“Você está bem?” foi a frase que eu mais ouvi nas semanas que seguiram ao término do meu namoro. “Você vai ver, vocês vão acabar se acertando!” era outra muito comum também. Algumas pessoas maldisseram Rafa. Algumas pessoas brigaram comigo. A maioria simplesmente não conseguia acreditar. Eu não percebi isso enquanto namorava Rafa, mas nós éramos quase um modelo para outros casais, homo ou hétero. Nunca brigávamos na frente dos outros, parecíamos realmente super bem resolvidos em relação a tudo e sempre fomos alunos modelos. As pessoas olhavam pra gente e acreditavam que nada ali tinha como dar errado. Um conto de fadas pós-moderno, mas ainda assim um conto de fadas. Muita gente considerou uma enorme traição da nossa parte mostrar que conto de fadas não existem.
Não, eu não caí em uma depressão profunda e incapacitante. Aliás, nunca acreditei que fosse cair um dia. Eu sigo bastante funcional mesmo em momentos de profunda tristeza. Lógico que eu chorei muito, mas chorei no meu quarto, à noite, com a cara enfiada no travesseiro para ninguém ouvir. Eu não precisava de ninguém me acudindo para eu ter que relembrar e dizer em voz alta tudo o que tinha acontecido.
Essa regra não valia para Pedro ou Alice. Por mim, os dois voltaram a se encontrar na minha casa para me ouvir. Não, os dois não reataram o namoro, mas caíram na real que tinham um elo forte demais os prendendo agora. Assim, adotaram a civilidade para seguir cuidando do pré-natal e da divisão de tarefas.
_Posso perguntar como ele está?_ perguntei.
Eu sabia que eles ainda tinham contato Rafael, apesar de Rafael ainda estava um pouco magoado pelos dois terem se tornado amigos de Ricardo.
_Ele é um ator pior que você, mas está aguentando._ respondeu Pedro.
_Dá pra ver as olheiras dele, mas ele jura que é a correria com as coisas da mudança._ completou Alice.
_Ele vai mesmo..._ falei baixinho em tom triste.
_Você chegou a pensar que ele não iria?_ ela perguntou.
_Acho que no fundo a gente sempre espera por uma solução mágica.
_Como qual?
_Se eu tivesse essa resposta, eu não teria terminado com ele.
Por mais dramático que Rafael fosse, eu nunca esperei que ele ficasse em depressão profunda com o fim do nosso namoro. Ele grita, chora, esperneia, mas não para de viver por causa disso.
_Você vai deixar ele ir?_ perguntou Pedro.
_Sim... Eu não tenho coragem de pedir ele pra ficar. Aqui ele seria tão infeliz quanto eu seria se estivesse indo com ele.
_É realmente definitivo?
_Sim. Infelizmente.
Eles ficaram em silêncio. Dei um olhar mais atento em Alice e comentei rindo:
_Você está gordinha.
Pedro sorriu e Alice revirou os olhos. Ela estava de três meses para quatro meses, a barriga ainda era uma protuberância quase imperceptível.
_Eu não acredito que vou aparecer gorda nas minhas fotos de formatura.
_Não fala assim dele!_ ralhou Pedro colocando a mão na barriga dela.
Sim, era um menino. Pedro ficou radiante quando descobriu. Alice tentou disfarçar que ficou também, mas não conseguiu.
_Já sentiu alguma coisa? Ele já chutou?_ perguntei.
_Não, falta algumas semanas para isso ainda.
Pedro ficava alisando a barriga de Alice. Ela não mandou ele tirar a mão nem nada, apenas assistia o carinho com um leve sorriso.
_Vocês nos imaginavam assim a um ano?_ perguntei _Eu solteiro e vocês grávidos?
_Nem nos meus sonhos mais loucos!_ respondeu Pedro rindo.
_O que vem agora?_ perguntei.
_Você sabe, a vida._ respondeu Alice.
Chegava ao fim os anos de faculdade. Anos muito especiais para mim, sem dúvida. Mas eu estava com um frio na barriga. E agora? Para onde ir? O que me espera ali na esquina? E sem Rafael ao meu lado...
[...]
18 de dezembro de 2010
O dia da formatura chegou. E com ele o nervosismo. Mais do que o fechamento de um ciclo na minha vida, havia outras duas coisas também: eu reveria Rafael pela primeira vez em mais de uma mês e eu também reveria Ricardo, este esperando pela minha resposta.
Que resposta eu poderia dar a Ricardo? Eu o amava e não duvidava disso, mas eu ainda amava Rafael. Só porque não deu certo com Rafa, eu deveria pular no colo do outro? Isso não faria dele o meu prêmio de consolação? De verdade, eu achava que precisava de um tempo sozinho. Não no sentido de ficar solteiro e sair trepando com qualquer coisa que se mexesse por aí, mas eu precisava não estar numa relação por um tempo. Eu precisava me reencontrar, pois agora eu era o Bernardo, não mais o Bernardo & Rafael.
