Bernardo [14] ~ Acerto de contas

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2393 palavras
Data: 01/12/2023 20:08:08
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

O que eu deveria responder para Rafael? Admitir que eu estava tendo um caso com seu namorado, dormindo com ele em cada oportunidade que havia surgido nas últimas semanas? Ou então, quem sabe, negar tudo na esperança de que ele não tivesse ouvido nada, talvez até bancando o hétero ofendido pela acusação? Na dúvida, escolhi o silêncio. Eu via raiva nos olhos de Rafael.

Talvez essa seja uma boa oportunidade de explicar Rafael. Quando o apresentei lá trás, lhe descrevi como o anti-Bernardo, e essa é a definição perfeita para ele. Do mesmo jeito que eu reprimo tudo o que sinto, Rafael extravasa qualquer sentimento, mesmo os mínimos. Enquanto eu escondo minhas opiniões até que alguém me questione, Rafael faz questão de se impor, de fazer sua opinião ressoar. Eu me escondo do mundo, Rafael é sempre o centro das atenções. Nesta história, eu era um mero coadjuvante, ele era o protagonista.

Por causa do ciúme que sempre senti dele como Eric, nunca me aproximei dele ou deixei que ele se aproximasse de mim. Mas como disse antes, nunca tive raiva dele, e portanto essa não foi a razão. Acho que eu tinha medo de gostar dele. Eu tinha medo conhecê-lo mais a fundo e, como todos, cair apaixonado por ele e por sua personalidade calorosa. Vê-lo de longe facilitava minha visão dele como vilão da história.

Lógico que tínhamos semelhanças. Pensávamos da mesma forma, tínhamos gostos parecidos e opiniões próximas sobre vários assuntos. Não éramos tão antagônicos assim, só para quem visse de fora. E até aquele momento eu só o conhecia por fora, por isso o denominei anti-eu. Essa visão só começou a cair a partir daquela conversa.

_Então, você está dormindo com meu namorado, não está?

Era mais uma afirmação do que uma pergunta. Não havia como negar. Pela rapidez com que ele havia chegado ali, ele devia ter ouvido toda minha conversa com Eric. Apesar dele ser o, chamemos assim, causador do ciúme que eu estava sentindo, ainda não consegui sentir raiva dele, por isso respondi impassivelmente:

_Sim.

_Hurgh!

Ele deu um berro raivoso meio abafado, pôs as mãos sobre a cabeça e ficou rodando perto de mim sem motivo aparente.

_Eu não acredito que confiei nele! Era tudo tão claro, tava tudo ali pra eu ver!_ ele falava mais para ele mesmo do que para mim _Eu me declarei para ele, eu corri o risco, eu me deixei ser alvo de fofocas, e pra que? Pra ganhar um par de chifres! Para ter que dividi-lo com outro cara.

Fiquei com pena. Ele parecia realmente atordoado com aquilo. Ele parecia nutrir sentimentos sérios por Eric.

_Eu imagino que você tenha ouvido nossa conversa..._ falei.

_Sim, mas nem precisava._ a voz dele estava se acalmando, mas ele ainda não me olhava _O jeito que você estava tratando ele o dia todo, tava bem claro que era um briga de casal.

_Será que mais alguém percebeu?_ perguntei preocupado.

_Você acha que me importo?_ falou raivoso.

Tentei deixar para me preocupar com aquilo mais tarde, mas fiquei aflito. Durante todo o dia eu tinha dado mostras muito claras de que sentia mais do que indiferença por Eric. Tomara que todos tenham achado, como Pedro, que era algum tipo de homofobia, seria mais fácil de explicar depois.

Rafael caiu sentado no chão na minha frente, abaixou a cabeça e pôs-se a chorar baixinho. Fiquei com pena, mas achei meio humilhante. Era o tipo de coisa que eu disse sobre ele não esconder o que estava sentindo. Ele se sentia triste, então chorou. Eu nunca faria isso, deixar outra pessoa, um semi-desconhecido, me ver chorar. Eu guardaria tudo muito bem guardado e choraria num lugar mais adequado, como minha cama ou o chuveiro, por exemplo. E tinha mais um problema ali: eu era péssimo em consolar os outros, não sabia bem o que fazer ou o que falar. Ainda mais naquela situação. Comecei a me sentir culpado.

