No domingo, Todos estavam mais calmos depois daquela noite pra lá de agitada. Virna acordou muito bem-humorada. Brincou de vôlei, mergulhou, andou de jet ski, praticou wakeboard. Retornou no início da noite de helicóptero. Chegou em casa feliz da vida. Que fim de semana magistral!!
Dagoberto foi passar o domingo na casa dos pais. Todos o acharam bem abatido. Perguntaram por Virna e ele só se apressou a dizer que “viajou”. Relatou que havia saído da empresa, o que pegou todos de surpresa. Mas que ia “se reerguer”.
No fim de tarde, estava jogando dominó com o pai e dois primos adolescentes. De repente, um deles fala.
- E aí, Daguinho? Sabe o que significa o nome da sua esposa?
- Não...
- Segundo o dicionário, Virna quer dizer “primavera” ou “da primavera”. Legal, né?
O outro primo entrou na conversa, e os dois pirralhos pareciam querer acabar de vez com a moral de Dagoberto.
- Pô... o que vem da primavera? Muitas flores, borboletas voando, jardins floridos...
- E é depois do inverno. Ou seja, depois de dias frios e nublados, vem uma estação mais quentecom clima mais amenoDando passagem pro verão
- é, rapaz... a primavera acaba com a tempestade e vem a bonança de vários meses.
- Pô, da primavera vem só sucesso, hein Daguinho?
- Deixem o primo de vocês em paz!
De repente, começou uma corrida de cachorros na TV
- Olha lá. Aposto no cão 6.
- e eu, no 8.
Os pirralhos foram curtir corrida de caninos; o pai, foi dormir embriagado na poltrona; a mãe conversando com a vizinha. E Dagoberto, entediado. A cerveja havia acabado. Não só a cerveja. Ele também...
Naquela semana, soube que havia uma vaga de professor de educação financeira na mesma escola onde estudou essa mesma disciplina. Foi duro chegar na sala, retornando ao ponto de partida e se viu naquele espaço lembrando dele garoto, assistindo as aulas, e arrancando elogios do professor que lecionava. Também conseguiu uma vaga pra dar aula de matemática em um cursinho para jovens carentes, ganhando uma bolsa, no turno da noite. A bolsa e o salário de professor passavam longe de seus rendimentos como consultor financeiro. Agora ele ganhava anos luz a menos que Virna.
Ele ainda estava no AP, mas não via Virna. Chegava em casa e nunca a encontrava. Se entocava num dos quartos e lá saia pra ficar o dia inteiro na rua dando aula. Na casa dos pais, mais uma vez, foi chamado atenção pela mãe.
- Filho... me diga uma coisa... como estão as coisas com a Virna? Por favor, fale a verdade. Sei que as coisas não estão bem. Há muito não a vemos , e sabemos que ela está em uma outra realidade...
- Mãe, eu sinceramente não sei. Não sei como estamos. Não há vejo há tempos. Acho que a coisa acabou.
- Você acha? Meu filho, abra esse olho!! A última vez que você veio nos visitar, você já era pra ter vindo de vez! Tava na cara que você não tinha ideia onde ela estava! Desculpe ser franca, mas esse relacionamento já não existe há muito tempo! Ela mudou demais! Desde que ela assumiu aquele posto de comando, ela vem se afastando. Lembro que a última vez que a vi aqui, me assustei. Era outra pessoa. O corpo dela estava diferente, até a cor da pele dela mudou. Quando ela entrou aqui, parecia que Margareth Thatcher estava entrando na minha casa, toda imponente. Ainda me recordo do barulho dos saltos altos dela pisando por aqui. Seu corpo dava sinais desse poder que ela impunha, você ficava todo recolhido. Nunca quisemos nos meter na vida de vocês, mas se olhe no espelho: você está definhando! Por favor, Daguinho, tenha amor-próprio! Nem conhecemos esse apartamentão que vocês foram morar! Acabou, filho. Não existe mais casamento.
Aquelas palavras eram duras, mas verdadeiras. Não é fácil pra ninguém que vivendo um drama pessoal como ele estava, compreender as coisas com nitidez. Ele estava com ela há dez anos, desde que se conheceram, é difícil assimilar as coisas corretamente. Não é simplesmente “não deu certo, separa”, como alguns simplificam. É uma aposta de vida que vai dando errado e você precisa de ajuda pra perceber realmente a ficha cair. Não só o relacionamento termina, como todos os sonhos saem esfacelados.
Dagoberto prometeu ir pegar suas coisas e retornar pra casa de seus pais, pelo menos por um período até as coisas se ajeitarem, já que o antigo apartamento que estava em seu nome se mantinha alugado. Entrou pela garagem e notou que na vaga onde deveria estar o BMW de Virna, estava um Porsche Cayenne. Ela já havia trocado de automóvel e ele nem sabia. Quando chegou no apartamento, deu uma olhada nos recantos, vendo aquele espação pela última vez. Foi cabisbaixo para o quarto do casal para pegar suas coisas e estava tão desligado, tão desligado que nem ouviu grunhidos vindos lá de dentro. Quando abriu a porta, seu espanto foi gigante: Virna e Helen estavam lado a lado, cada uma cavalgando seu macho, enquanto lambiam e chupavam os seios de outra mulher que estava na frente delas. A moça em questão era uma modelo canadense, que estava ganhando rios de dinheiro no mundo fashion; um dos homens era um empresário japonês, herdeiro de uma montadora que estava chegando ao Brasil devido a um investimento do Impact Bank e tinha o apelido de “Big Japa”, destoando do mito do homem japonês; o outro era Galo. A modelo deu um gritinho de susto ao ver aquele homem parado ali na porta. Mesmo a foda estando em alta voltagem, eles pararam para ver o que estava acontecendo e demoraram um pouco a se dar conta de que um Dagoberto perplexo estava ainda parado na porta. Sentindo que estava atrapalhando, ele rapidamente saiu. Ao retornar pra sala, ficou ali tentando processar o que vira. Um filme passava por sua cabeça. Desde quando conheceu uma Virna sem sal e sem açúcar até aquele momento constrangedor. Quase dez minutos depois, Virna aparece nuazinha, vindo em sua direção com o rosto cheio de sêmen. Havia filetes de porra no cabelo e na testa, mais a maior parte estava ao redor da boca e pendurado no queixo, pingando e escorrendo pelo meio dos seios. Ele reparou no corpo dela, que não observava atentamente há tempos. Estava com coxas muito grossas, os cabelos estavam longos e mais cheios, com uma franja discreta. Os seios estavam bem volumosos e sua pele bem menos branca, quase uma “parda de pele clara”
- Que porra você tá fazendo aqui, Dagoberto!!! Caralho, chega assim sem avisar!!!
- Des... des... desculpa, Vi, eu não... eu não sabia... eu
- Fica dias sem aparecer e quando aparece é pra atrapalhar minha diversão! É foda, hein! O que você quer?
- Calma... eu vim pegar minhas coisas... eu tô indo embora.
Virna estava fula pelo embaraço da situação, porém, se acalmou um pouco mais e tentou ser cordial.
- Olha, Dago, chegou numa péssima hora, mas já que está aqui, demorou pra sua ficha cair. Estávamos distantes há algumas semanas, sem nos falarmos, você tinha que entrar em contato pra avisar que estava vindo. Ainda tô puta com você, acho que isso não vai passar assim, você mostrou sua face gananciosa ao jogar na minha cara que toda sua incompetência foi por eu ter “roubado” seu lugar na diretoria. Isso machucou demais, e eu joguei pro alto a relação. Sabe de uma? Foi bom você ter até visto o que tava rolando, já não combinávamos há tempos, e eu não tive atitude pra terminar porque eu tava vivendo minha bela vida e tava nem aí pra dar fim em uma porra de relação fudida. Cabia a você tomar simancol e cair fora. Não há mais espaço pra você aqui, ainda mais que vou passar a receber visitas como essas que você viu.
- Você tem razão... Eu... estava aqui... eu... estava aqui, dormindo em outro quarto... mas... não... tinha coragem de lhe encarar, essa é a verdade.
- Olha, Dago... Cheguei num patamar que não estou tolerando homem se comportando como irmãozinho caçula, vivendo de favor na casa dos outros. Se dê ao valor, e tente reconstruir sua vida. Esse comportamento de fracassado me dá nojo.
A conversa era entre um ex-casal colocando ponto nos is, mas Helen aparece na sala e também disposta a expor verdades a Dagoberto.
- Olha aqui, mocinho. Vou me meter na conversa e não me venha com papinho furado de “conversa a sós”. Você é uma decepção, agradeço todo dia aos Céus por não ter lhe escolhido. De ambicioso, tornou-se ganancioso, com ímpeto de mostrar-se o bam-bam-bam e só entrou pelo cano. Percebi que você falava mal pelos cantos de vários diretores, não falava com Galo, na festinha lá em casa você não cumprimentou o executivo da Star Ligth World, e vi que você tinha apenas um projeto pessoal, e não institucional. Virna construiu ótimos relacionamentos, encampou parcerias, a instituição cresceu muito, pois ela tinha cabeça empresarial, e não utilizou sua função em proveito próprio. Via você tentando mostrar a ela o quanto era o gostosão e queria provar que você era melhor que ela. E em todas essas tentativas, Virna esmagou você como um inseto! É mais um machista de merda que não aceitou a esposa dando um show de competência e sagacidade, superando dificuldades, suas sujeiras e impulsionando o banco cada vez mais. Pois então: estamos aqui comemorando sabe o que? Virna é a nova CEO do Impact Bank! Ela fechou um contrato de financiamento milionário com uma montadora japonesa e só coube a mim oferecer o topo, que é o que ela sempre mereceu! Ficarei como acionista e vou tentar minha sorte em Wall Street. Engula essa, cretino!
- E digo mais, Dago... Tentei de tudo pra que nossa relação se mantivesse, mas nem pra bom amante você serviu, me deixou subindo pelas paredes, na seca, enquanto minha libido, meu tesão, me jogava pras aventuras e delícias do capital! Você só tentou o tempo todo me jogar pra baixo profissionalmente na diretoria! O lugar que você queria ocupar! Mas quem estava lá fui eu! E com suas atitudes de guerrinha comigo, não tenho dúvidas que no meu lugar, você aproveitaria muito mais, pois tudo que você queria era aproveitar as delícias que o mundo corporativo lhe daria. Portanto, eu lhe digo: fui feliz com você, mas no momento que não soube nem dar atenção de um marido decente, você prestou. E fui buscar meu prazer e sabe de uma? Me senti poderosa, saciada, trepei com muitos homens, curti cada trepada, gozei como nunca havia gozado antes! E agora estou aqui, vitoriosa. Cheguei longe, Dago. Agora me diga: você chegou aonde?
Dagoberto estava arrasado. Apesar dele ter amado Virna, ele queria sim aquele mundo pra ele, por isso relutava em deixar aquele local. Homem nenhum aceita essa inversão de papéis, que a esposa, ao invés dele, ocupe as posições e destaques que a cultura masculina constituiu para eles usufruírem. E vendo aquelas duas mulheres nuas ali lhe humilhando, ele se deu conta que estava muito mal, sem refletir direito, sendo chamado atenção por mulheres que ele admirou demais. Não restou nada a sair andando em direção a porta da rua, totalmente desmoralizado. Virna ainda falou.
- Não se preocupe. Deixarei suas coisas na portaria. Você passa outro dia e pega.
Ainda ouviu uma gracinha desnecessária de Helen.
- Vai voltar pra mamãe? Se adiante, senão vai esfriar sua papinha, kkkkkkkkkkkkk
Virna olhou aquele derrotado indo embora e não sentia piedade, nem remorso. Não sentia mais nada por ele. Ouvindo a piada de Helen, só restou a ela, esboçar um riso que foi crescendo, crescendo até se tornar uma gargalhada, acompanhada por Helen. As duas riam sordidamente.
