Bernardo [54] ~ Berlim

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2682 palavras
Data: 05/12/2023 16:17:07
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Eu não posso pensar em Rafael agora, Alice. Ele vai ter que esperar eu voltar.

_Que confusão, meu Deus!

Eu estava conversando com Alice pela webcam do computador. Ela parecia a mesma, fisicamente ela não tinha mudado nada. Mas fazia tanto tempo que não a via, que parecia muito mais bonita. Ela solicitou a conversa assim que me viu online poucas horas depois de me mandar aquela mensagem sobre Rafael. Por causa do teor do assunto, eu escolhi um momento onde Ricardo não estivesse no apartamento pra conversar.

_Não tem nenhuma confusão. Eu estou com Ricardo. Quando eu voltar pro Brasil, converso com Rafael.

_E você jura que ele vai te esperar assim bonitinho?

_Eu não quero que ele me espere. Nunca pedi isso. Ele ainda está com Carolina, certo?

_Sim.

_Pois é. Não adianta nada conversarmos agora.

_Discordo._ falou fazendo cara de descrente _Acho que você devia conversar com ele e explicar seu ponto de vista.

_Nós estamos juntos, eu não devo explicações para ele sobre a minha vida amorosa.

_O mundo não é preto e branco assim, Bernardo.

_Eu sei que não é. O que estou tentando te fazer entender é que não temos nada pra conversar.

Ela deu um longo suspiro.

_Ele me ligou quando viu a sua nova foto de perfil, Bernardo._ ela falou _Ele ficou magoado.

Foi impossível não me sentir mal por Rafael, mas eu não tinha como pular aquela etapa. Eu não podia esconder Ricardo das suas vistas para protegê-lo.

_Não fiz com essa intenção._ falei.

_Eu sei e ele sabe, mas mesmo assim. Você se declarou e disse que vai lutar por ele quando voltar, mas assim que desembarcou já arranjou um namorado? O que você acha que ele está pensando?

_Eu entendo, Alice. Eu entendo o ponto de vista dele. Só que eu não posso fazer nada agora. Eu não vou ficar me guardando pra ele por um futuro que talvez nem exista. Eu não vou me privar de um cara maravilhoso como o Ricardo sendo que ele ainda está namorando a Carol._ foi a minha vez de suspirar profundamente _Ele vai ter que esperar eu voltar pra podermos conversar cara a cara.

_Se é assim que você quer...

Neste momento, ouvi a voz de Ricardo no apartamento. Ele tinha acabado de chegar da rua. Assim que ele entrou no quarto, tratei de puxá-lo e apresentá-lo a Alice. Os dois se deram bem.

_E como vão as coisas com Pedro? Você já cedeu?_ perguntou Ricardo me fazendo cair na gargalhada.

Mesmo com a pouca qualidade da câmera, pude que o rosto de Alice ficou vermelho de vergonha. Como sempre acontece nessas situações, ela adotou a defensiva.

_Eu te conheço por acaso? Te dei essa liberdade?_ falou.

Ricardo perdeu um pouco da graça, mas continuou rindo ao me ver gargalhando com situação. Ele entendeu que era apenas o jeito de ser de Alice, que ela não estava brava com ele.

_Agora sou eu que estou perguntando._ falei _E Pedro?

_Ah, vai tomar no cu._ falou desligando e saindo da conversa.

Eu e Ricardo continuamos rindo por mais algum tempo.

_Ela parece ser um amor de pessoa._ ele comentou.

_E é mesmo.

Ele começou a passar a mão sobre minha pele e tirar a minha camisa. Eu já ia ceder, mas antes tínhamos um assunto a tratar.

_Antes disso, tenho que conversar com você.

Ele me olhou preocupado.

_O que foi?

_Lembra do meu tio Aurélio que te contei a história?

_Sim.

_Pois é. Eu encontrei com ele semana passada e ele me convidou pra ir visitá-lo em Berlim.

_Você se encontrou com ele? Por que não me falou?

_Porque eu precisava fazer isso sozinho. Talvez ele não se abrisse com você por perto. E você estava curtindo os seus pais, não queria te roubar deles.

_Mas eu queria estar ao seu lado para o caso de você precisar.

