E a vida fez aquilo que naturalmente sempre faz: seguiu. Cabe a nós somente aceitar que a única constância do universo é a mudança. Pode ser boa, pode ser ruim, mas ela sempre há de chegar. O novo é imparável e quase sempre insubornável. Faça uma pausa agora. Ouça com atenção. Sim, isso que você ouve é ele. Ele sempre vem. Sempre chega. Não há como fugir. O novo sempre vem.
Para mim e Benjamin, o passado era roupa que não nos servia mais. O que há algum tempo era novo e jovem para nós, agora era antigo, e era preciso rejuvenescer. Da festa de casamento da Carol em diante, não nos separamos mais. Como já dito anteriormente, já não éramos mais um jovem casal na flor da imaturidade de seus 20 e poucos anos. Quando menos percebemos, já estávamos de cara com os 30, e não vou dizer que estávamos achando que a vida já estava dada e era hora de sossegar. De maneira alguma, estávamos ainda mais inquietos, cheios de planos, projetos e sonhos, lutando para realizar um a um. Mas quero dizer que, conforme vamos nos aproximando da maturidade, o que é efêmero vai se sedimentando, enquanto o que é relevante permanece na superfície. Ter uma vida com Benjamin era a minha superfície.
Naturalmente ele voltou para o apartamento da Urca e voltamos à nossa vidinha pacata e gostosa de trabalhar, encontrar nossos amigos e ter momentos a dois. As brigas diminuíram, o ciúmes e a insegurança também. Éramos, de fato, adultos e talvez preparados para dar passos maiores rumo ao futuro.
O futuro começou a se desenhar em uma tarde quente de verão. Estávamos na varanda de casa, assistindo ao movimento de calouros da UNIRIO e da UFRJ pelo bairro. Época de trote era sempre um momento. Eu amava ver aquela turma circulando pelo bairro, tão felizes, tão jovens, tão sonhadores e com tantas expectativas pelo futuro. Era como me reconhecer neles. Outro dia era eu.
- E se a gente tiver um filho? - ele soltou enquanto se acomodava na poltrona em frente a minha, com uma taça de vinho rosé, bem gelado, em mãos. Em outro contexto, em outros tempos, isso teria me desconcatenado, mas era, definitivamente, aquilo era um indicativo de um novo tempo. Decidi entrar nele.
- Você diz agora ou no médio e longo prazo?
- Agora. - ele foi enfático.
- Saindo do campo hipotético, vamos ter uma conversa séria sobre ter um filho? - eu precisava saber onde estava prestes a pisar.
- Vamo, vida. É um negócio que tá passando pela minha cabeça há um tempo, desde que a gente se acertou. Na real, passava desde antes, mas era um outro contexto. Pandemia, instabilidade financeira, imaturidade. Tudo isso eram questões, mas sei lá, pô, a pandemia não acabou, mas a gente já tem vacina e as coisas estão melhorando, financeiramente falando, a gente tá numa crescente estável, tá sobrando uma grana pra termos mais alguém aqui, e em aspecto de maturidade, porra, a gente amadureceu pra caralho, né, João. - ele pausou e me esperou complementar. Bebi mais um gole do vinho, respirei fundo e prossegui.
- Porra, pra ser pai a gente vai ter que parar de xingar, né? - sorri pra ele.
- Vai me fuder, mas sim. - rimos
- A gente cresceu, né? Se eu falar que nunca nos imaginei tendo essa conversa, seria mentira, mas eu imaginava que ela seria mais tensa, mais dura, e não tão leve como a gente.
- E… - apesar de tentar não demonstrar, ele estava começando a ficar levemente tenso.
- E aí que eu acho que nós somos uma família completa, e eu estaria mentindo se eu dissesse que o grande sonho da minha vida era a paternidade… não era, e acho que ainda não é. Mas eu já te vi sendo pai, Benja… - ele engoliu o choro, mas foi em vão - e você foi o melhor pai do mundo. Um pai tão foda que me fez pensar “putz, se algum dia eu quiser ser pai, eu não quero ser só como ele, eu quero ser com ele”. Eu quero ser como você, Benja; quero ser com você.
