A volta para casa – 1# Parte
Back to Home is the story by Kherr of a paratrooper after II World War who finds his home in a nice guy′s warm and moisty arse. (Brazilian Portuguese version)
8 de maio de 1945, fazia uma tarde relativamente quente e abafada devido à chuva da noite anterior. Em Potsdam chanceleres de alto escalão estavam reunidos e assinando a rendição incondicional da Alemanha junto aos Aliados. Mike ainda estava com o Primeiro Batalhão do 506º Regimento de Infantaria Paraquedista que, depois de dar apoio aos 1º, 3º e 7º exércitos americanos na Batalha de Bulge nas Ardenas, havia sido locomovido para Hagenau na Alsácia quando os boatos do armistício começaram a vazar pelas rádios, mas que só foi confirmado oficialmente na manhã do dia seguinte. As tropas extenuadas e depauperadas festejavam pelas ruas das cidades e vilarejos em ruínas, abraçando-se e esvaziando os últimos estoques de bebidas dos poucos bares que ainda mantinham suas portas abertas. Ele estava feliz e esperançoso para voltar para casa de onde havia saído quatro anos e meio atrás, mais do que pelo fim do maior conflito armado da história. Ao contrário de muitos de seus companheiros e dos comandantes do escalão que os classificavam como heróis, Mike se considerava uma vítima de interesses alheios, por ter sido obrigado a deixar sua pacata vida na zona rural de Asheville na Carolina do Norte onde nasceu e cresceu, apesar da estagnação econômica pela qual a cidade passava como consequência ainda da Grande Depressão devido ao Crash de 1929.
Havia quase dois anos que não recebia mais notícias de casa e começou a se preocupar com o que poderia estar acontecendo com a mãe e o irmão que deixou para trás quando foi convocado pelas forças armadas. De início, não deu muita importância, afinal as tropas na Europa estavam em constante movimentação e isso atrasava as correspondências ou até as faziam desaparecer. Contudo, a mãe tinha por hábito lhe escrever com frequência, e a ausência das longas cartas que ela lhe enviava contando tudo o que se passava começaram a lhe tirar o sono. A angústia de não saber como ela e o irmão estavam ia finalmente terminar. O anúncio do regresso escalonado das tropas que estava marcado para setembro pôs fim às suas preocupações, em algumas semanas ele estaria finalmente em casa, em seu país, onde a guerra só se fez presente através das notícias nas rádios e jornais.
O ônibus o deixou em frente à loja de venda de passagens próximo ao centro comercial de Asheville, apenas mais uns outros poucos passageiros desceram com ele, uma vez que o destino final da linha era Nashville no Tennessee com uma parada em Gatlinburg. Ninguém o esperava, não era a recepção com a qual havia sonhado. Ele seguiu a pé em direção ao distrito de Candler, mais precisamente à Holombe Road onde se localizava a casa onde sempre morou. Sentiu o peito se agitar quando avistou a casa com telhado de quatro águas assentada sobre uma elevação em relação à rua cascalhada. O velho olmo ainda estava lá diante da varanda, que ele e o Travis costumavam escalar até os galhos mais finos para provar qual deles tinha mais coragem, pois a copa ia muito acima do telhado da casa. Ele sempre vencia o irmão e sentia orgulho disso. Por alguma razão seus passos se tornaram mais curtos, como se a pressa de chegar em casa tivesse acabado. O varal de roupas com peças esvoaçando ao vento no gramado lateral da casa era o único sinal de vida. O coração dele disparou quando pisou no primeiro degrau da escada de madeira para chegar a varanda e ele rangeu sob seus pés como sempre fizera desde que se conhecia por gente. A pintura de um cinza azulado claro estava desgastada pelo tempo. Uma garotinha surgiu repentinamente pela outra lateral da casa e parou assim que o viu ali parado com o saco militar nas costas.
- Mamãe! Mamãe! – gritou ela, com os olhos arregalados. – Mãe! – berrou mais uma vez, o que fez surgir um cachorro grande de pelos curtos e fulvos que avançou destemido e rosnando em direção a ele.
- Quieto Piper! – ordenou a voz de uma mulher que surgiu à porta, fazendo o cão se calar, mas farejando cauteloso ao redor das pernas dele. – Pois não, o que deseja? – perguntou ela, secando as mãos num avental de tecido xadrez vermelho com alguns bordados no peito.
- A Sra. Melissa ou o Travis estão em casa? – perguntou o Mike, ao não se lembrar daquela mulher como alguma conhecida de sua mãe ou da vizinhança e, ao mesmo tempo, suspeitando de algo errado.
