ETHAN
Em menos de algumas horas, nossa foto para no Blast News, o site de fofocas da escola. O nick "Orion Height" é o responsável pela postagem. "Nem tudo é o que parece", escreve a pessoa na legenda. A maioria dos comentários expressa surpresa, principalmente por causa do Jimmy, conhecido como o "menino de ouro".
"Ora, ora! Quer dizer que o menino de ouro não é tão de ouro assim", escreve um aluno.
"Aluno de ouro é uma ova", comenta outro.
"Duas bichas", alguém diz.
"Nem tudo que reluz é ouro", afirma outro aluno.
Mesmo assim, nem todos os comentários são negativos. Algumas pessoas ficam do nosso lado e até nos desejam sorte.
"Eles são fofos juntos."
"Amor é amor."
"Espero que sejam felizes. O mundo precisa de mais amor.
***
A viagem de volta é um saco. O Jimmy se senta longe de mim e evita qualquer interação. Não faço ideia de quanto tempo vai demorar até a bomba explodir de vez. O site é acessado por quase todos os alunos, e essas fofocas se espalham como fogo na gasolina. Alguns colegas nos olham de maneira diferente, enquanto outros fazem piadinhas.
Chegamos vivos em Montana, mas será que vamos sobreviver? Fico parado na frente da escola, sem reação, esperando por um milagre. Sinto vergonha e medo. O Jimmy parece um pimentão vermelho, chutando tudo o que vê pela frente.
— Tô muito fodido! — Ele grita, me assustando. — Se meu pai descobrir...
— Calma, Jimmy. — Pede o Trevor, andando de um lado para o outro. — Vocês têm certeza que não reconhecem a pessoa que tirou a foto?
— Não. A pessoa saiu correndo. A gente escutou os passos, mas não deu tempo de ver quem era — Explico, já que o Jimmy não consegue nem pensar direito.
É isso. Estamos lascados. Sei que, para o Jimmy, a situação é ainda mais delicada. Já consigo prever a reação dos meus pais. Eles vão gritar, dizer que é pecado, que sou o pior filho do mundo... e no fim, vão querer me mandar para um centro de "cura gay".
— Jimmy, você pode ficar na minha casa, irmão. — Sugestiona o Trevor, colocando a mão no ombro dele. — O teu pai não vai acessar o site da escola, então a gente tem tempo de reverter isso.
— Quem diria, Brian Trevor sendo útil pra alguém. — Solta a Betty, sentada em cima da própria mala.
— Olha, Betty, agora não é...
— Foi a Katy. — Ela me corta e olha direto para o Jimmy. — Orion Height é o nick da Katy no Blast News. A nerdzinha deve ter ficado com ciúmes do Jimmy. — Explica, enquanto acende um cigarro.
— Como você...
— Dividir quarto com certas pessoas é uma bênção, sabia? A Katy deixa tudo jogado. — Betty dá de ombros.
— Por que você não avisou antes? — Pergunto, irritado.
— O vídeo já foi apagado — A Betty tira o celular da bolsa e mostra a postagem excluída. — Roubei a senha dela e postei um vídeo dela roncando. Sororidade passa longe de mim.
— Isso não vai impedir os boatos. As pessoas vão comentar. O treinador... porra, o treinador vai me tirar do time — O Jimmy ainda parece em pânico com a repercussão.
— Vadias, tivemos um longo dia. — A Betty estala os dedos, chamando nossa atenção. — Vamos aceitar que tivemos uma vitória. James, você vai dormir na casa do Brian. Eu vou sondar tua casa pra saber se o teu papai descobriu alguma coisa. Ethan, você precisa segurar a barra com os teus pais. Sei que agora tudo parece confuso e cagado, mas a gente precisa se ajudar. Pode parecer que eu não me importo, e às vezes eu realmente não me importo, mas vocês são meus melhores amigos. E ninguém vai bagunçar com vocês. É hora da bruxa entrar em ação. — Ela dá um trago e solta a fumaça para o alto.
— Uau. — Solta o Trevor, fazendo a gente rir, apesar de tudo.
O caminho até em casa é horrível. Na minha cabeça, meus pais já me esperam com as malas prontas para irmos direto ao centro de cura gay. Dou duas voltas no quarteirão antes de criar coragem para entrar. Aparentemente, tudo está normal. Meu pai lê o jornal tranquilamente na sala, enquanto minha mãe prepara o jantar.
— Ethan, filho, por que não me ligou? — Meu pai pergunta, deixando o jornal de lado. — Eu podia ter te buscado na escola.
— Tudo bem, vim com meus amigos. — Respondo, esperando o esporro.
