ETHAN
Demora, mas finalmente Jimmy consegue permissão para o passeio ao Parque Nacional Glacier. É um projeto tradicional da escola, sempre às vésperas das férias de verão. Quando ele me conta, vejo os olhos dele brilhando, e é impossível não sorrir junto. Ele está animado — mais do que nunca — porque vamos dividir a mesma barraca. A escola coloca os alunos em duplas, então, pra nós, é a chance perfeita de dormir juntos... oficialmente.
Ver o entusiasmo dele me deixa leve. O jeito como ele fala do passeio, como fica vermelho quando menciona que vamos dividir o espaço, tudo isso me encanta. Eu amo o Jimmy. Amo cada detalhe dele.
Aproveitamos que os pais dele viajam para levar um pastor até uma cidade vizinha. É uma viagem rápida, coisa de algumas horas, mas suficiente para termos um tempo só nosso. É a primeira vez que vou à casa dele. Fico nervoso no começo, não vou mentir. É o quarto dele, o território dele. Mas ele me puxa pela mão e me faz sentir seguro. O jeito como me olha diz tudo: ele quer estar comigo.
Nos deitamos na cama, de frente um para o outro. Ele passa os dedos pelo meu rosto com delicadeza e sorri como se nada mais no mundo importasse. Me beija com calma, com vontade, como se estivesse me descobrindo pela primeira vez — mesmo depois de tantas vezes. Retribuo com o mesmo carinho, sentindo o calor do corpo dele contra o meu. Não é só desejo. É amor.
Tiro a camiseta dele devagar, como se estivesse desembrulhando algo precioso. Ele ri quando eu paro pra olhar, meio bobo, e diz:
— Para de me olhar assim, você me deixa sem graça.
— É que você é lindo demais. — respondo, passando os dedos pelo peito dele.
Fazemos amor como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Sem pressa, sem barulho, só nós dois. O toque dele é quente e suave ao mesmo tempo. Ele me beija no pescoço, sussurra que me ama, e eu acredito. Porque eu também amo. Porque tudo nele me faz querer ficar.
Depois, ficamos deitados, os corpos ainda suados, corações acelerados, respirando no mesmo ritmo. Jimmy me abraça por trás e beija a minha nuca.
— Eu poderia passar a vida inteira aqui — ele diz, com a voz baixa, colado em mim.
Sorrio e seguro sua mão, entrelaçando nossos dedos.
— Eu também.
O momento é perfeito... até que ouvimos os passos na escada.
— Ethan! — A voz da mãe dele ecoa pela casa.
— Puta que pariu! — Murmuro, pulando da cama, catando as roupas do chão. — O que eu faço? — Pergunta, desesperado.
— Vai pra debaixo da cama! — Respondo, vestindo a cueca e a camiseta com as mãos tremendo. — Rápido!
Ouço os passos se aproximando e a batida na porta.
— Querido? Você está aí?
— Sim, mãe! Só um minuto! — Respondo, forçando a voz pra parecer tranquilo. — Estou me trocando. Acabei de tomar banho!
Dou uma última olhada no quarto e vejo o maldito lubrificante. Enfio no bolso antes de abrir a porta com um sorriso forçado.
— Voltaram cedo?
— Foi uma viagem rápida. — Ela responde, com aquele olhar de mãe que sempre sabe mais do que diz. — Se enxuga direito, filho. Seu pai foi pra igreja. Vou preparar o jantar.
— Tudo bem — Digo, aliviado, e fecho a porta com cuidado antes de trancá-la.
Me viro e vejo Jimmy saindo devagar de debaixo da cama, com o cabelo bagunçado e um sorriso nervoso.
— Sobrevivemos. — Jimmy diz, rindo baixinho.
— Por pouco. — Sussurro, indo até ele e beijando sua testa. — Mas valeu cada segundo.
*******
JIMMY
Humilhação. Saio da casa do Ethan pelo telhado. Ainda bem que não tem ninguém na rua, principalmente gente da escola. Já pensou se alguém me vê? Deus me livre. Vira assunto pro resto do ensino médio. Só quero terminar meus estudos em paz.
