Bernardo [62] ~ Conversa com Tiago

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2974 palavras
Data: 05/12/2023 18:03:52
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Tiago é o mais velho dos meus irmãos, e o único mais velho que eu. Devido a isso, nossa relação sempre foi um pouco diferente do que era com os outros. Eu já falei que meus irmãos mais novos nasceram prematuros e tomaram toda a atenção da família, que se preocupava muito com a saúde deles. Assim, eu e Tiago deparamos com uma realidade que só tínhamos um ao outro.

Não me entendam mal, não fomos abandonados de jeito nenhum. Ainda éramos alimentados, banhados e vigiados da mesma forma. Mas havia dois bebês dentro de casa que necessitavam de toda atenção possível. Logo, não havia ninguém para brincar ou gastar um tempo a mais mimando eu ou meu irmão mais velho. Isso só veio a ser corrigido alguns bons meses depois, quando os gêmeos já estavam para completar um ano de vida e saudáveis. Até lá, era só eu e Tiago. Como irmão mais velho, ele tinha VIII e eu tinha II, ele se sentiu na obrigação de cuidar de mim. Cuidar no sentido mais figurado da coisa. Era ele que brincava comigo e me distraía. Como um clube só nosso. As pessoas se encantavam com a nossa ligação, em como era raro um caso de irmãos que não sentiam ciúme um do outro. Tiago era como meu herói

Mas isso foi se perdendo aos poucos. Tiago entrou na adolescência muito rápido e eu, com seis anos a menos, não pude acompanhá-lo. Aos XIV anos de idade, Tiago já tinha permissão pra sair com os amigos dele para festinhas. Aos quinze ele já tinha apresentado a primeira namorada. E que adolescente quer a companhia de uma criança? Lembro vagamente de sofrer quando ele batia a porta do seu quarto na minha cara quando eu queria jogar videogame. Só não virou uma crise maior porque eu encontrei no meu irmão dois anos mais novo, Caio, a companhia que Tiago não podia ser mais. Mas daqui a pouco eu falo sobre Caio

Enfim, eu e Tiago perdemos a ligação que tínhamos quando éramos crianças. Eu não pude alcançá-lo nem mesmo quando já era adolescente. Nós desenvolvemos perfis muito diferentes, ele mais extrovertido e cheio de amigos e eu introvertido trancado no meu quarto. Sem contar que, quando se é adolescente, uma diferença de idade de seis anos é muita coisa. Mas houve alguma reaproximação. Já mais velhos, conseguimos entender o mundo um do outro, mesmo que eu mantivesse segredo absoluto sobre as coisas que se passavam comigo e que ele nunca tivesse manifestado algum desejo de compartilhar seus feitos comigo. Nos fizemos companhia em muita festa de família chata ao longo dos últimos anos.

E agora estávamos ali, nos olhando olhos nos olhos, enquanto sua pergunta pairava no ar. Sua expressão era indecifrável, não tinha como saber o que viria daquela conversa. Contudo, passado tudo o que eu já tinha passado, mentir para Tiago nunca foi uma opção.

_O que significa que ter um cara com você na sua foto de perfil?_ ele tornou a repetir depois de um tempo em silêncio.

Suspirei fundo, me levantei e fechei a porta do quarto que ele tinha deixado aberta. Eu teria escolhido uma forma melhor de iniciar aquela conversa, teria preparado ela melhor na minha cabeça. Mas eu estava ciente dos riscos quando coloquei aquela foto no meu perfil do Orkut. Hora de arcar com as consequências.

_Não existem tantos significados possíveis._ respondi e voltei a me sentar na cadeira _Você sabe o que significa.

_Eu quero ouvir de você._ ele respondeu sério.

Eu nenhum momento eu abaixei a cabeça ou desviei o olhar. Afinal, não tinha nada do que me envergonhar. Respondi o encarando:

_Aquele era meu namorado.

Passamos algum tempo em silêncio. Ele digeria a informação e eu estava lhe dando tempo para isso. Já fazia algum tempo que a foto estava no ar, então ele deve ter passado meses refletindo sobre a questão. Ainda sim, ouvir com todas as palavras é sempre impactante.

_Ricardo, aliás._ completei depois que o silêncio começou a me irritar.

Ele abaixou a cabeça e esfregou os olhos com força.

_Isso está na minha cabeça há meses..._ ele falou, enfim.

Eu não sabia como responder isso, então deixei que ele continuasse.

_Você é...

_Gay._ completei ao ver que ele estava com dificuldade em formar a frase.

