Depois que disse aquilo, vi que o havia chamado de mor novamente, mas já nem me corrigi, afinal, ele mesmo parecia estar desistindo daquilo:
- Ah, outra coisa, vou morar com meu pai, não quero ficar na sua casa também. - Continuou sem me dar chance de respirar.
- Poxa, Mary…
- Não! - Interrompeu-me: - Não quero! A gente pode até conviver, mas não sei se quero ser sua amiga. Vai me desculpar, mas eu… eu só acho que não confio mais em você.
PARTE 13 - VOLTANDO AOS EIXOS
- Bem, estamos conversados, então? - Disse o Mark, tentando fugir daquela tensão toda: - Precisamos ir, Fernanda, a Mary disse que tem que estudar e…
- Pensando bem… - Ela o interrompeu: - Já que estamos aqui, um lanchinho não fará mal, não é? Afinal, não jantamos mesmo.
- Oba! Pizza… - Comemorou Miryan, já se antecipando: - Muita calabresa!
- Não! Lanche, caramba… - Resmungou a Mary.
- Não! Eu quero pizza e com bastante calabresa. - Miryan insistiu.
Naturalmente, como sempre, uma pequena discussão entre as duas se iniciou com o Mark ao centro tentando intermediar. Comecei a sorrir feito uma boba para aquele momento que para alguns poderia parecer vexatório, mas que para mim era um dos mais belos da minha vida: eu tinha a minha família toda reunida, tudo bem que não era por mim, nem eu estava mais tão inserida nela assim, mas ainda assim era a minha família, as pessoas com quem passei os melhores dias da minha vida. Mesmo sorrindo, lágrimas escorriam pelo meu rosto e só me dei conta disso, quando a Miryan me avisou:
- Tá chorando por quê, mãe?
- Hã!? Ah, não, nada não, querida. Só estou feliz de ver todo mundo junto outra vez.
A discussão continuou e aumentou um pouco mais. O Mark, cansado da briga, deu a ordem:
- Podem parar… Agora! Vou pedir uma pizza brotinho para a Mi e a Mary escolhe o lanche que quiser. Não sei por que vocês brigam tanto, caramba!?
- Tá. De calabresa, hein!? - Miryan insistiu.
- Eu quero um x-egg-bacon-salada. - Disse Mary.
- E você, Fernanda, vai querer o quê? - Ele me perguntou, olhando em meus olhos.
- Ah, sei lá… Qualquer coisa, você decide.
Ele chamou um garçom e fez os pedidos das meninas, pedindo uma porção mista de batatinha e mandioca fritas, e contra filé acebolado. Concluiu pedindo uma cerveja para nós e refrigerantes para as meninas:
- Quero Sprite! - Miryan falou.
- Não, Guaraná. - Resmungou Maryeva.
- Vou pedir os dois. Parem com isso! - Ele falou já meio exaltado, confirmando com o garçom.
Nesse momento, vi que as duas cochicharam algo e começaram a rir. Já comecei a achar que elas faziam aquilo de caso pensado, apenas para ver o pai ficar bravo. Ele pareceu também ter notado, porque sorriu com o canto dos lábios, mas nada comentou. Voltamos a ficar a sós e o silêncio tomava conta da nossa mesa, mas eu não queria:
- Miryan me disse que está indo muito bem nas provas, Mary, e você?
- Tá tudo certo! Eu dou conta fácil. - Disse, pegando seu celular: - E no que não dou conta, o pai me ajuda. Ele sempre me ajudou…
- Ah, mas o seu pai sempre foi muito bom nas matérias de exatas, né?
- É! E isso é estranho, né, afinal você é administradora, então, você é que deveria ter facilidade nessas áreas. - Insistiu.
- Eu só não dou conta de Física. Em Matemática eu já te ajudei bastante, não vem não. - Falei, tentando ser divertida e puxar alguma boa lembrança.
Ela também parou por um instante, como se buscasse lembranças e concordou com um simples: “É! Isso é…”.
As bebidas chegaram e já conseguíamos conversar com uma certa liberdade. Não havia tanta intimidade como antes e elas fizeram questão de mostrar isso ficando todo o momento ao lado do Mark, mas pelo menos já não estavam me rejeitando e isso já era um bom começo. Logo, os pedidos restantes foram servidos e o assunto “rareou” um pouco, afinal, não se pode falar com a boca cheia. Ainda assim, interagimos bastante. A surpresa ficou por conta das duas que, fizeram aquela baita discussão, e depois dividiram e trocaram seus pedidos uma com a outra, tudo sob o olhar inconformado do Mark. Ele começou a resmungar e não aguentei, caindo numa gostosa risada.
