Samuel foi embora e eu fiquei ali por alguns minutos tentando entender tudo o que estava acontecendo. Por um momento pensei em nem ir para o baile, mas não queria dar margem para Anne achar que tivesse algo de errado.
Tomei outro banho, coloquei minha roupa e fui ao baile. Aquela noite parecia ter algo diferente, eu estava com uma sensação ruim, de que alguma merda pudesse acontecer.
Subi as ruas do morro e já estava escutando umas músicas tocando. O baile aquele dia era das antigas.
Desde quando Robinho era o de frente do morro, uma vez por mês ele fazia um baile apenas com as músicas antigas, acho que era uma maneira de valorizar tanto os djs quanto os cantores raiz que deram origem ao funk.
Cheguei na quadra da comunidade onde estava acontecendo o baile e passei um olhar rápido em busca de Anne, e para minha tristeza ela e o namorado estavam em uma área reservada, junto com Robinho. Pensei em voltar pra casa mas ela me viu e acenou.
O problema não era estarem coma Robinho, é que eu sabia que a qualquer momento Samuel ia aparecer junto. Afinal, eles eram irmãos né.
Andei em direção a eles contra minha vontade.
Depois do que tinha acabado de acontecer acho que não seria legal eu ficar perto de Robinho. Mas o que poderia acontecer, não é mesmo? Estávamos em público.
Fui até onde eles se encontravam e assim que cheguei percebi que todos já estavam um pouquinho alto por conta da bebida.
-Quero seu amor, só pra mim - Robinho veio andando em minha direção cantarolando a música que tocava.
Naquele momento fiquei congelado. Não sabia o que fazer.
-Deixa eu te querer, deixa eu te amar - disse ele em meu ouvido.
-Mc Marcinho, né? - perguntei tentando disfarçar a nossa proximidade.
-Sim, é quase uma poesia pra quem está apaixonado.
Naquele momento eu não sabia o que responder, e para minha sorte, Anne se aproximou e me entregou uma lata de cerveja.
-Bora beber que você ainda tá de férias - gritou ela.
Rapidamente peguei a lata da mão dela e a puxei para perto de mim. Não sei se ela percebeu algo ou não, mas ela ficou um bom tempo ali comigo dançando.
Passado alguns minutos finalmente comecei a relaxar e beber. Robinho saia e voltava toda hora para ver se estava tudo bem pelo baile e nós ficamos apenas curtindo.
Algumas horas depois o efeito do álcool já começava a bater e eu estava ficando bem alegrinho. O DJ tocava um funk mais atual e todos pareciam se divertir bastante.
Tudo estava bem até que foi possível escutar alguns barulhos de tiros de forma continua. Rapidamente, procurei por Anne e Gabriel e andei na direção deles.
-Fica perto de mim - disse Robinho se aproximado da gente, tirando a arma da cintura e carregando.
-Robinho? Robinho? - eu repetia de forma desesperada o nome dele, talvez fosse uma mistura da adrenalina com o álcool, eu não sabia muito bem.
-O que tá acontecendo? - disse Robinho me ignorando e pegando um rádio na cintura esperando uma resposta.
"PM invadindo, teu irmão fez alguma merda aí mano"
-Filho da puta! - gritou ele no rádio - onde eles tão agora?
"Tudo lá em baixo ainda, mas vai dar k.o"
-Os três pra casa agora - ele disse olhando em meus olhos - eu não vou deixar nada acontecer contigo.
Gabriel puxou a mim e a Anne pelo braço e começamos a correr pra casa. A adrenalina estava tão alta que acho que todo álcool que tinha em meu corpo já estava começando a ir embora.
Da minha cabeça não saia a cena de Robinho me olhando nos olhos e dizendo que nada aconteceria comigo. A verdade é que ele mexia comigo.
Estávamos próximos de casa quando uma bomba de dispersão foi jogada à alguns metros de nossa frente, assim, nós fazendo mudar a rota e entrar em um dos becos da favela.