_Bom, agora eu vou precisar de você.

_Como assim?

_Eu não quero ir pra Berlim sozinho. Além de não falar o idioma, tenho medo de ficar muito isolado._ acariciei sua mão entre as minhas _Você vai comigo?

Meu namorado sorriu e deu de ombros.

_Eu sempre quis conhecer Berlim!

[...]

No começo de fevereiro, eu parti com Ricardo pra Berlim. Fomos na sexta-feira à noite com a intenção de voltar no domingo à noite. Ficaríamos na casa do meu tio. Eram quase duas horas de voo. Tio Aurélio nos buscou no aeroporto. Ele foi muito simpático com Ricardo. Mas eu ainda não tinha muita intimidade com ele, então fiquei meio retraído. Ainda bem que tinha levado meu namorado.

Se Paris é uma cidade que parece ter parado no tempo no início do século 20, Berlim parece ter parado no tempo nas décadas de 70 e 80. Toda a cidade era envolvida por uma aura indie e underground. E combinava muito bem. Era uma cidade bonita. Meu tio morava no coração de Berlim, no bairro de Tiergarten. Era um apartamento de quatro quartos num prédio de três andares. Logo fomos apresentados ao restante da família. O marido do meu tio era um senhor que aparentava ser a simpatia em pessoa. Ele tinha um sorriso bem largo. Era mais baixo que eu e um pouco acima do peso, com os cabelos completamente grisalhos, apesar das rugas acusarem apenas alguns anos a mais de cinquenta. Se chamava Klaus. Ele era alemão, mas falava um pouco de português e eu falava um pouco de alemão, então nos entendíamos. Logo, apareceram os gêmeos. Lukas e Lea tinham treze anos. Eram irmãos de sangue que meu tio adotou junto do marido ainda bebês. Eles tinham traços fortes e pesados, combinando com seus cabelos negros. Mas apesar da aparência séria, eles foram muito simpáticos comigo e com Ricardo. Naquela noite, quando meu tio nos acomodou no quarto de hóspedes, meus primos ficaram até tarde da noite nos fazendo mil perguntas sobre o Brasil. Apesar de falarem bem português, apesar do sotaque, eles nunca tinham ido ao país e morriam de curiosidade de conhecer a terra de seu pai.

No dia seguinte, os quatro fizeram questão de sair conosco e fazer um passeio pelos principais pontos turísticos da capital alemã. Fazia muito frio ainda, mas a neve começava a derreter, o que nos permitiu ver belas paisagens de inverno pela cidade. Ricardo se afastou um pouco com Klaus e os gêmeos. Entendi que ele estava me dando um tempo com tio Aurélio. Meu tio entendeu o recado também.

_Tem conversado com sua mãe?_ ele perguntou.

_Sim, toda semana.

_E você já contou?

_Não, essas coisas têm que ser feitas pessoalmente.

_Talvez.

Caminhamos juntos por um tempo antes de ele recomeçar a falar.

_Eu não tenho muito o que te contar sobre sua mãe. O que eu posso te contar é sobre o modo pelo qual fomos criados. Talvez isso te ajude de algum modo a entender como ela pensa.

Fiquei em silêncio e ele começou a contar.

_Meu pai era um homem muito rígido, mais do que o homem que você conheceu já envelhecido. Ele já veio de uma família muito dura, sabe? A mãe morreu muito cedo e o pai, um velho fazendeiro, criou ele e os irmãos com a ajuda da madrasta, uma mulher cruel. Quando eram crianças, ela os punia deixando-os sem comida ou batendo com uma vara. Não quero defender ele, de jeito nenhum, só estou dizendo que essa era a família que ele conhecia. Ele não sabia que exista alguma coisa melhor ou diferente lá fora, então foi com essa mentalidade que ele formou nossa família.

Meu tio não me olhava, olhava pra frente enquanto caminhava, se limitando a abaixar a cabeça quando vinha um vento mais frio em nossa direção.

