Morar juntos?_ falou Alice _Tem certeza?
_A gente alguma vez tem certeza antes de uma coisa assim?_ perguntei.
_E você vai saltar no vazio assim?
_Não é assim. Eu realmente quero, e acho que é o próximo passo natural do nosso relacionamento. O meu medo é que isso acabe por provocar mais danos do que benefícios.
_E você está disposto a correr esse risco?
_Acho que sim._ respondi inseguro.
Ainda que eu tivesse aceitado a proposta de Rafael para morarmos juntos depois que nos formarmos, eu ainda não tinha muita certeza de que estávamos fazendo bem, apesar de eu realmente querer morar com ele. Não acho que o meu medo denunciava qualquer coisa mais profunda, como um descrédito ao nosso namoro. Acho que era um medo muito natural, o medo do novo. Além disso, havia o medo adicional de Rafa me pedir pra me mudar com ele pra longe de casa, embora ele ainda não houvesse tocado no assunto diretamente. Mas essa parte eu não contei a Alice.
_E você e Pedro?_ perguntei _Vocês têm até mais tempo de namoro do que a gente. Se ele te pedisse pra morar junto com ele, você aceitaria?
_Não sei, acho que não._ respondeu pensativa.
_Por que?
_Eu gosto muito dele, você sabe, mas não é só isso que conta. Não acho que Pedro seja maduro o suficiente para se casar.
_Quem está falando de casamento?
_Você, uai. Morar junto é o que? Você acha que é um pedaço de papel que faz um casamento? É o dia a dia, o fazer as contas, o dividir as tarefas, aprender a conviver. Quando você namora, depois de uma briga cada um pode ir pro seu canto, no casamento não. Os dois estão presos entre aquelas paredes sozinhos, sem espaço para o “deixa eu dar um tempo de você um pouquinho”.
Ela tinha razão, Rafael estava me pedindo em casamento. Não que ele tivesse noção disso. Mais uma vez, era o contraste das nossas personalidades, o realista contra o sonhador: ele via o romantismo de acordar com o amado todos os dias, eu via o medo de que todas as coisas que Alice falou viessem a afetar nossa relação.
_Por que você acha que Pedro não está maduro o suficiente?_ perguntei.
_Porque é a cara dele se sentar no sofá e esperar eu fazer a janta dele.
_Não é uma imagem meio caricata dele?_ perguntei rindo.
_Talvez, mas não é um cenário impossível._ ela respondeu _Se ele fizesse qualquer coisa desse tipo, eu te juro que sairia pela porta na mesma hora pra nunca mais voltar.
_A relação de vocês é uma inspiração para mim!_ falei ironizando.
Ela riu, mas ficou séria. Eu a conhecia muito bem para saber que ela estava sem jeito para me dizer alguma coisa.
_Alice?
_O que?
_Mais alguma coisa que você queira me dizer?
Ela fez uma careta de aflição.
_Tem uma coisa. Me pediram pra não te contar, mas eu acho que você tem o direito de saber.
_Agora você me deixou curioso.
_Mas eu prometi!
_Alice... É alguma coisa com o Pedro?
_Não, apesar dele saber também.
_É sobre Rafael? Ele está me escondendo alguma coisa?_ perguntei pensando nas indiretas que ele me mandava ultimamente sobre sair de Belo Horizonte.
_Não. Bom, não que eu saiba. Ele é transparente que nem vidro, você descobriria qualquer coisa que ele estivesse escondendo de você. Aliás, me admira muito você não ter descoberto sobre sua festa surpresa em abril.
_Não muda de assunto, Alice.
_Bernardo..._ ela mordeu os lábios aflita _Tá, vamos lá. Você vai descobrir de qualquer jeito, cedo ou tarde. Ricardo está se mudando para Belo Horizonte.
_O que?!
Eu acho que parei de respirar por alguns segundos. Aliás, acho até que me coração parou por alguns segundos.
