Era mais um dia de plantão médico. Comum como todos os outros. Rodrigo já estava acostumado a acordar às 5h todos os dias. Fazia seu próprio café e deixava mais na garrafa para quando sua esposa acordasse em seguida. Tomou meu banho rápido e se vestiu tentando não a incomodar, como sempre. Vestiu uma camisa um pouco velha que poderia soar transparente de tão lavada e um jeans regular. Paula era muito irritada pela manhã cedo e ele não poderia pensar em acordá-la.
Voltando para a cozinha, enquanto terminava de comer um misto quente meio queimado que fez minutos atrás passou pelo quarto do meu filho e deu uma leve observada. Ele dormia profundamente, sem problemas. O dia estava começando.
Rodrigo, olhava pela janela da cozinha pro jardim com piscina num sentimento meio estranho e esse mesmo sentimento o aflingia há tempos. Ele havia construído recentemente aquela casa enorme com todo conforto possível e ainda assim se sentia desconfortável. Não dormia bem, não se sentia parte da casa e odiava ter que tomar café sozinho todas as manhãs. Sentia que sua família vivia uma vida a parte da sua e que ele era apenas um mero "provedor."
- Vamo lá... - atirou a borda do pão de forma na lixeira e saiu com seu carro no silêncio absoluto. Todas as manhãs eram sempre assim: silenciosas.
No plantão Rodrigo se sentia vivo. Era incrível como instantaneamente ele começava a rir ao entrar pela recepção e cumprimentar as pessoas. Ele adorava fazer isso todas as manhãs e se recusava a passar pela entrada privativa dos médicos direto do estacionamento da clínica.
Ele mergulhava de cabeça em todos os casos que surgiam. Naquele dia era uma segunda, ele estava atendendo como de costume na clínica particular de um amigo. Ele trabalhava sob regime de contrato e três vezes na semana dava plantões de atendimento de 7h. Das 7h da manhã até 11h e das 13h às 16h.
Rodrigo amava aquele lugar. A sua área, ortopedia, rendia muito bem mensalmente e ele tinha muito conforto para atender. Segundas, quartas e sextas eram os melhores dias de trabalho da sua semana. O que não podia falar das terças e quintas quando ficava a disposição do hospital municipal e era chamado para urgências em horários mirabolantes.
Naquele dia, apesar de estar feliz alí Rodrigo ocasionalmente sentia seu sorriso desaparecer entre um paciente e outro. Havia tido uma briga feia com Paula noite passada.
Acontece que a relação não era mais a mesma e isso já durava bastante tempo. Desde que Matheus nasceu na verdade. Não que ele culpasse o garoto, hoje com 3 anos. Quase 4. Mas a maternidade afetou Paula. Ela se virou totalmente para o garoto, esqueceu de Rodrigo e é como se o mundo dela agora só girasse em torno da crica. Rodrigo se sentia culpado por achar isso. Afinal, parecia até que estava disputando algo com o filho. Isso era horrível em sua cabeça.
Paula não se importava com Rodrigo e a sensação que ele tinha era de que se ele não voltasse pra casa ela não daria por falta dele. Ou talvez daria. Por ciúmes exagerados, como sempre. A discussão da noite anterior era por querer revisar o WhatsApp de Rodrigo com uma desconfiança de que uma das secretárias da clínica onde ele atendia estivesse se oferecendo pra ele. Uma completa loucura... Rodrigo era fiel a Paula há 7 anos.
Alguém bateu sua porta o tirando de desvaneios.
- Com licença, Dr. Chegou um convite para o senhor na recepção. - disse Rose, sua secretária. Ela trouxe até sua mesa um pouco envelope azul.
- Obrigado, Rose.
- Por nada. - ela disse saindo em seguida.
O envelope era um convite para um evento realizado pela prefeitura. Algo sobre incentivar o empreendedorismo na cidade e ele era um dos convidados de honra.
Rodrigo coçou a testa já imaginando o problema. Paula não iria a um evento desse. Não é o estilo dela, ele pensou mesmo o convite sendo para ele. Jogou o convite em sua pasta sem dar importância e ordenou que o próximo paciente entrasse. Os atendimentos seguiram até o fim do dia.
Quando Rodrigo estava saindo da clínica, ao fim do dia, viu Rose, sua secretária com dificuldades para ligar a moto no estacionamento. Ele se ofereceu para ajudar e nesse processo acabou sujando a barra do seu jeans com graxa da corrente da moto. Nem ele percebeu.
