Um, dois, três, quatro, cinco, seis... fssss, um, dois, três, quatro, cinco, seis... fssss, um, dois, três, quatro, cinco, seis... fssss, em sua cabeça somente se ouvia o som das bolhas de ar.
Coloco a cabeça para fora d’água e tomo fôlego, já estou sentindo cansaço pelo exercício. Saio da piscina, pego uma toalha e deito na espreguiçadeira. Naquela manhã havia sido dificílimo sair da cama, vim por pura obrigação por saber que é aquilo que me acalma. E tenho precisado especialmente desta calma.
Nadar tem sido minha ferramenta para não pensar, minha mente fica vazia com mais facilidade e consigo evitar os pensamentos intrusivos que lhe tomam sem trégua.
Olhando as árvores e a paisagem em volta agradeço por ter algo que faça sua mente diminuir o ritmo, mesmo que não dure muito tempo, mas ali posso esquecer tudo que aconteceu nesses últimos meses.
Como é possível que em tão pouco tempo tudo mudar assim, toda a vida que conhecia acabou, aquela mulher que eu era acabara. Ao pensar sinto uma acidez no estômago. Sei que foi necessário para poder viver uma vida plena, mas ainda dói.
Sinto uma movimentação na cama, logo vem uma lambida no meu rosto, abro os olhos e vejo meu cãozinho me acordando para passear. Ele é tão esperto e já aprendeu um jeito de me acordar rapidinho. Sento na cama, pego o celular e vejo como está cedo, 6 da manhã.
Para sair da cama, cuidadosamente, passo por cima do meu marido que ainda dorme. Vou acabando de acordar no banheiro enquanto escovo os dentes. Tiro o pijama e troco de roupa para o passeio. Quando pego a coleira vejo tamanha a empolgação de meu pequeno Otto.
Temos uma rota de costume, que passa por um grande gramado e um pequeno parque que fica próximo a nossa casa. Otto é curioso e brincalhão, vai cheirando tudo no caminho e deixando sua marca. Encontramos alguns amiguinhos e o deixo brincar à vontade, depois corro atrás dele até cansar.
Quando retornamos limpo suas patas e dou um petisco de recompensa, aquele bichinho tinha a chave do meu coração.
Abro os olhos e sinta uma falta dolorida dele, ele era tudo para mim, peguei ele com 62 dias e ele era um filhotinho menor que meu antebraço. Cuidei dele com muito carinho até nosso ultimo dia juntos, nunca esquecerei nossos passeios e ele aos meus pés quando passava muito tempo sentada à mesa, ele se aninhava sobre meus pés e me aquecia.
Fecho os olhos e me vem uma lágrima, se pelo menos eu pudesse saber se ele estava bem, assistir um vídeo seu porque os que eu tenho já vi mil vezes.
Balanço rápido a cabeça para me ver livre desses pensamentos, observo os pássaros voando para bem longe exatamente como eu fiz, estava tão enojada da minha antiga cidade que tive que me mudar, era importante para mim um novo começo, algo que me fizesse querer viver e poder me distanciar de tudo que me fazia mal.
Eu me sentia segura com ele, quando estávamos juntos eu era mais destemida, sentir seus braços envolta de mim fazia dali o lugar mais confortável do mundo. Éramos um casal modelo, as pessoas se animavam conosco. Era o que eu acreditava quando lhe dizia o meu amor ao amanhecer e antes de adormecer a noite.
Coloco azeite na panela quente, jogo a cebola picada em cubinhos, deixo a cebola dourar, acrescento o alho e duas colheres de sopa cheias de farinha de trigo, espero o ponto do roux. Derramo o leite aos poucos enquanto com um fouet vou incorporando com outra mão. Quando está perto do ponto paro de mexer e deixo engrossar.
Numa frigideira coloco o bacon, presunto e as ervilhas congeladas, quando sinto no ar o sabor forte passo para o molho bechamel. Devagar para não espirrar, aos poucos acrescento os rondellis assados.
Preparo a mesa como direito a toda louça, talheres e taças, hoje será um dia decisivo uso toda a preparação para me distrair daquilo que sei que pode ser o fim de um relacionamento de muitos anos.
Aguardo aflita que as amenidades sejam ditas para que eu possa entrar no assunto mais delicado e não consigo esperar nem um minuto a mais quando as palavras saem da minha boca, tão rápidas quanto inseguras – Estou me sentindo mal, tem um tempo que venho me sentindo assim, você tem todo direito de ficar chateado, mas estou apaixonada por outra pessoa. Ele me fitou sem entender muito bem e eu completei – por uma mulher.