_Arruma minha gravata, por favor?_ pedi pra minha mãe.
Ela já estava toda arrumada num longo cor de salmão, muito elegante. Com paciência, ela se colocou a amarrar minha gravata.
_Nervoso?_ ela perguntou.
_Até que não._ respondi _Mãe, posso te fazer uma pergunta?
_Claro, o que é?
_Você se casou com dezoito anos de idade e papai com vinte. Como vocês sabiam se não eram jovens demais?
Ela sorriu, mas continuou a arrumar minha gravata.
_Eu poderia te dar um discurso sobre amor verdadeiro porque é isso que você quer ouvir. Mas não é a verdade._ falou _Eu sempre amei o seu pai, casei com ele achando que ele era meu príncipe encantado. Só que se fosse hoje, talvez eu tivesse esperado mais tempo. Ele foi o meu primeiro namorado, o meu primeiro tudo. Eu achei que era certo me casar com ele. Não achei que eu precisasse de outros homens em minha vida.
_Você se arrependeu em algum momento?
_De ter casado jovem? Sim. De ter casado com seu pai? Não.
_Se casar jovem é um erro, na sua opinião, então?
_Não necessariamente. Se você está se refletindo no meu caso, está fazendo uma péssima comparação. Aos vinte anos de idade, eu era casada, fazia medicina e tinha um filho pequeno já. Eu devia dormir umas três horas por noite só.
_E como você não desabou?
_Não sei. Eu sou orgulhosa, não queria admitir que falhei. Então engolia meu cansaço e seguia em frente.
_E o papai?
_Trabalhava como um louco de dia e fazia faculdade à noite, também não estava com tempo sobrando.
_Como é que vocês aguentaram trinta anos de casados?
Ela riu.
_Casamento é difícil, Bernardo, ninguém disse o contrário. Você tem que embarcar sabendo que a vida agora é outra, que não tem pra onde correr, que você pode acabar conhecendo um lado da pessoa que você ama que você não queria conhecer... Você briga, grita, chora, mas faz as pazes. Quando você se assusta, está fazendo bodas de prata.
_Você ainda ama o papai?
Ela terminou de arrumar a minha gravata e ficou me olhando.
_Qual a resposta que você quer ouvir?
_Que o amor de vocês resistiu a todos os problemas.
Ela deu um longo suspiro.
_O casamento é uma eterna ciranda entre amor e ódio. Hoje eu amo seu pai. Mas eu não amei ele em cada dia dos últimos trinta anos.
_E o que te impediu de jogar tudo pro alto? De não sair por aí procurando alguém que você pudesse amar cada dia?
_Vocês._ ela falou apertando minha bochecha _As quatro crianças mais fofas que eu podia colocar nesse mundo.
Eu ri.
_Você não se arrepende?
_Você sempre se arrepende de alguma coisa, Bernardo, é impossível fugir desse sentimento. Mas respondendo a sua pergunta com o que você quer ouvir, o sentimento geral é que valeu à pena. Como não poderia valer se hoje eu estou entregando meu menininho ao mundo?
Seus olhos se encheram de lágrimas e eu a abracei. Depois de tanta turbulência, acho que enfim estávamos em paz. Conseguimos reencontrar nossa relação de mãe e filho.
_Eu sinto muito por vocês dois, ele era um bom rapaz._ ela falou me dando um beijo na bochecha e saindo do quarto.
Acho que foi a única vez que ouvi ela elogiando Rafael.
[...]
Quando eu cheguei no auditório para a colação de grau, encontrei Rafael nervoso andando de um lado para o outro. Ele era o nosso orador. Fiquei em dúvida se devia chegar perto dele ou não. Eu não sabia como tínhamos ficado, se ainda éramos amigos, ou colegas, ou qualquer coisa. Ele sorriu ao me ver. Não era o maior dos sorrisos, mas era um sorriso.
_Oi._ ele falou vindo ao meu encontro.
_Oi. Como vai?
_Bem, e você?
_Vou levando.
_E Ricardo?_ ele perguntou com um sorriso debochado.
Eu ri envergonhado.
_Eu não sei dele, faz mais de um mês que não falo com ele. Ele está me dando um tempo pra pensar. Mas ele vem, é convidado da Alice.
_E você sabe o que vai falar para ele?
_Não. Alguma sugestão?
_Que tal, “eu prometo não fazer com você o que eu fiz com Rafael”?
_Eu mereci essa._ respondi rindo envergonhado.
_A vida seguiu, Bernardo._ ele falou rindo _Eu entendo que a vida seguiu.
_Você me perdoou?
_Pelo beijo? Sim. Por não ir comigo? Não.