Ao chegar em casa mais uma discussão foi gerada. Paula insistia que aquilo era um indício de que ele estava indo a outros lugares ao sair do plantão. Lugares que ela sabia quais eram e que ele não compartilhava. Ela não acreditou na sua versão da história, pra variar.
Enquanto os dois discutiam na cozinha, Matheus olhava para a tv ignorando. Mesmo com pouca idade a criança já tinha entendido que aquela era a vida deles.
Rodrigo subiu para o quarto chateado ouvindo os berros de Paula. Tomou um banho demorado... Céus. Como sentia sua energia drenada ao entrar em casa.
No banho, ao passar sabonete no corpo acariciou o pau e sentiu um arrepio imediato. Rodrigo não fazia sexo há mais de 3 semanas. Ele necessitava aquilo mais que tudo. Ao mesmo tempo não gostava da ideia de se masturbar. Ele era um homem casado. Não deveria passar por isso. Mas era inevitável.
Rodrigo deixou a água correr por seu corpo retesado. Com 1,70m de altura e 80kg, hoje com mais gordura que outrora, ainda assim Rodrigo sustentava um baita corpo. Quando jogava futevôlei era bem mais definido mas até seu maior hobby havia deixado de praticar devido a rotina.
Apertou suas bolas e gemeu baixinho para não ter risco de ser ouvido. Seu pau subiu imediatamente e pulsava numa forca que parecia que iria estourar em tesão reprimido. Ao começar uma punheta lenta, não resistiu e acelerou. Se sentia mal por aquilo, como um adolescente imaturo. Mas a sensação do seu toque era tão positiva. Meu Deus. Aquilo não durou nem 2 minutos e Rodrigo esporrou toda a parede do box com 5 jatos de esperma branco e espesso. Convulcionando em tesão.
Porra. 32 anos. Médico. Casado. Ele não merecia aquela vida em casa. Rodrigo terminava seu banho como se cada gota em seu corpo não fosse água e sim culpa. Por um momento sentiu até os olhos marejarem em tristeza e raiva. Do benheiro viu a luz do quarto acender e apagar. Não queria dar de cara com Paula e se secou no banheiro. Ele precisava de uma fuga daquilo.
No quarto enrolado em sua toalha ele abriu o closet e ao pegar um short qualquer parou e olhou as camisas sociais que se amontoavam. Qual ele iria usar amanhã caso fosse chamado para uma ocorrência no seu outro emprego? Por falar em camisa social... O evento da prefeitura!
Ele vestiu o short e desceu até a cozinha onde havia deixado sua pasta. Abriu o convite sem se importar com Paula.
- Tem um evento hoje a noite e o prefeito convidou... a gente. - aquilo era uma completa mentira e ele desejou fortemente que ela não quisesse ir.
- Você devia me avisar antes. Não tenho mais como fazer cabelo. - ela falava emburrada de costas enquanto cortava algumas frutas para dar para Matheus.
- Recebi o convite hoje. É algo simples. Acho que tem a ver com...
- Não me importa. Não vou. Vai lá você. - ela disse o interrompendo.
Provavelmente num outro dia Rodrigo iniciaria uma discussão sobre a forma de falar mas dessa vez, não. Já bastava tudo. Ele não recusou a resposta de Paula. Subiu para o quarto decidido a sair aquela noite.
Se vestiu com o básico de sempre. Camisa social, jeans e sapatos de couro. Rodrigo tinha um único relógio velho também de couro e não usava perfume. Ele parou de usar muitas coisas com o passar do tempo e se surpreendeu a olhar para os cosmeticos amontoados da esposa e lembrar que na época de faculdade ele já havia chegado a ter 4 perfumes. Um para cada ocasião. Como as coisas mudam.
Se despediu do filho, não falou com Paula e voltou para sua Range Rover. Ele pegou no volante se sentindo culpado. Que droga. Não era assim que ele deveria sair de casa. Rodrigo SEMPRE estava disposto a fazer o certo. Voltou a sala de casa e comunicou a Paula que estava saindo.
- Tá. Verifica se não tem alguém próximo do portão ou na esquina quando sair com o carro. - foi a única coisa que ela disse.
Que droga! Não importa o quanto Rodrigo se esforçasse ele nunca era minimamente reconhecido.
Ao chegar no evento, em um salão de eventos de um shopping, haviam muitas pessoas transitando mas muitas sentadas também numa plateia. Uma passarela vermelha corria dividindo a plateia ao meio. Era um desfile?