- Eram os antigos moradores, não sei do paradeiro deles! Meu marido e eu compramos a casa há uns dois ou três anos do banco, pois havia sido hipotecada para um empréstimo que não foi saldado. – revelou ela. – Esteve na guerra? – emendou curiosa por vê-lo com o uniforme militar.
- Sim, na Europa! – respondeu Mike. – Era a casa da minha família antes de eu ir para a guerra. – revelou ele.
- Sinto muito! – devolveu consternada a mulher, diante daquele rapaz que subitamente tinha adquirido um olhar perdido. – Posso fazer mais alguma coisa por você? – perguntou ela. Mike demorou a responder, parecia estar procurando dentro da mente uma resposta para tudo aquilo.
- Não! Não obrigado! – respondeu finalmente, caminhando em direção a estrada. Estranhamente ele não conseguia chorar, talvez as cenas que presenciou durante a guerra o fizeram esquecer como se faz isso.
Ele resolveu voltar a Asheville para obter mais informações sobre o paradeiro da mãe e do irmão. Iniciou a busca pelo banco, onde o gerente o informou que após o falecimento da Sra. Melissa Bennet o filho do qual não se lembrava mais o nome não quitou as prestações do empréstimo e a justiça determinou o confisco da casa. A impressão que teve foi que lhe deram um soco no estômago. A mãe morta. Quando, como, por que? Onde encontraria essas respostas.
Lembrou-se de uma antiga namorada do irmão, Emma, Evelyn, Eleanor ou algo parecido começando com a letra E. Estava tão perturbado que já não se lembrava de mais nada. Sentou-se sob a sombra de uma árvore num banco da praça e afundou a cabeça entre as mãos. Tinha visto cidades inteiras em ruínas, e agora a sua vida parecia ter encontrado o mesmo destino. Eleanor, Eleanor Wright! Sim, era esse o nome da garota. Correu até a cabine telefônica mais próxima e perguntou à telefonista.
- Há cinco telefones registrados sob o nome Wright, senhor. Nenhuma Eleanor. – informou a telefonista.
- Pode me passar os endereços, por favor?
- Sim, um momento! Quer anotar?
- Sim claro! Espere, espere um instante, a caneta! Ok, encontrei! Pode falar. – respondeu ele, fazendo uns garranchos num pedaço de papel amassado enquanto a telefonista lhe passava os endereços.
No terceiro encontrou quem procurava. Bem, não exatamente, mas os pais da tal Eleanor. Ela havia se casado há alguns meses e tinha se mudado com o marido para um bairro próximo. Ela não estaria em casa, e sim no trabalho, trabalhava na cozinha do Earl′s Dinner. Foi para lá que Mike se dirigiu.
Ela estava ocupada demais para falar com ele, mas o atendeu em nome daquele uniforme que estava usando, e que se transformou num símbolo de heroísmo por toda a nação, pois era assim que os jornalistas se referiam aos combatentes que haviam voltado vivos para casa, mesmo que isso não refletisse bem a verdade. Mas, isso agora não importava, foram os americanos e sua genialidade que venceram a guerra, eram eles os grandes heróis do século, os salvadores de todas aquelas nações que certamente não teriam vencido os inimigos não fossem eles, os americanos. O país estava tomado de patriotas que fomentavam discussões acaloradas nos botecos onde havia um expressivo número de desempregados, de ex-combatentes que haviam voltado mutilados não só física como psicologicamente e já não prestavam para mais nada.
- Olá Eleanor! Desculpe incomodá-la no trabalho, mas queria saber se tem notícias do Travis. – ela o encarou por uns instantes, hesitando na resposta.
- O Travis está cumprindo pena na prisão, Mike! Você não sabia? Foi acusado de matar um homem durante um assalto. Ele está cumprindo pena no presídio de Lumberton. – revelou ela.
- Quando foi isso? – ele estava tão desorientado que nem sabia mais o que perguntar.
- Há três anos eu acho! Não estávamos mais namorando, foi pouco depois de sua mãe falecer. Eu sinto muito por você, Mike, de verdade! – afirmou ela.
- Obrigado! Obrigado! – devolveu ele. – Mais uma vez, me desculpe por atrapalhar seu trabalho! Adeus! – ele precisava de ar, estava sufocando.
No dia seguinte foi se encontrar com o irmão em Lumberton.
- Foi tudo um engano, mano, eu juro! Não matei aquele homem, juro a você! – foi a primeira coisa que ouviu do irmão.