A reação dele não foi de ficar irritado, pelo contrário, muito calmo ele disse que estava tudo bem, que não impediria de fazer nada e que não era nada demais, parando para pensar ele me incentivou.
Aliviada por ter falado a verdade fiquei surpresa com sua atitude perante a minha revelação, a forma não me surpreendeu porque ele sempre foi muito calmo e equilibrado, mas sua aceitação diante de algo que poderia mudar o curso de nosso relacionamento.
Eu descobri depois de um tempo que a mulher alvo da minha paixão era heterossexual e estava casada, então para mim nosso possível envolvimento havia acabado por ali, a respeito muito e jamais interferiria no relacionamento de ninguém.
Mas foi aberta a janela da possibilidade de me relacionar com outras mulheres e isso me cativou, comecei a romantizar sobre, criar pequenas histórias antes de dormir onde as personagens principais eram mulheres que me interessavam, geralmente mulheres mais velhas do que eu porque a experiência e a inteligência me atraem.
Sem coragem para me relacionar permaneci meses somente com ideias sem dividir com ninguém, até porque a única pessoa no mundo que sabia daquilo era meu marido e eu encarava como uma exposição além de desnecessário dividir por hora.
Até que chegou o dia em que a vontade de conhecer alguém foi mais forte, como usuária quase que patológica da internet decidi instalar o aplicativo de relacionamentos mais famoso da época.
Olhava os perfis de forma minuciosa, lia atentamente as informações ali trazidas, via as fotos e já conhecia minhas preferências. É claro que contei minhas novas descobertas ao meu marido que não demonstrou nenhuma discordância novamente.
Por ser tão cuidadosa demorou algum tempo até que alguém demonstrasse interesse de volta para podermos conversar. Somente duas mulheres conversaram profundamente comigo.
A primeira era uma mulher da minha idade morava em outro estado, ela era divertida e me atraiu muito, nosso papo era fluido e leve, depois de algumas semanas ela me disse que vinha para a minha cidade a trabalho e perguntou se queria me encontrar com ela.
Aceitei sem pensar duas vezes, marcamos de eu buscá-la no aeroporto. Tomei muito cuidado ao escolher minha roupa e ao me arrumar, queria que ela tivesse a melhor impressão possível de mim.
Escolhi uma saia lápis marinho e uma blusa social branca, tinha um quê de formalidade, tinha, mas eu pensava que esse look me valorizava e, claro, salto agulha. Usei uma maquiagem bem leve, com uma sombra um pouco brilhante, mas com tom mais frio.
Meu coração já estava acelerado antes de sair de casa, chamei o carro de aplicativo, coloquei o fone e coloquei uma melodia calma, para relaxar e não ficar mais nervosa. O voo dela chegaria por volta das 18h, estava um por do sol lindo, me deu esperança de coisas boas, uma energia empolgante.
Cheguei por lá por volta de 17h40, sentei para tomar um café enquanto esperava, minhas mãos estavam levemente dormentes, encontrar com ela depois de termos conversado tanto nesses meses (sobre todos os temas possíveis) me deixava ansiosa, em contraponto estava muito feliz e realizada com nosso encontro.
Fiquei observando as chegadas e fiquei próxima ao desembarque assim poderia vê-la com mais facilidade. O voo dela chegou e eu fiquei de olho nas pessoas que estavam passando em direção ao estacionamento, quando a vi, ela estava linda de calça jeans e camiseta, portanto saibam que ela era linda, com sua mochila e uma pequena bagagem. Esperei pacientemente até a abordei dizendo um tímido ‘oi’.
Ela me presenteou com um sorriso, veio me abraçar e então pude sentir seu perfume, era marcante, mas eu não conseguia decifrar qual era, rapidamente perguntei sobre o voo e ela respondeu que foi tudo ok, conseguiu até dormir um pouco.
Perguntei se ela estava com fome, ela balançou a cabeça afirmativamente, sugeri irmos para algum num restaurante que eu gostava. No caminho fomos batendo papo sobre o dia e amenidades. Quando chegamos logo me animei para conversar mais intimamente enquanto comíamos.
Passamos boas duas horas por lá e logo seguimos para o hotel onde ela se hospedaria, era muito bonito, bem decorado eu notei enquanto aguardava ela fazer o check-in.
Estava a poucos minutos de ficarmos sozinhas e isso me animava e aterrorizada ao mesmo tempo. Ela era a primeira mulher que eu conheci que me cativou e me deu vontade de ser intima. Ao chegarmos ela colocou a mala num cantinho e disse que queria tomar um banho me olhou levantando a sobrancelha, meu estomago doeu, contudo eu não podia deixar essa oportunidade passar.