_Me desculpe, Rafael, eu não sabia...

Foi tudo o que consegui lhe falar, mas ele não esboçou reação. Continuou sentado chorando do mesmo jeito. Levou um tempo até ele me olhar. Seus olhos estavam muito vermelhos.

_Mas você desconfiava, né?_ novamente, ele mais afirmou do que perguntou.

_Acho que sim. Acho que todos sempre desconfiaram. Mas eu não queria ver, então fingi que não havia nada ali._ respondi o mais sinceramente que pude.

Ele ficou me olhando por um tempo, indecifrável. Ainda sentado, começou a secar os olhos, embora algumas lágrimas teimassem em continuar caindo.

_Eu sabia que as pessoas desconfiavam, sabe?_ falou _Não liguei. Pensei “não é problema deles, a vida é minha e eu faço o que quiser dela”, muito romantizado eu sei. Mas eu estava apaixonado por ele, achava que tudo valia à pena. Nunca tinha acontecido algo assim comigo, então eu resolvi replicar atitudes de livros e filmes que vi por aí. E pra quê isso tudo? Pra ele vir e fazer isso.

Eu ouvia tudo calado. Eu entendia sua dor. Ele resolveu correr um risco enorme por Eric, e então descobriu que não foi um bom investimento. Rafael continuou:

_Não é só a traição que dói. É o fato de eu ter me dado inteiro a ele. Eu me entreguei numa bandeja de prata. Foi como se ele tivesse me matado. Eu me apaixonei por aquele filho de uma puta!

Percebi que ele tinha uma queda por excesso de dramaticidade. Mas a cena toda estava muito triste. Toda a minha raiva de Eric tinha se dissipado e se transformado em pena de Rafael. Mesmo não sendo minha especialidade, eu tinha que consolá-lo:

_Se você ouviu a conversa, ouviu ele falando que..._ comecei, mas ele me interrompeu.

_Que estava apaixonado por nós dois. É, eu ouvi. Isso não justifica nada, ele devia ter feito uma escolha e vivido com ela.

Seu tom de voz variava de raiva para a tristeza e vice-versa.

_E ouvi muito bem também a parte em que ele dizia que se você o amasse teria sido você, ou seja, eu sou um consolo!_ falou.

_Não foi bem isso que entendi. Soou para mim como se ele estivesse apaixonado por partes de cada um de nós, ao mesmo tempo que havia partes de nós dois que ele não gostava.

_Vai defendê-lo agora?!

_Não, lógico que não. Não é por não estar me expressando que não estou sofrendo tanto quanto você. Me respeite._ falei tentando não me exaltar.

Ele não foi nem o primeiro, nem o último a subestimar meus sentimentos apenas por eu não gostar de demonstrá-los. Eu não preciso deixar todos informados sobre meu estado de espírito.

_Desculpe..._ falou novamente abaixando a cabeça.

_Desculpado. Rafael?

_Sim?

_Se ouviu toda a conversa, por que esperou ele ir embora para vir falar comigo em vez de confrontá-lo?

Ele pareceu pensar um pouco sobre aquilo, como se estivesse tentando responder para si mesmo antes.

_Não sei, foi instintivo. Eu sou assim, faço as coisas por impulso, não planejei deixá-lo ir pra depois vir falar com você.

_Hum...

_Bernardo...

_O que?

_Você realmente está se sentindo tão mal como eu?

_Estou. Também estou carregando o peso da traição. Também dói em mim, só temos jeitos diferentes de demonstrar isso.

Ele ficou me olhando pensativo por alguns instantes. Eu não sabia bem o motivo, mas seu olhar me incomodava. Eu não conseguia encará-lo de volta, e quando teimava em fazê-lo, meu corpo parecia prestes a entrar em combustão.

_Posso te fazer uma pergunta?_ falou.

