Daquele dia em diante minha vida foi só ladeira abaixo, o amor que eu sentia por Clara só me fazia sofrer, lembrar dela só me trazia dor, eu prometi que nunca mais iria derramar uma lágrima por ela e assim eu fiz, aquele amor com o tempo foi virando raiva, eu não suportava nem ouvir o nome dela
Minha mãe foi se afastando de mim, eu não entendia o porque dela estar fazendo aquilo porque quem brigou com ela e a mandou embora de volta para casa foi Clara e não eu, com o passar dos dias ela mal falava comigo, e quando falava era em um ton ríspido, como se tivesse raiva de mim
Eu mudei de quarto, passei a dormir em um pequeno quarto que geralmente era usado como quarto de hóspedes, eu evitava o máximo tudo que tivesse a ver com Clara, nunca mais voltei no nosso lugar secreto no rio, até o meu lugar favorito ela conseguiu estragar, a pessoa que eu entreguei meu amor roubou tudo de bom que existia em mim
Eu raramente sorria, fui perdendo a vontade de fazer qualquer coisa, nem trabalhar na fazenda com os peões ou cavalgar me dava mais prazer, minha vida tinha se tornado um mar de tristeza, dor e raiva, eu estava cada vez mais me afundando
Para piorar tudo o tio de Clara e cunhado da minha mãe resolveu aparecer quase direto na fazenda, seu Sebastião me disse que minha mãe estava com algumas dificuldades de tomar conta de tudo e o Rodolfo estava ajudando, eu não gostava dele e nem ele de mim, o Sebastião também não gostava dele porque a fama dele não era muito boa, era do tipo de homem que só pensava em dinheiro e não tinha dó de aproveitar dos fazendeiros com dificuldades financeiras para conseguir comprar as coisas baratas e as vezes até dava prejuízos grandes a algumas pessoas mais simples que não sabia negociar bem suas coisas
Bom eu não chegava perto dele e nem ele de mim, então tudo bem, quando ele estava em casa com minha mãe nem lá eu ia para evitar causar problemas já que minha mãe ultimamente nem me olhar nos olhos olhava, acho que eu fazia ela lembrar da sua filha de sangue, provavelmente ela estava tão triste e decepcionada com Clara como eu
Eu realmente fiquei triste por minha mãe estar agindo daquela forma comigo mas no fundo eu a entendia, não fiquei com raiva dela em nenhum momento e respeitei seu afastamento
Os meses foram passando e aquele sentimento que eu sentia no peito não passava, eu não sabia nem mais o que sentia por Clara, se era raiva ou amor, de qualquer forma era um sentimento que feria, me machucava cada vez mais
Patrícia sempre procurava me distrair puxando assunto, contando do seu namoro com Jorge que agora era oficial com a permissão dos pais, ela nunca mais tocou no assunto que tivéssemos quando chorei no ombro dela, nem o nome da Clara ela citava durante nossas conversas, Jorge também fazia o mesmo, eram dois grandes amigos que eu tinha
Seu Sebastião e Ana também sempre conversavam comigo, estavam preocupados porque eu tinha emagrecido muito, mas eu sempre dizia que estava tudo bem e que logo eu voltaria ao normal, eles com certeza imaginavam que eu andava muito triste por causa das saudades da minha irmã, por isso evitavam tocar no nome dela também
Os meses furam passando, Rodolfo começou a se meter muito nos negócios, eu não podia fazer nada já que era com ordens da minha mãe, seu Sebastião que estava muito chateado com isso mas também não falava nada, só fazia seu trabalho como sempre
Era fim de outubro quando minha mãe resolveu vender algumas rezes para fazer dinheiro, o preço do leite tinha caído muito e com isso o lucros sumiram, não estava dando prejuízo mas para manter tudo estava ficando meio apertado, minha mãe nunca quis mexer com empréstimos em banco então quando o leite baixava muito ela vendia uma remessa boa de rezes para se manter até as coisas melhorarem