-Fiquem quietos e se abaixem - disse Gabriel.
Estávamos em uma rua sem saída, a única coisa que tinha nela era alguns sacos de lixo que os moradores jogavam.
Anne tremia desesperadamente, acabei dando um risinho leve pois me lembrou de quando nos conhecemos na residência no hospital. Por mais que o momento não fosse propício a riso, acho que meu nível alcoólico fez com que eu não me importasse.
Quando viramos r1 (residente nivel 1), Anne cobriu o Gabriel por um dia e ficou no trauma comigo. E assim nos conhecemos pela primeira vez. Definitivamente ela não levava jeito pra coisa.
-Eu quero ir para pediatria! - dizia ela assustada quando recebemos um paciente com duas facas enfiadas na barriga.
Um dos internos deu uma risadinha e fez um comentário sobre Anne com a menina que estava ao lado dele. Não consegui entender direito mas foi algo sobre uma residente ter medo.
Por mais que eu não tivesse uma amizade com Anne eu odiava esses internos que entravam se achando os fodas só porque assistiram 12 temporadas de Greys Anatomy.
-Algum problema? - perguntei com a voz áspera encarando-o - acredito que já que o senhor é um ótimo interno, o senhor se sente seguro para salvar essa paciente sozinho, não é mesmo?
Imediatamente, retirei uma das facas da barriga do interno, o que começou fazer com que o sangue jorrasse de forma abrupta. Foi um verdadeiro show de horror, os internos ficaram paralisados, dava para ver o medo no olhar deles.
-Anda, o senhor não é foda? Salve a vida desse homem ou ele vai morrer bem na sua frente.
A verdade é que o paciente já havia chegado morto ao hospital, mas eles não sabiam disso.
Inclusive por algumas horas deixei todos eles acreditando que eu matei o paciente para dar uma lição a um interno.
Naquele dia, Anne e eu viramos melhores amigos, e eu virei o terror dos internos no hospital. Todos evitavam fazer plantão comigo, o que por um lado era até bom, pois assim eu só trabalhava com os residentes de nível mais alto.
Fui tirado do meu devaneio por outro barulho de tiro e vários policiais que entravam armados no beco em que estávamos.
-Mão na cabeça, mão na cabeça - dizia um policial se aproximando da gente com a arma.
-Aqui é morador, é morador - dizia Gabriel.
O policial ficou parado apontando a arma pra gente enquanto outros policiais chegavam arrastando o corpo de um deles todo ensanguentado.
"Tenente baleado, vamos recuar" - disse um deles no rádio
Fui levantando aos poucos para tentar me aproximar e ver o que estava acontecendo, por conta da adrenalina eu já não média mais meus atos.
-Ta maluco, abaixa, abaixa, abaixa - disse o policial encostando a arma na minha cabeça.
-Somos todos médicos aqui - falei gaguejando - só quero ajudar.
-Faveladinho agora é médico?
-Faveladinho também estuda, sabia? - falei fechando os olhos e tomando coragem - se você estudasse também saberia que se não for feito nada seu amigo ali vai morrer em questão de minutos, pois vocês estão deixando todo sangue dele sair.
Foram alguns segundos de silêncio, os polícias se encaravam, Gabriel segurava a mão de Anne e eu estava esperando que o policial que apontava a arma pra mim puxasse o gatilho a qualquer momento.
-Vai lá - disse ele - agora é bom tu saber mesmo o que você está fazendo.
Comecei a andar e sentia minhas pernas tremerem. Eu estava completamente nervoso.
Me aproximei dele e vi que o sangue jorrava de forma rápida, ele tinha levado um tiro no abdômen.
Tirei minha blusa e enfiei dentro do buraco da bala, pressionando, assim diminuindo a frequência do sangue.
-Precisamos tirar ele daqui agora, pede para deixarem um carro livre, tem um hospital aqui perto.