_Mas... Mas..._ eu tentava ordenar meus pensamentos _Como você sabe?
_Uai, ele me contou.
_Vocês conversam?
_Claro, por que não?
_Desde de quando?
_Desde que a gente se conheceu naquela festa do Pedro. Tipo, nós não somos os melhores amigos do mundo, não passamos horas trocando confidências, mas trocamos novidades de vez em quando.
_Mas por que ele não queria que eu soubesse?
_Aí você vai ter que perguntar pra ele mesmo. Eu não sei.
_Ele te pediu segredo de mim, mas não do Pedro?
_Nada a ver. Os dois conversam também, ele deve ter pedido segredo pra ele também.
_Pedro e Ricardo conversam também?!
_Para de ser dramático, Bernardo. Não é porque as coisas terminaram entre vocês, que a gente precisa excluir ele. A gente gosta dele. Aliás, acho que ele começou a conversar com a gente para saber da sua vida sem ter que te perguntar diretamente.
_E por que você nunca me contou?
_Ia afetar alguma coisa na sua vida?
_Mas... Mas...
Ricardo morando em Belo Horizonte? Isso tinha tantas implicações na minha vida, que eu mal conseguia organizar meus pensamentos. Eu precisava de respostas. Peguei meu celular, achei seu número e disquei.
_Qualquer coisa, foi o Pedro que te contou, tá?_ falou Alice e eu a ignorei.
_Alô?_ ele atendeu.
Era sempre bom ouvir a voz de Ricardo, ainda aquecia meu coração e me remetia à minha temporada em Paris
Sou eu._ falei
_Eu sei, Bê._ ele falou rindo.
_Então, você não ia me contar que está morando em Belo Horizonte?
No outro lado da linha, ele riu.
_Quem me dedurou? Pedro ou Alice?
_Importa?
_Não, não importa. Eu já sabia que um deles ia acabar de contando. Eu apostei em Pedro.
_Por que você não me falou nada?
_Eu ia falar. Ainda estou levando as minhas coisas. Pretendia te convidar para a inauguração do meu apartamento.
_Nós nos falamos a menos de duas semanas no seu aniversário, você não poderia ter me contado.
_Sem crise, Bernardo. Eu ia te contar, só estava esperando tudo se acertar.
Fiquei em silêncio. No fundo, eu estava dividido entre a mágoa de não ter sido comunicado, e a felicidade da possibilidade de revê-lo.
_A empresa que eu trabalho está abrindo uma filial em BH, e preferiram usar os funcionários mais jovens, os sem família pra arrastar junto. E lá vou eu. Mas eu estou feliz, vai acelerar meu processo de crescimento na empresa.
Novamente, fiquei em silêncio.
_A mudança definitiva é semana que vem, ainda estou em São Paulo._ ele falou _Vou morar com mais dois colegas. E, obviamente, você está convidado para nossa festa de boas-vindas. E Rafael também, claro.
Eu não sabia o que lhe dizer. Ainda me parecia uma loucura imensa. Ricardo a poucos quilômetros de distância?
_Bernardo, eu tenho que desligar._ falou Ricardo vendo que do meu silêncio não sairia nada _Tenho umas coisas pra resolver, mas eu te ligo semana que vem quando eu chegar, certo?
_Certo...
_Então, beijo. Até semana que vem.
_Beijo, até...
Desliguei o telefone e fiquei encarando o chão.
_Então?_ perguntou Alice curiosa.
_Ele chega semana que vem.
_Ótimo, muito tempo pra você refletir sobre o assunto e evitar silêncios constrangedores.
_É...
_Você sabe que tem que contar pro Rafael, não sabe?
_Sei._ respondi coçando a cabeça.
