Continuando...
Demos mais um beijo apaixonado e ela levantou para fazer sua higiene.
Enquanto isso fui apanhar o celular para ver o horário.
Quando estava indo ao banheiro, fomos surpreendidos naquele momento pela mesma ligação cedo, do qual dessa vez pedi licença a Ana e atendi.
Do outro lado, uma voz feminina disse (já traduzindo para o português):
- Falo com o Sr. Pedro?
Imediatamente confirmei e a pessoa do outro lado da linha continuou:
- Sua esposa está com quadro clínico considerável irreversível.
Eu imediatamente disse:
- O que?
Imediatamente Mayara percebeu meu semblante e me pediu:
- Quem é?
Continuei ouvindo a outra voz que disse que minha esposa, havia dado entrada no CTI de um hospital de Orlando.
Questionei o que havia com a minha esposa e quem seria essa esposa efetivamente. De repente, descubro que tenho uma filha perdida, agora esposa. Carla até fora minha namorada, chegamos a morar juntos, mas aí chamar de esposa, todo esse tempo depois? No mínimo curioso.
Quando ela disse o nome da paciente não me restavam duvidas, era sim Carla no leito daquele hospital. Pedi a moça quem havia passado o meu número e quem havia lhe dito que eu era marido dessa senhora. Na outra linha a moça me falou que havia sido um amigo próximo, que era quem estava cuidando dela.
Naturalmente que mesmo em choque, tive que pedir o que ela tinha. Relatos que a paciente estava em tratamento de carcinoma e a caminho do hospital, havia sofrido um grave acidente.
Pedi ainda o nome do amigo próximo e imediatamente ela me repassou, contudo não pode fornecer o telefone dele, que segundo ela tinha passado o meu número a ela.
Anotei todas as informações pertinentes, Mayara estava tão assustada como eu e a partir disso fui para um banho, de preferência gelado, para tentar assimilar tanta coisa.
Quando estava no banho sinto as mãos de Mayara em meus ombros massageando. Me abraçou e me pediu calma, que iria dar tudo certo. Não queria que ela notasse, mas já havia notado que eu chorava.
Era muita coisa para minha cabeça. Do nada eu virei pai, marido ou ex marido e agora estava já seguindo em frente com outra esposa, fazendo planos. Ainda para complicar a situação, a filha que apareceu estava aparentemente com problemas de saúde.
Só um cara como eu de fato, acostumado a tanta paulada, que consegue ainda juntar cacos e pensar em como agir mediante a um cenário como esse.
Saímos do motel em clima de velório, mas Mayara sempre firme do meu lado não deixando que eu desabasse. Fomos conversar num local mais tranquilo, um café que havia na avenida beira mar norte.
Imediatamente Mayara me pediu:
- Sei que é tudo recente, inesperado, agora bora lá, o que tu vais fazer Pedro?
Sem pensar muito lhe disse:
- Apagar ela da minha vida!
Mayara suspirou e rebateu:
- Esse não é o homem que eu conheço. Não você. Tá, eu sei, ela não valia nada, agora veja só, apareceu uma filha, apareceu ela depois de tanto tempo.
Olhava atento em seus olhos enquanto ela prosseguiu:
- Pedro para de fugir do passado. Para seguir em frente você precisa virar essa página. Eu estou contigo, para a decisão que tu tomar, eu só acho que se fosse eu, iria tirar isso tudo a limpo, esclarecer tudo, para depois sim poder virar essa página.
Perguntei a ela:
- Bom, se eu resolver ir atrás, tirar essa história a limpo, enfim, resolver esse problema, como nós ficamos?
Ela riu e disse:
- Juntos! Eu sei o que eu quero, acho que você também sabe. Aliás, acho que até a Carla sabia tanto o que ela queria e o que você queria.
Lhe questionei:
- Como assim ela sabia?
