Eu me calei, tentando encontrar uma justificativa que o convencesse que não, mas ele não me deu tempo:
- Fernanda, você está ou não? Preciso que assuma seus sentimentos para entendê-los e resolvê-los de vez consigo própria!
Suspirei fundo e confessei:
- Estou, doutor, estou. Acho que estou… Não sei…
- Então, é simples: abandone o Mark, suas filhas e vá viver sua paixão. A vida é tão curta…
PARTE 9 - A PREMISSA DA DOR
- Como é que é!? O senhor está louco? Nããão, não, não, não, não, não, não, não, não. Mil vezes não! Claro que não, doutor! Eu amo o meu marido e minhas filhas, não quero perdê-los.
- Mas o Mark não aceita o Rick, aceita?
- Não, uai! Já falei para o senhor: ele disse que não aceita dividir o meu coração com nin…
Calei-me no ato. Parece que tive um estalo. Acho que somente naquele momento eu entendi que o Mark me amava tanto que nunca recusaria uma vontade minha, talvez até mesmo sexo com o Rick, a não ser que nossa família corresse risco. Sua negativa partia do medo de me perder, de que aquele sentimento que eu tinha se aflorasse, que a paixão se tornasse amor e isso causasse o fim da nossa família. Entendi que o medo, a dor que eu sentia de o estar perdendo era a mesma que ele havia imaginado, antecipado e eu, insensível, não o compreendi. A paixão havia me cegado a tal ponto que somente a dor da perda, fez com que eu enxergasse o seu ponto de vista. Ele me amava demais e tentou, até o último momento, proteger o que havia de mais importante entre nós, mesmo contra a minha própria vontade: o nosso amor e a nossa família! Só que eu o ignorei, desautorizei, traí sua confiança escolhendo permanecer com o outro e ainda fui flagrada depois por nossa filha. Eu não podia continuar causando danos a eles. O doutor Galeano voltou a falar:
- Fernanda?
- Oi…
- Está tudo bem aí?
- Não, mas vai ficar.
- Muito bem então. Bem, continuando, parece-me que está muito claro que você terá que tomar uma decisão definitiva se quiser tentar salvar o seu casamento. Será que você já entendeu qual?
- Acabou, doutor, o meu casamento acabou! Eu não quero fazê-los sofrer mais por causa dos meus erros. Vou tentar apenas salvar minha amizade com o Mark e reconstruir minha relação com nossas filhas.
- Calma, Fernanda, talvez ainda não seja para tanto. Não tome nenhuma atitude precipitada.
- Precipitada? Eu, doutor!? De forma alguma… - Falei e ri nervosa com a obviedade daquela observação: - Vou tomar uma decisão que já deveria ter tomado há muito tempo: vou cortar qualquer relação com o Rick.
- Você tem certeza disso?
- Ab-so-lu-ta! Nunca estive tão certa na minha vida.
- Ok, então, ok… Venha me ver amanhã, sem falta!
- Doutor, eu não posso, preciso trabalhar.
- Você precisa cuidar da sua vida e da dos membros da sua família. Venha e eu te darei um atestado. Agora, precisamos pensar em vocês, apenas em vocês.
Apesar de eu não querer, combinei um horário com ele e me despedi. Bia estava tomando um café na mesinha e me olhava sem parar. Lembrei-me de que ela também havia conversado com o doutor Galeano:
- O que foi que ele te falou?
- Nada demais. Apenas para eu ficar de olho em você para que você não caísse na tentação de fazer alguma bobagem. Só isso.
- Biiiia!
- Mas foi só isso mesmo, ué!
A conversa com o doutor Galeano foi tão intensa e desgastante que me deu fome e convidei a Bia para comermos alguma coisa. Ela concordou e descemos até uma lanchonete próxima, numa das ruas principais, onde comemos um lanche rápido. Vi um carro idêntico ao que o Mark usa e me levantei para ver se era ele, mas não era. Voltei e Bia me encarava:
- O que você vai fazer agora?
- Humm? Ah, bem lembrado. - Falei e peguei meu celular, bloqueando o Rick em todos os meios de comunicação que eu tinha: - Pronto! Um problema de cada vez.
- Você não resolveu o problema, só o colocou de escanteio.
- Se ele me procurar, vou dar um passa fora nele. Se não, simplesmente acabou.
- É óbvio que ele irá te procurar, Nanda, até alugou um apartamento aqui, não foi?
- É… Bem, vamos deixar acontecer. Não posso resolver todos os problemas de uma vez, não é? Deixa eu ligar para o Mark agora.
Bia se surpreendeu, ficou estampada em sua cara. Liguei e tocou duas vezes. Então, uma vozinha atendeu: minha Miryan:
- Mãe?
- Oi, amorzinho, linda da mamãe. Como você está?
- Estou bem, mãe…
- O papai ou a vovó estão aí, querida? Eu queria falar com um deles.
- Tá. - Respondeu e deve ter saído correndo, pois passei a ouvir seus passinhos pelos corredores da nossa casa: - Pai, é a mãe.
Comecei a ouvir conversas do outro lado e parecia ser o Mark, minha sogra e a Maryeva discutindo algum assunto. Apesar dos pesares, não pareciam muito alterados. Logo, o Mark me atendeu:
- Oi, Fernanda?