Me levantei da poltrona e dei alguns passinhos em sua direção, suas mãos tocaram minha cintura e me puxaram para seu colo. Assim que sentei em seu colo, ele aninhou seu rosto no meu pescoço. Pude sentir as lágrimas escorrerem, enquanto eu alisava seu cabelo. Havíamos decidido ter um filho. Teríamos um filho. Seríamos pais. Não havia mais como dissimular e nem retroceder: aquele era o começo de um novo tempo para nós. Queríamos. Estávamos prontos?
*
Meu coração estava batendo mais rápido que o normal, me acalmei quando senti seus dedos se entrelaçarem aos meus. Sua mão estava suada, mas longe de ser pelo calor - ou só por ele -, também era nervosismo. Estávamos os dois nervosos. Não ser somente eu, me acalmou um pouco.
Estávamos em São João de Meriti, Baixada Fluminense, a quase 40 quilômetros de distância de onde vivíamos, na sala do conselheiro tutelar, aguardando a chegada dele. Não era a primeira vez que nos víamos, passeávamos ou dávamos voltas pela região, mas, naquele dia, daremos início ao período de convivência. 90 dias que passaríamos com ele. Ao nosso lado, estavam alguns presentes, como bola de futebol e carrinhos, que compramos para ele. O nervosismo e a ansiedade gritavam naquela silenciosa sala. E se ele não gostasse da nossa casa? E se não gostasse de nós no dia a dia? Eu conseguiria brigar com ele? E se eu fosse um pai ruim? Muitas, muitas, muitas questões, que desapareceram quando aquele serzinho, de 93 centímetros, cabelo encaracolado, sorriso largo e bracinhos fofos, entrou correndo, e muito mais pulando que correndo, na sala, em nossa direção.
- CHEGUEEEEEEI! - ele se jogou em cima de nós. Aquele sorriso, olhar e carinho… tudo que eu sabia sobre amor, deixava de fazer sentido quando estava com ele.
- Oi, meu amor. Que saudade que eu tava de você. - Benja o apertava, enquanto o suspendia em seu colo.
- Não somente o tio Benja, o tio João, também. - ele ainda nos chamava de tio. Tudo em seu devido tempo.
- É pra mim? - ele apontou para os presentes, já curioso.
- Claro que é, meu amor. - comecei a falar. - Mas vamos combinar o seguinte: esses brinquedos a gente vai abrir e brincar na nossa casa.
- EU VOU PRA CASA DE VOCÊS? - seus olhinhos brilharam.
- SIM! - Ben estava mais eufórico que ele. - Mas não é pra minha casa e do tio João, é a nossa casa a partir de agora.
Ele não disse nada. Somente nos abraçou e sorriu. Samuel era o nosso amor. Apesar da pouca idade, ele tinha uma história difícil; história essa que sabemos, mas é dele. Quando tiver idade suficiente, ele mesmo pode escrever sobre si, caso assim o queira. O que importava mesmo, é que estávamos prontos para iniciar uma nova jornada juntos, enquanto família.
No caminho de volta para casa, depois de conversarmos com a conselheira tutelar, pensei muito sobre o grande passo que estávamos dando e a responsabilidade que viria com aquilo. Nossa casa estava apta para receber uma criança, mas ainda havia muitos medos em mim. Meus pensamentos foram dissipados quando, na saída da Linha Vermelha, Benjamin optou por seguir pelo túnel e não diretamente pelo Aterro.
- Benja, esse caminho vai demorar muito. Olha só, tudo parado lá em Laranjeiras.
- Da onde tu tirou isso, vida? - Olha a linha vermelha do gps. - Mostrei meu celular.
- E eu lá sou homem de ficar usando gps? - ele sorriu.
- Não, e agora é um homem que vai ficar 10 minutos parado na Pinheiro Machado.
- Pega nada. Relaxa, amor. - ele beijou minha mão.
Como previsto, o trânsito parou assim que saímos do túnel. Samuel, que estava dormindo na cadeirinha, acordou e logo estava tagarelando conosco. Entre uma interação e outra, Benjamin e eu começamos a pensar nas possibilidades de como escapar daquele trânsito. Naquele momento, uma picape preta, idêntica a do carrinho que demos para o Samuel, parou ao nosso lado. Ali, ele começou a chamar nossa atenção, que tentando resolver o trajeto por gps, não nos atentamos direito.
- Tio Benja, Tio João, olha. - ele apontava para a janela.
- Lindo, meu amor. - olhei para trás e sorri para ele, voltando os olhos para a tela.
- E se a gente virar ali no Fluminense? A gente aproveita e almoça. - Benja falou.