Mayara suspirou e disse:
- Pedro está muito claro que ela deu no pé porque você tinha tesão nela, mas não a amava. Dinheiro? Seria cômodo para ela ir e voltar. Em pouco tempo tu ficaste rico, ela adorava dinheiro, não voltou por que?
Tentando assimilar continuei ouvindo Mayara que retomou o pensamento:
- Amor agora é contigo. É agora ou nunca. Bora eliminar esse fantasma da sua vida, bora assumir essa filha nem que para isso tu compre uma briga com deputado senador e o que vier pela frente. Chega de fugir do passado, vai te fazer bem e vai nos fazer bem.
Ela tinha toda razão. Precisava resolver isso e seria já. Não havia necessidade de viajar aos Estados Unidos, menos ainda ligar no hospital. Precisava de gente competente nisso.
Liguei para um advogado fera que conhecia na capital mesmo, que na hora não me atendeu, porem retornou 1 minuto depois.
Contei a ele toda a história do hospital, o resto da história ele já sabia, havia me assessorado em muita coisa, me recomendou detetives e investigadores.
Me pediu inicialmente 48 horas para apurar tudo, mas disse que em 24 horas no máximo me retornaria com informações preliminares.
Agora era esperar, maldita espera que sempre marcou minha vida.
Pelo menos tinha conforto nesse momento nos braços da minha amada.
Fomos buscar o seu filho e durante o caminho Mayara sempre me pedindo sobre como eu estava.
Confesso que após conversar com os advogados comecei a relaxar. Seja o que fosse, não havia mais nada que eu pudesse fazer, pois o quadro já era irreversível. Tinha a questão que envolvia a Ana, que sinceramente naquele momento não dependia de Carla para que fosse resolvida, embora talvez ela tivesse informações que me seriam preciosas.
Infelizmente aquela noite nos aguardaria grandes surpresas. Novamente Ana passou mal e foi levada ao hospital regional.
Ao chegar com Mayara e Antônio dou de cara com os pais da menina na recepção do hospital. Sua mãe só faltou me fuzilar com um olhar. Seu pai apresentava um semblante preocupado, não sabia certo qual o estado de saúde da menina e pior, me ver ali não foi digamos que confortante ao mesmo.
Mayara chegou até próximo deles enquanto discretamente me retirei e fui até a lanchonete do hospital.
A lanchonete estava lotada, pedi um café e ao sentar um senhor de aproximadamente 80 anos me chamou, estava sozinho em sua mesa.
Pedi seu nome que me falou que era Manoel. Descendente de açorianos, manézinho da ilha, residente no ingleses do rio vermelho há mais de 65 anos. Pedi ao mesmo o que fazia no hospital.
Ele rindo me disse:
- Não sou o doente rapaz!
Rindo também emendei a ele:
- De fato o senhor não me parece nenhum pouco doente.
Ele na hora prosseguiu:
- Tenho uma idade já avançada, mas se tu souberes que até pouco tempo atrás eu ainda pegava ondas? Agora não, hoje eu pesco, ainda sou pescador, mas surfista não mais.
Eu ri e disse:
- Se nessa idade eu tiver uma vida ativa dessas eu estou feliz.
Ele seguiu comentando:
- Minha esposa está internada. Bom, quer dizer, minha namorada né. A minha esposa, mãe dos meus filhos, morreu já fazia 28 anos.
Pedi a ele na sequência:
- E casou novamente então?
Ele riu e disse:
- Olha, eu dizia que desse mal eu não corria mais. O mal do casamento. Agora sabe como é né? A gente vai ficando velho, é bom termos alguém para cuidar de nós né?
Eu ri e falei:
- Com certeza, casou de novo e agora vive feliz com a nova esposa.
Ele riu e disse:
- É na verdade não foi bem assim. Essa agora é a quarta já. Foi uma, depois outra, agora tô com essa. Hoje estou aqui no hospital acompanhando ela em alguns exames.
Eu ri e perguntei:
- Está tudo bem com ela né?
