Na manhã do dia seguinte eu estava um trapo, física e emocionalmente. Estava confuso e decidi sair antes mesmo dela acordar. Sai dirigindo sem rumo pela cidade de São Paulo. A única certeza que eu tinha é que não queria retornar para a minha casa naquele momento, tudo o que eu não precisava era confrontar uma mulher esperançosa, mas que não me passava mais confiança. Eu estava perdido e não queria cometer o erro de reatar sem saber se era isso mesmo o que eu queria. Andei muito, muito mesmo, até chegar num Shopping Center. Ali, passei em lojas, livrarias, restaurantes, assisti um filme no cinema sem nem me atentar qual era e bem no final da tarde, decidi tomar alguns chopes. Quando eu já estava terminando o meu primeiro, fui surpreendido por uma antiga colega de faculdade:
- Gê!? É você mesmo?
- Fernanda Mariana!? Não acredito…
- Vá tomá bem no meio do teu cu, Gervásio! Você sabe como eu odeio que me chamem pelo meu nome composto, ou será que você prefere que eu te chame por aquele seu apelidinho simpático… Qual era mesmo? Ah, sim: Vásio Sanitário!?
(CONTINUANDO)
Começamos a rir um do outro e me levantei para cumprimentá-la. Ela me abraçou apertado, dando três beijinhos na face, coisa típica de mineiros e a convidei para tomar um chope comigo. Ela aceitou de imediato:
- Aliás, desculpa, seu marido está por aí? Chama ele também! Eu não quero te causar problema, ok?
- Ih, Gê, o negócio lá em casa tá meio complicado.
- Ahhh... - Resmunguei, já entendendo que a maré para ela também não estava para peixe: - E só para constar, aquilo nem era apelido. Foram uns babacas que invocaram comigo e me sacanearam, só para fazer “bullying”.
- Ah, tadinho do menininho injustiçado. Ô dó, gente! - A sacana falava e ria da minha cara, fazendo-me rir junto.
O clima antes nublado, obscuro, ficou ameno e claro em questão de segundos. A conversa engrenou e começamos a relembrar os bons tempos na faculdade, falando de nossos colegas, professores, dos “acontecimentos”. Depois de algum tempo, recebi um novo áudio da Lucinha, perguntando, nitidamente nervosa, onde eu estava e por que não a respondia. Fiz o mesmo que havia feito com todas as outras “trocentas” mensagens recebidas anteriormente: ignorei! Fernanda esperta como sempre, foi direta e certeira como uma flecha:
- Ah, entendi o porquê da manguaça solitária. Está com problemas com a esposa, não é?
- Está tão na cara assim!?
- Olha, me desculpa falar, mas você tá bem acabadinho sim: olheiras, rugas de preocupação, uns pés de galinha aqui e ali, cabelinhos brancos… - Brincou, sorrindo e tomou um gole de seu chope, mas sempre me analisando: - E depois de receber uma mensagem da esposa e praticamente agredir o coitado do seu aparelho celular na mesa, minhas desconfianças aumentaram só um “tiquin di nada”.
Apesar de não termos sido tão próximos assim na época da faculdade, eu precisava me abrir com alguém e ela, por ser uma estranha aos acontecimentos, poderia me dar uma outra visão, muito mais isenta. Isso me daria tempo também para aproveitar ainda mais a companhia daquela bela morena. Lembrei-me inclusive que boa parte dos homens da nossa faculdade sequer tiveram a chance de dar uns belisquetes naquela bela morena: primeiro porque era séria demais, segundo porque logo no meio do segundo ano, ela começou a namorar firme aquele que viria a ser seu marido. Não sei se ela soube, mas causou uma reclamação generalizada entre todos, veteranos e novatos, saber que aquela bela ninfeta, magrinha mas dona de uma bunda e pernas poderosas, havia saído do mercado. Hoje, ela não era mais magrinha como antes, mas estava ainda melhor: mais encorpada, com curvas mais acentuadas e um par de seios de dar água na boca, tanto que acabei me perdendo:
- Ôu! Quer tirar o olho dos meus peitos! - Ela falou, rindo da minha cara besta.
- Ninguém acreditou quando você começou a namorar sério, sabia?
- Uai, sabia! Uns abusadinhos até tentaram me convencer a aproveitar mais a vida de solteira, insinuando que eu largasse o meu mozão. Teve até uns veteranos que disseram que não era ciumentos e aceitariam ficar comigo mesmo que eu continuasse namorando. Vê se pode!
- E você nunca deu uma escapadinha, né? Nunca deu bola pra ninguém!
- Não mesmo! Meu mozão chegou, chegando e ocupou todos os espaços. Nunca precisei procurar alguém para superá-lo, mesmo porque eu não iria encontrar.
- A galera reclamou que depois que você começou a namorar, além de séria, ficou totalmente arredia, nem beijinho ou abraço você dava...
- Mentira! Não mudei em nada com os meus amigos e amigas mais próximos. Eu só cortei aqueles que tentaram me desvirtuar. Isso eu fiz mesmo!
