NARRADOR: ETHAN
Atualmente, 24 Estados dos Estados Unidos permitem a pena de morte como forma de sentença para criminosos. A partir do julgamento, o presidiário fica no "corredor da morte", ou seja, espera pela aplicação da pena.
Sinto que vivo em um eterno "corredor da morte". Não durmo, não como, não consigo respirar. Meus pais querem conhecer a Bettany. Eles querem conhecer a Bettany!!!!
Onde foi que eu erro? Em que momento deixo minha vida virar essa bagunça ambulante? Meu único ponto de equilíbrio é o Jimmy, mas ele está ocupado com os treinos intensos. Então, fico sozinho para resolver esse problemão.
Tudo bem. Só preciso conversar com a Betty e pedir que ela se passe por minha namorada de mentirinha. Vou fazer isso de forma adulta e digna.
— Pelo amor de Deus, Betty. É só um encontro! — Exclamo de joelhos, enquanto ela me olha com indiferença.
— Já salvei tua vida antes, não foi? O que eu ganho dessa vez? — Ela pergunta, acendendo um cigarro e dando uma tragada.
— Eu... eu...
— Qual é, Ward? Sei que dentro dessa tua cabecinha de melão tem uma boa proposta. Se esforça. Não sou difícil, juro. — A Betty afirma com aquela indiferença irritante.
— Faço teus trabalhos até o fim do semestre. — Peço, quase implorando.
— Muito bem. Proposta boa, mas ainda dá pra melhorar.
— Pago teu lanche do mês. Por favor, Betty. Estou ficando sem opções.
— Tudo bem. Sou uma pessoa tão bondosa.
— Não. — Solto, enquanto me levanto. — Você é uma pessoa sórdida, rancorosa e má.
— Amei essas qualidades. Você e eu. Encontro na sexta-feira, às 20h. Avisa tua mãe, que sou alérgica a camarão e a bolo. — Betty diz, jogando o cigarro no chão e pisando em cima.
— Claro, o menu da noite vai ser camarão empanado e bolo de cenoura. — Brinco.
— Espirituoso. Mais uma semana de lanche. — Ela solta e reviro os olhos.
Ótimo. Um problema a menos. Vou até a sala de matemática e encontro o Jimmy com o rosto enfiado nos livros. Amo a versão concentrada do meu namorado. O Jimmy fica com uma cara séria e sexy. Admiro a cena por quase um minuto, mas volto à realidade e conto todas as novidades.
Ele se oferece para ajudar com a Betty, mas fui eu quem criou o problema, então sou eu quem precisa resolver. Infelizmente, somos interrompidos pelo Travis, que sempre aparece nos piores momentos para falar com o Jimmy. Faço meu papel de namorado secreto e sumo da biblioteca, na esperança de um dia poder amar o Jimmy sem esconder nada.
Ao chegar em casa, falo sobre o jantar de sexta-feira com minha mãe. Nunca vi essa mulher tão radiante. Explico sobre os alimentos que a Betty não pode comer e o horário em que ela vai chegar. Depois de dar essa alegria para a mamãe, sigo para meu quarto e me jogo na cama. Lembro de uma foto que tiramos para o anuário da escola e procuro o rosto do Jimmy.
Não é difícil encontrá-lo. O Jimmy está ao lado do Travis, vestindo com orgulho o moletom do time da escola. Como é difícil ser um gay no armário. Por que as pessoas não cuidam das próprias vidas? Só queria poder declarar meu amor pelo Jimmy e viver em paz.
*****
NARRADOR: JIMMY
Tudo bem. O Ethan vai receber a Betty como namorada. Estou tranquilo. Me sinto ótimo. Aproveito minha total recuperação para treinar e não pensar em outras coisas. Graças a Deus, meu corpo está 100% e consigo fazer dribles perfeitos. O treinador até agendou um jogo contra uma escola local, uma espécie de amistoso.
Meus colegas também pegam leve, afinal, o último jogo foi um desastre. Vendo tudo de fora, consigo observar os erros e acertos da equipe. Passo uma série de estratégias para o treinador Stuart, que adora minha percepção de jogo.
— Filho, por hoje chega. Parabéns, Jimmy. Você voltou com garra e determinação. E essas anotações valem ouro. — Afirma o treinador, balançando os papéis com minhas estratégias.
— Obrigado, treinador. Isso significa muito. — Digo, ficando vermelho, porque quase nunca sou reconhecido pelas coisas que faço.
— Você é um aluno de ouro, Jimmy. Tenho orgulho de ter você no time. Agora, vá organizar os equipamentos. — Pede o treinador. Ele coloca um envelope sobre a mesa. — O salário deste mês.
— Treinador, eu...
— Você merece, filho. Leve sua namorada para comer alguma coisa, sei lá o que vocês jovens fazem hoje em dia. — Solta o professor, me fazendo sorrir. Se ele soubesse... Mas até que não é uma má ideia levar o Ethan para um encontro, né?
Como sempre, sou o último a terminar o treino. Guardo todos os equipamentos e vou para os chuveiros. É tão bom tomar banho sem a gritaria dos meus companheiros. Lembro da última vez que transei com o Ethan. Enquanto passo sabão no meu corpo, os pensamentos se alinham, e uma punheta se torna inevitável.
Quando termino, sigo caminhando em direção à minha casa. A noite está fria, e as nuvens cobrem o céu. Passo pelas casas e, pelas janelas, vejo famílias jantando juntas e felizes. Sei que nem todas são genuinamente felizes, mas a cena me dá uma sensação de vazio. Nunca tive isso. Meu pai nunca fez esforço pra me dar uma infância feliz ou memorável.