Eu encarei no fundo dos seus olhos. Ainda dava tempo de voltar atrás? Eu queria voltar atrás?
_Quando você vai?_ perguntei para quebrar o silêncio constrangedor.
_Fevereiro._ ele me sorriu _Você vai se despedir de mim no aeroporto?
_Você quer que eu vá me despedir de você no aeroporto?
_Acho melhor não, né...
_Posso te ligar pra desejar boa viagem?
_Eu vou gostar.
Mais uma vez, um silêncio constrangedor.
_Sinto muito pelas coisas acabarem assim com a gente._ falei.
_Eu não. Se era pra acabar, que fosse assim. Acabamos do melhor jeito possível.
_Você acha?
_A gente não se odeia e ninguém está morto, o que mais poderia pedir?_ perguntou _Mas seria bem melhor se você não tivesse beijado Ricardo.
Eu ri novamente envergonhado. Rafael podia ter perdoado, mas ele nunca esqueceria. Era um preço a se pagar pela minha fraqueza naquele momento.
_Vamos?_ me chamou.
_Vamos.
Teve todo aquele ritual de entrar no auditório aparentemente muito animados, e depois se sentar na primeira fila. Devido a ordem alfabética, Alice se sentou do meu lado.
O que está acontecendo com Pedro?_ perguntou.
_Como assim?
_Ele está estranho.
_Não conversei com ele hoje. O que ele fez?
_Não veio falar comigo.
_Ah, Alice!
_O que?
_O que que tem ele não ter falado com você?
_Eu sou a porra da mãe do filho dele!
_Conta outra!_ falei rindo.
_O que?
_Você. Toda preocupada porque ele não te deu atenção. Ai, se você não fosse tão teimosa...
_Nada a ver!_ falou ficando vermelha _É sério, o que ele tem?
_Provavelmente nada. Ele está nervoso por causa de formatura, e você sabe que ele fica quieto quando fica nervoso.
_É, deve ser isso._ falou não parecendo acreditar muito.
Eu achei que fosse me emocionar mais com a cerimônia. Achei que fosse tremer quando pegasse o diploma, mas não. Foi tudo tão normal e até meio chato. O discurso de Rafael foi sim emocionante, focando nos laços de amizade que se formaram entre a nossa turma e até lembrando Eric, o que lhe rendeu algumas palmas. Muitas vezes no seu discurso eu senti como se ele estivesse falando para mim diretamente, o que me fez derramar algumas lágrimas. Eu achei que teria aquele grande sentimento de concluir uma grande etapa da sua vida para entrar em outra. Acho que não teve porque eu já tinha passado por aquilo dias antes quando Rafael e eu terminamos. Aquilo sim foi o fim de uma era. A era do reinado de Rafael sobre meu coração. E por aquilo, sim, eu chorei...
[...]
_Parabéns!_ falou Ricardo no meu ouvido.
Eu me virei rapidamente e o encontrei sorrindo para mim. Sempre lindo. Eu notei que ele tinha caprichado mais do que o normal. Ele me deu um abraço apertado.
Obrigado._ respondi devolvendo o abraço.
_Nervoso?_ perguntou.
_Olha, Ricardo, eu andei pensando e...
_Nervoso com a formatura?_ falou sorrindo da minha falta de jeito.
_Não!_ respondi acompanhando o riso dele _Vem.
O puxei para fora do salão onde acontecia a festa. Era um pequena varanda muito mal iluminada, que não fazia realmente parte do ambiente da festa. Eu esperava poder conversar com ele em paz, mas eu encontrei Alice e Pedro brigando.
_Você é um imaturo!_ ela gritou.
_E você é uma medrosa!_ ele respondeu.
_Gente..._ tentei intervir mas eles nem me deram atenção.
_Querendo ou não, Alice, estamos juntos nessa! Não tem pra onde fugir!
_Por que estamos tendo essa discussão de novo?!
_Porque eu te amo! E a dúvida se você me ama também está me matando durante todos esses meses!_ Pedro respondeu quase chorando.
_É lógico que eu te amo, seu imbecil!_ falou Alice quase chorando também _A questão nunca foi essa!
Os dois pararam e ficaram se encarando com os olhos cheios de lágrimas, em dúvida do que viria a seguir. Eu e Ricardo ficamos sem ação, sem saber se devíamos intervir ou sair e deixar os dois a sós. Antes que alguém pudesse falar mais alguma coisa, Pedro tirou uma caixinha do bolso do paletó. Prendi a minha respiração com o susto. Era por isso que ele andava nervoso e inquieto.
_Pedro..._ falou Alice com a mão na boca e balançando a cabeça negativamente.
_Porra, Alice!_ ele falou nervoso _Eu juro que é a última vez que te pergunto isso.
Ele abriu a caixinha e apontou para ela as duas alianças douradas.
_Você quer ou não quer se casar comigo?!