Não era preciso nenhuma bola de cristal para adivinhar que Rafael não teria a melhor das reações. Ele sempre teve muito ciúme de Ricardo, principalmente por saber o quanto ele foi importante para mim. Eu não esperava uma explosão imediata de ciúme, mas uma tensão constante nos próximos meses com a proximidade de Ricardo.
[...]
Aquela informação era uma coisa que devia ser dita cara a cara e sem interferências externas, por isso segurei aquela conversa com Rafael até o fim de semana. Durante a semana, não nos víamos tanto porque tínhamos nossos estágios, e fazíamos matérias da faculdade em turnos diferentes.
_Saudade dessa boquinha._ ele falou enquanto nos beijávamos.
Às vezes, até mesmo mais do que sexo, adorávamos ficar namorando com calma na cama, como fazíamos ali no meu quarto.
_Eu tenho uma coisa pra te contar._ ele falou com a cabeça deitada no meu peito.
_Eu também tenho uma coisa pra te contar...
_Vai lá, pode contar primeiro.
Eu respirei fundo, me sentei na cama e reuni coragem para contar. Eu não tinha culpa nenhuma de nada, e nem sei se havia alguma coisa ali para se ter culpa, mas mesmo assim eu estava nervoso.
_Você vai acabar sabendo, então eu quero que você saiba por mim._ falei.
_O que foi?_ ele perguntou assustado.
_Ricardo está se mudando para Belo Horizonte.
Rafael demorou alguns segundos para processar a notícia. Quando aconteceu, seu rosto começou a avermelhar.
_Como assim?
_A empresa dele o transferiu para cá.
_Conta outra, né?_ ele falou se jogando na cama com raiva.
_Rafa...
_É lógico que foi ele que pediu pra ser transferido para cá. Ele quer te tomar de mim.
_Não seja infantil, Rafa. Ninguém quer tirar ninguém de ninguém aqui. Eu já te respondi isso: eu te escolhi, e vou continuar te escolhendo.
_Mas ele vai tentar, e vai acabar nos atrapalhando.
_A presença dele só vai te incomodar o tanto que você se deixar se incomodar. Ele não é o tipo de cara que tem prazer destruindo o namoro dos outros.
_Claro, o santo Ricardo nunca seria capaz disso._ ele falou debochado.
Era exatamente a reação que eu esperava dele. Todo o ciúme que ele sempre sentiu de Ricardo voltou à tona depois de um longo tempo adormecido.
_Ele chega semana que vem._ falei depois de um longo silêncio entre nós.
_E deixa eu adivinhar? Você vão ser amiguinhos?
_Eu não sei se vamos conseguir ser amigos assim, mas eu gostaria de tentar. Você sabe que ele foi muito importante para mim, independente de termos namorado.
Rafael bufou de raiva. Era um assunto que não adiantava insistir. Rafael precisava se acostumar com a ideia aos poucos.
_O que você queria me contar, Rafa?
Tudo o que eu ouvi foi uma fungada.
_Por que você está chorando, amor?_ eu perguntei preocupado e o abracei.
_Ele vai te roubar de mim!_ ele respondeu com a voz quebrada.
Eu o aninhei entre meus braços e ele se apertou junto ao meu corpo.
_Ninguém vai me roubar de você.
Demorou mais alguns minutos até ele se acalmar um pouco.
_Tá melhor?
Ele balançou a cabeça positivamente.
_O que você queria me contar?
Ele de um longo suspiro.
_Meu chefe falou que eu vou ser efetivado.
_Mas isso é ótimo, amor! Parabéns!_ respondi lhe beijando.
Ele estava estranho ainda. Eu não precisei lhe pedir pra continuar para ele fazê-lo.
_A vaga que eles me querem é no Canadá.
E pela segunda vez na semana, meu coração pareceu parar por alguns segundos. De repente, estava explicado todo aquele seu papo de querer sair de Belo Horizonte e o medo exagerado de me perder para Ricardo.
Como eu disse, os próximos meses seriam cruciais para meu namoro com Rafael.