Pra completar, o Ethan vai apresentar a Betty pros pais dele. Então, nesse caso, sou o amante? Puta merda. Meu coração começa a palpitar forte. Meus pés ganham vida, e começo a correr em direção à minha casa. Na verdade, não vou direto pra casa, mas pra casa da Sra. Watanabe.
— Isso é ciúme, Jimmy. — Diz a voz tranquila da Sra. Watanabe. Ela está sentada na poltrona, enquanto como um sanduíche de queijo.
— Ciúme? Eu não. O Ethan é meu namorado. E a Betty só está nos ajudando, e...
— Mesmo assim, querido. E o ciúme é um sentimento normal. Só não podemos deixar que ele nos controle. — Ela me aconselha, sorrindo. — E me conta, como estão as coisas do outro lado?
— Ele está mais controlado. Sabe que fez merda. O temperamento dele pode ser instável, mas meu pai não é louco. Ele não quer ir pro xadrez. — Explico, torcendo para que essas palavras se tornem verdade.
***
NARRADOR: ETHAN
A semana não passa correndo, passa voando. Lá estou eu, na cozinha de casa, ajudando minha mãe a temperar um purê de batatas. A Betty não vai para a aula nesta sexta-feira, mas garante que virá para o jantar. Meu pai prepara a mesa com os melhores pratos e talheres. Isso não pode dar errado, certo?
Passo o dia fazendo pequenas orações. Manter a calma é essencial para sustentar uma mentira. É isso que me tornei? Um mentiroso profissional? Eu só queria ter uma boa relação com meus pais. Num mundo ideal, poderia dividir com eles meus anseios e meus amores. Mamãe faria sua famosa caçarola de frango para o Jimmy, e depois papai e ele passariam horas falando sobre futebol americano.
— Ethan, a Bettany gosta de suco de maçã? — Pergunta minha mãe, analisando qual louça usar para servir a comida.
— Deve gostar, mãe. — Respondo, desanimado. Não quero estar em casa, muito menos receber a Betty como se fosse minha namorada.
De repente, a campainha toca e largo tudo para atender. Espero muitas coisas desse encontro, mas, em um milhão de anos, jamais estaria preparado para o que realmente acontece.
Ao abrir a porta, levo um choque de 100 milhões de volts. A Betty se transformou em outra pessoa. O cabelo preto sumiu. A maquiagem está impecável. A roupa parece saída de um filme de comédia romântica.
— Be... Be... Betty? — Gaguejo, quase coçando os olhos, então a abraço e aproveito para cochichar em seu ouvido. — O que aconteceu? Você caiu em Barbie e o Segredo das Fadas? — Pergunto, tentando esboçar um sorriso, mas me controlo para não fazer besteira.
— Peruca e uma boa maquiagem, Ward. — Ela responde, enquanto me abraça.
— Olá! — Exclama minha mãe atrás de mim. — Você é a Bettany? — Estendendo a mão e cumprimentando minha "namorada".
— Sra. Ward. — Responde Betty, com um sorriso iluminado. Que diabos está acontecendo? Até a voz da minha amiga tá diferente. — A senhora é mais linda pessoalmente.
— Para com isso. — Pede minha mãe, rindo. — Me chame de Judy.
— A nossa convidada já chegou? — Pergunta meu pai, cumprimentando Betty. — Pode me chamar de Phil.
— Phil, Judy. É um prazer. — Betty abre um sorriso imenso. — Meu nome é Bettany Golden-Heart (Coração de Ouro).
Betty está encantadora. Nunca vi alguém atuar tão bem na vida. Ela já tinha me contado sobre o sonho de ser atriz, mas isso é outro nível. Em pouco tempo, meus pais caem direitinho na armadilha que criei. Não tenho outra opção. Ir para um centro de cura gay está fora de cogitação.
A sobremesa é uma torta de maçã. Mamãe arrasa na cozinha, principalmente com os doces. Claro que minha "namorada" elogia a cada mordida. Desse jeito, a dona Judy vai acabar mal acostumada.
***
JAMES:
Como estão as coisas com a "tua namorada"?
ETHAN:
Tudo correndo dentro do plano. Cara, olha isso. Vou te mandar uma foto.
(FOTO DE UMA MOÇA LOIRA E SORRIDENTE, TOTALMENTE DIFERENTE DA BETTY QUE É MORENA E EMO)
JIMMY:
Quem diabos é essa menina?
ETHAN:
Olha a foto com cuidado, bebê.
JIMMY:
Puta que pariu. É a Betty? O que aconteceu? Por que ela tá vestida como uma personagem de musical da Disney?
ETHAN:
Só te digo uma coisa: OSCAR!
***
— Ethan, querido. Ethan. — Mamãe chama minha atenção. — Larga esse aparelho. Vamos conversar.
— O Ethan é assim o tempo todo, Judy. Às vezes, tenho até ciúmes. Igual à amizade dele com o Jimmy. — Solta Betty, mas sua expressão muda assim que percebe a mancada.
— Jimmy? — Pergunta minha mãe, confusa, olhando para nós dois.
— Jimmy é o apelido do mascote da escola. É uma piada interna. — Responde Betty, rindo e tomando um bom gole de suco de maçã. — Dizem que o Jimmy é um fantasma. — Completa ela, rindo.
— Minha nossa senhora do céu. — Penso, tomando meu suco e lançando um olhar desesperado para a Betty.