JIMMY
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Fico três horas de mãos dadas com Ethan. Ele dorme tranquilamente ao meu lado, alheio ao temporal que se forma dentro de mim. Trouxe uma colcha da senhora Watanabe, pois, apesar do aquecimento do ônibus, o frio é intenso. Pela janela, avisto as montanhas rochosas — sinal de que estamos próximos do Parque Nacional Glacier, um dos tesouros do estado de Montana. A voz do professor, transmitida pelo sistema de som do ônibus, desperta os dorminhocos. Ethan se assusta, mas eu o acalmo.
— Senhoras e senhores, chegamos ao Parque Nacional Glacier. Pode não parecer, mas ele tem mais de um milhão de acres de terra, então, cuidado. — Pede o professor Adams, claramente nada animado em nos acompanhar. Ele usa um microfone que está sendo transmitido pelo sistema de som do ônibus. — O parque foi fundado em 1910 e é conhecido por suas paisagens montanhosas espetaculares, lagos cristalinos e, claro, pelas geleiras.
— Quantas geleiras tem, professor? — Pergunta a Kate, que anota tudo. Alguns colegas a chamam de nerd.
— São 26 geleiras ativas, daí o nome do parque. Essas geleiras são resquícios da última era glacial e oferecem uma vista incrível. A maior delas é a Blackfoot Glacier, que se estende por mais de 12 milhas. — Explica o professor. Percebo que o Ethan está impressionado com a paisagem.
Sempre esqueço que o Ethan não é de Montana. Já vim várias vezes ao parque, principalmente em excursões da escola. É a única parte deste lugar que realmente gosto. Se eu pudesse, viveria nas montanhas, sem contato com outros humanos. Mas aí lembro do filme Na Natureza Selvagem e percebo que não seria uma boa ideia.
Não sabe que filme é esse? Que vergonha! Vai assistir agora! Brincadeiras à parte, o filme conta a história do Chris McCandless, que passou o verão de 1992 em um ônibus no meio do nada e morreu de fome depois de 114 dias. Meio doido, mas talvez tenha morrido feliz. Acho.
— Eu dormi, desculpa. — O Ethan cochicha no meu ouvido.
— Tudo bem, eu também cochilei. — Respondo, apertando sua mão por debaixo da coberta.
— Esse lugar é lindo, né? — Ele diz, contemplando a paisagem pela janela.
— Espetacular. Vou te mostrar meus pontos favoritos do parque. Posso ser seu guia particular. — Afirmo, e ele sorri. Que sorriso.
— Enfim, pessoal. Estou lidando com alunos do terceiro ano, então imagino que não preciso falar das regras...
— Não, professor! — Gritam todos em coro.
— Ótimo. Assim que descermos, cada um pega sua mala. Vou direcionar vocês para suas respectivas barracas. — Avisa o professor, colocando o microfone no suporte e voltando para o assento.
Amei a viagem ao lado do Ethan, mas é bom esticar as pernas. Descemos e pegamos nossas malas. O Trevor está empolgadíssimo — temos várias tradições no parque. Já fomos até instrutores de um acampamento de verão por aqui. Rendeu uma grana e uma namorada pra ele, mas o namoro não sobreviveu à distância.
Enquanto os outros estão ocupados discutindo sobre repelente e quem vai levar mais bolacha, eu observo tudo com certo orgulho. Porque, diferente deles, eu sei exatamente com quem vou dividir a barraca. E não é por sorte.
Aliás, deixa eu abrir um parêntese aqui pra te contar uma coisa.
Essa, com certeza, é a minha maior vigarice até agora. Tudo começa quando o treinador me pede ajuda com o sistema da escola. Ele é gente boa, mas... digamos que não é exatamente um gênio da informática. E como eu manjo de computadores — e ele está completamente perdido —, acho justo dar uma força. Mas aí vem o momento mágico: ele me passa a senha do sistema para eu "só conferir umas listas". A senha. Do sistema todo. Você já pode imaginar, né?
Claro que minha primeira reação é ser responsável. Mas aí eu penso: e se eu só... desse uma olhadinha na organização das barracas? Só por curiosidade. E quando vejo que colocaram o Ethan em uma barraca com o Noah Brice, quase tenho um troço. Três noites longe dele? Com gente que ronca e fala dormindo? Não dá.