Ainda bem que tenho algumas habilidades de gatuno. Descer não é um problema tão grande. Pela janela, vejo o Ethan me observando a cada passo, até que ele some. Com certeza vai ficar de olho na mãe. Se a senhora Ward me flagra aqui, é o fim do meu namoro e do mundo.
Caio no chão como um profissional. "Se cuida, Tom Cruise", penso. E obrigado, Futebol Americano, pela resistência. Esse corpinho aqui é muito mais do que uma máquina de fazer gol. Caminho tranquilamente pela rua. Até minha casa são quinze minutos, então tenho um tempo para pensar.
Gosto de aproveitar essas caminhadas para colocar as ideias em ordem. Apesar de ser início de junho, o clima beira os 17 graus. Montana é um lugar instável quando se trata de temperatura.
***
ETHAN:
Ei, tá tudo bem? Desculpa, a viagem foi mais rápida do que eu imaginei.
JIMMY:
Relaxa, bebê. Eu me atrasei também. A culpa foi minha. Eu que deveria te pedir desculpa.
ETHAN:
EEEEEEEEEEEEEEEEIIIIIIIIIIIIIIII!
[FOTO]
Você deixou sua cueca. Vou passar a noite cheirando.
JIMMY:
lol. Idiota! Eu te amo.
***
Eu enviei? Eu enviei a mensagem? Eu escrevi "te amo"? Caramba. O Ethan está digitando. Por que eu escrevi "te amo"? Sou o ser mais estúpido do universo. Nem fazem cinco meses que estou namorando o Ethan. O que ele está pensando? Porque está demorando a responder.
***
ETHAN:
EU TE AMO! BOA NOITE!
***
Sorrio sem conseguir evitar. Olho para o céu alaranjado e suspiro fundo. O Ethan é incrível. Tenho muita sorte de tê-lo na minha vida. Dou uma passada na casa da senhora Watanabe para pegar alguns itens da viagem. Apesar de tudo, ainda tenho pessoas boas ao meu lado: o Trevor, minha vizinha, o Ethan... até mesmo a Betty, que poderia ter nos dedurado, mas está nos ajudando.
***
ETHAN
***
"Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know, it's been comin' for some time
When it's over, so they say
It'll rain a sunny day
I know, shinin' down like water"
A canção Have You Ever Seen The Rain?, do Creedence Clearwater Revival, toca na pequena caixa de som que tenho no meu quarto. Apesar de ser religioso, meu pai é apaixonado por clássicos da música. Antes de toda a confusão na cidade antiga, minha relação com ele era de comunhão e amor.
Ele sempre me mostrava sua coleção de discos e fitas. Algumas bandas nem existem mais, mas meu pai fazia questão de contar as histórias e a importância desses grupos. A maioria era de rock dos anos 80 e 90.
Apesar do quase flagra de ontem, acordo feliz. Arrumo minha mala para passar um final de semana dormindo na mesma barraca que o Jimmy. Ele me envia uma série de memes, como "armar a barraca" ou "ficar aquecido". Não sei por quê, mas meu rosto fica vermelho só de imaginar.
O ponto de encontro é às 8h, em frente ao colégio. Só vão 30 alunos nesse passeio, mas já consigo imaginar o desespero dos professores encarregados. Por alguma graça divina, meu pai se oferece para me dar uma carona.
No trajeto, ele liga o rádio para quebrar o silêncio constrangedor que se instala entre nós desde o dia em que fui expulso da outra escola. Como já contei, meu pai muda da água para o vinho — nesse caso, um vinho azedo e difícil de engolir.
Triste, não é? O pastor Philip Ward precisa ligar o rádio e sair zapeando pelas estações só para não conversar com o filho gay. Finalmente, ele para ao reconhecer a melodia de uma música que conhecemos bem. A mesma que escutei mais cedo, mas agora em uma espécie de cover.
***
Yesterday and days before
Sun is cold and rain is hard
I know, been that way for all my time
'Til forever on it goes
Through the circle, fast and slow
I know, it can't stop, I wonder
I wanna know, have you ever seen the rain?
I wanna know, have you ever seen the rain
Comin' down on a sunny day?
