queria deixar que as pessoas o vissem num momento de fraqueza. Voltou à sala, sendo recebido pelo amigo delegado:
– Eu não vou fazer você sair de casa agora, nessas condições. Vou tentar adiantar as coisas, cuidar do que eu puder para que você possa se despedir da sua esposa e do seu filho da melhor maneira possível. Se tiver algo que eu possa fazer, alguma coisa em que eu possa ajudar, é só me dizer.
Hélio perguntou:
– Quanto tempo para eles liberarem os corpos?
O delegado pensou por alguns segundos e disse:
– Vou pedir, como favor pessoal, para o legista terminar tudo nesta noite. Acho que amanhã já consigo essa liberação para você. Você tem quem possa lidar com isso? Já falou com o Mathias?
Hélio fez sinal de negativo com a cabeça, evitando falar, com medo de não conseguir segurar a dor. O Delegado Coimbra pegou o telefone e fez a ligação:
– Mathias … já está sabendo, então … sim, confirmado …
Hélio, com dificuldade, pediu:
– Coloque no viva-voz.
Coimbra fez o que o amigo pediu. A voz do outro lado era respeitosa:
– Meus pêsames, Hélio. Saiba que já mandei Ester começar a providenciar tudo. Inclusive, ela já deve estar chegando aí.
Hélio agradeceu:
– Obrigado, Mathias! Prepare o velório. Coimbra disse que o corpo será liberado rapidamente. Quero cremá-los logo no início da manhã. Não vou deixar essa imprensa de merda se banquetear com a minha dor. Meus inimigos vão tentar explorar tudo isso.
Dr. Mathias, o advogado da família Kouris, informou:
– Vou acionar o serviço funerário e vou buscá-lo pessoalmente. – Ele falou para o delgado. – Coimbra, eu não demoro a chegar, me espere aí mesmo.
Coimbra era leal ao Hélio:
– Tudo bem, amigo. Minha intenção era ficar de vez. O aguardamos aqui.
Com a entrada dos doutores Mathias e Ester, tudo se acelerou. O velório, sem corpo presente, apenas dois caixões fechados, foi íntimo e acompanhado por poucas pessoas. Bá se recusava a falar ou simplesmente olhar para Hélio e Mila. Com a identificação dos pertences pessoais das vítimas pela família e a pedido do delegado Coimbra, o legista não via motivos para exames mais completos. Apenas recolheu algum material e arquivou, liberando os corpos rapidamente, que foram levados pelo serviço funerário diretamente para o crematório do cemitério.
Aqueles pedaços de carne queimados e retorcidos, nem chegaram a passar pelo velório. Não tinha necessidade daquilo. A própria cremação foi um evento ainda mais fechado, acompanhado somente por Hélio e Bá. Mila passou mal e desmaiou, sendo levada por uma ambulância diretamente para o hospital.
Poucos metros, e uma vidraça térmica, separavam Bá de seu menino, sendo transformado em cinzas pelas chamas. Educadamente, ela informou ao Hélio:
– A partir deste momento, eu não trabalho mais para o senhor, não existe mais nada para mim naquela casa.
Hélio, sentindo os olhos marejarem, disse:
– Me desculpe!
Bá se virou e saiu, deixando Hélio sozinho e miserável.
Por duas semanas, Hélio se entregou ao álcool e à solidão, fechado em seu escritório, mal comendo, sem tomar banho, apenas desmaiando bêbado e voltando a beber ao acordar. Mila, internada e sem reagir, fora diagnosticada com estresse pós-traumático, sendo encaminhada para uma unidade particular de saúde mental.
O Dr. Mathias cuidava de tudo, inclusive, do seguro de vida de Antônio e também do seu único bem restante, o Opala, que por desejo dele, deveria ser dado a Bá como herança. Sua conta pessoal tinha pouco mais de mil reais, que o advogado, sem saber o que fazer, e tendo que encerrar as contas, acabou devolvendo para uma das contas de Hélio. Com o processo do seguro encaminhado, sua beneficiária, também a Bá, receberia o valor diretamente em sua conta.
Na terceira semana, Mila voltou a reagir e teve alta, voltando para a casa de Hélio. Ela não tinha para onde ir e ele não tinha forças para colocá-la para fora. Ele era indiferente a presença dela e como ela se manteve na casa pequena que dividia com o falecido Toni, eles mal se cruzavam. E quando o faziam, Hélio estava bêbado demais, se sentindo culpado demais, assim como ela se sentia. E quando tinha discernimento o suficiente para notá-la, lembrava que ela sabia demais, que poderia, como vingança, tentar prejudicá-lo. Era melhor manter Mila ali, debaixo das suas asas e ao alcance dos seus olhos. Os dois haviam perdido bastante peso.
Como tudo na vida, até a dor e o luto tem prazo de validade. Alertado pelo Dr. Mathias sobre os constantes prejuízos financeiros e sobre a confusão em que suas empresas se encontravam sem o seu comando e pulso firme, Hélio mais uma vez se superou, transformando a dor em combustível. Mesmo se sentindo culpado, ele ainda estava vivo e era hora de voltar às suas atividades, ocupar a cabeça para tentar se livrar da culpa e do remorso.
Ao olhar para Mila pelas câmeras, vendo que ela definhava no quarto, e mesmo que aquele novo sentimento fosse doentio, ele decidiu que a manteria ao seu lado, uma lembrança constante de suas falhas, para que elas não se repetissem.
Tomou um banho, fez a barba e foi ao encontro dela. Da mesma forma que geralmente a tratava, a segurou pelos cabelos e arrancou sua roupa, arrastando-a até o chuveiro e obrigou que ela se lavasse adequadamente. Ainda com uso da força, fez ela acompanhá-lo até o escritório e de forma bruta, praticamente a arremessou sobre a cadeira. Tentando mostrar que estava de volta, ele disse:
– Vamos voltar ao trabalho …
Mila tentou protestar, se levantar, mas ele encurtou a distância, colando seu rosto ao dela, falando com autoridade e fazendo ela se calar:
– Você não tem onde cair morta e eu sou a única pessoa que lhe resta. Toni e Yelena morreram e nós vamos carregar essa culpa para sempre. Você quer morrer com eles?
Suas palavras a atingiram em cheio. A escolha era simples e Mila a fez. Aos poucos, os dois voltavam ao ritmo de antes. Tudo parecia começar a voltar ao normal, um normal fragmentado, diferente, mas pelo menos, uma rotina começava a ser novamente criada.
Enquanto Mila trabalhava no computador, sozinha no escritório, alguma coisa parecia estranha. A temperatura da sala começou a cair lentamente, como se o ar-condicionado estivesse ligado na temperatura mínima. Barulhos, estalidos … uma risada sinistra, quase inaudível, abafada, fazendo Mila pensar que estivesse imaginando coisas.
– Mila …
Aquela voz era conhecida, mas estava tão baixa.
– Por que Mila? (Porque Mila … Porque Mila … Porque Mila …).
Novamente a voz, com eco, baixinha … Mila, de olhos arregalados, achando estar imaginando coisas, olhava ao seu redor desesperada.
– POR QUE MILA?
Em um pulo, assustada com aquele grito, ela se levantou da cadeira e saiu correndo do escritório. Ela ouviu claramente, era a voz de Toni. Sua mente trabalhava febril, a mil por hora, alucinada. Ela pensava, em desespero: "Isso é uma alucinação, só pode ser … Eu ainda não estou recuperada. Preciso voltar ao terapeuta … isso é culpa, não é real."
Deitada em posição fetal na sua cama, extremamente assustada, duvidando de sua saúde mental, ela estava estática. Durante uma hora, ela permaneceu naquela posição.
