ONDE AS SOMBRAS ACABAM - CAPÍTULO 8: REFÚGIO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 1555 palavras
Data: 03/08/2023 00:37:21
Última revisão: 06/05/2025 05:29:45

JIMMY

Assisto a um documentário no Discovery Channel sobre um homem que desafia as maiores montanhas dos Estados Unidos. Segundo ele, as montanhas nevadas são conhecidas por sua atmosfera serena e tranquila. A neve absorve os sons, proporcionando uma sensação de isolamento e paz. Esse maluco escala para se afastar dos ruídos da cidade.

Infelizmente, não tenho esse poder. Estou caído no chão, depois de levar uma bolada no rosto. Escuto a voz do Ethan me chamando, mas não quero me levantar. O treinador Stuart se aproxima e pede que meus companheiros me ajudem. Sinto que sou inútil para o time.

Preciso me concentrar mais e esquecer todos os ruídos externos. O Ethan tem sido um ruído. Um ruído gostoso, carinhoso e lindo.

Nunca tive um relacionamento antes. Tenho que tomar cuidado para não dar bandeira. Afinal, os pais homofóbicos do meu namorado podem agir e mandá-lo para o Polo Norte. Não posso ficar sem ele. Vicio na sua boca, no seu corpo, na sua companhia.

— Que susto, Robinson! — Exclama o treinador Stuart, me oferecendo uma garrafa de água.

— Desculpa, treinador. Não quero ser uma decepção para o senhor. — Confesso, dando um gole na água.

— Que decepção, moleque. Jimmy, antes de tudo, futebol americano é estratégia. Você percebe coisas que eu não vi na última partida. Graças à sua expertise, consigo mudar nossas jogadas e apostar em táticas defensivas. Você não é uma decepção, filho. — Ele explica, passando a mão no meu cabelo e chamando o Liam para me substituir no treino.

Depois do treino, vou para o chuveiro e deixo a água quentinha levar embora os pensamentos ruins. A voz do Ethan ainda ecoa dentro de mim. Os caras do time zoam, mas não passa disso. Eles podem ser cruéis e fofoqueiros. Preciso proteger o Ethan e o nosso relacionamento. Pego o celular para ver qual é a próxima aula. É geometria. Eu odeio geometria.

Ao sair para o corredor, dou de cara com o Ethan. Meu Deus, como pode existir alguém tão perfeito? Mesmo com os cabelos castanhos e desgrenhados caindo sobre a testa. Ou com os olhos de um azul profundo, que agora transmitem preocupação e ansiedade. Ele tira os óculos retangulares de aro fino e se aproxima.

— Você me deu um susto, garoto — Confessa, olhando para os lados e me dando um soco leve no ombro.

— Ai. — Finjo dor. — Só estou aquecendo, Ethan. Não se preocupa. — Olho para o lado e vejo a Betty. — Ela vai ser tipo a tua sombra agora?

— É um prazer te ver, James. Tão encantador. — Ela retruca, revirando os olhos. — Só estou certificando que nada de errado vai acontecer. Já que vocês odeiam manter os pênis dentro das calças.

— A elegância em forma de moça. — Brinco, voltando minha atenção para o Ethan. — Tá tudo bem. Eu juro. Inclusive, estou atrasado para a aula de geometria. Te vejo depois?

— Sim. Claro — Ethan confirma, colocando os óculos e sorrindo.

O Ethan fica com uma expressão tão tranquila quando sorri. Ele tem uma estrutura facial bem definida, com sobrancelhas levemente arqueadas e um queixo suavemente angulado. Eu poderia passar horas descrevendo as qualidades dele. Infelizmente, esse não é o lugar nem o momento.

A enfermeira Nancy me chama antes do fim da aula. Ela recebe a missão de retirar os pontos da minha cirurgia. É uma mulher corpulenta e séria, mas tem mãos de fada. Sempre cuida bem de mim, e nunca sinto dor ou desconforto com os curativos dela.

Vou caminhando pela rua e não paro de pensar no documentário sobre montanhas nevadas. O explorador explica que, apesar da paz, as montanhas podem ser ambientes hostis e desafiadores. Existem milhares de formas de uma pessoa morrer ao subir uma montanha: as baixas temperaturas, a falta de oxigênio, os animais selvagens...

Vale a pena toda essa quietude se precisamos enfrentar tantas adversidades? Minha linha de raciocínio é interrompida pela Sra. Watanabe. Corro ao encontro dela. Ela me convida a entrar, e fico impressionado com o banquete que está sobre a mesa.

Ela decide inventar as noites temáticas. Hoje é quarta-feira da comida mexicana. Temos tacos, guacamole, tortilla, chilli com carne e burrito. É comida para um batalhão. O que seria de mim sem a Sra. Watanabe?

— A gente não vai dar conta de tanta comida, Sra. W. — Confesso, me sentando à mesa e decidindo o que vou atacar primeiro.

— Não vamos comer sozinhos. — A Sra. W. avisa, olhando para a cozinha. — Ethan, querido, achou os copos?

— Sim. — Responde o Ethan, saindo da cozinha com três copos nas mãos.

— Ethan! — exclamo, me levantando e olhando na direção da minha casa.

