Bernardo [65] ~ Segredos

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2780 palavras
Data: 05/12/2023 18:33:20
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Era domingo de manhã quando eu e meus irmãos entramos no carro de Tiago. Ele levava Laura na frente com ele, enquanto eu e Caio nos acomodamos no banco de trás. Ninguém falava nada. Tomamos café da manhã em silêncio, cada um no seu canto, nos arrumamos em silêncio, e descemos para a garagem do prédio em silêncio. Nem um “bom dia”. Acho que quando se vive há tanto tempo com alguém, às vezes não é necessário conversar.

Fazia frio naquela manhã de inverno, e isso só servia para nos deixar ainda mais encolhidos cada um no seu casaco. Chegamos ao hospital e caminhamos em silêncio até a sala de emergência. Tiago tomou a dianteira e foi quem ele que explicou o caso de Laura para a atendente. Não ouvi a conversa, não sei o que ele disse. Eu achava que talvez não conseguíssemos atendimento pelo fato de Laura ainda ser menor de idade na época e estar desacompanhada dos nossos pais. Não sei se foi permitido, ou simplesmente Tiago conseguiu burlar as regras. Ele e Laura se sentaram comigo e Caio num banco da recepção. Mais uma vez, ninguém disse nada depois dele avisar que em breve nossa irmã caçula seria atendida.

Nos minutos que ficamos esperando ali, eu me pus pensando sobre toda aquela situação. A quanto tempo Laura sabia? De quanto tempo ela estava grávida? E quem era o pai? Eu me sentia péssimo, mas não apenas por não ter essas respostas, e sim por ter faltado com Laura. Certo, não éramos as pessoas mais próximas do mundo, não tínhamos o costume de compartilhar nossas vidas um com o outro, mas, poxa, eu era seu irmão. Certo, eu estava do outro lado do oceano até poucos dias atrás, mas eu já estava de volta a algum tempo e mesmo lá nós conversávamos pela internet. O problema não foi ter meios para me contar, foi ela ter confiança, e isso me fazia mal. Eu bem sabia o quanto era pesado carregar o fardo de um segredo.

O hospital estava vazio naquele dia, então o médico não pareceu se importar quando Tiago pediu que nós três acompanhássemos Laura no exame. Ele nem mesmo perguntou se eu, Caio ou Laura queríamos isso. Meu irmão mais velho simplesmente decidiu que estaríamos juntos naquele momento.

Laura estava visivelmente envergonhada quando o médico pediu que ela levantasse a blusa, expondo o seu ventre na nossa frente.

_Quem de vocês é o suposto pai?_ perguntou o médico querendo fazer graça enquanto preparava o ultrassom.

_Nenhum. Nós somos os irmãos dela._ respondeu Tiago sério.

_Ah, sim._ respondeu o médico sem graça _Essa situação poderia ter sido evitada, mocinha. Há uma variedade imensa de métodos anticontraceptivos e...

_Eu sei._ cortou Laura _Foi um descuido. Eu sei muito bem que isso poderia ter sido evitado.

_Bem...

O médico voltou a se concentrar no exame ao ver que não conseguiria um papo mais informal ali.

_Este é seu primeiro exame?_ ele perguntou.

_Sim, mas eu fiz o teste de farmácia muitas vezes já._ a expressão de Laura se abateu _E deu positivo em todas elas.

_Entendo. Vamos lá.

Ele aplicou o gel sobre a sua barriga e começou a caminhar lentamente pelo seu ventre com o aparelho de ultrassom.

_Talvez você já possa até mesmo escutar o coração do feto..._ falou o médico e foi perdendo a voz aos poucos.

Ele, que tinha a expressão mais tranquila, franziu a testa preocupado e olhando a tela do exame. Todos nós percebemos de imediato que havia algo de errado acontecendo.

_O que foi, doutor?_ perguntou Tiago preocupado.

_Só um minuto._ respondeu continuando a mover o aparelho pelo ventre de Laura.

Minha irmã estava muito branca e eu me compadeci dela. O médico parou o aparelho num ponto e continuou a olhar para a tela preocupado. Eu olhei para tela também e vi o que ele olhava. Uma formação muito pequena estava localizada ali e, por já ter visto imagens semelhantes na escola, eu percebi que era o feto. Meu futuro sobrinho. Eu quase fiquei feliz com a imagem. Mas a expressão do médico não me deixava relaxar. Acompanhando a sua mão, eu percebi que o aparelho não estava apontado para o centro do ventre de Laura, onde deveria estar seu útero. Então eu compreendi...