_Claro.

_Quando começou?

_Uma troca de olhares no primeiro dia, um beijo na primeira semana, a primeira transa pouco tempo depois e assim foi. Já tem algumas semanas.

Ele riu sem graça.

_Você acredita que eu fui estúpido o bastante para comprar uma aliança para ele? Eu ia pedi-lo em namoro amanhã durante um piquenique.

_Sinto muito._ respondi sem graça diante daquela informação.

_Pois é. Também já estávamos nos vendo a algumas semanas, então pensei que já era hora de dar o próximo passo. Olhando pelo lado positivo, ainda bem que não cometi mais esse erro.

_Talvez ele tivesse me deixado definitivamente se você tivesse pedido ele em namoro...

_Talvez, mas a traição ainda estaria lá, não importa muito se tivéssemos combinado fidelidade ou não. Sabe, não nasci para essas relações de entrelinhas, tipo, “mas nunca combinamos ser fiéis um ao outro”. Foda-se, se está comigo, é só comigo, independente de haver uma aliança ou não nos nossos dedos.

_É, eu também penso assim...

Ficamos novamente em silêncio sem jeito um com o outro. Nunca havíamos tido qualquer tipo de intimidade e agora estávamos ali, conversando sobre nossa vida amorosa. Era uma situação bem estranha, porém proveitosa. Tirou da minha cabeça várias ressalvas e preconceitos que eu tinha com o jeito de ser de Rafael. O fato dele ser totalmente diferente de mim, não o fazia uma pessoa desagradável. Dentro das possibilidades daquele momento, estávamos nos dando bem.

_De qualquer jeito, sinto muito por ter atrapalhado vocês._ falei.

_Eu posso te dizer o mesmo.

_Não... Eu e Eric nunca seríamos nada além do que parceiros de sexo. Não é o que quero para mim, não tenho cabeça para isso. E além do mais, nunca nutri sentimentos mais profundos por ele. Se fosse para dar certo, seria entre você e ele.

_Bom, então nunca vai ser, não consigo nem mesmo olhar para ele agora.

_Mas e quando a raiva passar? Não existe alguma chance de vocês se entenderem no futuro?

_Não. Eu não esqueço o que fizeram comigo. Talvez eu até o perdoe um dia, mas nunca vou esquecer. Esse é o fim definitivo. Eu nunca mais quero ter nada com ele, nem amizade.

_Eu e ele não deveria nem mesmo ter começado._ respondi mesmo sem ele me perguntar _Foi tudo um enorme erro, mas serviu como lição. Também não tenho intenção de ter qualquer outro tipo de relação com ele depois de tudo isso.

Eu também me submeti ao risco, mesmo que um risco menor que o que Rafael correu. Eu corri o risco de me apaixonar por Eric e colocar tudo a perder. Por isso vi toda a situação como uma espécie de lição. Não poderia acontecer de novo.

Não havia mais nada que podíamos dizer um ao outro naquele momento. O que estava feito estava feito. Agora era engolir a dor e a humilhação e seguir com vida, desta vez mais atento.

_Me desculpe, mas tenho que voltar para a festa, devem estar me procurando._ falei.

_Vai lá._ respondeu ainda sentado no chão.

Eu comecei a andar, mas parei me lembrando de lhe fazer um último pedido:

_Posso te pedir uma coisa?

_Se eu puder fazer.

_Não conte nada a ninguém sobre mim ou sobre o que conversamos aqui.

_Pode deixar. Não tinha intenção._ respondeu.

_Obrigado.

E voltei para a festa. Assim que cheguei, Alice foi correndo ao meu encontro. Segurou meu braço com força, colou sua boca no meu ouvido e perguntou sussurrando:

_Onde você diabos você se meteu?

_Tirei um tempo para dar uma respirada._ menti.

_E essa respirada tem alguma coisa a ver com Eric ter ido embora daqui quase chorando há alguns minutos?

_Não sei de nada._ menti novamente, mas com bastante cinismo, para ela entender que eu não responderia.

