Paula não implicou tanto quanto Rodrigo achou que ela faria. Após passar no quarto de Matheus e dar um beijo em sua testa, Rodrigo se deitou e ficou olhando pro teto pensativo sobre como lá fora existiam tantas vidas diferentes e tantas pessoas que pareciam estar curtindo o que estavam vivendo e como isso contrastava muito com ele.
Por um acaso do destino aquela terça não houveram chamados no hospital. Rodrigo sempre agradecia a Deus quando isso acontecia porque isso significava um dia de folga apesar de continuar vigilante para caso alguém chamasse.
Ele mesmo levou Matheus na escola aquela manhã e depois de deixá-lo lá percebeu que não tinha nenhum afazer. A rotina de trabalho de Rodrigo o consumia de uma forma que quando ele tinha dias de folga dessa forma ele não sabia ou nem tinha para onde ir ou com quem interagir.
Espera. Rodrigo riu ao cogitar isso. No parabrisas do carro ele pegou o cartão da loja de Davi. Rumou ao shopping pelo mesmo trajeto da noite passada. Como ainda era cedo e as lojas estavam fechadas passou numa loja de conveniência no caminho e comprou algumas Mentos que ele sempre gostava de ter no carro. Algumas pessoas o cumprimentavam. Rodrigo era um ortopedista conhecido na cidade.
Ele foi até o shopping então e era estranho caminhar até a loja de Davi. Ele notou que se sentia nervoso a cada passo e não sabia porquê isso acontecia. Talvez pelo fato de não comprar roupas há muitos anos. Nem tinha noção do que comprar.
Ao entrar na loja viu Davi atrás do balcão vendo algo no computador enquanto uma das duas vendedoras veio abordá-lo na porta. A loja era linda. Tinha uma identidade visual em branco e um tom caramelo que lembrava couro. Ele via roupas, manequins, calçados e acessórios masculinos por toda parte.
- Dr Rodrigo! Bom dia! - Davi vinha sorridente ao seu encontro.
- Bom dia! Não precisa do Dr. - Rodrigo ria sem graça.
- Sabia que você vinha só não imaginei que fosse tão cedo. Acabamos de abrir.
- Ah... Eu posso voltar outra hora.
- Não! Chegou em ótima hora. Antes do maior movimento começar. Assim consigo te dar mais atenção cara.
Rodrigo gostou de ser chamado de "cara" por Davi. Era bem melhor que o Dr.
- O que você mais quer ver?
- Eu não sei... - Rodrigo olhava abobalhado ao redor.
- Vem ver as camisas. Na verdade ontem mesmo eu pensei em algumas pra você.
Aquilo foi acolhedor. Aaaah... Não pode ser. Claro que é papo de vendedor. Certo?
- Pensou pra mim?
- Sim. Ó... - Davi pegou alguns modelos que realmente estavam reservados atrás do balcão. - Coloquei uma opção social que já percebi que você gosta. - Davi disse olhando Rodrigo dos pés a cabeça. Rodrigo não admitia mas gostava daquele olhar sobre ele. - Coloquei mais algumas opções pra dia a dia. Parque, restaurante, viajar...
Se Davi pudesse imaginar qual foi a última vez que Rodrigo saiu até um parque ou fez uma viajem... Ao menos Rodrigo foi a um restaurante noite passada e foi com Davi. Isso foi um programa ótimo.
- Eu não sei qual levar.
- Você precisa experimentar. Eu separei o que eu acho que poderia servir mas você precisa testar mesmo. Posso ter me enganado. Vem. O provador é aqui.
Rodrigo entrou no provador com tantas opções de camisas em tons variados e não sabia por onde começar. Riu abobalhado. O que ele estava fazendo alí? Tirou a camisa social e se olhou no espelho. Rodrigo precisava perder alguns quilos e a insegurança de sempre baixava sobre suas costas. Ele engoliu um seco. Não sabia porque estava se importando com aquilo naquele momento.
Vestiu uma opção das camisas e abriu a porta do provador. Davi parecia esquadrinhar cada pedaço do corpo de Rodrigo.
- Caraca, parece que foi até feito sob medida. Ficou excelente. Essas camisas são as melhores da loja. Você não vai se arrepender.
- Você acha mesmo?
- Cara tá perfeito! Verde fica muito bem em você.
- Eu nem sei quando usei algo diferente de branco - Rodrigo riu tímido.
- Vamo dar uma variada então. Pode provar todas.
Rodrigo provou todas as camisas e aquela situação toda de trocar cada peça enquanto Davi aprovava ou não o uso era muito boa. Ele gostava do olhar de Davi sobre ele, o avaliando, observando. As últimas duas camisas, Rodrigo trocou sem fechar a porta do provador e deixou Davi ver suas costas nuas. Engoliu um seco ao admitir pra si mesmo que fez isso de propósito.