***
— I wanna know, have you ever seen the rain? — Papai cantarola, enquanto bate os dedos contra o volante do carro. — I wanna know, have you ever seen the rain
Comin' down on a sunny day? — Ele aumenta a voz e me olha. — Vai dizer que esqueceu a letra?
— Eu... eu não... — E começo a cantar junto a ele.
Vamos cantando a música e, por um segundo, tenho a impressão que está tudo normal. Pai e filho cantando uma música conhecida. Para você, talvez, só talvez esse fato possa ser trivial, porém, eu estou com vontade de chorar. Faço um esforço descomunal para não derramar uma lágrima.
A sessão karaokê dos Ward's termina quando chegamos na frente da escola. Alguns alunos já estão no aguardo do ônibus. Eu vejo a Betty, encostada no coreto. Eu saio do carro e vou pegar a minha mala.
— Filho, juízo. E avisa quando chegar. — Meu pai alerta, mas não espera uma resposta minha e parte com o carro.
Vou caminhando até a Betty. Ela está usando um sobretudo preto. Agora eu entendo mais a minha amiga. A Bettany é uma artista. Sua alma anseia pelo drama. Imagino que essa carapuça de menina forte e que não liga para nada é apenas atuação.
— E aí, Ward. — Ela me cumprimenta e dá uma tragada no cigarro.
— Preparada para um final de semana perfeito? — Questiono, animado demais para um passeio que tem cunho educacional.
— Nossa. Iupi! — A alegria de Betty não contagia nem um guaxinim.
— Ei, preciso de um favor. — Solto e chamo a atenção de Betty, que joga o cigarro fora. — Preciso que me ajude a sentar com o Jimmy.
— Mas você já senta nele. — Betty diz sem cerimônia e me assusta.
— Eu disse sentar com ele e não sentar nele. Meu Deus, garota, onde estão seus modos?
— Tá, enfim. E o que te impede de sentar com o amor da sua vida? — Ela questiona e faz uma careta engraçada quando diz 'amor da sua vida?'.
— Brian Trevor. Ele não desgruda do Jimmy. — Digo, quase que com ciúmes e a Betty percebe, o que a faz soltar um riso debochado.
— Tudo bem. O Trevor é burrinho, mas é gostoso. Quem sabe eu não sente nele neste fim de semana. Não vai surtar por eu pegar o melhor amigo do teu namorado, né? Já que vou fazer esse serviço de graça. — Ela avisa.
***
JIMMY
****
Estou devendo cinquenta pratas para o TJ, o zagueiro do time. Preciso de alguém para me substituir no treinamento das crianças do projeto Futuro Feliz, que o treinador Stuart criou para me ajudar a levantar uma grana. Agora, alguém vai dormir sozinho na barra, ou seja, não sou eu.
Coloco todas as malas no bagageiro do ônibus. O professor continua com aquela explicação interminável sobre moral e bons costumes. Calma, professor, só quero beijar e dormir abraçadinho com o meu namorado. É pedir demais?
Ao subir no ônibus, escolho um dos assentos no fim do corredor. O Trevor entra, e logo atrás dele vem o Ethan. Puta merda, Trevor. Ele vai sentar comigo. Ele vai sentar comigo. Fico torcendo por um milagre, e do nada a Betty puxa o Trevor para sentar com ela. O Ethan me olha e dá de ombros.
— Esse assento está ocupado? — Ele pergunta, piscando.
— Não, Ward. Pode sentar aqui. — Respondo, dando duas batidinhas no banco.
O cheiro do Ethan é de outro mundo. Ele usa um perfume doce e sutil, que só dá pra sentir de perto. Animado, meu namorado se aconchega, mas precisamos disfarçar. A viagem está só começando. Serão três horas de estrada até o destino final.
— Quer ouvir uma música? — O Ethan me oferece um dos lados do fone.
— Claro. — Pego e coloco no ouvido. Disfarçando, ele encosta o dedo no meu. Isso já é suficiente pra me fazer feliz, mas quero mais. Seguro a mão dele.
***
I wanna know, have you ever seen the rain?
I wanna know, have you ever seen the rain
Comin' down on a sunny day?