***
Sete anos se passaram. Dagoberto abriu um quiosque onde vendia chopp artesanal, com um público razoavelmente cativo, cujo público só crescia nos fins de semana. Com 40 anos, se sentia feliz. Estava morando junto com Tâmara, uma jovem mulata de 24 anos, magra e esguia, com cabelos afro e olhos amendoados, cabelos em formato de juba, o que rendeu-lhe o apelido de “Tamaleão”. Ela trabalhava como promotora de vendas em um supermercado, que havia acabado de ser adquirido por um grupo de investidores e que estava arrebatando o mercado atacadista brasileiro.
Dagoberto lembrou-se um pouco do passado ao passar por uma banca de revistas e ler uma notícia num jornal, onde estava estampado a seguinte manchete: “Carijó é o município que mais cresce no país, segundo Instituto Geográfico”. Era a terra natal de sua ex, que ele lutou muito pra esquecer. Com certeza, a cidade estava recebendo muito investimento via lobby político, imaginou ele.
Um dia, Tâmara chegou feliz da vida em casa.
- Amor, amor! Fui promovida! Virei gerente de vendas!
- Nossa Tam! Que legal, você merece!
- Porra! Trabalhando de domingo a domingo, finalmente né? Foi só esse grupo novo chegar que as coisas melhoraram muito, viu? Há tempos tava nessa luta.
Estava próximo ao fim do ano e iria ter uma confraternização. Tâmara foi com Dagoberto aproveitar essa festa. No meio do regabofe, foi chamada para a sala da administração.
- Amor, amor! A presidente nacional do grupo está aqui! Informaram que ela está visitando as lojas e quer conhecer os gerentes! Ai que máximo!
- Nossa, que legal! Poxa, Tam, tô bem orgulhoso!
Foi chamada pra sala e foi avisada que o companheiro podia ir também. Na porta da gerência, havia a seguinte mensagem “Novo supermercado Primaveril, administrado pela Rede da Primavera”. Assim que entraram, viram uma mesa grande e uma cadeira com alguém sentado de costas. Quando a cadeira virou, Dagoberto quase teve um infarto! Levantou-se uma mulher deslumbrante, uma morena de cabelos lisos e cheios, um colar de safira lindo que caia sobre seios volumosos, num vestido justo, quadris largos, pernas muito grossas e roliças, um sorriso maquiavélico de meter medo, uma pele bonita e bem bronzeada. Tâmara também se impressionou com a postura fascinante daquela mulher e percebeu como Dagoberto ficara embaraçado, provavelmente a reação de um homem ao ver uma beldade que transpirava exuberância. O barulho daqueles saltos altíssimos ecoava pela sala.
- Tâmara Carvalho! Prazer em conhecê-la.
- Prazer é meu senhora...
- Virna! Virna Tertuliano.
- Fico honrada por trabalhar nesse local. As coisas têm evoluído muito desde que a senhora assumiu a rede.
- Trabalho para o bem-estar dos funcionários, principalmente mulheres. Quero preparar as melhores para o mercado. O futuro é feminino. Tenho a missão de fazer muitas mulheres progredirem, principalmente mulheres negras como você.
Virou-se pra Dagoberto, que começava a suar de nervoso.
- Espero que seu companheiro compreenda a importância disso. Os homens precisam aprender a respeitar nossa ascensão.
Voltou-se para Tâmara, que parecia em sintonia com aquele discurso feminista. Apertando mais uma vez a mão da nova gerente de vendas, ela arrematou
- Vejo potencial em você, Tâmara. Há muito não moro mais no Brasil, resido em Manhattan, mas sempre estarei por aqui. Quero muito acompanhar de perto o sucesso de minhas funcionárias. Sinto firmeza em seu aperto de mão. Não tenho dúvidas que você ocupará meu lugar um dia.
Por fim, volta a dar um olhar fatal pra Dagoberto.
- Vou fazer tudo pra que esse dia chegue, minha jovem.
FIM