Canadá... Tudo o que eu conseguia pensar era no quão longe o Canadá era. Oito mil quilômetros de distância. Quarenta e duas horas de viagem, com três escalas. Um mundo completamente novo.
_Canadá?_ repeti ainda tentando me localizar.
Rafael fez que sim com a cabeça. Seus olhos estavam vermelhos.
_Isso é bom... Significa que eles estão querendo apostar em você._ falei.
Lógico que não era aquilo que eu sentia. Era apenas um discurso genérico que eu daria para qualquer semi-desconhecido. Eu não queria meu namorado no Canadá! Eu só não sabia o que dizer.
_E por quanto tempo?_ perguntei.
_Dois anos._ ele respondeu baixinho.
_Dois anos..._ repeti tentando absorver a nova informação.
Dois anos longe de Rafael. Era possível? Nosso namoro sobreviveria?
_Poxa..._ falei me deitando na cama.
Fiquei encarando o meu teto pensando em como fazer aquilo funcionar. O que eu sentia? Parecia que tinham aberto um buraco no meu peito. Uma aflição sem tamanho tomou conta de mim.
_O que você acha?_ ele perguntou sem jeito.
_Eu acho que é uma grande oportunidade..._ respondi ainda meio confuso _Não é tipo de coisa que você pode jogar fora.
_O que você faria?
_Nós dois somos diferentes, Rafa...
_Você, como toda sua praticidade e seu realismo, o que faria?_ ele me perguntou sério.
Eu iria. Se eu tivesse o mesmo desejo de morar fora que Rafa tinha, e a oportunidade de realizar esse sonho, eu embarcaria nessa oportunidade. Não é uma questão de gostar de menos, obviamente que não. A vida é feito de escolhas, e a minha escolha nesse caso era ir pro Canadá. Da mesma forma que eu tomei a decisão de ir para Paris três anos antes.
_Eu acho que iria._ respondi.
_Fácil assim?
_Nunca é fácil assim.
_Você achar que a gente aguentaria?
_Eu acho que sim... Com que frequência você seria liberado para vir ao Brasil?
_Acho que no máximo duas ou três vezes por ano.
Passar seis meses sem meu namorado? Será que isso daria certo? Não falo nem mesmo pela questão da fidelidade, eu confio em mim mesmo e nele, mas eu temia o desgaste que a distância poderia provocar no nosso relacionamento. Por outro lado, se eu dissesse para ele “fique, por mim”, eu não poderia estar abrindo caminho para um desgaste muito maior? Sim, porque na primeira briga apareceria um “eu perdi aquela oportunidade por você”.
_A quanto tempo você sabe disso?_ perguntei e ele ficou em silêncio.
Não era à toa toda aquela história de querer sair de Belo Horizonte, e o medo que ele tinha de Ricardo “me roubar” dele. Eu tinha certeza de que aquela proposta de emprego já estava na mesa a algum tempo.
_Desde junho._ ele falou enfim.
Dei um longo suspiro. Rafael se sentou ao meu lado na cama.
_Me desculpa, Bê. Eu não sabia como te contar. Agora que você veio falando do Ricardo morar aqui, me bateu um medo verdadeiro de te perder.
Só uma coisa ainda não encaixava naquela história.
_Rafa, nenhuma empresa seguraria uma vaga dessa por três meses para um estagiário, por melhor que ele fosse._ falei.
Os olhos do meu namorado se encheram de lágrimas, o que só confirmou minha suspeita.
_Você já aceitou, né?
Ele apenas acenou com a cabeça confirmando. Era real, Rafael estava indo embora. Por dois anos! Eu esfreguei meus olhos com força, o que ele sabia que significava que eu não estava feliz.
_Desculpa, amor, mas é que meu chefe me pressionou para uma resposta. E é uma oportunidade imensa, como você mesmo falou.
_Eu não queria que você tivesse me pedido permissão, nunca faria isso com você._ falei _O que me magoa é você ter escondido por tanto tempo. Me comunicar no último minuto como se eu não fosse ninguém importante.
