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Patrícia:
Quando ouvi a ideia do livro pela primeira vez, não vou negar que pensar em ter minha história de amor impressa fez meus olhos brilharem. Ainda mais eu, que amo ler. Mas quando lembrei que havia histórias de outras pessoas no meio, o brilho dos meus olhos sumiu. Ainda bem que Keyla pensou a mesma coisa; o episódio do Instagram com certeza a deixou mais madura.
Mas quando li o texto que Ana escreveu, meus olhos brilharam de novo. Ficou lindo, e ela meio que se livrou dos problemas que poderíamos ter. Mas senti falta de algumas coisas, sabe aqueles detalhes? Senti falta também de momentos marcantes na nossa vida, como o romance inesperado da Érica com minha sogra, o início do romance da Aline com a Luciana, o amor unindo duas pessoas tão diferentes como Naty e Gabi. Por isso, mudei algumas coisas, mas se Keyla ou as pessoas envolvidas na história não gostassem, eu concordaria em usar o texto original da Ana sem problemas.
Bom, todos gostaram, mas faltava a Ana. Eu estava meio inquieta com isso, porque mexer na obra de um artista não é algo que se faça. Mas ela disse que a gente podia editar e mostrar a ela depois.
Quando saímos para o almoço na segunda, ela nos esperava e não estava sozinha; sua esposa estava com ela. Fomos apresentadas e seguimos até o restaurante. Elas resolveram almoçar ali com a gente. Ana Cristiana era um doce de pessoa: voz mansa, sorriso fácil, falava pouco. Eu já sabia disso, porque suas características estão no livro que conta a história delas.
Eu peguei o pen drive e entreguei para Ana. Eu realmente estava meio nervosa por ter alterado a história dela.
Patrícia— Ana, primeiro queria dizer que concordamos com a publicação; já tínhamos essa decisão antes mesmo de contar o que fiz. Amamos seu texto, porém eu não sei se você vai querer publicar o texto que está nesse pen drive, porque eu mexi muito nele.
Ana— Mas eu disse que vocês podiam editar, não tem problema.
Keyla— Ana, mas ela não editou; ela realmente modificou muita coisa, uns 40% do seu texto original.
Ana— Então acho que não gostaram do que escrevi.
Patrícia— Não, eu amei, e Keyla também. Se você não quiser publicar esse, pode publicar o original sem problemas.
Ana— Você está me deixando confusa. 🤭
Patrícia— Ana, eu editei alguns detalhes no seu texto original, detalhes que você não sabia, e adicionei algumas coisas que aconteceram, principalmente depois que conheci Naty e Gabi. Por exemplo, o romance da minha sogra com a Érica, mãe da Gabi, detalhes do início de namoro da Aline e da Luciana, e algumas coisas do namoro da Gabi com a Naty. Mas eu tentei manter ao máximo o estilo de narrativa que você usa. Te juro que eu só queria ajudar a deixar a história mais verdadeira para nós que a vivemos. Mas acho que é melhor você ler do que eu ficar aqui tentando te explicar. Se você gostar, pode publicar; se não gostar, publica o original. Ou, se resolver mudar algo, muda e nos mostra para a gente ver antes de publicar. A gente vai se comunicando, tenho certeza que vai dar certo. Você é uma pessoa fácil de lidar e nós somos até mais ou menos. 🤭
Ana— Você tem razão, melhor eu ler do que você me explicar. Mas acho que entendi seu ponto e gostei, para ser sincera.
Quando saímos dali, Ana ficou de mandar mensagem à noite para dar o parecer dela sobre minhas modificações. Keyla disse que ela iria gostar; eu já não estava tão confiante assim.
Voltamos ao trabalho e o dia correu normalmente. À noite, fomos para a faculdade. Apesar de ser segunda, a sala estava bem cheia; teríamos matérias que cairiam nas provas, então ninguém faltou da nossa turma.
Tudo corria bem até que, na hora em que estávamos voltando do refeitório, caiu um áudio da Ana no nosso grupo em comum no WhatsApp. Como eu e Keyla estávamos ansiosas para saber o que ela tinha achado, eu avisei Keyla do áudio e seguimos para a sala com o celular no ouvido. No áudio, ela dizia que tinha adorado as minhas mudanças, que eu escrevia muito bem. Nossa, ela ficou uns 2 minutos só elogiando. Keyla olhava para mim e sorria. Depois, ela disse que iria pedir para o advogado da editora redigir um contrato e levaria até nós para a gente assinar ou modificar algo e depois assinar.