Depois de saciados, era a hora de nos despedirmos. Abracei minha caçula e a beijei de montão, sendo retribuída com boa vontade da parte dela. Aliás, a Miryan é uma empática de nascimento! O Mark costuma dizer que o QE - Quociente Emocional dela é maior que a soma de nós três juntos, e eu não duvido.
A Maryeva ainda estava visivelmente reticente, tanto que tive que perguntar se poderia abraçá-la e ela me autorizou. Foi um abraço gostoso, muito melhor que o anterior, mas podia ter sido, como dizemos em Minas, "mais mior de bão" e eu faria de tudo para consegui-lo. Só não seria agora, naquele momento, para não me indispor com ela.
Por fim, aproximei-me do Mark e mesmo sentindo que ele tentava se manter à uma certa distância, praticamente o prensei na lateral de seu carro e o beijei no rosto. Não dei o beijo que eu queria, porque sabia que ele ficaria bravo, então, contentei-me com os típicos “dois beijinhos mineiros”. Ele me olhou realmente incomodado e não correspondeu. Isso me chateou e como eu já estava fodida mesmo, ousei ainda mais e lhe dei um selinho. Aí ele resmungou alto:
- Chega, Fernanda, para! Não vai rolar.
- Mor, eu faço qualquer coisa, qualquer coisa para consertar isso! É só você me dizer o que quer que eu faço.
- Você já fez demais, errado demais! Não estou a fim de correr o mesmo risco novamente.
- Poxa, mor, eu aprendi! Juro que não vou repetir, nunca mais.
- Tenho certeza que aprendeu. Deve ser por isso que o Rick ainda está morando aqui na nossa cidade, né?
- Como você sabe?
- Olha o tamanho da nossa cidade. Acha mesmo que não comentariam que um ricaço está morando por aqui? Já tem até até bolsa de aposta para saber qual das gostosas locais irá abatê-lo.
Eu pensei em dizer que mandaria o Rick embora ainda naquele mesmo dia, sei lá, queria que ele confiasse em mim novamente, mas vi, nesse instante, dois olhinhos brilhando na minha direção, denunciando que a Miryan estava nos observando e se ela estava, certamente a Mary também. Batata! Quando olhei para dentro do carro dele, vi que ela também olhava para nós, com olhos e ouvidos atentos. Preferi não continuar aquela conversa com palavras:
- Eu vou resolver isso amanhã. Espere para ver.
- Faça o que quiser. Vou continuar com o que já combinamos.
- Ô homem duro!
- Em todos os sentidos, você é que não soube aproveitar.
Seu ressentimento parecia não ter fim, mas acabei rindo de sua piada que, longe de ser brincadeira, era uma deliciosa verdade. Ainda assim eu precisava ganhar novamente sua confiança e decidi resolver o problema Rick no dia seguinte, logo pela manhã. Despedimo-nos e os vi indo embora. Não deixei a tristeza me abalar e fui para casa, aliás, pela primeira vez, enxerguei uma luz no fim do túnel.
Assim que cheguei em casa e começava a me trocar para um merecido descanso, decidi que teria aquela conversa com o Rick naquele mesmo dia, afinal, se é pra acabar de vez, que seja o quanto antes. Voltei a me vestir e saí rumo ao seu apartamento. Cheguei rapidinho e já ia subindo, porque minha entrada já estava pré-autorizada, mas desisti para não correr o risco de uma recaída. Desbloqueei o número de seu celular e liguei, chamando-o para conversar no meu carro. Ele desceu em questão de minutos, parecendo surpreso e chateado. mas, mesmo assim, tentou me beijar e eu me desvencilhei dele:
- Nanda, o que aconteceu? Por que você me bloqueou de novo?
- Rick, vamos ser objetivos e diretos, ok? Não vamos ficar juntos! Eu gostaria que você respeitasse a minha decisão e fosse embora. Errei com você, errei com o Mark, errei com minhas filhas, com meus pais, sogros, enfim, com todo mundo! A gente não tem chance de dar certo porque não vou conseguir viver sem eles. Vá embora e siga com a sua vida. Se o destino quiser que a gente se encontre um dia, irá acontecer mesmo contra a minha vontade, mas não será hoje, porque eu não vou poupar esforços para recuperá-los e isso não vai acontecer se a gente ficar juntos.
- Porra, o que foi que eu fiz?
- O que você fez!? Você quer dizer, o que você ainda está fazendo, né? - Falei, encarando-o, chateada: - Você está insistindo em uma mulher compromissada, cara! Porra, Rick, você é um cara bonito, rico, charmoso, com vários outros atributos, procura uma mulher solteira. É só você estalar os dedos que deve chover mulher. Por que eu, caramba!?