_O que foi, doutor? Tem alguma coisa de errado?_ perguntou Tiago exasperado.

O médico desligou a tela e neste momento os olhos de Laura se encheram de lágrimas, assim como os meus. Caio e Tiago me olharam. Eles não perceberam de imediato o que estava errado.

_Você é muito nova, Laura._ falou o médico com uma voz calma _Quer que eu chame um psicólogo para acompanhar essa conversa?

_Não._ ela falou firme, apesar do choro _O que está acontecendo?

O médico deu um longo suspiro.

_Em cerca de um 1% das gestações, ocorre o que chamamos de gravidez ectópica. O óvulo fertilizado deveria ter descido das trompas e se instalado no útero, mas isso não aconteceu. O óvulo está se desenvolvendo na sua trompa Laura.

_O que isso significa?_ perguntou Tiago.

O médico estava claramente incomodado com aquela conversa, certamente por todos nós aparentarmos sermos muito novos.

_Acho melhor esperar seus pais, meus caros.

_Não!_ falou Tiago bravo com toda aquela enrolação. _O que está acontecendo com ela?!

Vendo o médico titubear, eu não aguentei em falei.

_Significa que a gravidez não tem como continuar._ falei com a voz grossa devido ao meu choro silencioso _Não há como mover o feto, e se ele continuar crescendo ali, onde não há espaço, ela vai romper a trompa dela e causar uma hemorragia interna. Ela...

Todos eles me olhavam com muita atenção. Eu não queria olhar para Laura quando dissesse aquelas palavras, mas eu não consegui. Ela confiava em mim. Era eu quem lhe daria a notícia.

_Ela precisa abortar.

O silêncio se instalou na sala. Os olhos de Laura se vidraram em mim. Naquele momento, ela em nada parecia a princesa que eu sempre vi. Era uma menina tomando o seu primeiro grande golpe da vida.

_Como?_ perguntou um chocado Tiago mais para ele mesmo do que para o médico.

_Pode ter inúmeros motivos. Possivelmente é devido a pouca idade dela e o uso de pílulas anticoncepcionais durante muito tempo.

Nenhum de nós respondeu e ele ficou sem jeito de continuar o assunto.

_Para evitar complicações, é preciso que o procedimento seja feito o mais rápido possível. É melhor ligar para os seus pais...

_Nós somos órfãos._ falou Tiago rapidamente _Eu sou o responsável legal por ela.

_Ah..._ falou o médico constrangido.

Nós trocamos olhares silenciosos. Era claro o que Tiago estava fazendo: nossos pais nunca saberiam daquilo.

E como seria feito esse... procedimento?_ ele perguntou.

_Como a gravidez ainda está muito no início, não será preciso nada muito invasivo. Vamos lhe dar uma droga abortiva e ele deverá fazer efeito em alguns dias. O feto será expelido na menstruação, ela não vai perceber.

_Entendo...

_Você pode nos deixar sozinhos por alguns minutos, doutor?_ pedi.

_Claro, vocês precisam conversar, desculpem se eu fui pouco sensível. Me chamem quando tomarem uma decisão.

_Obrigado._ respondi.

Ele saiu e deixou nós quatro na sala. Laura abaixou a blusa e ficou com a mão direita sobre o ventre. Ela encarava o teto enquanto lágrimas silenciosas desciam pela sua bochecha. Era uma das imagens mais tristes que cheguei a ver na vida.

_Você tem que fazer, Laura._ falou Tiago pegando na mão dela _Você ouviu, corre risco de vida.

_Mas..._ falei me aproximando da cama _Nenhum de nós aqui consegue imaginar nem por alto a turbilhão de sentimentos pelo qual você está passando. Por isso, vou te perguntar: você quer esperar a mamãe chegar?

_Bernardo!_ falou Tiago brigando comigo _O que você acha que a mamãe vai achar se souber disso?

_Eu sei muito bem o inferno que vai ser, mas a decisão não é minha ou sua. A pessoa certa para estar ao lado dela neste momento é a mamãe, e se ela quiser esperar por ela, nós vamos esperar.

Tiago me olhou sem reação. Ele sabia que eu estava certo e eu sabia que ele tinha a melhor das intenções, mas a decisão era de Laura. Nos viramos para ela esperando uma resposta. Ela continuou encarando o teto quando respondeu:

_Não vamos esperar ela. Vamos fazer agora. Eu quero ficar livre disso o quanto antes.