Chegamos na porta da sala e, antes de entrar, notei um movimento diferente na sala ao lado, mas não dei muita importância e entramos ainda ouvindo o restante do áudio. Quando acabei de ouvir, vi que Keyla olhou no celular dela e fez uma cara estranha.
Keyla— Meu tio me mandou mensagem, mas depois eu vejo. Amor, eu falei que ela ia gostar das mudanças; deu tudo certo.
Patrícia— Ainda bem, eu estava aflita com isso.
Ficamos ali conversando sobre o livro quando escutei uma voz pedindo para todos se sentarem e fazerem silêncio. Quando olhei, só não caí porque estava sentada. Abaixei a cabeça o mais rápido que pude. Quem estava falando era o tio da Keyla. Ele avisou que não teríamos aula naquele horário porque a faculdade estava recebendo a visita de alguns candidatos a vereadores e eles iriam falar algumas palavras.
O que quase me matou de susto é que, dos três homens que estavam ao lado do tio da Keyla, um era meu pai, e parada perto da porta estava sua fiel escudeira, minha mãe. De tantos candidatos que poderiam estar ali, tinha que ser justo esse infeliz. Eu continuei de cabeça baixa, rezei para que nem ele nem minha mãe me vissem ali. Como a gente sentava bem no fundo, isso era bem possível.
Keyla provavelmente não os reconheceu, porque que eu me lembre, ela nunca viu nem fotos deles. Porém, o nome deles ela sabia e o sobrenome também, já que era o meu também. Não deu outra: quando o segundo terminou de falar, meu pai tomou a frente e se apresentou. Claro que Keyla ligou os pontos, porque ela sabia que meu pai era candidato.
Ela sentava na minha frente, então se virou rapidamente e perguntou baixinho se estava tudo bem. Eu respondi sem levantar a cabeça que sim. Keyla achou que eu estava tentando me esconder e virou para frente. Meu pai, como sempre, começou seu discurso de homem de família, de como é importante valorizar isso. Falou dos seus planos para melhorar a educação na cidade, principalmente para a classe mais baixa. Ele era mesmo um político, mentia descaradamente olhando nos olhos das pessoas.
Meu pai nunca se importou com a família; se importasse, não teria jogado a própria filha na rua. Nunca se importou com nada além de dinheiro e poder. Agora queria melhorar a educação para os mais pobres; aquilo já me irritou. Olha, eu sou muito difícil de me irritar; graças a Deus, sou bem tranquila.
Depois de todos falarem, o tio da Keyla disse que era para os alunos fazerem perguntas e os três candidatos iriam responder. Bom, na minha turma tinha pessoas de todas as classes sociais e alunos realmente muito inteligentes. As perguntas foram muito boas. Os candidatos iam respondendo, sempre cada um dava a sua resposta para a pergunta da vez.
Eu ali rezando para aquilo acabar logo, porque a cada resposta do meu pai eu me irritava mais. Só de ouvir a voz dele estava me irritando. O tempo foi passando; acho que já faltava pouco para o tempo se esgotar e aquilo terminar, até que uma aluna, em vez de fazer uma pergunta interessante, perguntou se eles tinham filhos e onde estudavam.
Aquela pergunta boba causou um caos na minha vida. Os dois primeiros responderam e falaram os nomes dos filhos, elogiaram bastante eles e disseram onde estudavam. O último a responder foi meu pai. Ele disse que tinha uma filha sim, que se chamava Patrícia xxxxx xxxxx e que era muito estudiosa, obediente, educada, nunca deu trabalho algum para ele, que no momento ela estava fazendo o terceiro ano de direito em uma universidade nos Estados Unidos, mas que estava fazendo muita falta para ele e sua querida esposa, pois era muito amada por eles. Nessa hora, meu sangue ferveu; eu não aguentei escutar aquilo calada.