- Titios. - Samuel continuou no banco de trás.
- Claro que não. Eu já tinha começado a preparar o almoço dele. Você acha que eu não sei que você tá doido pra encher ele dessas porcarias que você come. - prossegui.
- Tô comendo sozinho? Tu adora uma gororoba também, que eu sei. - ri de canto.
- Eu sou um pai de família, tenho que dar o exemplo.
- PAPAIS, OLHA! - Samuel gritou, já cansado do banco de trás. O sinal fechou e Benjamin freou um pouco mais forte que o normal. Não pelo sinal, mas pelo susto. Fomos chamados de… papais! - -- Nos olhamos surpresos e, rapidamente, para ele.
- Fa-fa-fala, me-meu filho. - Benjamin disse segurando o choro.
- Olha o carro, papai Benja… igual o carrinho que o papai João me deu.
- É, sim, meu filho. É sim, filho. Igual o que o papai te deu.
O sinal abriu. Pegamos o caminho congestionado mesmo. Dali até em casa, fomos chamados de papais mais de uma vez. A voz embargou, as lágrimas desceram e MUITAS risadas foram dadas. Éramos pais. Éramos pais do Samuel. Naquele dia, eu dei salada, e Benjamin, apresentou a ele o mágico mundo das gororobas. Comemos sorvete com batata frita enquanto assistíamos desenhos. Ele dormiu durante o desenho e, ambos, o colocamos na cama, com todo o cuidado do mundo. Beijamos o seu rosto e dissemos pela primeira vez aquilo que seria dito em todas as noites a partir daquela.
- Te amo, meu filho. Sonha com os anjinhos. - Benja disse primeiro.
- Te amo, meu filho. Sonha com os anjinhos. - minha vez.
Saímos do quarto. Assim que fechamos a porta, Benjamin me abraçou e desabou.
- Eu te amo, Benja. Te amo até a eternidade.
- Te amo, João. Te amo com a força do mundo. Todos os que existem. Todos os que existiram. Todos os que vão existir.
- Só tinha de ser com você. - o beijei.
Naquela noite, dormimos mal, checando de hora em hora se Samuel estava bem. Ele, ao contrário, dormia como pedra. Nosso filho descansou, porque sabia que seus pais estavam ali para protegê-lo e cuidar dele. A casa da Urca e, principalmente, nós, nunca mais fomos os mesmos.
*
Samuel era inteligente, esperto e puro charme. Na primeira videochamada conquistou os quatro avós. Meus pais largaram tudo para vir ao Rio conhecer e mimar muito o netinho. Os pais do Benjamin, pouco citados aqui, mas descritos como indivíduos um tanto frios e distantes, eram puro dengo, abraços e beijinhos. Nossos amigos se apaixonaram e, até mesmo entre os vizinhos, ele se tornou unanimidade popular. A paternidade era uma loucura, um desafio constante. Saber brigar, saber ceder, saber errar e, principalmente, saber se desculpar. Tudo era novo, mas tudo valia a pena ser vivido. Diariamente, Benjamin e eu compartilhavámos os medos, inseguranças e, juntos, encontrávamos a coragem necessária para prosseguir. Como disse Guimarães: o que a vida quer da gente é coragem.
Quando o período de convivência acabou, não havia o que pensar ou questionar, demos entrada no pedido formal de adoção. Samuel já era nosso filho, nada iria mudar isso. Mas dali a 45 dias, quando o juiz expediu a sentença de adoção, eu ainda chorei copiosamente. Pela primeira vez, Samuel também chorou, quando contamos a ele que ele não retornaria ao abrigo e permaneceria conosco para sempre. Quanto ao Benjamin, nem preciso me estender, chorar de emoção se tornou o seu sobrenome extraoficial. Nossa família e lar nunca estiveram tão felizes e completos.
*
Passado algum tempo, chegamos a constatação que, apesar de amarmos a Urca e nosso apêzinho, que foi comprado por nós do nosso antigo locatário, precisávamos de um espaço maior. Crescer, em certa medida, significa saber desapegar. Não queríamos nos esquecer dos bons momentos que vivemos naquele bairro e de tudo o que construímos naquela casa. Mas aquela era a nossa história, minha e do Ben. A história de uma vida linda, mas que havia passado. Era a hora de construir uma nova com o Samuel. Era a hora de dar voos mais altos e mergulhar na agridoce beleza do novo.
Vimos as nossas possibilidades, calculamos nossos gastos, finanças pessoais e quais casas caberiam no nosso orçamento. Nós tínhamos a casa na Urca e eu tinha a casa no Flamengo, que estava sendo alugada. Pensamos bem e entendemos que aqueles bens eram investimentos, que inclusive garantiriam o futuro e bem-estar do Samuel caso algo nos ocorresse.
Decidimos então financiar um novo imóvel. Por questões de logística profissional, já que Benjamin estava se deslocando cada vez mais para a Barra da Tijuca, decidimos nos mudar para o Joá, bairro que fica entre a Zona Sul e a Barra. O valor era alto, mas demos uma boa entrada, e com boas cartas de crédito, conseguimos um bom valor nas parcelas. O novo imóvel ficava em um condomínio de casas. Ali, Samuel teria varanda, quintal, piscina. Poderia trazer seus novos amiguinhos. Ali ele poderia construir suas memórias. Ali poderíamos construir a nossa nova história.
Em relação a casa da Urca, optamos por alugá-la. Começamos a viver os trâmites da mudança enquanto eu recebia alguns interessados em alugar o apartamento. A maior parte dos interessados não me agradava. Como estava mais atarefado do que eu com algumas questões do trabalho, Benjamin me deixou tocar a decisão sobre a locação sozinho. O tempo passou, nos mudamos para o Joá, e eu ainda não havia encontrado alguém bom o bastante para assumir aquela casa. Veja bem, não se tratava somente de arcar religiosamente com o aluguel, despesas de energia, água e condomínio, se tratava de alguém que fosse gostar daquela casa e viver nela histórias tão ou mais interessantes quanto as que eu e Benjamin um dia vivemos nela.
Eu estava prestes a jogar a toalha e aceitar qualquer um, quando um jovem rapaz, negro de pele clara, cabelos encaracolados e estatura mediana me abordou na saída do prédio, em uma das minhas visitas para checar se tudo estava certo, perguntando se eu sabia algo sobre o apartamento que estava disponível para ser alugado. Seu estilo de roupas, a maneira esbaforida de falar e o brilho juvenil no olhar me pareciam janelas da memória, uma memória que me levava de volta para mim e para a minha história. Eu não queria naquele lugar alguém que fosse exatamente como eu, uma continuação minha. Eu queria alguém que fosse respeitar aquele lugar. Bom, aquele carinha parecia disposto a fazer isso.
Seu nome era Gabriel, graduando em História pela UNIRIO, já concluindo e vislumbrando programas de pós-graduação, ainda em História. Subimos para que eu pudesse apresentar o imóvel para ele. Já não havia mais móveis meus lá, então depois de mostrar a ele os cômodos, nos sentamos no chão da sala. E como cantou Gal Costa, eu vi o tempo correndo ao redor daquele menino. Ali, no chão, ele me contou da sua família, seus sonhos e expectativas para o futuro. Contei a ele que ali, naquele apartamento, eu havia conhecido meu marido e que juntos tivemos um filho. Falei das festas, dos saraus e dos amigos que ali recebemos. Rimos, nos emocionamos e, no final, quando eu já estava pronto para dizer que gostaria que ele ficasse lá, ele me disse que mesmo amando aquele lugar, não poderia arcar com todas as despesas, que não havia pensado em uma taxa de condomínio tão alta.
Momentos como aquele, em que você sente vir de alguém uma energia tão boa, ocorrem poucas vezes na vida. Vinha de dentro e eu sabia que aquele menino merecia e precisava daquele apartamento.
- Então não paga o condômínio. - falei de supetão
- Como é? - ele arregalou os olhos.
- Não paga. Eu tô procurando por um inquilino há meses, e você me achou… e eu gostei de você. Você parece ser gente boa. Paga o aluguel, as contas de água e luz, e eu pago o condomínioPensa nisso como um bônus de fidelização.
- Como assim fidelização? Você é dono de outros imóveis pela Zona Sul?
- Vamos dizer que sim. - sorri pra ele.
- Olha, eu não me sinto confortável… não sei. Eu quero pagar.
- Quanto você consegue pagar de condomínio?
- ⅓ do valor total.
- Certo. Então paga esse valor. Não aceito não como resposta, meu querido. Você nunca mais vai encontrar alguém querendo que você não pague para ocupar uma casa na Urca. - rimos juntos.