Eu estava sério e centrado, eu estava muito orgulhoso de mim mesmo pela forma como eu estava lidando com a situação. Mas isso só externamente. Por dentro, eu estava com medo. Eu sei que já fiz aquele discurso do “eu não tenho mais medo da reação dos outros”, mas era o meu irmão, poxa! Não era qualquer um na rua cuja opinião não influenciaria em nada a minha vida. De certa forma, ele ainda era meu herói. Ele tinha um milhão de amigos, tinha milhares de namoradas, era inteligente, muito mais bonito do que eu, expansivo, carismático, destinado a ser muito bem sucedido dando continuidade ao escritório de advocacia do meu pai. Ele era meu modelo! Ele era a pessoa que eu sempre tentei ser, em vão. É lógico que a opinião dele valia muito.

_Você tem certeza?_ ele perguntou me olhando com um olhar confuso.

Eu ri da pergunta. Em partes, ri de relaxamento. Se ele não teve uma reação explosiva ali, não teria mais.

Sim, tenho certeza.

_Mas, desde quando?

_Desde quando eu tenho certeza?

_Desde quando você sabe que é... é... Você sabe.

_Gay.

_É._ ele respondeu claramente constrangido.

_Não sei..._ respondi sinceramente _Acho que nasci assim, mas só fui perceber naquela fase onde tudo começa a ficar mais sexual, sabe?

_Mas você nunca tentou não ser gay?

_Eu passei anos da minha vida tentando não ser, Tiago. Não deu certo.

_Mas você já transou com uma garota, eu posso te apresentar alguém e...

_Já transei com garotas, obrigado pela oferta. Estou muito certo do que eu sou.

Ele ficou em silêncio novamente. Aquilo tudo era torturante para mim, mas eu tinha que lhe dar espaço. Eu não podia empurrar nada nele com o risco do tiro sair pela culatra.

_Eu digo isso porque eu meio que fiz das minhas loucuras por aí...

_Você o que?

O mundo parou de rodar por um segundo. Ele estava me dizendo aquilo mesmo que eu estava entendendo?

_Ah, Bernardo._ ele falou claramente desconfortável _Todo mundo tem uma época que experimenta as coisas.

_Tiago, você está me dizendo que é...

_Não, não!_ ele respondeu rapidamente _Aconteceu algumas vezes, mas não teve importância. Era só curiosidade. Não fico suspirando por nenhum cara por aí.

Eu ainda estava processando a informação. Tiago já tinha transado com caras? Por essa eu não esperava.

_Olha, Bernardo._ ele falou com cuidado na voz _Eu não sou preconceituoso, de modo nenhum.

Minha experiência dizia que quem começava com uma frase daquela, normalmente era preconceituoso sim, mas deixei que ele falasse sem interrompê-lo.

_Acho normal transar com caras. E daí? O que tem a ver? Não acho que ninguém vá pro inferno por isso.

_Mas..._ falei antecipando sua próxima frase.

_Mas namorar um cara? Andar de mãos dadas? Formar família? Acho estranho isso.

Eu dei um longo suspiro.

Não o entendam mal, Tiago não era homofóbico. Nenhum homofóbico admitiria que transou com outro cara alguma vez na vida, quanto mais “algumas”. Era fruto da nossa criação. Era a mesma visão de Laura e da minha mãe, guardadas as devidas proporções. O que contavam eram as aparências. Você podia fazer tudo no sigilo. No instante que você se assumisse, você envergonharia a todos se tornando o viadinho do Zorra Total.

_É estranho porque você não convive com casais gays, Tiago. Nem dentro do nosso círculo, nem fora dele. Quantos caras você já viu andando de mãos dadas pela rua aqui no Brasil? Soa estranho porque é incomum. Infelizmente, hoje, ser gay é estar confinado a um gueto.

Ele ficou sem jeito com a minha resposta e voltou a abaixar a cabeça encarando o chão.

_Olha, Tiago, não tô pedindo nada de você. Você não precisa sair por aí balançando uma bandeira arco-íris em apoio a mim. Só, sei lá, mantenha a mente aberta. Sei que é muita coisa pra digerir.

_Não, cara._ ele falou _Eu venho pensando há meses sobre isso, desde que vi aquela foto. Você entendeu errado. Eu não tenho vergonha de você. Não tô preocupado com o que vão falar de mim se eu tiver um irmão gay. O problema não é esse.

_Então?

_Você não percebe o mundo que está entrando?! É uma vida muito difícil, Bernardo! As pessoas nunca vão te aceitar como um igual, você sempre vai ser a aberração.

A reação dele me surpreendeu. Nunca imaginei que ele tivesse uma mente aberta assim. Ele não tinha preconceito. Ele tinha medo.