Quando começava a se acalmar, vendo a noite chegando, achando que as alucinações tinham terminado, a luz do quarto de repente apagou e o aparelho de som, no volume máximo, ligou sozinho e desligou segundos depois. Ela ouviu a porta sendo trancada e a televisão ligando também. Se sentando na cama, desesperada, sem saber o que acontecia, ela olhou para a tela da TV, mas ela não tinha imagens, a tela estava toda azul. De novo a voz, baixinha:
– Por que Mila? ( Porque Mila … Porque Mila … Porque Mila …).
Ela tapou os ouvidos com as mãos e começou a gritar. Mas estava sozinha no quarto, sem ninguém para socorrê-la. Na televisão, imagens sobrepostas, Yelena e Toni, piscando, um após o outro, envoltos em chamas, a pele de seus rostos derretendo, um grito de agonia em coro:
– POR QUE MILA?
Ela não aguentou, seu sistema nervoso entrou em colapso e ela desmaiou. Tudo voltou ao normal: a porta se abriu, a televisão desligou …
Meia hora depois, Hélio chegava em casa após seu primeiro dia de volta às atividades, sem saber o que acontecera enquanto ele esteve fora.
Hélio estranhou o que encontrou: o computador ligado, a cadeira tombada, a porta do escritório aberta … sentiu aquele cheiro inconfundível no ar. Respirou fundo duas ou três vezes, ele conhecia muito bem aquele odor, ele mesmo o escolheu. House of Sillage, da Cherry Garden, o perfume de Yelena. Um dos mais caros do mundo, exclusivo … ouviu uma risada abafada, baixinha, leve, contida, assim como ela costumava rir … olhou ao redor, perturbado, sem acreditar que aquilo fosse real:
– A culpa é sua … (A culpa é sua … A culpa é sua … A culpa é sua …).
Achou que estava delirando, que aquilo era seu subconsciente lhe pregando uma peça. Novamente, a risada de Yelena, a mesma que ele sentia falta, mas o que ouviu a seguir, lhe deixou aterrorizado, aquela voz rouca, doente, que ele conhecia tão bem:
– Você matou o seu filho, o meu neto, maldito seja …
Aquela era a única voz que Hélio temeu durante toda a vida, Hermes, seu pai. Assustado, ele saiu dali, indo procurar Mila. Sons e barulhos estranhos o seguiam por todo o caminho. Ele tinha a impressão de que vultos sombrios o vigiavam, mas ao se virar, não havia nada de errado. Chegou até a casa dos fundos e viu que Mila dormia. Entrou e tentou acordá-la. Ela estava tão ou mais assustada do que ele. Ela pediu:
– Por favor, me tira daqui. Eu não quero …
A luz voltou a apagar, o cheiro de Yelena invadiu o ambiente, a televisão ligou sozinha em tela azul, o aparelho de som aumentava e abaixava …
– Malditos, traidores, desgraçados, estão satisfeitos? Conseguiram se livrar de nós e agora podem aproveitar.
Toni e Yelena na televisão, envoltos pelo fogo … o cheiro de queimado tomando o lugar do perfume de Yelena no ambiente … Mila, agarrada a Hélio, gritava. Ele, sem reação, estava imóvel, parecendo não acreditar no que acontecia.
Num impulso de coragem, Hélio pegou Mila pelas mãos e saiu puxando em direção ao carro. Fez ela entrar à força e os dois saíram rapidamente dali. Hélio e Mila passaram a noite em um hotel na cidade. Ele precisava pensar, se organizar e tentar entender tudo o que aconteceu. Ligou para um de seus homens de confiança e ao ser atendido, contou, de uma forma que não o fizesse parecer louco, o que tinha acontecido. O homem achou que o patrão estava delirando, mas disse:
– Vou levar uma equipe até a mansão logo pela manhã e iremos vasculhar a casa inteira. Por hora, descanse. Assim que eu descobrir o que está acontecendo, o informo. O senhor precisa de alguma coisa?
{…}
Do outro lado da cidade, rindo de se acabar, Miriam fechava o notebook e pegava o telefone. Ela buscou um número nos contatos e ligou:
– Vocês têm poucas horas para fazer a limpeza. Não podemos deixar vestígios. Isso já era parte do pedido … dependemos disso … obrigada!