— Vai tomar teu banho. — pede minha mãe, colocando os pratos sobre a mesa. — Vamos jantar em breve.
******
JIMMY
Fim da estrada. Eu sei que essa história vai terminar assim. O pai do Trevor fala demais. Estou sendo levado para a casa dele contra a minha vontade. Meu melhor amigo acha que vou ficar mais seguro lá. No caminho, o Sr. Trevor conta várias histórias de suas aventuras sexuais. Já entendo um dos motivos do divórcio dele. O cara é um tagarela.
Por causa da separação, o Sr. Trevor alugou um apartamento no Centro. É um lugar bonito, mas simples. Entramos e encontro a Cristal na sala. Ela é uma mulher jovem e sorridente. Nem imagino quantas vezes o Trevor já bateu uma pensando nela.
Vamos direto para o quarto dele enquanto o pai pede pizza para o jantar. O silêncio entre nós não é pior que o furacão no meu estômago. Sei que meus dias estão contados. Em pouco tempo, meu pai vai descobrir o vídeo.
— Você sabe que não estou brincando quando digo que você é meu irmão, né? — Trevor quebra o silêncio e me abraça.
Fico tão confuso que começo a chorar. A vida me deu poucos, mas bons amigos. O Trevor está sendo incrível, e às vezes acho que não mereço. Mando uma mensagem para a Sra. Watanabe explicando tudo. Não demora muito, e ela me liga. Ela encontrou Betty bisbilhotando a minha casa. Passamos quase 30 minutos conversando. Ela promete ficar de olho no meu pai.
Que merda! Que merda! Quero socar alguém. Por que não posso usar toda essa raiva contra ele? Perto dele, me sinto pequeno. Não tenho forças para revidar. Outra pessoa no meu lugar já teria partido para a violência. Ele ou eu. Nunca fiz nada além de chorar e me trancar no quarto.
É tanta coisa para processar que deito no colchão e apago. No dia seguinte, o Trevor me empresta algumas roupas. Não sei se quero ir para a escola. Já imagino os comentários e piadas que vou ter que aguentar. Será que sou covarde por querer fugir? Talvez o Ethan estivesse certo em acabar com o sofrimento de uma vez.
Olhares.
É a única coisa que percebo ao entrar na escola. Os alunos murmuram, mas ninguém tem coragem de falar diretamente comigo. De vez em quando, o Trevor solta um "Tá olhando o quê?" ou mostra o dedo do meio para alguém.
Até agora, nenhum sinal do Ethan. Ele deve estar arrasado, mas, se nos vermos juntos, os rumores só vão piorar. Pego o celular e abro o chat, mas meus dedos travam antes de enviar a mensagem. Seguimos para a aula, e o dia passa em câmera lenta.
Meus colegas nem disfarçam o choque com o vídeo. Nem a foto da Katy virou assunto nos corredores. Realmente, estou acabado. Pelo menos, do fundo do poço, não dá para descer mais, né?
— Atenção, o aluno James Robinson compareça à diretoria! — A voz da secretária Lucy ecoa pelos alto-falantes.
Pronto. A sala explode em murmúrios. Levanto como se fosse cumprir minha sentença de morte. Poderia sair correndo e fugir, ou enfrentar a situação e morrer. Nenhuma das escolhas termina bem para mim. Eu sabia que a felicidade não era feita para gente como eu.
A cada passo, meu estômago embrulha. Não como nada desde ontem. Paro em frente à porta do diretor. Respiro fundo e entro. A primeira coisa que recebo é um tapa — mas, para minha surpresa, não é do meu pai. Quem me bate é a mãe do Ethan.
— Foi esse pervertido que violentou meu filho! — Ela grita, mas a secretária Lucy a segura e se coloca na minha frente.
— O aluno é menor de idade, Sra. Ward. A senhora pode ser presa! — Lucy grita, segurando firme a mulher, que se afasta. — Não faça algo que vá se arrepender.
— Esse depravado se aproveitou do meu filho! — Ela berra, quase em histeria.
O Ethan está na sala, mas só chora. Nem imagino o que ele passou nas últimas 24 horas, mas tenho certeza de que não foi nada fácil. As acusações continuam, e o Sr. Ward mostra a foto ao diretor, que analisa e me encara.
— Isso é verdade, James? — Ele pergunta, exibindo a tela do celular.
— Não, senhor. Foi tudo consensual. Minha relação com o Ethan é consensual. — Respondo, ainda atordoado.
— Ethan, o James está falando a verdade? — O diretor vira para ele, mas o Ethan só chora, sem responder.
— Bem, Sr. e Sra. Ward, o caso será analisado pelo conselho, mas a Sra. Ward terá que responder pelo tapa no James.