_Mas eu não posso ser um refém dessas pessoas, Tiago. Eu já tentei, não vale a pena.

_Bernardo!_ ele perdeu a calma _Você não tá entendendo! Pessoas morrem por causa disso! É uma pena que vivamos num lugar assim, mas é perigoso assumir que é gay.

_Eu sei..._ falei com meus olhos se enchendo de lágrimas.

Fazia algum tempo que eu não pensava naquele dia em que o pai de Tom me bateu. Foi o pior dia da minha vida, pior mesmo do que aquele dia no lago. Foi o dia que todos os meus medos se materializaram em formas de socos e chutes.

Tiago é um cara inteligente, não demorou até que ele lesse as entrelinhas.

_O que fizeram com você?_ ele perguntou com um tom de raiva na voz.

_Lembra quando vocês voltaram do enterro do vovô ano passado e eu disse que tinha sido assaltado?

_Bernardo...

Ele parou por um segundo para buscar a memória. Lembro do horror dele ao me ver todo machucado quando voltou de viagem, cheio de hematomas e cortes.

_Quem fez isso?!_ agora a raiva era o tom predominante na sua voz.

_O pai de um cara...

_Me diz que você revidou! Me diz!

Algumas lágrimas caíram quando eu sacudi a cabeça negativamente.

_Me diz onde esse cara mora!_ ele falou num urro.

_Tarde demais, papai já fez o serviço.

Ele me olhou confuso.

_Como assim? Papai sabe?

_Ele descobriu na ocasião e teve a mesma reação que você. Só que ele chegou às vias de fato e bateu no cara.

_O papai?

_Sim... E ainda me ajudou a esconder tudo de vocês.

_Mas por quê?!

_Porque se que contasse que tinha apanhado, eu teria que contar o motivo...

_Mas Bernardo...

Tiago conhecia a nossa família tão bem quanto eu, então foi fácil para ele ligar os pontos. Tudo pareceu bem claro para ele de repente.

_A mamãe sabe?

Eu ri sem graça.

_Claro que não. Se soubesse, já tinha feito um escândalo e não estaria nem olhando na minha cara._ ele foi protestar, mas eu o impedi _Você sabe que é verdade.

Ele ficou pensativo por um tempo. Eu resolvi abrir o jogo com ele. Era melhor que ele soubesse de tudo.

_Eu vou contar para ela. O prazo que papai me deu está acabando.

_Vai ser barra...

_Eu sei.

Ele se levantou de repente, se ajoelhou na minha frente e segurou nos meus ombros.

_Vê? É por isso que é melhor ter ficado no armário. Essas coisas ruins vão continuar acontecendo, Bernardo. Você não enxerga isso?

Eu balancei a cabeça, me levantei e peguei uma camisa para enxugar meus olhos.

_Você não está entendendo, Tiago. Ficar no armário não é mais uma opção. Você não tem ideia de como é lá dentro. Você não sabe o quanto é solitário lá dentro, o quanto é doloroso.

Eu não sei se devia lhe contar o que estava prestes a lhe contar, mas eu decidi assumir o risco. Ele precisava entender.

_É uma coisa tão avassaladora, que te leva a ter os piores pensamentos possíveis. Eu quase me matei, Tiago. E se eu não fosse tão burro a ponto de não saber como, eu teria conseguido.

O rosto dele perdeu a cor. Ele parecia um fantasma. Rapidamente, seus olhos se encheram de lágrimas. E no gesto mais inesperado de todos, ele correu até mim e me abraçou. Eu não lembro de nunca termos nos abraçado. Eu aceitei. Ele achou que estava me consolando de alguma forma, mas a verdade é que eu que estava o consolando naquele momento.

_Já passou, Tiago. Eu não sou mais assim.

_Me desculpa._ ele falou entre lágrimas _Eu... Eu... Me desculpa.

_Você não tem pelo que se desculpar.

Ele se culpava por não ter estado lá. É um sentimento normal pra todos que estejam perto de alguém que se matou ou passou perto disso. É um sentimento de que poderiam ter feito alguma coisa para evitar tudo aquilo, mesmo que isso nem sempre seja verdade. Foi o que aconteceu com Alice e Pedro. Numa realidade alternativa, se Tiago fosse um pouco mais introvertido, não tivesse caído na adolescência tão cedo, nós teríamos permanecido muito unidos. Talvez ele se tornasse o meu melhor amigo e ouvisse sobre os meus medos. Talvez, ainda muito cedo, ele teria me ajudado a contar para os nossos pais e enfrentaríamos tudo lado a lado. Talvez... Mas isso é só uma realidade alternativa, não há como voltar atrás. Não há como por culpa em ninguém. Aconteceu assim. Tiago não teve nenhum culpa por se afastar de mim. Nunca, nem mesmo quando criança, eu o culpei.