Ao fundo havia um palco sendo montado com instrumentos musicais. Pelo visto haveria música ao vivo. Várias autoridades locais estavam presentes. Ele começou a fazer o protocolo, como ele ironizava. Cumprimentar a todos e perguntar como estavam sem se importar muito com suas respostas. Isso acontecia porque elas sempre vinham acompanhadas do questionamento sobre onde sua esposa estava e ele sempre tinha que inventar um motivo diferente para não estarem juntos. Ele se sentia humilhado nessas situações. Era massante.
Era mesmo um desfile. Era um desfile das novas coleções das lojas de roupas do novo shopping. A prefeitura estava apoiando o evento. Foi formada uma mesa de honra e Rodrigo, por ser ortopedista de urgência do hospital da cidade, foi um dos convidados para torná-la ao lado de alguns lojistas. Ao ter seu nome anunciado e ser recebido com salva de palmas ele foi timidamente para a mesa.
Rodrigo notava os olhares sobre ele. Provavelmente cheios de julgamentos que ele já sabia quais eram. Que ele não se arruma. Que suas roupas são gastas. Que sua barba está por fazer. Que suas olheiras estão horríveis. Que ele ganhou peso. Que essa não é a aparência ou imagem pessoa que as pessoas esperam de médico... Isso minava toda a auto estima de Rodrigo.
Ao seu lado sentou um lojista chamado Davi e isso ficou ainda mais desconfortável. Era um contraste absurdo entre eles dois. Rodrigo sabia que isso geraria comparações. Sabia tinha um sorriso sincero, estava alinhadamente vestido com uma camisa pólo azul marinho que fazia sua camisa social branca, quase transparente de tantas lavagens, chorar. Davi tinha sua mesma altura mas era magro e forte. Seus braços finos mas torneados, suas pernas exibindo um leve contorno abaixo do jeans e seu peito marcando a camisa.
Mas o principal é que Davi exibia uma autoconfiança enquanto caminhava em direção a mesa que fez com que Rodrigo se encolhesse inconscientemente. As pessoas batiam palmas e Davi sorria em resposta. Ele dominava aquele lugar com sua presença.
Rodrigo quis ir embora imediatamente após Davi sentar ao seu lado.
- Boa noite. Obrigado por ter vindo. Hoje é uma noite muito especial. - Davi disse sorrindo e estendendo a mão para Rodrigo que se limitou a apertá-la e sorrir timidamente.
O evento foi passando e não foi tão ruim quanto Rodrigo imaginava. Na verdade, Davi fazia comentários lá e cá sobre os looks masculinos e Rodrigo concordava com alguns deles. Acabou sendo divertido ver o desfile.
Muitas das roupas Rodrigo com certeza usaria. Lembravam muito a época de faculdade e início de carreira dele. Um ar de jovialidade e vivacidade. Um ar de liberdade que Rodrigo tinha e doía um pouco olhar para os rapazes na pista e se comparar a eles. Isso ficou pior quando um senhor já idoso também desfilou mas ele nem de longe usava roupas velhas como as de Rodrigo.
Ao final de tudo, por volta das 22h, Davi entregou seu cartão na mão de Rodrigo enquanto se despedia.
- Dr Rodrigo, se você gostou das peças, visita a minha loja depois!
- Pode ser. Na verdade... Eu não me ligo muito em comprar roupas. A minha mulher é quem faz isso.
- Ela compra as suas roupas? - Davi perguntou sem entender.
- É... - Rodrigo sorriu sem graça.
- Olha... - Rodrigo pôde jurar que Davi olhou sua camisa social com atenção. Droga! - Separa um tempo e vem sozinho. Eu acho que você ia curtir experimentar algumas coisas e decidir. - ele sorriu sincero.
- Outro dia. Pode ser sim.
- Promete? - Davi perguntou e levantou as sobrancelhas esperando uma resposta.
- Sim... - Rodrigo disse tímido.
- Ótimo! Agora tô morrendo de fome, sai do futebol direto pra cá e pela hora aqui no shopping não tem mais nada. Tô indo pra um restaurante aqui perto. O senhor quer vir junto?
Rodrigo riu. Como assim? Ele havia saído de casa sem pretensão, agora assistiu um desfile de roupas. Ele não podia sair com um desconhecido por aí! Não sem avisar em casa, pelo menos. Mas entre essa proposta e encontrar Paula naquele estado em casa não foi difícil decidir.
Mandou uma mensagem para Paula dizendo que ia tomar uma cerveja com o Prefeito e amigos e encontrou Davi numa churrascaria perto do shopping. Os dois pegaram uma mesa na área externa da churrascaria.