- Cara eu gostei de todas elas. Faz muito tempo que não faço isso - Rodrigo ria se olhando no espelho.
- Comprar suas roupas faz parte de um processo natural de ser independente. Decidir o que você gosta, seu estilo.
De fato. Davi passava isso a todo instante. Ninguém que olhasse pra Davi pensaria que uma mulher comprou suas roupas. Davi se vestia de forma básica mas claramente com estilo próprio.
Rodrigo foi embora sorridente e fez questão de começar a usar as camisas nos dias seguintes. Paula nem mesmo notou a mudança na paleta de cores. A semana de trabalho correu normalmente com Rodrigo trabalhando na clínica na quarta e sexta seguinte e com uma operação simples de um garoto de 16 anos com braço quebrado no hospital na quinta a tarde.
Sábado da semana seguinte, Matheus pediu para ir a casa dos avós e acabou passando o dia por lá. Rodrigo o deixou e aproveitou para ir ao shopping. Sempre tinha uma desculpa de uma peça no guarda roupas que queria renovar para ir até a loja de Davi e tomarem um café conversando amenidades na praça de alimentação.
Na semana seguinte, quarta feira, em seu horário de almoço na clínica não comeu na cantina. Pegou o carro e foi almoçar no shopping de propósito para encontrar Davi. Era como recarregar uma bateria, Davi repunha suas energias. Era tão bom estar na companhia dele que Rodrigo já tinha se pego pensando nele em várias vezes ao dia nas últimas 3 semanas.
Eles se seguiram na rede social e apesar de Davi ser bem reservado em seu perfil privado, no perfil da sua loja ele tinha uma personalidade diferente. Gravava stories em vídeo conversando e engajando com o público. Além de mostrar tudo o que chegava na loja. Ele tinha um público masculino fortíssimo que comprava muito pelo visto.
Mais uma semana se passou e agora era uma rotina. Rodrigo saiu sempre da clínica em seu horário de almoço para almoçar com Davi. Esse era seu nomento.
Certo dia, ainda pela manhã foi a loja para comprar jeans novos e ao acertar o pagamento, Rodrigo ficou perdido. Tudo bem, ele havia comprado alguns jeans que precisava mas naquele momento ele percebeu que isso era um pretexto. Se sentiu constrangido pelas vendedoras.
- Eu vou tomar alguma coisa nesse café aqui da frente. Você tá livre? - ele disse baixinho.
- Claro! Vamo lá pow.
"Pow". Rodrigo ria. Cada interação mais pessoal de Davi com ele lhe dava confiança de que estavam se aproximando. Lhe cortava a garganta ver Davi o chamando de Dr em alguns momentos. Ele não queria essa distância.
Enquanto conversavam Rodrigo fazia perguntas querendo saber cada vez mais da realidade de Davi. Tudo sobre Davi era interessante. Davi era livre e isso contrastava muito com a realidade aprisionada de Rodrigo. Por isso era fascinante.
- Então quer dizer que você pode receber uma ligação e sair correndo agora mesmo pro hospital pra operar alguém, Dr? - Davi perguntava incrédulo.
- Meu jaleco e alguns acessórios já ficam no carro.
- Meu Deus. Então você tá de folga mas não tá.
- Isso mesmo.
- Uau... Como é ser médico? Seu dia a dia? Eu imagino que deve ser legal. Você parece ser muito inteligente e dominar sua área. Eu conheço a clínica que você atende. Um amigo destista atende lá e os atendimentos não são nada baratos. - Davi perguntava curioso e Rodrigo queria muito poder contar uma rotina interessante mas a verdade era bem ao contrário.
- Meu dia a dia é... Um pouco problemático. - ele riu. - Quando não tô consertando algo quebrado no corpo de alguém tô tentando consertar meu casamento quebrado em casa - ele riu mais alto em desdém.
Davi ficou calado. Aquilo não soou como uma piada como Rodrigo imaginava.
- Problemas no paraíso, é?
- Nem me fale... Mas a gente vai se acertar. A gente tem que se acertar. - Rodrigo sabia que era cedo de mais pra se abrir com Davi daquela forma mas era finalmente alguém para conversar e eles já estavam cultivando essa amizade há mais de um mês. Ele pôde jurar que Davi arqueou uma das sobrancelhas.
- Eu desejo que dê tudo certo mas você tem que tomar essa ideia de que "tem que" dar certo da cabeça e pensar mais em fazer "o seu possível" para dar certo.
- Como assim?
- As vezes não dá cara. A gente tenta. Faz o que pode mas as vezes não dá. Eu já passei por relacionamento falido... Não era casamento mas quando teve que acabar, acabou.
