ETHAN
O que eu fiz?
Eu estava fora de mim. Tomei vários banhos assim que cheguei em casa, tentando arrancar de mim a sensação do que aconteceu. Era como se eu estivesse infectado por alguma doença, uma febre que me tirou o controle e a consciência.
Eu prometi que não ficaria com ninguém. Eu quebrei essa promessa.
Mereço ser punido.
Pego uma gilete e passo várias vezes na perna.
O sangue escorre pelo ralo, pingando no chão frio do banheiro, mas a culpa continua aqui, cravada em mim, sufocante. Se meus pais descobrirem, vão me mandar para o Centro de Cura Gay. Não tem escapatória dessa armadilha. Mesmo assim... o toque do Jimmy ainda está presente no meu corpo. Um calor que me confunde. Sentimentos conflitantes me dilaceram por dentro.
— Filho, — Chama minha mãe, do outro lado da porta. — o café da manhã está pronto.
— Tá bom, mãe. — Me sobressalto, guardando a gilete às pressas dentro do armário.
Respira, Ethan. O que aconteceu foi um deslize. Um erro carnal, mundano. Preciso me voltar para a fé. Jesus é a única salvação.
Na mesa do café, finjo normalidade. Me esforço para sorrir, como se tudo estivesse bem. Ofereço ajuda ao meu pai — hoje ele vai distribuir cobertores para uma comunidade carente. Talvez, com boas ações, eu consiga equilibrar essa balança.
Na escola, faço de tudo para evitar Jimmy. Graças a Deus, o time de futebol está em treino intensivo para o primeiro jogo da temporada — ele estará ocupado.
Durante um intervalo, vou até a biblioteca. Quero me distrair com um livro de mistério, mas o acervo é decepcionante. "No Limite da Razão". O título me chama a atenção, mas uma voz me arranca do transe.
— Olha só, todo nerdzinho. — Jimmy está na minha frente, usando a jaqueta do time de futebol da escola.
O Jimmy aparece como quem sabe exatamente o efeito que causa. Alto, com postura despreocupada e o queixo erguido, tem aquele tipo de beleza que não implora por atenção — ela simplesmente acontece. Seu rosto, de traços suaves mas marcantes, exibe uma simetria quase irritante: queixo firme, lábios desenhados com precisão e olhos semicerrados que pareciam julgar o mundo com um tédio elegante.
O cabelo castanho-claro caía com perfeição ensaiada, repartido no meio e penteado para trás como nos antigos filmes europeus. Era liso, macio à vista, com um caimento que denunciava tanto tempo diante do espelho quanto um desleixo calculado.
É impossível saber o que ele pensa. Talvez nada. Talvez tudo. Mas existe algo em seu jeito de olhar — direto, quase desafiador — que faz você querer olhar de volta, mesmo que só por curiosidade... ou perigo.
— Eu... preciso ir. — Murmuro, tentando escapar.
— Ei, espera aí. — Ele segura meu braço, gentil, mas firme. — Tá tudo bem com você?
— Eu... eu tô ótimo. — Gaguejo. Meu coração parece um tambor em pânico. — Sério. Tudo ótimo.
— Vamos lanchar. Tô faminto depois do treino. — Ele sorri, e sem perceber, meus pés obedecem.
Jimmy tem uma presença tão intensa que é quase impossível resistir. Ele me arrasta pelos corredores até um grupo de colegas que conversam animadamente sobre um passeio para o Parque Nacional Glacier, que acontece na metade do semestre.
Claro que meus pais nunca me deixariam ir. Só de imaginar, minha empolgação evapora.
As pessoas da escola não são tão horríveis quanto imaginei, mas ainda assim, não consigo me conectar com ninguém. Nem com os nerds, nem com os desajustados. É como se eu fosse estrangeiro nesse mundo.
Jimmy parece conhecer todos. Estudam juntos desde o primário, provavelmente. O melhor amigo dele é Brian Trevor — um grafiteiro talentoso que já teve problemas com meu pai por causa dos seus desenhos. Digamos que o Pastor Ward não aprecia pênis voadores nas paredes próximas à igreja.
Seguimos em grupo até o refeitório, mas me mantenho em silêncio. Olho para o chão, tentando desaparecer. Jimmy mantém a mão nas minhas costas, como se me guiasse. Meus pés tremem. Se alguém descobrir o que aconteceu na cabana... nem consigo imaginar as consequências.
Os colegas escolhem uma mesa no centro do refeitório. Alguns guardam lugares, mas Jimmy me leva até a fila da comida.
Hoje é dia de comida mexicana: burritos, guacamole, tortillas, chili com carne. Eu pego uma salada de macarrão e uns burritos pequenos — não suporto pimenta. Jimmy enche o prato, provavelmente faminto depois do treino.
Voltamos para a mesa. O outro grupo vai se servir. Eles são bem organizados — devem fazer isso juntos há anos. Trevor e Jimmy começam a falar sobre Samantha, uma garota que aparentemente Trevor quer convidar para sair, mas não encontra coragem.