Nem vi quando me levantei. Keyla nem tentou fazer nada; acho que ela se assustou com minha cara de ódio. O tio dela fez sinal com a mão para eu parar, mas eu não parei e fui andando mais para frente. Um dos candidatos me viu em pé e perguntou se eu queria fazer uma pergunta. Nessa hora, meu pai me viu e a cara dele era de puro espanto.
Patrícia— Na verdade, candidato, eu não quero fazer uma pergunta; eu quero fazer um pedido.
Continuei caminhando e fui até a frente, olhei meu pai nos olhos e comecei a falar. Não gritei, mas falei alto e em bom tom para todos ouvirem.
Patrícia— Quero te pedir um favor: para de me chamar de filha, porque no dia em que você me arrastou pelos cabelos e me jogou na rua sem dinheiro e sem ter para onde ir, você disse que eu não era mais sua filha! Se eu não tenho pai, você não tem filha. Então nunca mais me chame assim, nunca mais use meu nome no meio das suas mentiras! Naquela maldita noite em que você me expulsou de casa, eu sofri uma tentativa de estupro, mas alguém de bom coração me salvou. Depois, tive que virar traficante para sobreviver; ou era isso ou a prostituição. Eu levei um tiro, fiquei entre a vida e a morte, fiquei em coma em um hospital. Eu sofri pra caramba, mas eu sobrevivi sem um pai, sem uma mãe, sem uma família. Então, para te falar que tem uma filha, porque você não tem. Para de usar meu nome, porque eu nunca usei o seu para nada. Seja homem pelo menos uma vez na vida e cumpra suas últimas palavras ditas ali naquele portão. Eu não sou sua filha, você me entendeu?!?
Meu pai ficou mudo pela primeira vez na vida, provavelmente, mas minha mãe veio tentar colocar panos quentes na situação.
Mãe— Minha filha, deixa eu te dar um conselho...
Eu não deixei ela terminar. Sério que ela queria me dar conselhos?
Patrícia— Não sou sua filha. Uma mãe não faz o que você fez. Você, em vez de me proteger, me entregou na mão desse homem. Você viu ele me espancar, viu ele me arrastar e me jogar na rua. Você não fez nada! A pessoa que devia me proteger e cuidar de mim não fez nada. Mas já era de se esperar: uma mãe que nunca trocou uma fralda da filha, que preferiu deixar os empregados a criar do que fazer suas obrigações de mãe. A verdade é que eu nunca tive uma mãe! Mas agora você quer me dar conselhos? Você deveria ter feito isso quando eu precisei, quando passei noites e dias sozinha, sem nem um abraço ou sequer um gesto de carinho. Você nunca me deu conselhos. Agora não preciso mais. Mesmo sem o amor, o respeito e a educação de vocês, eu sobrevivi. Estou bem, eu trabalho, estudo, estou noiva de uma mulher maravilhosa. Eu não preciso de nada de vocês. Eu só quero que parem de usar meu nome nas suas mentiras e parem de falar que têm uma filha. É melhor falar que eu morri, porque isso é verdade. Eu morri para vocês e vocês morreram para mim. Eu espero ter sido bem clara e que tenham me entendido, porque se não, eu vou fazer um inferno da vida de vocês, assim como vocês fizeram na minha.
Eu virei as costas e saí, mas antes de passar pela porta, ouvi os gritos da Keyla.
Keyla— Vocês deviam ter orgulho da filha de vocês. Ela é uma pessoa incrível, de coração enorme, amorosa, carinhosa, inteligente, trabalhadora, honesta e uma guerreira. Vocês dois me dão nojo.
Logo ela me alcançou e pegou no meu braço.
Keyla— Eu tenho muito orgulho de você, amor! Vamos para casa; amanhã eu pego a matéria do último horário com alguém.
Eu estava com tanta raiva que não consegui falar nada, só segui ela e saímos dali. Quando chegamos em casa, assim que entrei, dei um abraço muito apertado nela e disse que a amava muito. Pedi desculpas pela confusão. Ela disse que estava do meu lado para qualquer coisa, que eu fiz o que devia fazer e amou ver eu falando tudo que falei na cara deles.
Eu me senti segura nos braços dela; suas palavras tiveram um efeito incrível sobre mim. Eu fui me acalmando; o apoio dela era muito importante para mim, e eu iria precisar muito dele nos próximos dias.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper
