O lado bruto da cornucópia
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
OITO HORAS DA NOITE. Os recém-nupciados acabam de sair da festa de casamento e estão doidos para pegarem a estrada e partirem para uma cidadezinha não muito perto da capital, onde alugaram um apartamento para o rompimento da primeira noite. Com essa ideia, se mandam para a tão sonhada viagem, onde, sem a interferência dos familiares e amigos, consumirão os prazeres da lua de mel no romântico e aconchegante “enfim sós”. Entretanto, quando se acham na estrada, acontece um imprevisto e o carro apresenta um defeito mecânico. Em vista disso, se veem obrigados a estancarem no meio da escuridão e do nada, onde a intervalos bastante prolongados, ora passa um carro, ora um ônibus ou caminhão. Todavia, o socorro que se fazia imprescindível, ficava cada vez mais impossível. Por sorte, algumas horas depois de longa espera, aparece um rapaz de moto com uma moça na garupa. Ao ver o casal sentado à margem da rodovia, ao lado do veículo, resolve parar e prestar ajuda.
— Boa noite!
— Boa noite!
— O que aconteceu, meu amigo?
— Nosso carro apresentou um problema, apagou tudo.
— Entendo…
— Estão aqui faz tempo, certo?
— Na mosca. Pra azar nosso, ninguém para…
— A essa hora… desculpe. Estão indo para onde?
— Santo Eduardo.
— Um bocadinho longe...
— Algum posto perto, uma pousada, um hotel?
— O mais próximo fica a uns duzentos quilômetros.
— Meu Deus! E agora?
— Se me permitem, posso dar um jeito. Virgem Maria, nem me apresentei! Meu nome é Plínio e esta é Rafaela, minha filha.
— Prazer. Eu sou Calixto e esta, Rosângela, minha esposa. Acabamos de casar.
— Minhas felicitações e prazer em conhecer vocês dois, embora em uma hora não muito propícia. Vamos fazer o seguinte: com esse breu medonho, fica dificil ver alguma coisa. Vocês deram sorte. Sou mecânico, tenho uma oficina aqui perto. Farei o básico: vou até minha casa, deixo minha filha e a moto e retorno com um reboque e resgato vocês. Combinado?
— Perfeito. Agradeço sua gentileza por ter sido prestativo. Deus lhe pague!
Assim acontece. Plínio volta a sumir na escuridão. Vinte minutos depois, de fato, um VW 8150 aparece com as luzes de alerta piscando. Calixto e Rosângela se abraçam.
— É ele!
— Deus seja louvado!
O carro é guinchado até a oficina de Plínio, que continua se mostrando gentil e hospitaleiro e se abre em mesuras, socorrendo aqueles jovens que ele acabara de conhecer na BR. Sempre foi de sua índole ajudar quem quer que fosse, simplesmente pelo fato de ter bom coração, e o melhor de tudo: sem pedir nada em troca.
— Seu Calixto e dona Rosângela, como lhes falei, esta é minha oficina. Tenho também uma borracharia. Logo ali, estão vendo? — aponta um barracão. — A família é só eu e a menina de dezesseis anos, acabei construindo um puxadinho nos fundos.
— Não tem esposa?
— Faleceu.
— Meus pêsames!
— Obrigado. Venham conhecer o barraco. É simples e humilde, mas a hospitalidade é grande. Por aqui, por favor.
O casal seguiu atrás.
No puxadinho de alvenaria, uma cozinha com fogão, geladeira, mesa pequena, quatro cadeiras e um armário cheio de mantimentos. Contíguo, um banheiro razoável, azulejado do chão ao teto com chuveiro quente. No quarto, um guarda-roupas de seis portas, uma cômoda, mesinha de computador com um leptop sobre ela, um sofá de quatro lugares, uma tevê de tela plana e um beliche.
— Este é o nosso humilde pedacinho de chão — completa Plínio.
— Bastante agradável — registra Rosângela com um sorriso nos lábios. — Parabéns!
De volta à cozinha, Plínio pede à filha que providencie alguma coisa para colocarem no estômago, apesar do adiantado das horas. Rosângela se prontifica a ajudar.
A certa altura, Plínio observa:
— A cama que temos, como vocês viram, é um beliche. Minha filha dorme em cima e eu, embaixo. Tive uma ideia. Se vocês concordarem, por mim e Rafaela, tudo bem…
— Diga o que pensou…
— Vocês não têm como ir embora. Então pensei em oferecer a parte de cima do beliche. Eu e Rafaela dormimos na cama de baixo e vocês dois se apertam na parte superior. Como é só por algumas horas…
— Eu e Rosângela retribuímos a gentileza — agradece Calixto, mas não. — Nos acomodaremos no carro. Já demos trabalho demais por uma noite.
— Faço questão. Está decidido. Vamos lá fora pegar o resto das coisas de vocês.
Plínio tanto insiste, que Calixto e Rosângela não têm como recusar.
— Amanhã a gente acerta as contas — completou Calixto.
— Nada disso. Como acabaram de casar, vocês dois são meus convidados. Se a senhora quiser tomar um banho, dona Rosângela, fique à vontade…
Depois do jantar improvisado, rola ainda um café fresquinho com biscoitos, manteiga, queijo e pão caseiro. Após isso, todos se recolhem. Duas da manhã, Calixto “de conchinha” colado ao calor da sua metade da maçã, desperta excitado. Rosângela, que andava a perigo e, igualmente doida de vontade, não se faz de rogada. Sai da modorra e entra no clima. Afinal de contas, o bole daqui, remexe dali… desperta seus instintos pecaminosos.
— Amor, e agora? — segreda Calixto no ouvido da amada? — Olha como estou…
Rosângela, com um gritinho gutural, acrescenta, melosa:
— Estou percebendo o tamanho do problema… amor, imagina eu… pega aqui. Sentiu? Você me deixou fora de controle.
— Psiu! — Fale baixo. Tem boi na linha…
— Amor, se a gente continuar nesse rala e rola, acabaremos acordando seu Plínio e Rafaela. Não é justo…
Calixto pensa um pouco. Observa ao redor. Plínio ronca à sono solto. A filha parece pra lá de Bagdá.
— Tive uma ideia…
— Qual, amor?
— Você se livra desse pijama, fica só de calcinha. Eu parto para o ataque. Quando encaixar, direi cenoura e você, ao sentir que o menino está no caminho certo, murmura alface.
(Risos).
— E se doer, amor? Esqueceu que sou virgem?
— Psiu! Abaixe a voz. Se doer, você morde minha orelha e diz pepino.
Superados os contratempos, partem para o bem-bom.
Calixto se mostra gentil e amável:
— Cenoura, amor?
Rosângela, sentindo as primeiras emoções:
— Sim amor, alface…
Calixto:
— Continua cenoura, minha linda?
Rosângela:
— Tudo bem… com… ti… com… ti… ai… ai… ai… fa… ce!…
Calixto:
— E aí, minha fofinha, está gostando da cenoura?
Rosângela, afoita, suando em bicas e quase chegando aos pináculos, se vê acometida por uma dor imprevista e incômoda.
— Pepino, amor, pepino! Tira… tira… tira… pe… pe… pepino…
Nessa fase abrupta do campeonato, Rosângela morde, com força descomedida, a orelha do amado e se esquece que pernoitam entre paredes estranhas. Seu clamor, choroso ao sentenciar pepino, se excede e ela acaba alteando o tom sem perceber.
— Ai, amor, para, para, tira… pepinooooo…
Calixto, impensadamente, emite um grito em virtude da abocanhada no lóbulo do seu pavilhão auricular.
— Calma, minha linda, relaxa! Eu ouvi. Pepino. Da próxima vez seja mais delicada e me torture com menos violência… credo! Quase me arrancou o cérebro junto…
Nesse interregno, Rafaela se sobressalta. Não demora muito para entender e processar o que ocorre acima de sua cabeça. Os pombinhos faziam amor e falavam em código. Procurando não imprimir muito estardalhaço e para não despertar o pai, que logo precisaria abrir a oficina, a garota chama a atenção dos pombinhos:
— Seu Calixto, dona Rosângela, por favor! Vamos parar com essa salada que tá caindo maionese aqui embaixo…
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Belo Horizonte nas Minas Gerais