-E como vamos tirar ele daqui? Os caras estão todos armados um pouco mais a frente. - perguntou um dos policiais
-Eu moro aqui minha vida toda - respondi - eu sei todos os caminhos da favela - segurem ele pelos braços e carreguem pois eu preciso ir prendendo o sangue.
Devagar, eles levantaram o tenente e eu os fui guiando por uma das saídas da favela que provavelmente não teria ninguém, pois poucas pessoas sabiam que ela existia.
Essa saída se tratava de um muro que dava dentro de um prédio abandonado de uma antiga fábrica que tinha ao lado do morro.
Os únicos que sabiam dessa passagem era eu e Robinho, pois era onde ficávamos escondidos quando éramos crianças.
Naquela hora eu não sabia, mas salvar a vida daquele homem ia virar minha vida de ponta cabeça.
Saímos da fábrica e já tinha um carro da polícia parado a nossa espera, o Tenente foi colocado deitado no banco traseiro e eu fui ajoelhado no chão do carro segurando seu ferimento.
-Para onde vamos? - disse o policial que estava dirigindo.
-Eu trabalho em um hospital a cerca de 5 quadras daqui, é só seguir reto.
Meus olhos estavam pesados pelo álcool que bebi, e a medida que a adrenalina ia baixando parecia que meu corpo ficava mais pesado. Imediatamente, peguei o telefone e liguei para o hospital e pedi que tivesse uma maca na entrada a minha espera.
E assim foi feito, minutos depois, quando chegamos na porta do hospital já tinha dois internos parado na porta a minha espera.
-Preciso que coloquem ele na maca agora mesmo - disse abrindo a porta do carro e saindo do carro para ajudar.
O curto espaço de tempo entre sair do carro e colocar o policial na maca foi o suficiente para ele perder bastante sangue, já que eu havia parado de pressionar o lugar. Rapidamente, subi na maca, ficando em cima dele comprimindo a ferida.
-Me arrumem uma sala de cirurgia agora mesmo, e preciso de um cardio e um cirurgião de trauma ou cirurgia geral - falei olhando para os internos.
Prontamente, um dos internos começou a empurrar a maca para dentro do hospital, enquanto o outro foi caçar os médicos que pedi.
Entramos em uma sala de cirurgia e prontamente mandei que o interno se lavasse e colocasse a roupa para ficar dentro da sala. Assim que ele voltou, pedi que ele trocasse de lugar comigo e compromisse o ferimento pois iria ver o motivo da demora em chegar os médicos que eu havia requisitado.
Quando estava me levantando da maca para trocar de lugar com o interno fui surpreendido pelo chefe do hospital que adentrava a sala de cirurgia.
-Sr. Vicente? - falei surpreso
-O que está acontecendo aqui?
Vicente era o chefe da cirurgia do hospital, ele tinha cerca de 49 anos, por mais que ninguém dissesse. Ele era alto, negro, cabelo grisalho, porte físico de atleta.
-Policial baleado - respondi - ele precisa de um cirurgião de trauma
-Sim, eu recebi seu pedido - disse ele analisando a situação - mas acontece que teve um acidente grave na estrada e todos nossos médicos estão em cirurgia.
-Me desculpe senhor, mas esse homem precisa entrar em cirurgia ou ele vai morrer.
-Sim, e por isso eu vim - disse ele me encarando - antes de ser chefe, também sou cirurgião cardiovascular. Eu vou acompanhar e o senhor faz os procedimentos necessários.
-Desculpe senhor mas não me sinto apto no momento. Eu estava de folga, não estou preparado, e além do mais, nunca fiz uma cirurgia desse porte sem um superior comigo.
-Por isso estou aqui, eu serei seu superior hoje. Quanto a você ter bebido, a escolha é sua. Ou você realiza essa cirurgia, ou esse policial vai morrer.
Leia mais em nosso grupo do telegram: https://t.me/gaycontoseroticos