- E você nunca sentiu falta de namorar um pouco mais? Sei lá... Se divertir um pouco mais, aproveitar a solteirice, conhecer outros caras?
Ela de um sorriso maroto e colocou um dedo sobre os lábios, relembrando alguma coisa e explicou:
- Sinceramente? Não, nunca! Eu e o meu marido sempre soubemos aproveitar o melhor de cada um. Ninguém nunca conseguiria superá-lo.
Diferentemente da época da faculdade em que ela ficou duas vezes mais séria, agora ela estava tão divertida que era impossível não se impressionar. Agora, ela tinha uma postura de respeito, uma imponência de mulher madura e sagaz, sem perder o jeitinho do interior. Estar ao lado dela já havia melhorado muito o meu início de noite, tanto que, após refletir rapidamente, decidi me abrir com ela.
Perguntei se eu poderia pedir um conselho para ela, que concordou imediatamente. Então, tentei resumir tudo o que havia acontecido naquela fatídica recepção e nos dias posteriores. Fernanda me ouvia atentamente e só me interrompia quando precisava de algum detalhe para formar melhor a sua visão dos fatos. Tomamos mais dois chopes cada enquanto eu contava a minha tragédia para ela. No final, ela foi objetiva:
- Uai, “tendi” não! Por que você fala que errou?
- Ué, Fernanda, porque... porque eu poderia ter parado tudo antes de acontecer.
- Ah vá! Qualé, Gê!? Você não fez nada de errado não, sô! Quem deveria ter se dado ao respeito e metido um basta na cara do safadão galanteador era ela! Você sabe disso! Não tente se punir por algo que você não fez... - Tomou um gole de sua cerveja e arrematou: - Agora, Gê, vamos falar abertamente: ter vontade é a coisa mais natural do mundo ou você acha mesmo que ela nunca sentiu vontade de sentar noutro colinho? Quantas vezes você acha que a gente cruza com alguém que nos desperta o desejo? Nu! Eu!? Ara… Várias e várias! Agora pouco mesmo, cruzei com um moreno ali que é melhor deixar para lá! Mas nem por isso saio dando a torto e direito para qualquer um, não é?
- Tá, mas eu podia ter parado…
- Podia? Podia! - Ela me interrompeu, não querendo dar o braço a torcer: - Mas se ela quisesse dar mesmo, teria dado outro dia, para ele ou para qualquer outro. Tem até um ditado que diz que “fogo morro acima, água morro abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura!”
Ela falava com uma clareza e objetividade que assustava. Continuou:
- E, ó, vou te falar mais: com a facilidade que tudo aconteceu, eu não surpreenderia nadica de nada se ela já não tivesse feito isso antes.
- Mas a gente nunca foi num jantar desse tipo, Fernanda. Como que ela poderia ter feito?
- Ah, Gê, sério!? Ela não faz compras, ou vai à farmácia, ou supermercado, ou sai com as amigas, ou vai na academia, ou faz caminhada no condomínio? Se ela quiser, acredite meu amigo, ela vai fazer!
- Nossa, mas se ele tiver feito isso…
- Calma, Gê, só estou conjecturando, acho até que estou bebendo demais e falando besteira! Vamos voltar... A minha opinião é que ela errou somente em não ter sido transparente e contado tudo o que se sucedia: da paquera, da sedução, da vontade dela, entende? Se você iria aceitar ou não, é outra história, mas, pelo menos, teria sido cara a cara, nada escondido.
- Pois é… Sinceramente, eu não sei como agir. Ontem, depois de mais de um mês afastados, a gente acabou transando e foi ótimo, maravilhoso mesmo! Mas hoje eu acordei todo deprê e saí de casa logo cedo, e não sei se quero voltar… Não sei mesmo!
- “Ó só… Dexá a titia falá um negocim procê!” - Falou forçando um mineirês de interior do interior, tentando dar um pouco mais de leveza a aquele assunto tão pesado e parou por um segundo pensando: - Homem não foge da briga! Se tá bom, vai lá e aproveita; não gostou, libera o campo para outro vir semear. Você não pode ficar empatando a vida dela e a sua também: ou se acertam, ou separam de vez. Agora ficar nesse tico-tico no fubá não pode, né? Assim não dá!
Ela realmente não tinha filtro e mandava a verdade nua e crua sem se importar se estava sendo intensa demais ou não:
- Sabe o que é pior? Ela chegou a me jogar na cara que tinha feito aquilo porque a gente chegou a fantasiar na cama! Daí, como eu não reagi e deixei a coisa correr, ela disse que pensou ter a minha autorização.
A Fernanda me encarou com uma seriedade que não tivera até ali, colocando novamente um dedo sobre sua boca, como se estivesse analisando algo e, por fim, falou:
- Tá! Gê, o que exatamente vocês conhecem do meio liberal?