Ela desligou aquela chamada e fez uma nova ligação:
– Sim … foi perfeito e hilário … nunca me diverti tanto, estava precisando … está tudo bem aí? Precisa de alguma coisa? Boa noite, nos falamos amanhã.
{…}
Na manhã seguinte, os homens de Hélio vasculharam a casa inteira, mas nada estava fora do lugar. Tudo estava conforme ele havia deixado. Ele voltou para a mansão e abriu o seu programa de monitoramento. O que viu, o deixou estarrecido:
"Mila no escritório, assustada, olhando para todos os lados sem entender o que acontecia. Não havia nenhum som, apenas um vulto estranho, um ser brilhante parado na frente dela, até que ela saiu correndo dali direto para a sua cama.
Por uma hora, ela ficou jogada na cama, em posição fetal, até que todas as luzes se apagaram e aquele mesmo ser, flutuando acima dela, reapareceu. O pandemônio que se segue foi o mesmo que ele havia presenciado, mas não havia nenhum som, apenas aquele ser brilhante e deformado.
Ele adiantou as imagens até sua chegada na casa. O mesmo aconteceu com ele no escritório, mas agora, eram três os seres, três figuras deformadas e brilhantes".
Hélio separou aquelas imagens e as gravou em um pendrive. Precisava mandar analisar aqueles vídeos, saber se aquilo era real. E o pior, não podia contar para ninguém, precisava agir por conta própria. Não tinha a mínima ideia de por onde começar, para quem pedir ajuda.
Após dois meses da morte do filho e da esposa, preocupado com o que aconteceu naquele dia estranho, mantendo Mila há dias trabalhando do hotel e sem respostas, recebeu uma ligação de seu advogado pessoal, o Dr. Mathias:
– Só queria informar que a senhora Bárbara entrou com um processo trabalhista. Ela também é a beneficiária do seguro do seu filho.
Hélio não respondeu, pensando no que deveria fazer. O Dr. Mathias insistiu:
– Ouviu o que eu disse? O que quer fazer em relação ao processo?
Hélio decretou:
– Busque um acordo e adicione mais cinquenta por cento a demanda dela.
Mathias estranhou:
– Eu ouvi direito? Mais cinquenta por cento?
Querendo encerrar logo aquela ligação, pois falar sobre a Bá o entristecia, Hélio explicou:
– Ela merece mais do que isso até. Ela me criou, é a única mãe que eu conheço, criou meu filho também, cuidou de nós a vida inteira. O mínimo que posso fazer é dar a ela uma aposentadoria confortável. – Ele pensou por alguns segundos. – Dê a ela também a propriedade do imóvel em que reside. Se houver mais exigências, apenas aceite.
Mathias entendeu e se despediu. Em poucos dias o acordo foi feito e assinado.
Dias depois, após um almoço de negócios em seu restaurante preferido, Hélio esperava a entrega do carro pelo manobrista, quando foi abordado por uma senhorinha humilde, que se aproximou dele com cautela:
– Meu senhor, posso dizer uma coisa?
Ele a encarou e ela lembrava muito da sua querida e negligenciada Bá. Resolveu ser cortês e gentil:
– Sim, senhora! Do que precisa?
A senhora olhou através dele, como se conversasse com alguém ao seu lado. Após alguns segundos, voltou a se dirigir a ele:
– Me desculpe a intromissão, e talvez você nem acredite em mim, mas eu vou falar mesmo assim. Existe alguma tragédia no seu passado, pessoas que se sintam magoadas com o senhor?
Hélio se assustou com aquelas palavras:
– Por que a senhora está dizendo isso?