_Bernardo...
_E aquela história toda de morar junto? Era só para eu aceitar e então estar preso a você? Pra eu me sentir obrigado a ir com você aonde quer que você me arrastasse? Pra isso todo aquele papo de sair de BH?
Acredito que ele não tinha feito aquilo por maldade. Num ato de desespero, ele tentou abraçar as duas coisas, eu e o emprego. Mas mesmo assim eu senti raiva, me senti traído por ele. O que mais me magoava era achar que ele só me convidou para morar com ele por causa da proposta de emprego. Na minha cabeça, era como se ele só tivesse me pedido em casamento para eu me sentir obrigado a ir com ele para o Canadá.
Bernardo, me desculpa, eu não queria te magoar, eu..._ ele começou a falar chorando mas eu o interrompi.
_Eu preciso de um tempo para pensar, Rafa.
_Não, Bernardo, eu...
_Não estou terminando com você, nem estou pedindo um tempo no nosso namoro._ falei calmo _Apenas preciso de um tempo para pensar nisso tudo que está acontecendo.
_Mas...
_Por favor, Rafa.
Ele me lançou um olhar conformado e triste, me deu um beijo na bochecha e foi embora.
Rafael estava indo embora pro Canadá. E o que eu deveria fazer? Ir com ele? Esperar por ele? Terminar o namoro e nos deixar livres? Eu não tinha nenhum dúvida em relação ao amor que eu tinha por Rafael, do mesmo jeito que eu não duvidava como a distância dele me faria sofrer. Só que, era justo eu adiar meus sonhos em detrimento aos deles? Era justo eu colocar minha vida em stand by para que ele embarcasse nessa grande oportunidade? Qualquer decisão que eu tomasse, eu conseguiria seguir em frente com o peso das consequências?
Eu e Rafa estávamos num momento maravilhoso de paz e tranquilidade no nosso relacionamento. Por mais que a ideia ainda me assustasse um pouco, ir morar com ele era o próximo passo. Íamos nos casar. E o que é o casamento? Não é justamente estar lá pra apoiar o parceiro, muitas vezes adiando planos para que o outro siga seus sonhos? O significado de estar junto não é crescer junto? Por mais que eu vacilasse um pouco ainda, minha decisão já estava tomada: eu ia com Rafa, simplesmente porque me separar dele não era mais uma opção. Aquela era a vez dele e eu estaria lá para apoiar, assim como um dia seria a minha vez e ele me apoiaria.
Minha decisão já estava tomada, mas eu ainda estava magoado com ele pela forma como as coisas aconteceram. Por isso, não fui dos mais receptivos quando ele me ligou no dia seguinte:
_Eu pedi um tempo pra pensar, Rafa._ eu falei.
_Eu sei, eu sei. Mas eu realmente preciso te ver hoje.
_Eu não sei, Rafa, eu preciso terminar umas coisas aqui.
_Por favor, Bernardo. É importante.
Suspirei vencido e concordei que ele me buscasse no final da tarde daquele domingo.
_Para onde estamos indo?_ perguntei quando entrei no seu carro.
_Pra minha casa de campo.
_Ai, Rafa, é longe, tá ficando escuro, deixa pra outro dia.
_Não, Bernardo, eu juro que é importante.
Seus olhos estavam me implorando para aceitar, então não tive outro caminho. Começava a anoitecer quando entramos no condomínio.
_Vem._ ele falou me puxando pela mão.
Ele acendeu as luzes e eu me deparei com uma mesa perfeitamente arrumada, com velas, flores, e belas louças.
_O que é isso, Rafa?_ perguntei surpreso.
Ele tinha um largo sorriso no rosto. Ele não me respondeu. Rafael me conduziu até uma cadeira, e depois foi à cozinha, de onde voltou como uma garrafa de vinho.
_Como você vai dirigir de volta?
_Nós vamos dormir aqui.
_Mas eu tenho aula amanhã cedo.
_Nós acordamos mais cedo. Pare de se preocupar com detalhes.
Ele se sentou e nos serviu com o vinho.