Eu e seu Sebastião sabia de cada cabeça de gato dentro da fazenda, eu sempre ajudava nas contagens, eu não gostava de estudar mas eu era muito boa em matemática, era um dos motivos de seu Sebastião sempre me pedir ajuda nas contagens do gado
Eu pensava que eu estava passando por um inferno na vida ultimamente, mas nada é tão ruim que não possa piorar
Rodolfo ficou a frente das vendas, minha mãe iria vender todos os garrotes e mais 23 novilhas que estava na fazenda, no dia da venda Rodolfo trouxe 8 peões da sua fazenda para ajudar juntar as rezes e embarcar nos caminhões boiadeiros do frigorífico que ia fazer a compra
Eu e Sebastião não nos metemos no meio, ajudamos na ordenha e cuidamos do gado de leite, os caminhões chegaram e os peões do Rodolfo juntaram o gado no curral maior, eu só vi de longe os caminhões encostando nos embarcadores e sair com as rezes vendidas
Depois de 2 dias seu Sebastião me chama e fala que deu falta de duas novilhas no pasto, por ser duas muito boa elas não seriam vendidas e ele não viu elas no meio das outras, resolvemos montar e olhar com calma no pasto onde elas ficavam, não as encontramos, e eu senti falta de mais uma novilha no meio das que não eram para ser vendidas
Seu Sebastião pediu para eu reunir mais uns 5 peões e fazer uma contagem geral em todos os pastos e ele foi falar com minha mãe, assim eu fiz, fiquei quase o dia todo fazendo a contagem e só voltei para casa a tardinha, chamei o Sebastião e passei pra ele a contagem e disse que nas minhas contas estava faltando 10 cabeças de gado, 5 novilhas e 5 bezerros que já tinham sido desmamados a alguns meses
Ele voltou para dentro de casa e foi conversar com minha mãe, eu nem entrei, fui conversar com Jorge que tinha me ajudado na contagem, ficamos ali conversando por um tempo, logo seu Sebastião saiu e disse que tinha passado tudo pra minha mãe e ela ia ver o que resolveria
No outro dia seu Sebastião pediu para eu ajudar a olhar todas as divisas dos pastos pra ver se tinha sinal de arrombamento, assim fizemos, dividimos as equipes e saímos para olhar, nada foi achado, olhamos em toda a fazenda e não encontramos sinal de nada, nem de arrombamento nem das rezes
Era umas 2 horas da tarde quando minha mãe mandou Patrícia chamar eu e o Sebastião no escritório, quando chegamos o Rodolfo estava lá, minha mãe perguntou se tínhamos achado as rezes, Sebastião disse que não achamos nem tinha sinal de arrombamento em nenhuma cerca, ela perguntou quem tinha feito a contagem e ele disse que foi eu, ela agradeceu o Sebastião e disse que ele podia ir
Minha mãe me olhou com uma cara feia e perguntou se eu não tinha me enganado na contagem, eu disse que não tinha, que estava faltando 10 cabeças de gado, então Rodolfo disse eu estava acusando ele de roubar rezes, eu disse que não estava acusando ninguém de nada, só falei que estava faltando 10 cabeças de gado na fazenda, o que se seguiu foi uma discussão entre eu e Rodolfo
Rodolfo: você nunca gostou de mim indiazinha e está querendo me culpar de algo que não fiz só para me deixar mal com sua mãe e você poder tomar conta de tudo aqui
Ceci: já disse que não estou te culpando de nada, e não tenho nenhum interesse em tomar conta dos negócios da minha mãe, eu só faço meu trabalho, só isso
Rodolfo: você pode até se fazer de santa mas a mim você não engana não, você quer me prejudicar para poder me tirar do seu caminho, aposto que você errou a conta de propósito para mim prejudicar
Ceci: não estou nem aí para o que você pensa de mim ou deixa de pensar, para mim você pode ir pro meio dos infernos que eu não estou nem aí
Eu já estava alterada com aquele homem e minha mãe se meteu no meio e falou para eu calar a boca
Ceci: mas mãe....