Ele imediatamente respondeu:
- Com 78 anos ninguém está 100% né? Mas ela está bem, leva uma vida ativa como eu. Ela diferente de mim é divorciada. Enfrentou muita coisa, marido agressivo, filhos rebeldes, nos conhecemos há 9 anos e sabe quando parece que fazem 50?
Eu ri, me identificando com ele inclusive e disse:
- Minha situação é semelhante, a diferença que eu conhecia ela antes, era minha namorada, agora que ela ficou viúva eu não deixei escapar a oportunidade que a vida me deu.
Ele riu e disse:
- Faz bem viu rapaz! Tu sabes que eu vivi bem com a minha esposa, casamos novos, tivemos filhos também novos, eu já sou bisavô acredita?
Rindo balancei negativamente a cabeça e ele continuou:
- Agora tu sabes que eu e a minha primeira esposa nunca nos amamos? Até conversar sobre isso nós conversávamos, era até reciproco.
Observei atentamente o Sr. Manoel falando, que experiência de vida. Eu nem percebi o tempo passar no bate papo com ele que continuou:
- Tínhamos uma relação excelente de cumplicidade, éramos felizes do nosso jeito. Quando ela enfartou o que estava no meu alcance fazer eu fiz, contudo ela faleceu 2 dias depois.
Respondi a ele na sequência:
- Que história meu amigo. E agora encontrou o amor verdadeiro?
Ele rindo me pediu:
- No fim da vida você quis dizer?
Eu ri e tentei negar e ele logo emendou:
- Então rapaz, uma coisa aprendi nessa vida. Nada vem antes, tudo tem o seu tempo. Eu podia ter me separado da minha esposa, acho que eu e ela seriamos mais felizes até. Certo dia ela me pediu porque eu dormia no lado esquerdo da cama. Eu respondi a ela que era porque ela dormia no lado direito.
Imediatamente peguei no pé dele:
- E isso era cumplicidade?
Ele rindo na hora falou:
- Claro que sim! Eu podia fingir que nada acontecia. Sempre detestei dormir do lado esquerdo, era o lado da janela. E sabe o que ela me disse? Que também não gostava do lado direito.
Encantado com os rumos daquela conversa, pedi a ele se havia tido alguma aventura durante o casamento, ele imediatamente não se furtou em responder.
- Uma penca. Eu era surfista. Era bonitão que nem você.
Rindo pedi:
- E ela sabia?
Ele rindo disse:
- De cada caso. Nunca escondi nada. Dormi muito no sofá, contudo esse é o diferencial do diálogo, o ajuste de nossas diferenças ficava acima de qualquer erro.
Eu na hora tive que questionar:
- Desculpa perguntar, agora aqui é comum isso, vocês eram um casal liberal?
Ele riu e novamente sem ressalvas respondeu:
- Ela era muito recatada. Cheguei a propor isso a ela. Nunca soube de nenhum caso. Cheguei a suspeitar, contudo se ocorreu quer dizer que ela não era tão cumplice assim. Respondeu rindo na sequência.
Estava tão entretido que nem vi o tempo passar. Mayara havia chegado junto a Antônio, Ana passaria a noite em observação. Antes de me despedir o Sr. Manoel me disse:
- Rapaz, se um dia quiser continuar essa prosa, me procura no ingleses, só pedir do seu Manoel, todos me conhecem. Antes de ir vou te dar uma dica, notei que você está tenso. Essa gata aí vale ouro hein, desabafa com ela, coloca tudo o que te incomoda para fora, não esconde nada dela. E para tua sorte, eu passei dos 80, se fosse 40 anos atrás, tu ias ter concorrência! Encerrou ele rindo.
Dei um caloroso abraço e me despedi dele.
Era a hora de fato de desabafar e somente o meu verdadeiro amor poderia ouvir tudo o que eu precisava dizer e não poderia passar dessa noite!
Continua...