- Não posso me divorciar... - Rodrigo disse recuando na mesa. - Meu pai sempre ensinou que um homem tem que ser honrado com sua mulher e além disso eu tenho um filho.
- Rodrigo... Sua esposa e seu filho são partes importantes da sua vida mas isso não abre espaço pra você viver numa condição infeliz ao lado deles cara.
- Vamo supor que eu me divorcie. - Rodrigo sentia o peso da palavra divórcio na sua garganta e tentou mas não conseguiu engolir nem um seco - Meu filho vai ficar no meio disso.
- Pais divorciados não são obrigatoriamente pais ausentes, Rodrigo.
Aquilo o cortou com uma faca.
- Não são mas...
- Eu sou filho de pais separados e meu pai fez o possível pra tá comigo. Eu sei reconhecer. Acho melhor que ter ele em casa infeliz com minha mãe. Isso sim era um mau exemplo. Minha mãe não era feliz nem um pouco com ele como é hoje. Ela decidiu não se casar mais e tá tudo bem pra ela.
Cara, hoje ele tava demais. Davi não tinha noção de como estava dando tapas e mais tapas na cara de Rodrigo sendo cirúrgico assim.
- Eu não posso... Ele é muito pequeno.
- Você vai saber a hora certa. Se a hora chegar. Só tô dizendo que você não precisa optar entre você e seu filho por conta de um divórcio. Você pode sim se cuidar, ser feliz e cuidar do seu filho mesmo que não esteja mais ao lado da sua esposa. - Davi gesticulava sobre a mesa como se criando limites entre os indivíduos da citação e tomou do capuccino de leve ao final.
Rodrigo ficou pensativo. Ele meio que já sabia e acreditava nisso mas ouvir essas palavras em voz alta do Davi havia mexido com ele.
No fim daquele dia Rodrigo foi ao hospital para uma ocorrência. Ao chegar em casa após algumas horas brincava com Matheus na sala quando Paula o questionou de forma bem imperativa sobre a fatura do cartão de crédito.
Mesmo respondendo que eram só algumas roupas que ele estava repondo ela brigava dizendo que era desnecessário. Que ela decidia quando comprar roupas pra ele e que ele era homem. Homem não entendia disso. Aliás, Rodrigo nem saia de casa.
Era impressionante como Paula sempre achava uma forma de diminuir Rodrigo. "Ela é que decidia." Quem ela pensava que era? Comprando ou não ele é quem pagava tudo. O salário de Paula como nutricionista era gasto só com seus próprios itens e alguns do Matheus. Todas as despesas da casa eram cobertas por Rodrigo, incluse gastos com lazer e alguns gastos com cartão de crédito dela.
Tomando banho naquela noite antes de dormir, Rodrigo falou foda-se para a culpa que sentia ao se masturbar e começou uma punheta lenta se olhando no espelho do banheiro. Estava tão necessitado daquilo que balbuciou o nome de Davi sem perceber. Arregalou os olhos de imediato se dando conta do que tinha acontecido, um medo e adrenalina de ser ouvido, mas sua mão continuou a trabalhar.
Pensava nas formas de Davi. Magro, definido, nas suas costas delineadas, no sorriso largo e no rosto bonito. Pensava em sua bunda pequena e redonda. Porra. Pensava muito em sua bundinha. Como ela devia ser por baixo daquele jeans. Como Davi devia ser pelado. O quão firme o corpo dele devia ser.
Só por aqueles minutos enquanto se masturbava Rodrigo queria tirar toda a roupa de Davi e admirá-lo. Passar a mão em todos seu corpo e sentir cada curva, cada forma. Rodrigo queria apertar e sentir a rigidez dos seus músculos.
Na verdade Rodrigo queria mais. Rodrigo queria saber o sabor dele. Rodrigo poderia facilmente lamber todo aquele pescoço que via algumas vezes por semana nos últimos meses. Porra! Que loucura era aquela que estava pensando? Pensar nisso fez sua mão esquerda subir e alisar seu próprio pescoço enquanto a direita trabalhava em seu membro.
O orgasmo veio em jatos fartos e quentes na pia. Após o fim Rodrigo tinha certeza. Estava fascinado por Davi e pela primeira vez não se sentia culpado por isso. Muito pelo contrário. Era excitante e assustador desejar Davi secretamente daquela forma.
A masturbação no banho virou uma realidade impossível de negar.
Obrigado pelos votos e comentários. Havia esquecido o quão bom é ler todos eles quando se está postando. Nem imaginei que leitores de mais de 10 anos atrás ainda estariam aqui, me reconheceriam e voltariam a acompanhar um conto escrito por mim.
Abraço.
Igor.
kazevedocdc@gmail.com