- Mor! Desculpa, Mark, como a Mary está?
- Ela própria vai te dizer…
- Como é que é!?
- Espera aí.
- Mãe?
- Mary!? Meu Deus! Como você está, meu amor?
- Estou bem, mãe, mas não quero conversar agora. Eu só queria te pedir desculpas por ter te xingado.
- Não, amor, está… está tudo bem. Você não teve culpa de nada do que aconteceu. Eu é que preciso me desculpar com você, aliás, eu quero conversar com você para tentar explicar o… o que você viu. Por favor…
- Não, hoje não! Na semana que vem a gente vê o que faz. Tchau.
- Mary…
Um silêncio repentino e depois o Mark atendeu:
- Fernanda?
- Ela falou comigo, mor, ela falou comigo! Jesus, eu não sei como você conseguiu fazer isso, mas eu tenho que te agradecer de coração tudo o que tem feito.
- Não fiz por você: fiz pela minha filha! - Respondeu, frio, seco: - Você a ouviu, talvez na semana que vem você possam conversar melhor.
- Obrigada, mor! Obrigada, obrigada, obrigada…
- Tudo bem… Mais alguma coisa?
- Não, eu… eu já estou tão feliz.
- Então, tá! Vou desligar. Boa noite.
- Boa noite, meu amor. Eu te amo muito!
Ele desligou, naturalmente sem corresponder o meu sentimento. Bia me encarava com olhos arregalados e eu não aguentei: comecei a chorar novamente, mas agora permeado com sorrisos, risadas, tamanha a minha alegria por ter falado com minha filha mais velha:
- Ela falou comigo, Bia, a Maryeva conversou comigo! - Comemorei: - E até me pediu desculpas pelos xingamentos.
- Nossa! O Mark chega a dar medo. Como ele conseguiu fazer isso?
- Não sei, mas conseguiu, ele conseguiu! - Eu não cabia em mim de tanta felicidade: - Ela me disse até que vamos nos sentar na semana que vem para conversar. Ah, meu Deus…
Bia começou a sorrir, feliz, alegre, certamente contagiada pela minha alegria. Estávamos absortas naquele momento quando o Bernardo chegou e, devido a crise pela qual eu e o Mark passávamos, não entendeu o motivo de nossa alegria. Bia resumiu tudo para ele e ele também se alegrou, mas seu semblante parecia carregado e eu já presumia que o motivo seria a conversa que ele teve com o Mark:
- O Mark está muito bravo comigo, né?
- Muito!
- Ele contou o que aconteceu para você?
- Conversamos bastante, muito mesmo, Nanda, e ele está bastante sentido, triste mesmo.
- Ele deve estar me odiando…
- Não! - Interrompeu-me: - Não está mesmo! Só que também não está mais morrendo de amores.
- Bernardo! - Bia o repreendeu.
- Você quer que eu fale o quê, Bia? Que ele está lá esperando para fazer amor com ela? Ele tá chateado pra caramba mesmo! Só que ele é bastante racional e colocou a filha antes dele próprio. Ele está engolindo a própria raiva para não contaminar a Maryeva e piorar a relação das duas. - Explicou e se virou para mim e, balançando a cabeça negativamente, concluiu: - A verdade é a seguinte, Nanda: não sei como você vai fazer, mas dessa vez você vai ter que rebolar bonitinho, porque você derrubou ele legal.
- Não liga pra ele, Nanda, é a famosa solidariedade masculina falando mais alto.
- Não vou discutir isso com você, Bia. Se você tivesse ido comigo e ouvido tudo o que o Mark me disse, entenderia bem o que estou falando.
- Mas precisa falar assim com ela, Bê?
- “Assim” como? Eu só disse o que eu senti, só isso!
- Deixa, Bia, ele tá certo. Dessa vez, eu não sei se vou conseguir salvar o meu casamento. Vou tentar até o último momento, mas acho que perdi o meu carequinha…
- Para, Nanda! Nada de desanimar agora. Levanta a cabeça, capricha na produção e mostra para o Mark que você continua sendo você.
- Nu! Se eu fizer isso é que ele não volta para mim nunca mais.
- Então, volta a ser a Nanda dos bons momentos e mostra pra ele que você pode ser exatamente o que ele esperava que você fosse.
- É… Acho que pode ser.
- Pode ser não! É e você vai fazer isso!
Bernardo pediu um lanche e ficamos conversando mais sobre como a minha vida havia sofrido aquela derrocada. Ele estava chocado com tudo o que eu contava e nada do que eu falava era suficiente para melhorar seu semblante, nem mesmo quando contei que havia decidido terminar de vez e me afastar do Rick, quando ele me mandou um “agora é tarde, né!” na testa e levou um baita beliscão da Bia. Eu não podia culpá-lo, aliás, se ele estava assim, fiquei imaginando como o Mark deveria estar, certamente disso para pior. Após muita conversa, ele convidou Bia para irem embora, mas ela disse que ficaria comigo:
- Não precisa, Bia, já estou melhor.
- Foda-se o seu melhor, enquanto você não estiver ótima eu não saio do seu lado! Vou ficar e acabou!
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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