Rodrigo descobriu que Davi tinha 29 anos, cursou Administração e tinha sua loja de roupas já 3 anos. Que sempre quis empreender, abriu uma loja simples no centro da cidade, cresceu e foi para o shopping. Vendia roupas de alto padrão e seus clientes eram justamente as pessoas com mais renda do evento de há pouco.
Davi era destemido. Muito comunicativo. Rodrigo notava como ele observava as coisas ao redor, muito atento e analítico. Davi tinha um riso solto e sincero. De bem com a vida. Simpático ele comandava a conversa na mesa contando sobre o processo de criar a loja e lançar sua marca.
- Hoje minha prioridade é registrar minha marca. Isso ainda não fiz mas vou agilizar. - ele finalizou o que estava falando.
- Você tem toda uma história pra 29 anos.
- E o senhor tem que idade? - ele disse rindoNão precisa me chamar de senhor...
- Você tem em tem muita história pra 32 anos. Não é como se você fosse muito mais velho.
- Não? - Rodrigo perguntou incrédulo.
- O que são 3 anos, Rodrigo? Nada, vai... - Davi se espreguiça na cadeira tomando mais gole da cerveja em seguida.
Rodrigo ficou sem argumentos. Em sua cabeça era uma diferença enorme! Ou talvez... Talvez Rodrigo se sentisse mais velho mesmo sem literalmente ser.
- Huuum... - Davia dizia engolindo a cerveja com o dedos levantado como se pedisse a palavra - Olha, tem uma frase que diz... - ele lambia os lábios - que nós somos uma média das pessoas com quem nos relacionamos. Talvez seja isso. Que idade tem os outros médicos do hospital?
- Bem... Eles são sim um pouco mais velhos. Mas não atendo só lá. Também tenho um emprego numa clínica e lá... É... São um pouco mais velhos que eu também.
- Tá vendo. Isso faz você se sentir assim. Você é tão jovem quanto eu pow.
Rodrigo queria rir. Tão jovem quanto ele??? Nem em um milhão de anos. Davi tinha uma espécie de magnetismo, ferocidade. Ele podia sentir como ele se expressava. Rodrigo não se sentia assim. Rodrigo se sentia bem diferente disso.
A droga do celular tinha uma mensagem de Paula. Rodrigo ignorou.
- Voce disse que joga bola. - Rodrigo perguntou querendo saber mais dele. - Eu joguei futevôlei por muitos anos.
- Sim. Bato uma bolinha mas só fim de semana. Hoje foi excessão. Futevôlei é difícil, já joguei algumas vezes.
Finalmente algo em que Rodrigo talvez fosse melhor que ele.
- O segredo do futevôlei é...
O celular voltou a tocar.
- Desculpe... - Rodrigo disse checando a mensagem.
- São mais de meia noite. Se você tiver que ir tá tudo bem. - Davi disse notando o que estava havendo.
- Eu realmente preciso ir. - Rodrigo disse bufando. - Mas foi um prazer.
- Foi sim. Aparece na loja. Tá me devendo uma visita - Davi pediu apertando sua mão.
- Com certeza. Você vai ter muito sucesso irmão.
- Valeu.
Rodrigo deixou Davi na mesa e desceu os degraus do restaurante esmagando o celular na mão em direção ao carro. Aquele era a primeira vez que saia de casa e esquecia os problemas por algumas horas e nem isso ele conseguia fazer direito.
Ele adorou conhecer Davi e ficou abismado como ele era magnético. Ele poderia passar horas falando sobre a vida com ele. Não era como trocar ideia com algum colega médico na cantina da clínica. Era diferente. Foi diferente.
Ao entrar no carro e fechar a porta sentiu de imediato o cheiro do perfume de Davi em sua mão no volante. Foi confuso. Ele se sentiu estranho por se sentir feliz daquela forma. Ele se sentia uma criança que acabou fazer um novo coleguinha na escola. Essa comparação o fez rir enquanto saia pelo estacionamento e observava Davi de longe.
Rodrigo voltou pra casa pensando que até que não seria mal renovar algumas camisas mesmoEssa é uma história que escrevi e estava engavetada. Decidi trazer aqui ao site depois de mais de 10 anos que escrevi meu primeiro conto. Espero que gostem. Sesim, continuarei.
Rodrigo e Davi carregam características do comportamento de pessoas próximas a mim. Mais que isso. Os desafios que eles irão passar também são questões pessoais que precisei enfrentar e traduzi aqui.
Abraço.
Igor Alcântara.
kazevedocdc@gmail.com