Ela segurou carinhosamente nas mãos dele:
– O senhor tem sido acompanhado por duas entidades. Uma moça jovem, muito bela e um idoso, de olhar frio, ameaçador. A energia que eles emanam é ruim, prejudicial …
Nervoso, preocupado, Hélio puxou suas mãos, se afastando da velha, entrando no seu carro que acabara de ser entregue. Hélio estava realmente assustado, sem entender aquilo. Fez uma rápida pesquisa no celular e encontrou o que precisava. Por via das dúvidas, decidiu que era hora de fazer uma limpeza espiritual em tudo, nele, em Mila, na casa … era hora também de se livrar dos pertences pessoais de Yelena e de Antônio. A culpa ele carregaria para sempre, mas do resto, precisava se livrar a qualquer custo.
{…}
No hotel, sem condições psicológicas de voltar para casa, apavorada com tudo o que acontecera, Mila tentava fazer o seu trabalho. Desde o acidente, Hélio parou de usá-la para agradar empresários amigos e investidores. Ela estava no limite da sanidade, lutando a cada dia para tentar se recuperar da dor, da culpa e do remorso.
Ela analisava um dos balancetes mensais quando o seu notebook apagou completamente. Apenas um tracinho na parte superior esquerda piscava. O pânico tomava conta dela. Palavras começaram a surgir na tela:
"Por que Mila?".
Desesperada, ela tentava desligar o aparelho:
"Eu não fui bom o suficiente para você, Mila?".
No limite de suas forças, ela arremessou o notebook longe, se vestiu rapidamente, pegou as chaves do carro e saiu do quarto. Desceu pelo elevador tremendo, chegando enfim, ao estacionamento do hotel. Entrou no carro e acelerou. Por um milagre, dirigindo sem prestar atenção ao trânsito, com muita dificuldade, conseguiu chegar até a casa de uma amiga. A única que ainda manteve após a faculdade. Tocou a campainha seguidamente, sem conseguir se controlar, olhando para todos os lados amedrontada. Foi atendida:
– Meu Deus, Mila! O que aconteceu com você? – A amiga percebeu que ela estava pálida, quase desmaiando.
Ela abraçou Mila e a trouxe para dentro.
{…}
Já em casa, à noite, Hélio recebeu uma ligação da amiga de Mila e achou melhor deixá-la onde estava, sabendo que ela tinha com quem contar. Ele também precisava de um tempo para colocar a cabeça em ordem e buscar uma forma de compreender o que acontecia. Aquela senhora na saída do restaurante havia balançado os seus alicerces. Ele precisava ser racional, entender contra o que lutava. Recebeu uma chamada da portaria do condomínio. Ao atender, foi informado:
– Senhor, uma moça está aqui à procura da irmã. O endereço é o seu. Posso deixar entrar?
Hélio se dera conta, naquele momento, que Yelena era de família grande e com certeza, após dois meses sem notícias, eles deveriam estar preocupados. Sabia que ela tinha quatro irmãs, inclusive, uma delas gêmea. Permitiu a entrada e foi esperá-la na porta.
Não podia acreditar no que os seus olhos lhe mostravam. Ela era a cópia exata de Yelena, mas diferente dos olhos de um azul profundo da falecida esposa, a irmã tinha olhos verdes acinzentados. O cabelo também era loiro, mas um pouco mais escuro. E ela tinha uma tatuagem de beijo no pescoço, pela coloração já desbotada, feita na adolescência. Para completar, o mesmo pingente preso a uma corrente de ouro fina no pescoço, a metade esquerda de um coração. Ela se apresentou:
– Hey! I'm Anastasia. Is Yelena here? From the photos I saw, you must be Hélio, her husband. Pleasure to meet you. (Oi! Eu sou a Anastasia. Yelena está? Pelas fotos que vi, você deve ser o Hélio, marido dela. Prazer em conhecê-lo).
Hélio estava paralisado, sem conseguir falar.
– I do not speak Portuguese. By the way, you don't speak English either. So, it's going to be difficult. (Eu não falo português. Pelo jeito, você também não fala inglês. Assim vai ser difícil).
Hélio se recompôs:
– I'm sorry! I was just amazed to see how much alike you and your sister are. Come in, please! (Me desculpe! Só fiquei impressionado em ver o quanto você e sua irmã são parecidas. Entre, por favor!)
Continua.