_Eu vou te ajudar._ ele falou.

Ele soltou o abraço e me encarou de frente, com o rosto molhado de lágrimas.

_Com...?_ perguntei sem entender.

_A mamãe.

_Não tem como ninguém me ajudar nisso, Tiago.

_Tem sim. Você sozinho vai ser presa fácil para ela. Nós vamos ficar ao seu lado.

_Nós quem?

_Eu, Caio e Laura.

_Não, Tiago...

Eu ia dizer que não queria envolver ninguém na briga. Eu tinha uma visão que isso levaria à destruição da minha família.

_Eles são mais novos, mas vão entender. Você tem que contar a história toda a eles._ ele falou sem se preocupar com meu protesto _Você tem que se assumir para eles.

_Bom, Laura já sabe.

_O que? Você contou para ela e não para mim?_ ele perguntou com um tom de ofendido na voz.

_Eu não contei, ela descobriu. Ela me pegou na cama com Rafael...

_Com Rafael?!_ ele perguntou surpreso.

Eu percebi que foi informação demais.

_Tem muita coisa pra você saber, Tiago, mas vamos com calma. Eu vou te contando as coisas aos poucos.

Ele demorou um tempo até recuperar seu discurso.

_Certo... Mas falo sério, você tem que falar com o Caio.

_Tiago...

_É sério. Se nós quatro estivermos unidos e o papai também, mamãe não vai ter forças para lutar.

_Você fala como se fosse uma guerra.

Ele não respondeu, mas nos seus olhos eu li “mas vai ser uma guerra”. Suspirei fundo pensando nas minhas alternativas.

_Certo, eu falo com Caio._ falei me dando por vencido.

_Quanto antes melhor.

_Vou tentar amanhã ou depois.

_E me deixei informado. Não esquece que eu tô aqui.

_Ok._ falei em tom de desleixo.

Ele não gostou, me segurou pelo ombro e falou firme comigo:

_Eu falo sério. Você pode achar que Pedro e Alice são seus amigos, mas eles não vão estar sempre lá. Por melhor intencionados que eles sejam, eles sempre vão ter as suas próprias vidas para cuidar e a possibilidade de se afastarem. Nós não. Nós temos seu sangue. Nós somos as únicas três pessoas no mundo que têm o mesmo sangue que você. Do berço ao túmulo, um sempre terá o outro. Isso pode não ter ficado claro enquanto éramos adolescentes, mas estamos crescidos agora. Escute um conselho do seu irmão mais velho que já teve inúmeros amigos: amigos vêm e vão, quem vai estar sempre lá por você é a sua família.

As palavras dele mexeram comigo. Aquilo se confirmou como uma profecia. Pedro e Alice nunca me traíram. Sempre seriam meus queridos amigos. Mas num futuro não tão distante, eles começarão a tocar suas próprias vidas, cada um de nós terá sua própria família para cuidar, os encontros ficarão cada vez mais raros. É triste, mas é a vida. Por melhores amigos que Pedro e Alice fossem para mim, no fim seriam os meus irmãos que estariam lá por mim. O sangue é um laço muito poderoso. Essa passagem é importante porque eu às vezes sinto como se estivesse negligenciado meus irmãos nessa história, lhes dando menos importância do que realmente têm. Hoje eu não tenho dúvida: quando eu fizer sessenta anos, os meus melhores amigos serão Tiago, Caio e Laura. E eu posso afirmar com alguma certeza que essa amizade começou a ser construída naquela conversa com Tiago.

Dito isso, não interpretem a reação de Tiago como inesperada ou repentina. Ele teve muito tempo para refletir sobre aquilo durante meses. E ele nunca foi um cara realmente preconceituoso, apenas precisava abrir melhor os olhos. E isso não aconteceu com aquela conversa. Foi só o começo. Ele não estava pronto pra me ver de mãos dadas com um cara. Isso exige tempo e eu lhe daria esse tempo.

E para que a estratégia de Tiago desse certo, eu teria que conversar com a outra metade daquele quarteto: Caio e Laura. Laura podia até já estar ciente da minha preferência sexual, mas ela ainda precisava de um choque de realidade. Se eu a queria ao meu lado no momento que eu enfrentasse a minha mãe, nós precisaríamos ter uma conversa muito séria antes. E quanto a Caio, eu não sabia bem o que esperar dele. Sempre foi um mistério para mim, apesar de ser o meu irmão mais próximo. Ele seria o último a saber e teria a pior das reações...

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