Péssima ideia eu ter dado a chance dele justificar sua paixonite, porque ele começou a se derreter em elogios dos mais belos e eloquentes possíveis. Não podia ser tudo dele, não era possível aquilo, certamente ele devia ter lido muito na internet para decorar tantos motivos românticos e até mesmo alguns racionais para me falar. No final de seu monólogo, eu estava até sem palavras, porque, ou aquele cara estava realmente apaixonado por mim, ou mentia de uma forma doentia, mas muito convincente.
Eu devo ter ficado tão impressionada ou abalada com seus galanteios que minha cara denunciou. Ele tentou novamente me beijar e conseguiu e, sinceramente, eu deixei porque também quis. A minha sorte foi eu ter insistido para termos aquela conversa no meu carro, porque, caso contrário, teria acontecido coisa bem pior, ou melhor, dependendo da ótica… Não! Pior, seria muito pior! Ele tentou me convencer a subir quando nossos lábios se separaram, mas fui firme, tremendo, mesmo excitada, fui firme. Talvez nem tanto assim:
- Não, Rick, hoje não… - “Hoje não, Nanda!?”, pensei e me corrigi: - Aliás, nunca mais, por favor! Se você realmente gosta de mim, está apaixonado, me ama, ou sei lá o quê, por favor, me deixa! Eu preciso da minha família e não vou conseguir resgatá-la se você estiver por perto.
- Mas Nanda…
- Não! Vá embora. Quem sabe um dia, no futuro, a gente se encontre e consiga ser amigos, não é? Talvez até com vantagens, por que não?
Ele se abateu, porque viu que eu estava realmente decidida. Insisti:
- Vá embora. Volte para a sua vida. Além do mais, vou viajar daqui alguns dias e, você ficar aqui, não faria diferença alguma.
- Ah… Você vai para Manaus, São Paulo?
- Não.
- Ué, pra onde então?
- Não é da sua conta. Vou viajar a trabalho e só volto daqui um ou uns meses, ainda não sei bem.
- Mas e as suas filhas?
- O Mark vai cuidar muito bem delas, como sempre fez!
Ele ainda me olhava inconformado com minha resistência e aí jogou uma bomba que eu não esperava:
- Tá bom. Eu vou te dar o espaço que está me pedindo. Eu entendo sua situação e sei que só está fazendo isso para resgatar sua família, e não porque não me ama. - Disse e pegou seu celular: - Apesar de você não ter pedido, vou apagar o vídeo daquele dia…
Eu o olhei surpresa porque, para variar, eu já havia esquecido completamente dele, bem como, naquela minha situação, não teria como ativar o gravador sem chamar sua atenção. Resignei-me e fiquei observando enquanto apagava o vídeo de sua galeria:
- Na lixeira também, por favor.
Ele acessou a lixeira e repetiu o procedimento, sem sequer se abalar:
- Hããã… Será que não subiu para a sua nuvem também?
Ele acessou a nuvem em que guardava algumas fotos e me mostrou que nada havia a esse respeito lá. Eu insisti:
- Rick, você não chegou a passar esse vídeo para algum “pendrive” ou “notebook”, ou qualquer outro lugar não, né?
- Pô, Nanda, pelo amor de Deus, cara, eu te amo! Eu nunca faria nada para te prejudicar. Nada! Eu só fiquei aqui na sua cidade para te dar apoio por conta de sua separação com o Mark. Só por isso. - Falou olhando bem nos meus olhos: - Mas se eu estou atrapalhando, peço desculpas. Volto amanhã mesmo para São Paulo.
- Obrigada por me entender, Rick.
- Pelo menos, nós vamos poder manter aquele contato que nós combinamos, não é? Eu e você!
- Olha… - Suspirei fundo e falei: - Vamos fazer assim… Eu vou precisar me concentrar e trabalhar bastante para colocar minha vida em ordem. Então, vamos dar um tempo, por favor. Depois, eu volto a te procurar. Prometo.
Despedimo-nos e não consegui negar um novo beijo para ele, forte, intenso, amassado, e este tinha um gostinho de despedida que não me agradou em nada, mas era necessário, afinal, se eu queria reconquistar minha família, precisava colocar o pé no chão e mostrar para eles que aquilo fora apenas um equívoco de análise e decisão da minha parte.
Voltei para minha casa com um sentimento de dever cumprido. Tomei um banho que me deu uma deliciosa sensação de relaxamento e dormi tranquila como há muito tempo não fazia. No dia seguinte, logo cedo, uma ligação do doutor Galeano e depois da Bia explodiram o resto de esperança e dignidade que ainda me restavam.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO, EM PARTE, FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL NÃO É MERA COINCIDÊNCIA, PELO MENOS PARA NÓS.
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