— Relaxa, Jimmy. — Pede, segurando minha mão. — Seu pai saiu para o trabalho. Fora que sou uma velha solitária e preciso da juventude de vocês.

— Eu, eu...

— Eu sei, querido. E tá tudo bem. Aqui é um lugar seguro. — Garante a Sra. W., olhando para o Ethan e lhe oferecendo a mão. — É um lugar seguro. — Repete, pegando na mão dele. — O que vocês estão fazendo não é errado. Eu sei que agora as coisas podem parecer confusas e sombrias, mas existem pessoas que estão do lado de vocês. Eu sou uma delas.

É inevitável. Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Rapidamente, uso a mão livre para limpá-la. Dou de ombros e pego o primeiro burrito que vejo. Não tenho coragem de olhar para o Ethan, mas imagino que ele também está emocionado. A Sra. W é demais. Ela é apenas demais.

— Calma, Jimmy. É para comer, não para se engasgar. Esses jogadores são sempre ogros, né? — Ela comenta para o Ethan, que se senta à mesa e me serve um pouco de suco de laranja.

— Toma — Ethan me entrega o copo. — A escola não pode perder o jogador de ouro.

***

ETHAN

Tenho a melhor noite da minha vida. Nem sei por onde começo. A Sra. Watanabe é perfeita e se mostra uma verdadeira aliada. Fico sabendo sobre o filho dela, que foi vítima de homofobia. Ele morreu de forma violenta e desnecessária. Como isso é possível? Uma mãe que ama e apoia o filho precisa carregar o peso do luto, enquanto os meus pais fazem de tudo para apagar quem eu sou. Na visão deles, um filho gay é um filho sem futuro.

Depois do jantar delicioso, o Jimmy me acompanha até perto de casa. Conversamos sobre nossas coisas favoritas. Descubro que ele adora documentários sobre a natureza e odeia sorvete de morango.

Ele tenta parecer durão e esconde suas fragilidades. Mas eu o vejo chorar quando a Sra. Watanabe faz aquele discurso emocionante sobre sermos bem-vindos em sua casa. Foi tão fofo. Só que o Jimmy acaba deixando tudo estranho ao tentar engolir um burrito sem mastigar. Meu namorado é uma bagunça adorável.

— E como andam as aventuras do Capitão Spectron? — Pergunta Jimmy. Vez ou outra, eu mostro os rascunhos que escrevo.

— Vão aparecendo aos poucos. É meio difícil escrever sem notebook. Mas pelo menos ainda tenho acesso ao meu celular. — Tento me manter positivo.

— E seus pais?

— Estão tranquilos. Acho estranho, mas estou tendo uma certa liberdade. Acho que até vou no passeio para o Yellow Groove. — Conto, e Jimmy sorri.

— Vai ser legal se você for. Teremos uma semana de paz e sossego. Sem pais homofóbicos e instáveis. — Ele solta, e isso me deixa um pouco triste. Infelizmente, não temos a Sra. Watanabe como mãe.

— Ela é incrível, né? A senhora Watanabe.

— Sim. Às vezes penso em como seria se ela fosse minha mãe. Quando eu era pequeno, brincava com o Sato. Ele era uns quatro anos mais velho, mas acho que tinha pena de mim. Era uma boa pessoa, Ethan. Não merecia morrer daquele jeito. — Conta Jimmy, colocando as mãos nos bolsos do moletom. O frio começa a apertar. — Sinto que não mereço estar aqui. Se eu pudesse, trocaria de lugar com o Sato. Eu...

— Ei, para com isso. Sei que as coisas parecem ruins, mas não podemos desistir. A gente vai sair das sombras um dia, Jimmy. Você e eu. — Ethan tira a mão do bolso e segura meu ombro. — Obrigado. Obrigado por me salvar naquele dia. Eu estava tão frustrado e triste... Obrigado — o abraço e começo a chorar.

— Acho que de certa forma, um salvou o outro. Eu também te agradeço.

De algum jeito, as palavras do Jimmy me dão forças para seguir. Nas últimas semanas, não tenho mais episódios de pensamentos ruins. O Ethan medroso parece uma versão distante de mim. A cada toque, abraço e beijo, me liberto mais de quem eu era. Isso faz sentido? Espero que sim.

Quando chego em casa, vejo meus pais deitados no sofá. Assistem a uma pregação no YouTube. O pregador fala sobre a importância da família. Que hipocrisia. A família deve ser a base de uma pessoa — não o peso que destrói tudo. Tento passar despercebido, mas meu pai me chama.

— Estava com a sua namorada? — O pastor Ward pergunta, pausando o vídeo e me olhando.

— Não, pai. Estava em um grupo de estudos. As provas estão chegando e...

— Filho — Minha mãe me interrompe, se levanta e vem até mim —, quando vamos conhecer a Bettany?

— O quê?! — Solto, sem entender nada.

— Precisamos conhecer a menina que fisgou seu coração, Ethan. Estou pensando em um almoço no sábado. — Sugere ela, colocando a mão no meu ombro. — Vai ser uma honra receber a Bettany.

Fudeu.

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Comentários

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Que bom que estou lendo tudo junto, não fico ansioso com as suas paradas que nos deixam no suspense.

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