_Ele não tinha estudado, mal sabia ler e escrever, então só havia dois caminhos para ele: a roça ou o exército. No exército, tudo o que ele encontrou foi mais rigidez. Foi nessa época que ele conheceu sua avó e seu casou. Coitada dela, se apaixonou pelo homem errado._ comentou meu tio num suspiro sem graça _Ela também vinha de uma família pobre, mas urbana. Ela nunca tinha tido um namorado, apenas podia sonhar com o amor que via nos livros e filmes. E apareceu aquele homem, alto, com porte, com uma profissão respeitadíssima e disposto a se casar com ela. Ela achou que fosse amor, mas não era. Ela se apaixonou sim, casou apaixonada, mas cedo ela descobriu que paixão não é amor. Paixão acaba.

Nós ficamos um tempo observando e rindo de um desajeitado Ricardo tentando ensinar Klaus, Lea e Lukas a sambar.

_Enfim, crescemos nessa casa. Diferente do meu pai, criado isolado de outras famílias, vivíamos na cidade, então tínhamos amigos e vizinhos, e podíamos ver com eram as famílias deles. Desde cedo entendemos que havia alguma coisa de errado com a nossa. Meu pai era rígido, tratava-nos como se fossemos parte do seu pelotão. Ele nunca nos chamou de filho, ou nos tratou com tais. Talvez nos amasse como filhos, mas ele não sabia como amar um filho, ele não viu isso quando estava crescendo._ ele fez mais uma longa pausa _E tinha a minha mãe. Logo nos primeiros anos ela percebeu a vida a qual estava condenada e se ressentiu. Ela se fechou, se enfeiou, ganhou traços muito mais profundos que eram esperados para a sua idade. Era como se tivesse morrido em vida. O único brilho que tinha restado na sua vida eram seus filhos, mas até eles tinham se tornado um doloroso lembrete da sua vida infeliz. Eles eram a corrente que a prendiam àquele homem e àquela casa.

Ele olhou pra mim pela primeira vez durante aquela conversa.

_Entende? Foi esse ambiente em que crescemos. Cada um lidou com ele à sua maneira. Seus tios resolveram serem cópias do seu avô, afinal, era o modelo de homem respeitável que eles tinham. Eu não tive essa opção. Eu não era igual a meu pai. Eu sempre tive uma coisa muito forte dentro de mim. Era muito mais que a homossexualidade reprimida, era uma vontade de explodir, chutar a porta daquela casa, conhecer o mundo. A vida tinha que ser mais do que aquilo. Quando eu era pequeno, eu não sabia lidar com esse sentimento muito bem, então eu me trancava no meu mundo da imaginação e sonhava com outros países e outros povos. Mas à medida que fui crescendo, fui conhecendo outras pessoas com visões parecidas com a minha e isso me desabrochou. A sua mãe falou que foi Marcos que me mudou, mas não. Eu nunca tive problemas com minha sexualidade. Quando eu fui sentir atração pelo meu primeiro garoto, Marcos, eu já estava inserido em um grupo de amigos que via aquilo com naturalidade. Além do que, era apenas mais uma coisa que me diferenciava do meu pai, e eu me agarrava a qualquer cosia que me provasse ser diferente dele. O resto da minha história você já sabe._completou com num tom triste.

Sim, eu sabia. Ele enfim explodiu, foi mandado pro Recife, voltou pra casa, descobriu que o namorado fora morto por ordem do meu avô e se autoexilou na Alemanha Oriental.

_Com a sua mãe foi diferente._ ele falou _Sua mãe era a princesa da família. Ela sempre foi a mais bonita, a mais alegre, a única de nós que realmente sorria. Como ainda era nova, ela não entendia muito bem o mundo que nos cercava. Para ela, meu pai era o ideal do homem: sério, com postura, o provedor do lar. E mamãe era a dona de casa perfeita, sempre serviente ao marido e aos caprichos dos filhos. Ela não entendia que tinha alguma coisa errada na nossa casa e na nossa família. Para ela, aquilo era o ideal, a perfeição. E como você bem sabe, sua mãe não gosta de ser contrariada.

Nas palavras dele, foi impossível não associar minha mãe e minha irmã. Era uma descrição que cabia às duas perfeitamente. A genética era realmente uma coisa poderosa.