Mãe: eu já falei para você se calar, você provavelmente errou mesmo a conta porque ultimamente você só anda dando trabalho
Ceci: como assim eu....
Mas uma vez fui interrompida
Mãe: já disse para você calar a boca, agora some daqui e vai pro seu quarto calada que não quero ver mais sua cara na minha frente
Aquilo ferveu meu sangue, ela estava gritando comigo e nem deixou eu me explicar, aí Rodolfo deu um sorriso e eu fiquei cega de raiva
Ceci: eu não vou pra porcaria de quarto não, eu não fiz nada de errado para ser tratada assim mãe
Mãe: você vai sim ou eu te quebro a cara sua ingrata, maldita hora que eu te trouxe para dentro dessa casa
Quando eu ouvi aquilo eu não falei mais nada, foi como levar uma facada no meio do coração, está certo que minha mãe não estava muito bem depois que Clara brigou com ela mas descontar em mim não era justo
Eu virei as costas e saí, fui para meu quarto fazer o que eu tinha que fazer, o que eu já devia ter feito a muito tempo
Peguei uma mochila jeans que eu usava para levar meu material escolar pro colégio, coloquei meus objetos pessoais, umas mudas de roupa, toalha e algumas calcinhas, peguei minha carteira com meus documentos, o pouco dinheiro que eu tinha e saí dali sem olhar para trás, desci até o curral e chamei seu Sebastião
Perguntei a ele se por acaso ele não sabia de alguma fazenda que poderia me arrumar trabalho, ele se assustou com a pergunta e com a mochila nas minhas costas, e perguntou o que tinha acontecido eu disse que não tinha tempo para explicar, que só queria saber se ele podia me ajudar, se não pudesse tudo bem eu daria um jeito mas iria sair daquela fazenda de qualquer jeito
Ele então disse que podia me ajudar sim mas que era tarde para eu sair dali, estava quase escurecendo, eu disse que não ligava, que eu ia embora, aí ele disse para eu dormir na casa dele, aí se eu não mudasse de ideia eu podia ir no outro dia cedo e ele me diria um lugar para eu ir que com certeza me daria trabalho e eu iria gostar porque era uma fazenda muito boa
Eu não queria ficar mas ele acabou me convencendo, aí aceitei com a condição dele não contar para minha mãe que eu estava ali ainda e que não me impediria de partir no outro dia cedo, ele concordou e a gente foi pra casa dele
Quando cheguei contei para ele e para Patrícia o que tinha acontecido, seu Sebastião disse que ia pedir conta mas eu pedi para ele não fazer isso, que o problema da minha mãe era comigo e não com ele
Eu jantei com eles, tomei um banho e fui dormir no quarto com Patrícia, fiz Ana prometer não contar nada para minha mãe e ela prometeu, Sebastião me disse que o irmão dele era encarregado de uma fazenda na cidade vizinha, me explicou como chegar na fazenda e Patrícia escreveu uma carta para eu entregar ao tio quando chegasse lá, Ana arrumou um lanche para eu levar no outro dia e Jorge me arrumou um pouco de dinheiro já que o meu nem para passagem daria
Eu mal dormi, antes das 5 eu levantei, peguei minhas coisas e fui sair, Ana já estava acordada, me despedi dela e disse para ela agradecer todo mundo e sai, estava escuro ainda mas eu consegui chegar até a estrada sem problemas, sai sem olhar pra trás
Eu precisava de um novo começo e bem no fundo eu achei que não seria ruim sair dali de vez, eu estava pronta pra começar do zero e esquecer todo o sofrimento que passei ali nos últimos meses
Assim com um pouco mais de esperança no coração eu parti dali para meu novo começo
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Continua....