Eu não gostei das suas palavras. Independente de estar me contrariando, eu não gostei de como ela se referiu ao feto. Fosse como fosse, ainda seria seu filho e aquilo ainda era um aborto.

_Você ouviu._ me falou Tiago quando percebeu que eu ia protestar.

_Eu vou chamar o médico._ falou Caio (pela primeira vez no dia) e saiu do quarto.

Eu desisti de protestar. Não cabia uma briga naquele momento. Tudo o que eu podia fazer era esperar que estivéssemos fazendo a coisa certa. O médico já voltou com o medicamento, nos alertou sobre os possíveis efeitos colaterais e nos mandou pra casa, recomendando voltar caso alguma coisa fugisse do normal.

Já no carro, numa viagem de volta pra casa totalmente em silêncio, vimos Laura se contorcer de dor. Tiago parou o carro assustado para lhe prestar socorro. Mas não havia o que fazer, era uma dor psicológica.

_O que foi Laura?_ ele perguntou preocupado.

_Eu desejei que ele morresse!_ ela falou já entregue a lágrimas descontroladas.

Tiago a abraçou. Pra mim foi impossível segurar as lágrimas. Até mesmo Caio, que gostava sempre de se mostrar inatingível, estava visivelmente abalado com aquilo tudo.

_É um segredo nosso, não vamos contar pra ninguém._ falou Tiago quando entramos em casa.

_Mas a mamãe..._ falou Laura ainda chorando _Ela vai descobrir...

_Não, não vai. Nós não vamos contar._ ele sentenciou.

_Mas são nossos pais! Eu não posso guardar segredo deles!_ ela falou exasperada.

_Pode sim!

Tiago suspirou fundo e fechou os olhos.

_Uma vez, quando eu tinha dezoito anos, eu atropelei uma senhora.

Nós olhamos assustados para ele. Aquilo era informação nova.

_Não foi nada grave, eu prestei socorro e não houve ocorrência. Mas eu estava bêbado._ ela falou triste _Eu não podia chamar papai e mamãe. Mais do que o medo da bronca, eu estava com vergonha. Sabe o que eu fiz? Consertei o que fiz sozinho e tirei aquilo como uma lição preciosa. Nunca mais bebi e dirigi.

Nos olhamos sem reação àquilo. Inesperadamente, a palavra seguinte veio de Caio.

_Ano passado, eu experimentei cocaína.

Foi a vez dele receber nossos olhares assustados. Que tipo de vida levávamos escondidos um do outro?

_Foi a pior sensação da minha vida. Não me causou euforia ou satisfação. Talvez a dose fosse muito pouca. Talvez a sensação de estar decepcionando todo mundo fosse tão maior que sufocou tudo. Mas a lição ficou: eu nunca mais cheguei perto.

Eu olhava para eles tentando entender a razão daquilo tudo. Não acho que encher a cabeça de Laura com todas aquelas informações fosse a coisa mais saudável a se fazer. Mas agora já estava feito. E eu não poderia ficar para trás, afinal, agora havia uma rede de segredos que nos unia.

_O que eles querem dizer com isso, Laura, é que todos nós passamos por baques na vida. E nem sempre é preciso contar isso para os nossos pais. O importante é crescer a partir disso._ falei e respirei fundo antes de continuar _Ano passado, eu tentei suicídio. E foi só ao chegar ao fundo poço, que consegui ter forçar para me levantar.

Laura e Caio me olhavam atônitos. Tiago abaixou a cabeça. Ele já sabia da história, mas aquilo ainda mexia com ele. Caio, principalmente, me olhava com uma gama de sentimentos no olhar. Susto, dor, arrependimento, tristeza, dúvida, raiva... Deus sabe o que estava passando na sua cabeça agora. Mas foi bom que ele soubesse daquilo, pois foi a partir dali que ele passou a me olhar com outros olhos.

_Laura,_ falei chegando perto dela _se você quiser contar para eles, nós vamos te apoiar. É seu direito não querer guardar um segredo deste tamanho. Mas meu conselho é: não conte.

Ela balançou a cabeça afirmativamente. Ninguém falou mais nada naquela tarde de domingo. Cada um foi pro seu quarto lidar com seus próprios pensamentos. Foi um dia estranho. Eu acordei com a possibilidade de ter um sobrinho e iria dormir com a imagem de Laura sangrando seu filho para fora do corpo. Eu queria ir ao quarto da minha irmã e lhe dizer alguma palavra de conforto, mas eu não conseguia. Eu não sabia o que dizer ou como agir.