— E você, novato? — Pergunta Trevor, desviando o foco de sua paixão. — Qual a tua história?
— Bem, eu... — As palavras morrem na minha garganta. Os olhares se voltam para mim.
— Deixa ele, seu bundão. — Jimmy corta, protegendo-me. — Termina logo a história da Samantha e de como o coração dela é mais frio que o Alaska.
— Boa tarde, Betty. — Diz Trevor, cumprimentando uma garota que passa por nós.
— Vai se foder, otário! — Ela responde, mostrando o dedo do meio.
Quase deixo escapar uma risada, mas me contenho.
— Trevor: zero. Bettany: um. — Ela contabiliza, saindo triunfante.
***
JIMMY
Esses malditos olhos castanhos!
O convidei para ir comer no refeitório. Porém, não posso perder a pose na frente dos meus colegas. Vez ou outra, eu o observo. Os cabelos castanhos, grossos e levemente cacheados, caem sobre a testa com um ar displicente, como se até eles tivessem atitude própria. Seus olhos escuros, intensos e expressivos, parecem carregar um mundo de perguntas — ou talvez julgamentos silenciosos. A sobrancelha franzida não deixa claro se estava irritado, intrigado ou simplesmente atento demais. O maxilar bem definido e os lábios cerrados completam a expressão de seriedade que contrasta com sua beleza.
Odeio o quanto o Ethan me atrai. São poucos os garotos que conseguem esse efeito em mim. Mas não posso negar: a noite de ontem foi perfeita. Eu gostei. E, pra ser sincero, quero repetir. Aliás, neste exato momento, tudo o que eu queria era jogá-lo sobre a mesa e transar com ele ali mesmo — sem pensar nas consequências. Mas o refeitório está lotado. Gente indo e vindo. Parece uma feira.
Trevor não para de falar da Samantha — o que é ótimo, considerando que Jimmy mal abre a boca. Ele empurra a comida no prato, evitando qualquer contato visual. Meus amigos são populares, legais. Não vejo por que o Ethan se sentir tão acuado. Talvez seja só o jeito dele.
Depois do intervalo, o grupo se dispersa. Fico com o Ethan. Temos Álgebra II no terceiro andar. Decidimos cortar caminho pelas escadas internas. O som dos nossos passos ecoa no silêncio. Sinto a respiração do Ethan, curta, ofegante.
— Espera. — Peço, segurando o braço dele e o encostando na parede. — Eu... eu preciso disso.
Nossos rostos ficam perigosamente próximos.
— Por favor... não. — Ele pede, a voz baixa, trêmula.
— Então por que sua boca diz uma coisa, mas seu corpo está aqui, tão perto do meu? Passei o dia todo pensando em você, Ethan... — Digo, antes de beijá-lo.
A boca dele é quente, macia, com um leve gosto de burrito e suco de uva. Ele retribui o beijo com intensidade, e isso me dá permissão para ir além.
Evitamos qualquer barulho, conscientes do lugar. Uma escola cheia de gente não é o cenário ideal — mas talvez seja isso que torne tudo ainda mais excitante. O beijo dele é quente e delicioso.
— Isso foi... — Começo a dizer, mas ele não responde.
Sentamos perto um do outro no resto das aulas, mas não trocamos uma palavra. Será que ele está envergonhado? Droga... fui imprudente. De novo. Não quero afastar o Ethan. Eu preciso dele.
Preciso parar de pensar no Ethan. Ele não pode tomar a minha cabeça o tempo todo. No treino, dou tudo de mim. Faço os exercícios até meus músculos gritarem. O treinador organiza um amistoso. Jogo como se fosse a final do campeonato. Ninguém do time consegue me parar. O relógio marca 18h. Hora de encarar o inevitável: ir pra casa.
No caminho, olho as casas. Famílias perfeitas, jantando juntas, rindo. Eu nunca tive isso. Nenhuma festa de aniversário, nenhum Natal memorável. Quando Trevor viaja para alguma ilha paradisíaca, fico ainda mais sozinho.
Chego em casa e percebo que meu pai está lá. Meu corpo endurece. Tento ir direto para o quarto, mas ele me chama. Minhas mãos começam a tremer. Com meu pai, tudo é imprevisível. E quase sempre, violento.
— Hoje de manhã eu fui à oficina. Meus materiais estavam fora do lugar. — Explica, e fecha a porta atrás de mim.
Sim. Eu nunca tive motivos reais pra ser feliz. Talvez por isso o Ethan tenha mexido tanto comigo. Enquanto estou caído no chão, levando chutes, penso nele. Só nele. Infelizmente, a vida não é justa pra todo mundo.
— Eu te avisei, seu filho da puta! Não mexe na minha oficina! — Grita, chutando meu estômago com força. — EU TE AVISEI!
Não sei por quanto tempo consigo aguentar. Estou no chão, tentando não apagar. Tudo o que posso fazer agora... é continuar respirando.