— Quer dizer que essa bruxa bateu no meu filho? — A voz que menos quero ouvir no mundo ecoa pela sala.
— Não. — Ethan finalmente fala, a única coisa que diz durante toda a reunião.
Uma discussão violenta começa. Meu pai faz um show de horrores, humilhando os Wards. E então, ele solta uma bomba: o pai do Ethan tem uma amante na cidade.
— A cidade é pequena, sua velha. O "santo" do seu pastor anda metendo em outras! — Meu pai ri, sarcástico. — Ah, e dizem que a Cherry tem gonorreia. Espero que ele tenha usado camisinha. — Ele me puxa pelo ombro, apertando forte. — Quanto ao meu filho aqui, não se preocupem. Ele vai ficar bem quietinho por um bom tempo. — E me arrasta para fora da sala.
***
ETHAN
Estou em prantos no meio da escola. O Sr. Robinson leva o Jimmy à força para casa. Tenho tempo de avisar a Betty e o Trevor. Meus pais seguem para o carro. Nem consigo imaginar como vai ficar a relação deles depois da revelação sobre a Cherry — a amante. Depois de tantos anos me julgando e impondo regras, o Pastor Ward tem uma amante.
— Eu vou pra casa, mas dou um jeito de escapar. Por favor, ajudem o Jimmy. O pai dele vai matá-lo. — Peço, chorando, amparado pelos meus amigos.
Os alunos começam a ser liberados e me encaram. Não tenho tempo para pensar mal de mim mesmo. Meu namorado precisa de mim. Não sei por que fiquei calado na reunião, mas agora vou salvá-lo. O Jimmy já me salvou uma vez; preciso retribuir.
Preciso chegar o mais perto possível da casa dele, e a única forma é indo com meus pais. O silêncio dentro do carro é quase palpável. Minha mãe começa a chorar, e meu pai não diz uma única palavra. Que família perfeita, hein? Passamos pela Avenida Clinton, e tento abrir a porta para sair, mas meu pai trancou.
Meu coração dispara. Não faço ideia do que o Jimmy está passando agora. Espero que meus amigos tenham chegado a tempo.
— Pai, abre a porta do carro. — Peço, mas não recebo resposta. — Abre a porra da porta! — Grito.
— O que é isso, Ethan? — pergunta meu pai, olhando pra mim pelo retrovisor.
— Essa não foi a criação que te demos. — Diz minha mãe, e eu dou uma risada sarcástica.
— Vocês só podem estar brincando comigo. — Murmuro, sem paciência para o teatrinho deles. — Abre a porta
— Não! — Grita meu pai, mas pela primeira vez, eu não baixo minha cabeça.
— Cala boca, porra! Cala boca! — Chuto o banco. — Eu odeio vocês. Eu odeio! — Me projeto pra frente e alcanço a trava da porta.
Corro pelo meio da rua e entro numa viela que leva à casa do Jimmy. De relance, vejo que meu pai vem atrás de mim. Não tenho tempo para perder com ele. Preciso chegar até meu namorado. Vejo a casa dos Robinson e acelero o passo. Não sou o cara mais atlético do mundo, mas uso todas as minhas forças pra não desmaiar de cansaço. Tento recuperar o fôlego, mas um som de tiro vindo da casa do Jimmy me desespera.
***
JIMMY
Às vezes, morrer pode significar muitas coisas. E uma delas é: liberdade. Se eu morrer hoje, não preciso mais conviver com esse homem perverso, que só quer me fazer sofrer. Não tenho culpa se todos fogem dele. Todos têm medo. E eu sou uma dessas pessoas. Morro de medo do meu pai.
Estou em choque enquanto ele me leva para o abate. O papai guia o carro com a mão esquerda e se embriaga com uma garrafa de whisky barato. Ele pergunta se a história é verdade, e eu tento responder, mas ele empurra minha cabeça contra o painel. Sinto o sangue escorrer e fecho os olhos.
— É verdade! — Grito. Já estou fodido mesmo, vou dizer tudo o que quero. — Eu sou gay, pai. É isso que você queria ouvir?
— Moleque desprezível! — Ele esbraveja e joga a garrafa contra mim, mas eu desvio com as mãos.
Com ódio puro, meu pai estaciona o carro. Ele sai batendo a porta e grita que sou um péssimo filho. Acho que temos opiniões parecidas um sobre o outro. Tento fugir, mas ele me captura. Alguns vizinhos saem de casa para ver a confusão.
A única que tenta ajudar é a Sra. Watanabe. Ela liga para a polícia e enfrenta meu pai, mas ele está em surto e a joga contra a parede.
— Não, Sra. Watanabe! — Grito, escapando do meu pai e ajudando a vizinha. — O senhor está louco!