_Ela acha que fui eu que destruí nossa família, mas ela estava destruída há muito tempo. Talvez ela soubesse e eu lhe contei sobre o grande elefante branco que tínhamos na sala. Ela nunca me perdoaria por isso. Ela nunca vai me perdoar por estourar a bolha da perfeição._ meu tio sentenciou _Eu mantive alguns amigos no Brasil, e alguns em comum com ela, por isso, sempre pude acompanhar seus passos de longe. E uma conclusão muito importante: tudo o que ela fez na vida depois que fui embora foi trabalhar pra ter a família perfeita. Se ela não podia restaurar a perfeição na nossa família, ela procurou construir a sua própria assim. Logo, ela entrou pra medicina, porque uma mulher da sua geração que não trabalhasse podia ser mal vista e médica era uma profissão respeitável. Mas ela se especializou em dermatologia, pois isso não acarretaria em perder a sua feminilidade aos olhos da sociedade. Ela se casou com o ideal do homem perfeito atual: bonito, profissão respeitável, capaz de protegê-la física e financeiramente, carinhoso com os filhos sem ser necessário perder a sua masculinidade pra isso, etc. E ela se desdobrou entre sua casa e seu trabalho, porque a mulher perfeita da sua geração dava conta do recado. E ela teve muitos filhos, porque é o que sempre se espera de uma mulher. Entre outras coisas. Tenho certeza que você pode pensar em muito mais coisas do que eu.

Eu ouvi tudo atento. Não era exatamente um susto ouvir aquilo, não estavam me contando nada exatamente novo. Mas era uma interpretação diferente da minha mãe, era um ângulo da sua personalidade que eu nunca tinha prestado muita atenção. A minha cabeça começou a se abrir. Eu comecei a pensar em todos os pequenos gestos e atitudes da minha mãe, e percebi que tudo se encaixava ao que tio Aurélio estava falando.

_Então, preste bastante atenção, Bernardo. Esse é o conselho que te dou._ ele parou pela primeira vez desde o início da conversa e falou com a mão no meu ombro _Sua mãe é inteligente, ela não acha que homossexualidade é uma doença ou um pecado mortal. O que ela não suporta é que quebrem a imagem de perfeição que criou pra sua família. Não adianta querer mudar esse traço da sua personalidade, agora já é tarde. O que você precisa fazê-la entender é que você ainda é o mesmo, e que sua família é a mesma ainda. É sua única chance.

Sacudi a cabeça afirmativamente. Como fazer aquilo? Como fazê-la entender aquilo se até pouco tempo nem eu mesmo entendia? Era uma questão a se pensar, pois em menos de quatro meses eu teria que encará-la com a verdade.

_E adivinhe?_ falou tio Aurélio com uma inesperada expressão de excitação.

_O que?

_Segui seu conselho e liguei pra sua avó.

Meu rosto se iluminou com a notícia.

_Ela se emocionou e disse que estava feliz por eu ter ligado.

_Mas essa é uma notícia maravilhosa!

_Sim! E ela quer muito conhecer seus primos. Ela não pareceu tão animada assim em conhecer Klaus, mas também não pôs objeções.

Ele ria de pura alegria com a situação e eu o acompanhei. Eu podia entender seu sentimento. Fazia quase quarenta anos que eles não se falavam.

_E eu devo ir a Porto Alegre com Klaus e os meninos em julho. Seria ótimo se você aparecesse também.

_Seria ótimo e...

Me lembrei de um pequeno detalhe.

_O que foi?_ ele perguntou.

_É que julho é o mês em que minha mãe nos leva pra visitar Porto Alegre.

Tio Aurélio ficou pensativo por alguns instantes, mas depois soltou num riso contido:

_Bom, acho que está na hora de uma reunião de família.

O que esperar dessa reunião em família? O que esperar da reação da minha mãe? O que esperar dela quando eu lhe contasse a verdade? O que aconteceria com a minha família? Seria eu a estourar a bolha?

Em menos de seis meses, eu teria todas aquelas respostas...

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Comentários

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Acho que algo que pode mexer com a mãe de Bernardo é a história da avó. Não vejo a mãe de Bernardo querendo passar 40 anos sem falar com o filho, igual a avó de Bernardo.

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