_Então, pra quê toda pompa?_ perguntei.
_Pra eu fazer as coisas certas desta vez.
_Como assim?
Ele se virou e do chão, vi ele pegar uma sacolinha e dela uma caixinha preta. Quando ele abriu, eu vi duas alianças em tons misturados de dourado e prateado, com nossos nomes gravados na parte interior. Meus olhos se arregalaram e eu me calei com o susto. Ele pousou a caixinha aberta na mesa.
_Eu vou fazer certo desta vez, Bernardo._ ele falou
Rafael pegou na minha mão e olhou no fundo dos meus olhos antes de continuar. Em nenhum momento ele deixou de sorrir para mim.
_Eu quero que você vá para o Canadá comigo, mas não por ser mais confortável. Eu quero que você vá comigo porque eu não consigo mais me imaginar longe de você. Eu quero que você vá comigo para nós termos a oportunidade de começarmos nossa família num lugar onde ninguém vai nos olhar de lado. Eu quero que você vá comigo porque as coisas só farão sentido se você estiver comigo.
Ele fez uma pequena pausa enquanto acariciava minha mão.
_Eu não estou te pedindo em casamento porque eu quero te prender a mim, te obrigar a me seguir. Eu estou te pedindo em casamento porque eu quero passar o resto da minha vida com você, aqui ou no Canadá._ ele abriu ainda mais seu lindo sorriso _Bernardo, você quer se casar comigo?
Eu estava sem palavras. Eu já tinha aquela resposta pronta a muito tempo, era só dizer aquela simples palavrinha. Mas como o mesmo Rafael me acusou diversas vezes, eu não consigo me desprender dos detalhes.
_Nós somos jovens demais._ eu falei com a voz beirando o desespero _Não temos dinheiro. Você vai trabalhar lá, mas e eu? Sem contar que pro Canadá é preciso visto, não? Lá já aceita o casamento gay, falando nisso?
Rafael me conhecia muito bem para saber que eu ia dizer sim, apenas que era natural para mim ter um pé no realismo e apontar todos aqueles problemas. Não brigávamos mais por causa desse tipo de coisa.
_Sim, é preciso de visto no Canadá, mas você consegue fácil. Assim como emprego, eles são muito receptivos a engenheiros. Dinheiro a gente ganha, além do que com meu salário lá a gente já consegue se manter. E, sim, o casamento gay é aceito lá desde 2005._ ele falou.
Me lembrei da primeira vez que ele me pediu em namoro, quatro anos antes:
“_Eu sei dos seus medos, eu vejo nos seus olhos as suas dúvidas. Mas você precisa admitir para você mesmo uma coisa: você me ama, e você não quer viver sem mim. Você mesmo disso isso, mas tem relutância em acreditar. Me dê uma chance de te mostrar que podemos enfrentar o mundo juntos. Bernardo, você aceita ser meu namorado?
_Eu não sei quando vou conseguir ser seu namorado, Rafael, não sei nem mesmo se um dia vou conseguir. Não vou poder te dar as mãos em público, muito menos te beijar. Não vou poder te apresentar à minha família oficialmente. Não vou poder usar uma aliança, pois as pessoas perguntariam. Então, para quê tornar isso oficial?
_Pra eu ter certeza que você é meu.
_Eu sou seu. Sou só seu há muito tempo.
_Firmar namoro é isso. Garantir que o outro será só seu e de mais ninguém. Não tem nada a ver com exibir a relação ao resto do mundo. Então, Bernardo, vou perguntar de novo e dessa vez dê a resposta certa. Você aceita ser meu namorado?”
Acho que Rafael também se lembrou, pois ele sorriu e falou:
_ Então, Bernardo, vou perguntar de novo e dessa vez dê a resposta certa. Você aceita se casar comigo?
_Sim.
E pronto. A minha vida estava pra sempre atrelada a de Rafael. Mas, não esteve sempre?
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Estamos na reta final!
Falta 10 capítulos!
A cara brexa que tiver de horário irei postando tá bem?