- Tudo bem, João. Eu topo. Mas assim que as minhas contas se estabelecerem, eu gostaria de pagar o valor total. - ele estendeu a mão para mim.
- Fechado - apertei sua mão.
Ainda havia algumas burocracias a serem resolvidas, firmar contrato, ele apresentar fiador etc, mas eu havia encontrado um inquilino. Não sei dizer por qual motivo, mas algo me dizia que era ele a pessoa certa. Descemos juntos e nos despedimos. Entrei no meu carro, e quando eu já estava para sair, o vi conversar animado com um rapaz e em seguida abraçá-lo. Ambos se olhavam com carinho, mas não se beijavam. Ali, eu entendi porque tinha que ser ele. Aquele apartamento ainda iria viver muitas boas histórias. Era só um sentimento, mas eu sabia que estava correto. Dei partida no carro e saí da Urca. O tempo do lado de fora ainda corria, e já se aproximava do horário que Benjamin e eu havíamos estabelecido para jantar com o Samuel. Próxima parada: Joá.
*
Cheguei em casa e, já na garagem, fui recepcionado com abraços, beijinhos e carinhos sem fim. Expliquei ao Benjamin muito por alto o porquê da demora. Como mandava nosso ritual, contaríamos todas as nossas histórias do dia antes de dormirmos, num momento só nosso, puramente do casal. Ainda que nosso ritual fosse o de contar na hora, seria impossível, Samuel estava eufórico contando sobre as atividades que fez na escola e como havia ajudado o pai Benja a preparar o jantar.
Jantamos, e depois de lavarmos e secarmos a louça cooperativamente, tivemos um momento para brincar com o Benjamin. Quando o relógio bateu às 19:30, cumprimos o ritual do sono do Samuel: banho, pijama, lanchinho, escovar os dentes, beijar os papais e ir dormir. Naquele dia, eu fiquei responsável por contar a historinha, escolhida a dedo por ele, “E foi assim que eu e a Escuridão ficamos amigas”, livro infantil do Emicida. Antes de chegarmos na décima página, ele dormiu. Apaguei as luzes do quarto, dei um beijo em seu rosto, reforcei que o amava e desejei que ele sonhasse com os anjos.
Saí do quarto e fui em direção à sala, assim como nas demais noites, Benjamin estava me esperando, Assim que me viu, largou o livro que estava lendo e sorriu. Me joguei ao seu lado e me espreguicei.
- Tô exausto! - encostei a cabeça em seu ombro.
- Nem me fala. Hoje foi difícil, mas o erezinho faz todo cansaço sumir e valer a pena. - ele beijou minha testa, me fazendo sorrir - Agora me conta lá do apê.
Então, contei a ele sobre o rapaz, meu sentimento em relação a ele e como eu achava que havia tomado a decisão correta, apesar de ter assumido uma parcela de custo em relação ao condomínio.
- Te ensinaram muito mal o conceito de senhorio. - ele me olhava descrente
- Eu sei o que eu fiz. Em algum momento eu vou te contar que aqueles dois têm história pra contar e você vai me agradecer pela fofoca. - ele gargalhou.
- Tu não existe, né cara.
- Existo. Pra sua sorte eu existo, Benjamin.
- Claro que tu existe, João. Só tinha que ser contigo. Só tinha que ser com você.
Sorrimos e aleatoriamente ele saiu do sofá e me levantou junto. Foi rápido demais para eu reclamar.
- Alexa, toca “Só tinha de ser com você”.
A música começou a tocar suavemente pela sala. Ele estendeu a mão em minha direção e prosseguiu:
- Dança comigo?
- Todos os dias da minha vida.
Segurei em sua mão e ele sorriu. Nossos corpos se colaram e começamos a nos movimentar juntinhos, no ritmo da música. Seu toque, seu cheiro, suas mãos deslizando pelo meu corpo, tudo ali era bom.
- Te amo, Benjaleco.
- Te amo, Joãozinho.
Nos beijamos sem parar de dançar. Éramos nós. Só poderíamos sermos nós. Só seria certo se fosse ele. Só tinha de ser com ele.
“É só eu sei
Quanto amor eu guardei sem saber que era só pra você
É, só tinha de ser com você
Havia de ser pra você
Senão era mais uma dor
Senão, não seria o amor “