— Vem, Jimmy. Vamos sair daqui. — Ela pede. Caminhamos em direção à porta, mas meu pai me puxa de volta.
— Esse viado só sai daqui morto! — Meu pai ameaça, segurando meu pescoço e apertando.
— Solta o meu amigo! — Grita o Trevor, correndo na direção do meu pai e o derrubando. Nós três caímos no chão.
— Vem, Sra. Watanabe. — Ouço a voz da Betty, que deve ter chegado com o Trevor para me ajudar.
— Saiam daqui! — Peço.
— Qual é, e deixar toda a diversão para você? — Trevor me ajuda a ficar em pé. — Jamais.
Os vizinhos se aglomeram na frente de casa, curiosos para saber o que está acontecendo. Só me preocupo com meus amigos — eles não têm culpa de nada. O Trevor me segura, mas, de repente, um tiro nos joga no chão.
Meu pai segura uma arma com as mãos. Agora, estamos todos no chão, com medo de levar um tiro. Os vizinhos se afastam e gritam. Entre as vozes, uma chama minha atenção: é o Ethan. Ele corre para dentro de casa, sem se importar com a própria segurança.
— Jimmy. — Ele diz ao me ver. — O que ele fez com você? — Aproxima-se e toca meu rosto.
— Ótimo. O casalzinho está reunido. — Meu pai fala com ironia e aponta a arma para o Ethan.
— Isso não é o jeito de resolver as coisas, Sr. Robinson. — Ethan tenta acalmar a situação, mas meu pai dispara mais um tiro para o alto.
O silêncio tenso paira no ar. Ouço meu coração batendo em desespero. Olho para o lado e vejo meus amigos assustados, sem saber o que vai acontecer. De repente, Ethan avança com um soco rápido no rosto do meu pai. O impacto faz o ar vibrar, mas papai desvia e revida com um chute certeiro no abdômen do Ethan.
Na mesma hora, o Sr. Ward entra e vê o filho apanhando. O homem vira uma fera e parte para cima do meu pai, que tenta se defender, mas falha. A arma cai no chão enquanto os dois trocam socos. Papai acerta uma cotovelada no rosto do Pastor Ward, que demora para reagir.
— Filho da puta. — Meu pai rosna, pegando a arma e apontando para o pastor. — Hoje você encontra Jesus... ou não. — E puxa o gatilho.
***
ETHAN
O meu pai me odeia. Isso não é segredo para ninguém. Algo mudou desde que ele descobriu sobre a minha sexualidade. Ele pode me odiar, mas eu não consigo. Não consigo. Lembro dos bons momentos que tivemos juntos. Ele é o meu pai.
Por isso, não penso duas vezes. Me jogo na frente do revólver.
A dor explode no meu abdome antes mesmo de eu entender o que aconteceu. Um tiro. Um disparo surdo, seguido pelo grito de Jimmy. Eu caio, mas não sinto o impacto no chão — só os braços dele me segurando, desesperado.
— Fica comigo, Ethan. — A voz de Jimmy treme, molhada de lágrimas. Seus olhos azuis, sempre tão cheios de confiança, agora estão cheios de medo. Ele me aperta contra ele, como se pudesse me manter aqui só com a força do abraço.
Ao meu lado, Betty pragueja, furiosa.
— Filho da puta! — Ela avança, os cabelos preos balançando enquanto ajuda o meu pai a imobilizar o Sr. Robison. O homem já está grogue, mas ela não para — soca ele no queixo com uma raiva que só a Betty tem. Em seguida, pega o próprio sinto para prender as mãos do monstro.
Trevor, sempre o mais agitado, está pálido. Ele tira a camisa e pressiona contra o meu peito, tentando estancar o sangue.
— Segura firme, Ethan. — Mas a voz dele falha.
A Sra. Watanabe, a única adulta sensata aqui, está ao telefone, mas não consegue falar direito.
— Alô? Eu preciso de uma ambulância... — Ela sai da sala, a voz sumindo no corredor. Não a culpo — ninguém deveria ver isso.
Meu pai ainda espanca o Sr. Robison, que está inconsciente no chão. O pastor Ward, sempre tão composto, agora está com os nós dos dedos ensanguentados, golpeando o homem que atirou em mim.
Mas eu não consigo mais prestar atenção neles.
O mundo desfoca. A dor já nem dói mais — só um peso, um cansaço que puxa meus olhos para baixo.
A última coisa que vejo é o rosto de Jimmy, tão perto do meu, os lábios tremendo, as lágrimas escorrendo sem controle.
— Não fecha os olhos, Ethan. Por favor...
Mas está tudo escuro agora.
E eu... eu só quero dormir.