- Ah, eu... eu já li alguma coisa ou outra sobre ménage, swing, corno e etc., mas saber a fundo, eu não sei nada.
- É, deu pra notar. - Ela fez um bico, como que me analisando e falou: - Vou mudar um pouquinho o rumo dessa prosa… Presta bem atenção! O que eu vou te contar é segredo, mas segredo dos bravos, entendeu? Ninguém, nunca, “nunquin mes” poderá saber o que eu vou te contar. Cê tá me entendendo, Gê? Posso confiar no seu sigilo?
Eu gelei no mesmo instante, imaginando que ela soubesse alguma coisa sobre a Lucinha ou mesmo sobre o Roger, afinal, a Nanda aparentava estar acostumada às altas rodas e certamente podia estar frequentando os mesmos ambientes que aquele miserável frequentava:
- Ué, po… pode! Por que?
- Uai! Porque… Porque pode servir para abrir a sua mente, mas eu preciso que você jure que nunca contará para ninguém, nem mesmo para a sua esposa. Tá! Talvez para ela você possa contar se você concluir que será bom para o relacionamento de vocês. Posso confiar mesmo?
- Pode, Fernanda! Caramba, fala logo. Já estou ficando nervoso…
- Eu vou cortar o teu saco se você contar para alguém. Cê tá entendendo a seriedade da coisa, não tá!?
Ela tomou mais um bom gole de seu chope, me olhando, enquanto eu balançava afirmativamente a cabeça com olhos arregalados depois dessa última “ameaça” e talvez ainda analisando se deveria realmente me contar o que havia alardeado. Após isso, deu uma olhada ao nosso redor, certificando-se de que ninguém mais participava daquela nossa conversa e abriu o jogo:
- Eu e meu marido somos liberais. - Arregalei meus olhos e ela frisou: - Sou sim, uai! Eu sou uma liberal, uma “hotwife” como dizem no meio…
- Como é que é!? - A interrompi, falando alto e ela me fez um “Shiiiiiiu!” bem alto, quase enfiando o dedo indicador da mão direita na minha fuça: - Você e o… o… Qual é o nome dele mesmo?
- Mark.
- Mark, isso, Mark… Nunca imaginei que ele gostasse de ser chifrudo. Putz! - Falei e ela me encarava sem saber se havia feito a coisa certa em me contar aquilo: - Cara, eu nunca imaginaria isso se você não me contasse, não de você, toda certinha, tímida, quietinha...
- Vai tomá no teu cu, Gê! O Mark não é chifrudo, nem corno! Ele é o meu marido, o homem da minha vida, isso sim! - Mas olhou para cima e contemporizou: - Bem, às vezes, ele até é meu corninho, mas só quando a gente quer curtir uma brincadeira nessa linha. Até eu já fui corninha dele, então...
Ela agora tinha toda a minha atenção. Eu bebia meu chope sem desgrudar os olhos dela:
- Eu estou confiando em você, hein! Nossa vida particular é nossa, ninguém precisa ou pode ficar sabendo, ok? Só te contei isso, porque quero te explicar um pouco como funciona esse meio liberal na nossa visão, para você ter uma ideia mais correta.
- Ainda não entendi por que...
- Porque você, meu caro, e sua digníssima esposa, estão fazendo tudo errado. Então, se pensam mesmo entrar nesse meio, vocês primeiro precisam entender, depois avaliar e no final decidir se é o que vocês procuram realmente.
Concordei com um simples meneio de cabeça e, a partir daí, ela começou a me dar uma verdadeira aula sobre o meio liberal, explicando o que é, o que esperar de verdade, mas sem esconder que gostava das aventuras. Depois passou a falar sobre o seu relacionamento com o marido: como começaram, suas fantasias e aprendizados; o que enfrentaram, os riscos e as decepções; como conseguiram se entender, traçando regras de conduta e segurança para eles; e como se desentenderam bem no final.
Bem nesse momento, uma loira muito bonita se aproximou de nossa mesa e pediu desculpas por nos interromper. Então, a loira elogiou uma tornozeleira que a Fernanda usava, fazendo ela sorrir maliciosamente. No ato entendi que aquela joia tinha um significado muito maior e elas trocaram algumas palavras, mas no final Fernanda a dispensou educadamente, dizendo que seu marido era outro e eu no caso era apenas um amigo:
- Hummm… Melhor ainda! - Disse a loira, olhando-me de cima a baixo.
Fernanda novamente a dispensou, mas trocaram telefones. No final, ela se despediu dela com um delicado selinho e perguntou se também poderia me beijar. Fernanda me encarou:
- Você decide, Gê!
- Ué, eu… eu acho que pode, né?
A loira se aproximou e me deu um selinho também, saindo em seguida. Assim que ela se afastou, a Fernanda me mostrou seu bilhetinho e disse:
- Está vendo? É assim que as oportunidades surgem para quem é do meio, mas não é porque surgiu que eu sou obrigada a aceitar, entende? Aliás, nem eu, nem meu parceiro.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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