[...]

_Boa noite, meus amores! Como passaram o fim de semana sem supervisão?!_ falou mamãe quando ela chegou de viagem com papai naquela noite.

Se ela soubesse...

_Bem..._ respondemos cada um de nós a medida que ela ia perguntando.

Ela estava estranhamente animada naquele dia.

_Sabe o que nossos amigos nos contaram?_ ela continuou sem esperar resposta _Que eles jantam com seus filhos à mesa todos os dias. Todos os dias! Não é maravilhoso? E eu fiquei pensando “por que a gente não faz a mesma coisa?”

Por que o jantar transcorreria num silêncio mortal” pensei, mas não falei.

_E sabe o que eu fazer agora?_ ela perguntou e novamente emendou uma resposta sem esperar por nós _Um jantar digníssimo para nós seis. E vamos comer todos juntos na mesa.

_Não, mãe, hoje a gente está desanimado._ falou Tiago.

Definitivamente, minha mãe tinha escolhido o pior dia possível para ter aquela ideia.

_Hoje!_ ela frisou indo para cozinha.

_Deixa para outro dia, mãe._ intervi.

_Parem de discutir._ falou meu pai _Ela vai fazer o jantar e vamos todos comer juntos. Pronto.

E não teve como discutir, não com o meu pai. Às nove da noite, estávamos os seis sentados à mesa comendo lombo com alguma coisa e encenando a família feliz e perfeita que só a minha mãe via. Se ela quisesse ver mesmo o que estava acontecendo, ela veria nos nossos olhos como estávamos psicologicamente destruídos. Meu pai percebeu.

_O que vocês fizeram no fim de semana?_ ele perguntou desconfiado.

_Nada._ respondeu Tiago rapidamente _Ficamos por aqui mesmo.

_Que lindo, meus quatro filhinhos se entendendo e passando um tempo juntos._ falou minha mãe rindo.

Se ela soubesse...

E ela começou a tagarelar sobre o maravilhoso fim de semana que tinha passado com os amigos e sobre a vida deles. Ninguém respondia com mais do que duas ou três sílabas. Não sei em que ponto da noite Laura começou a chorar, levando Caio, Tiago e eu ao desespero silencioso. Talvez quando minha mãe comentou que o primeiro neto da sua amiga acabara de nascer.

_O que foi, Laura?_ perguntaram meus pais preocupados.

Ela só chorava. Eles olharam para nós confusos, mas estávamos perdidos ali, o que eles possivelmente interpretaram com confusão e ignorância também.

_O que foi, minha filha?_ perguntou minha mãe levantando da cadeira e acariciando seu ombro.

_A gente descobriu uma coisa hoje..._ ela falou entrecortada pelo choro.

Meu pai nos olhos desconfiados. O que fazer agora?

_O que foi?

_Não reajam mal a isso, por favor._ interviu Tiago.

Meu pai olhou nos olhos de cada um de nós tentando entender o que se passava. A boca de Laura se abriu, ela estava prestes a contar. Ela tremia e chorava muito. Ali, eu entendi que ela não queria contar, não estava pronta para isso, ela só não sabia como esconder. Eu fiz o que deveria ter feito, não me arrependo. Mas, confesso, agi por puro impulso, algo que raramente faço. Eu falhei com Laura uma vez, não o faria de novo. Ela precisava de mim e eu a ajudaria. Por um amigo, eu não sei se me jogaria no fogo daquele jeito. Mas ela não era minha amiga, era minha irmã, meu sangue, meu passado e meu futuro. E ela era tão nova, tão linda, tão inocente ainda. Ela não merecia passar por aquilo. Eu era seu irmão mais velho e era meu dever protegê-la de tudo. Até dos nossos pais.

_O que você descobriu, Laura?_ perguntou minha mãe começando a ficar desesperada.

_Ela descobriu que eu sou gay._ respondi.

Por puro reflexo, minha mãe se virou para mim e me encarou. Engraçado, naqueles poucos segundos, eu não vi confusão nos seus olhos. Aquilo não foi uma surpresa para ela. Ela sabia. Ela sempre soube. O que eu vi em seus olhos foi cólera.

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Comentários

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Deu inveja da união desses irmãos, eu tenho muitos irmãos, mas não somos unidos desse jeito.

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Que situação! O positivo é a cumplicidade entre os irmãos: fraternidade.

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