Neste momento, Rafael passou atrás de nós, e apesar de não estar chorando mais, deixava claro que havia chorado. Trocamos um olhar rápido e Alice percebeu.

_O que está acontecendo aqui, Bernardo?!_ perguntou apertando mais o meu braço.

_Depois te conto._ falei me desvencilhando dela.

Eu não tinha certeza se contaria. Antes de qualquer coisa eu precisava deitar na minha cama e refletir sobre tudo aquilo que estava acontecendo. Mas não naquele momento, porque eu ainda estava dando uma festa de aniversário e minha mãe veio me lembrar disso, me puxando para a mesa do bolo para cantar parabéns. E lá fui eu completar meu dia com aquele momento embaraçoso. Soprei as velas e pronto, eu tinha dezoito anos. Era maior de idade agora, responsável por mim mesmo, independente, livre. Mas não me senti assim. Tudo o que eu conseguia pensar no momento era nos olhos vermelhos e tristes de Rafael me olhando a poucos metros de distância.

A festa seguiu entrando pela noite e não parecia ter hora para acabar, com meus convidados cada vez mais bêbados. Eu me concentrava em fugir de Alice, na maior parte das vezes com ajuda de Pedro, seu repelente natural. Tudo corria tranquilamente até que Rafael fez um sinal me chamando para o mesmo lugar em que havíamos conversado antes. Aflito e curioso, fui ao seu encontro. O que ele poderia querer?

_Quão furioso com Eric você está?_ perguntou quando eu cheguei lá. Seu tom de voz estava estranhamente animado.

_O que?

_Quão furioso com Eric você está?

Mesmo sem entender o motivo da pergunta, respondi:

_Agora? Nem tão furioso. Tô magoado, ferido.

_Bom, eu estou com raiva e só consigo aliviar minha raiva de um modo. Talvez com esse modo você possa extravasar também.

_O que é?_ perguntei já meio temeroso com a resposta.

_E se nós nos vingássemos de Eric?

Mesmo no escuro, tenho certeza que Rafael conseguiu ver meus olhos se arregalarem com a idéia. Não era da minha índole sair me vingando dos outros. Normalmente eu me reerguia e seguia caminhando, sem me preocupar com revanchismos. Sempre achei isso coisa de gente fraca, que precisa se auto-afirmar ou, pior, que se acha uma vilã de novela mexicana.

_Quê?! Tá louco? Por que eu faria isso?

_E deixar tudo passar em branco?

_É, é assim que eu faço.

_Mas não comigo. Doeu. Eu me apaixonei por ele. E só vai parar de doer quando eu ver ele machucado também._ sua voz era uma mistura de raiva e tristeza _Vai me ajudar ou não?

Eu não queria me vingar de Eric. Não tinha a menor vontade de embarcar numa dessa. Realmente não era do meu feitio. Acho que eu queria ser condescendente com Rafael. Ele estava sofrendo com aquilo e eu sentia a necessidade de ajudá-lo de algum jeito. Eu tinha que livrá-lo daquela dor, mesmo que para isso eu infligisse dor a outro ser humano.

_Sim, eu te ajudo.

Quatro palavrinhas que mudaram para sempre a minha vida.

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Comentários

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Bernardo só toma decisões erradas e por isso o conto está muito bom kkkkkk

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E o negócio está fervendo. Eu nem tenho condições de analisar nada. Tudo embaralhado. Ansioso pelos próximos capítulos.

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não consigo entender as ações do Bernardo! ele sente uma necessidade de agradar gente que ele mesmo diz que não gosta.

Diz sim para o Pedro, homofóbico assumido (até agora, esse "lado bom" do Pedro não ficou claro. Ou como o Bernardo percebeu esse lado com poucas semanas de convivência). Diz sim pro Rafael que foi antagonizado logo no começo da história, além da constrangedora situação em que os dois estavam do nada eles são "parceiros do crime"? e a Alice que só que ser amiga dele é jogada pra escanteio e tratada como qualquer uma. Só mostra que o personagem principal é facilmente manipulável por ter mente fraquíssima.

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