Entramos no banheiro e ela chegou muito perto de mim, encostou seus lábios nos meus num beijo tenro, lento. Ela exalava um cheiro doce e cítrico, era inebriante. Minhas mãos procuravam o melhor lugar, era difícil decidir sem ser atrevida demais, escolhi seus cabelos, a abracei e minhas mãos seguravam meu maxilar e assim pude beijá-la como queria. Desci e comecei a puxar sua blusa para tirá-la, passou por sua cabeça e caiu no chão.
Agora podia tocar em sua pele, ela começou a desabotoar minha blusa, ajudei com entusiasmo, sentia suas mãos nas minhas, mal conseguíamos decidir se iríamos juntas ou cada uma num botão. Logo partiu para minha saia, abrindo o zíper lateral, pronto, estava só de lingerie.
Com certa habilidade desabotoei seu jeans, fui tirando devagar, ela me convida para tomar banho, digo que sim com a cabeça, tiramos o que sobrava de roupas e ligamos o chuveiro, estava quente e entramos. Não tínhamos a menor pressa, ajudei a lavar seu cabelo, esfreguei seu corpo, ela me lavou, me fez virar de costas e massageou.
Vestimos cada uma um roupão pegamos um vinho no frigobar e ficamos na cama deitadas e conversando por muito tempo não sei precisar o quanto. Sua presença me deixava alegre, queria mais daquilo, ficar com ela era gostoso demais. Quando a garrafa acabou, eu já estava relaxada, senti uma certa intenção dela em se aproximar, fiquei esperando e fui receptiva ao seu toque.
Quando dei por mim já estávamos nos abraçando, suas mãos pelo meu corpo e sua língua em meu pescoço, não consegui mais fingir costume e a trouxe para perto, ela demostrou interesse no meu colo e foi abrindo meu roupão.
Acordei naturalmente com o clarear do dia, dormimos entrelaçadas, sentir o perfume de seu cabelo, seu cheiro próprio tão suave e sua pele macia e quente era muito para mim, estava confusa com o que deveria fazer, mas decidi ficar quietinha e aproveitar sua presença. Ela ainda estava adormecida, respirava suavemente senti uma enorme paz.
Peguei meu celular para ver as horas e ainda era cedo, 07h, comecei a pensar no que faria daqui pra frente, afinal ela morava em outro estado, provavelmente eu esperaria suas visitas, poderia viajar também e de repente meus pensamentos estavam em daqui a meses.
Eu não queria desperdiçar nada de nosso tempo juntas repentinamente me deu uma vontade quase infantil em acordá-la, todavia eu não queria ser mal educada, longe de mim. Levantei com muito cuidado, peguei minha necessaire e me encaminhei ao banheiro, encostei a porta e comecei a rotina da manhã.
Como se não tivesse acordado, ainda, voltei a me deitar, me aninhei em suas costas e retornamos a nossa conchinha. Novamente sua essência me tomou, a lembrança de nossos carinhos dançava em flashes em minha mente. Queria guardar cada uma daquelas memórias muito bem.
Não demorou muito ela estava despertando, se mexeu e virou para mim com aquele semblante de quem estava acordando sem entender direito o que estava acontecendo, quando me viu, sorriu perguntando sobre o horário, afirmei que não eram nem 8h da manhã, assim ela relaxou e perguntou:
- Como você dormiu?
- Muito bem, posso dizer que aquele vinho me relaxou, além de outras coisas.
- Acho que tenho um pouco a ver com isso, disse rindo.
- Você tem total a ver, e você como dormiu?
- Muito bem, depois de você que apagou rapidinho.
- Eu durmo bem mais cedo do que você, meu bem e eu te culpo por isso, pelo vinho e por outras coisas também.
Ela gargalhou livremente, jogou a cabeça para trás e foi me contagiando quando dei por mim estava rindo também. Rapidamente ela subiu em cima de mim e perguntou se eu estava com sono agora, balancei a cabeça negativamente e nos beijamos, ela sussurra no meu ouvido:
- Tente não dormir dessa vez.
Saio do chuveiro, me vesti com certa rapidez, ela já está pronta esperando com um café na mão, brinco:
- Precisando de energias? Hahaha
Ela solta um olhar desaprovador e me chama para descer. Tomamos um belo café da manhã e ficamos de papo até umas 10h quando digo que tenho que ir embora, ela faz um beicinho e digo que não imediatamente.
Subimos e ficamos conversando até que realmente preciso ir, mas prometo que farei o possível para nos vermos no dia seguinte. Nos beijamos com ternura e vou embora.