Então... eu ajusto umas coisinhas. Nada demais. Só troco meu nome com o do Noah. Ninguém se machuca. Ninguém perde nada. Só... faço o universo se alinhar um pouquinho a meu favor. E pronto: Jimmy e Ethan, mesma barraca.
Fecho o parêntese.
Agora, vendo ele sorrir enquanto guarda o travesseiro na mochila, eu sei que vale a pena. Ninguém nunca vai descobrir. A não ser que eu conte, claro — mas isso fica entre a gente.
O professor nos chama e começa a dividir as duplas. Cada aluno encontra seu "colega de barraca". Por ironia do destino, a Betty acaba na mesma barraca que a Kate. Ela olha pro Ethan pedindo socorro, mas, nesse caso, não há nada a fazer.
Juro que não tenho nada haver com isso. Mexi apenas na pasta dos rapazes.
— Ethan Ward vai dividir a barraca 22 com o Sr. Robinson. — Anuncia o professor, lançando um olhar para o Travis. — O Sr. Trevor vai ficar com Noah Brice na barraca 17.
— Se lascou! — Grita o Grant, um dos jogadores do time.
— Desculpa, Trevor. — Penso, pois a culpa é minha. — Eu preciso de um fim de semana com o Ethan. Foi mal.
— Pro... professor, essa lista tá errada. Olha, acho melhor o Noah ficar com o Ethan. O Jimmy e eu já temos uma rotina de acampamento e...
— Sem mais, Trevor. Vá arrumar suas coisas e, por favor, sem bagunça. Vou falar com o pessoal do parque — Explica o professor Adams, indo em direção ao escritório.
— O que aconteceu? — O Travis me pergunta, colocando a mochila nas costas. — Ethan, por favor, dorme com o Noah.
— Deus me livre. Esse garoto me odeia, Brian. Desculpa, mas não dá. James? — Ele me olha com aquele jeito engraçado.
— Desculpa, Trevor. Você tá por sua conta. Vou arrumar minhas coisas. Depois a gente se fala, cara. — Me despeço dele e chamo o Ethan para o nosso ninho de amor.
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ETHAN
Desculpa, Trevor, mas o Jimmy é só meu. Tenho vontade de dizer isso, mas fico com pena dele. Além disso, ainda estou abobalhado com a beleza deste lugar. Parece que estou em um set de filmagem, só que tudo aqui é real e gelado. Ainda bem que trago roupas quentinhas para aguentar o frio. Caminho por um terreno de pedras e, de longe, vejo as barracas onde vamos dormir.
O Jimmy me explica que as barracas são projetadas para suportar baixas temperaturas e possuem um isolamento térmico robusto. Além disso, usamos sacos de dormir e cobertores especiais que a gerência do parque disponibiliza para os hóspedes.
Com habilidade, o Jimmy abre a barraca e vejo que a área interna é bem confortável. Tem um colchão grosso no chão e lugares para pendurar as mochilas. Recebemos uma mensagem do professor avisando que nos reuniremos em 15 minutos na área de convivência do parque.
— Quinze minutos, hein — Comenta o Jimmy, deitado no colchão. — Dá tempo de muita coisa.
— Você não existe, né? — Digo, antes de pular em cima dele e o beijar.
Os beijos que trocamos são quentes, demorados, cheios de carinho e desejo. Aos poucos, deixo meus lábios descerem pelo seu corpo, sentindo cada arrepio que provoco. Abro o zíper da calça dele com calma, com aquela mistura de ansiedade e ternura. Ver o corpo do Jimmy tão entregue me faz sentir ainda mais conectado a ele.
Não é só prazer físico — é intimidade, é confiança. Com o Jimmy, descubro mais sobre mim mesmo, sobre o que é estar com alguém de verdade. Aprendemos juntos, respeitamos nossos limites e, acima de tudo, nos cuidamos.
Meu Deus. O que eu fiz? A gente se limpa às pressas e leva um susto quando o Trevor tenta abrir a barraca. Num pulo, o Ethan se levanta e destranca a trava de segurança. O Trevor entra, claramente irritado, e começa a reclamar que vai ter que dividir a barraca com o Noah, que, segundo ele, cheira a menta.
Depois de um discurso intenso e totalmente desnecessário, a gente sai para encontrar o resto da turma no Centro de Visitantes do Parque Nacional Glacier. Algumas alunas aproveitam para mudar o visual — a Betty, por exemplo, aparece usando um casaco de pele de búfalo, ou seja, toda a atenção se volta para ela.
— Bettany, você não é vegana? — Pergunta o Trevor, tentando chamar a atenção para si.
— Já ouviu falar de pele sintética, imbecil? — Rebate a Betty, mostrando o dedo do meio. Alguns estudantes caem na risada e começam a zoar o Trevor, que se encolhe.
— Essa doeu. — Cochicha o Ethan, bem perto de mim, e eu preciso segurar o riso.
A equipe da escola passa orientações sobre o que podemos ou não fazer. Tenho certeza de que já quebrei todas as regras, principalmente com o Jimmy. Nosso momento de adolescente com os hormônios à flor da pele me rende uma bela dor de garganta, mas eu faria tudo de novo — ou melhor, vou fazer mais tarde (riso diabólico).
Segundo meu namorado, o fim de semana no Parque serve para aproximar os alunos. Eu, sinceramente, não entendo a lógica de juntar um monte de adolescentes cheios de energia em barracas apertadas. Mas não reclamo — tirei a sorte grande.
Seguimos juntos até o letreiro do Parque Nacional Glacier, onde os professores querem registrar cada momento. A gente se posiciona na frente do letreiro e um funcionário do parque tira a foto. O Jimmy passa o braço em volta de mim, quase como um abraço. Tenho certeza de que fico corado na imagem. Depois disso, somos liberados para explorar a área.
Quando vê o Trevor nos seguindo, a Betty chama por ele e pede que tire umas fotos. Isso nos dá tempo de escapar. O Jimmy conhece bem o Parque e me leva até uma área cheia de flores. Com todo cuidado, ele se senta no chão e fica olhando pra frente. Faço o mesmo. Ficamos em silêncio. É tão bonito aqui. É tão bom estar ao lado dele. Sem julgamentos. Sem medo.
Me sinto tão em paz que encosto a cabeça no ombro do Jimmy. O céu azul e o vento leve são nossas únicas testemunhas. Se eu pudesse ficar assim pra sempre, eu ficaria. Mas sei que a realidade é outra — então aproveito cada segundo.
— Minha mãe sempre me trazia aqui. — O Jimmy quebra o silêncio, sem olhar pra mim. — Ela gostava de fugir. Todo mês, arranjava um jeito de vir pro Parque. Por isso eu amo esse lugar. Era o nosso cantinho especial. Você é a primeira pessoa que trago aqui — Ele confessa. Ainda com a cabeça encostada no ombro dele, seguro sua mão, que está gelada.
— É um lugar lindo, Jimmy. — Concordo.
— Era a maneira dela de fugir da realidade. Afinal, a coitada era saco de pancadas do meu pai — ele continua, e sinto sua mão tremer.
— Isso é horrível. Nenhum de vocês merecia passar por isso. Sinto muito. — Digo, apertando sua mão com força, tentando passar segurança. — Jimmy, por que você não reage? Eu sei que é teu pai, mas...
— Uma vez, eu dei um soco nele. Ele quebrou uma costela e torceu meu braço. Acho que acabei me acomodando. Tenho medo de que ele faça algo contra a senhora Watanabe ou contra o Trevor. Já ameaçou os dois, caso eu contasse pra alguém. — A voz do Jimmy sai trêmula. — Por isso eu vou embora, Ethan. Não posso mais viver esse inferno — Ele começa a chorar.
— Ei, tudo bem. Você vai se formar e vai embora dessa cidade maldita. Eu vou te ajudar no que puder — Afirmo, virando o rosto dele e o beijando.
Relacionamento é isso, né? Estar lá pro outro, mesmo que doa. A cada dia, me apaixono mais pelo Jimmy. Mas o destino dele não está em Montana. Eu vou ajudar. Eu vou ceder. O beijo dele me aquece e me lembra de que tudo isso é passageiro. Nada mais vai machucar o Jimmy. Nada.
— Puta que pariu, Robinson. Tu é viado! — Exclama o Trevor.
No susto, o Jimmy e eu nos levantamos. Viramos e damos de cara com o Trevor, transtornado, apontando para nós.
— Trevor, porra! — A Betty surge no meio da mata e percebe que fomos descobertos. — Puta merda.