- O diretor do presídio me deu a sua ficha, Travis! As testemunhas viram você com a arma na mão ao lado do corpo antes que você fugisse com os capangas. As digitais na arma são suas! Por que fez isso, Travis? O que aconteceu com a mãe? Ela estava bem quando eu parti. Por que precisaram hipotecar a casa, Travis? – questionava ele inconformado
- É uma longa história, Mike!
- Bem, tanto você quanto eu temos muito tempo, não acha? Pode me contar tudo.
Quem matou o sujeito que se recusou a entregar o dinheiro que havia no caixa da loja foi o David. Ele disparou a arma que depois entrou em suas mãos para que continuasse em alerta caso aparecesse mais alguém enquanto ele esvaziava as gavetas do caixa. Foi por isso que encontraram as suas digitais na arma, jurou o irmão. Ele havia perdido o emprego e para pagar as contas precisou que a mãe fizesse um empréstimo que não conseguiu quitar.
- Só topei a parada com o David por causa da grana, era para pagar as prestações atrasadas do empréstimo, mas deu merda! – afirmou o irmão.
- Como pode fazer isso, Travis? Sua prioridade era cuidar da mamãe, cacete!
- Eu sei mano, eu sei! Me deixei levar! Estou arrependido, eu juro!
- De que adianta isso agora? E a mamãe, como faleceu?
- Ela passou mal quando a polícia apareceu lá em casa para me capturar. A Sra. Jennings cuidou dela quando me levaram, ela parecia bem. Mas, durante o julgamento, quando o juiz leu a sentença, ela passou mal outra vez, foi levada ao hospital mas faleceu dois dias depois, disseram que foi o coração. – contou o Travis. – Nem me deixaram ir ao enterro, sabia?
- Qual foi a sentença?
- Dez anos e quatro meses! Era para ser mais, mas revisaram a sentença depois que descobriram que quem de fato disparou e matou o sujeito foi o David. Ele pegou trinta anos. – revelou o irmão. – Tenho mais sete para cumprir, antes que me soltem. Então podemos ficar juntos outra vez. – por alguma razão isso já não importava mais, Mike se sentia só no mundo. A solidão que sentia nas missões do Regimento na Europa, de alguma forma, atravessou o Atlântico e continuava arraigada nele.
Como inúmeros outros que voltaram da guerra na Europa e começavam a voltar do Pacífico, Mike havia perdido a família e tudo que tinha. Não sabia o que fazer. Continuava metido naquele uniforme que já não significava mais nada, a patente de tenente sobre seus ombros valia tanto quanto um pedaço de papel higiênico usado. As Forças Armadas estavam se livrando dos contingentes inflados pela guerra, que agora não tinham mais utilidade. A única maneira de superar aquilo tudo e de se livrar daquela angústia era caminhar, caminhar para qualquer lugar, caminhar para onde as pernas o levassem, não importava onde. E, ele se pôs na estrada, a primeira que encontrou, e ela ia em direção ao Tennessee. Tudo o que ele tinha estava naquele maldito saco que carregava às costas, não parecia muito para quem precisava recomeçar do zero.
Mike já havia caminhado quase dois dias quando chegou aos arredores de Dandridge no Tennessee, às margens do lago Douglas, onde encontrou uma mulher jovem e um garotinho com não mais de doze ou treze anos pescando ao entardecer. Por alguma razão aquela cena lhe pareceu familiar, talvez porque lhe lembrava quando o pai o levava nas pescarias que gostava de fazer. A mulher e o menino não haviam pescado nada, embora estivessem ali há mais de três horas. Ela o interpelou quanto ao uniforme, contou que o marido morreu em algum lugar dos Países Baixos do qual não se recordava o nome.
- Depois fazem alarde quanto a sermos o país dos heróis vitoriosos que salvaram os demais Aliados da opressão de um tirano psicopata, mas não falam dos milhares de lares americanos desfalcados de seus pais, irmãos, maridos, namorados que nunca voltaram dos campos de batalha. É irônico, não acha? – questionou ela.
- É, acho que sim! – Mike estava sendo sincero, ele não se julgava um herói, nem os colegas do Regimento que viram seus companheiros e amigos caindo por terra com uma bala varando seus peitos ou destroçando suas cabeças, quando não seus corpos inteiros sendo arremessados em pedaços pelo ar com a explosão de uma granada. Não, eles não eram heróis, eram pessoas comuns que só queriam estar junto às suas famílias e não lutando milhares de quilômetros longe de casa por interesses que não eram deles. O heroísmo só existia nas cabeças dos governantes que usufruíam do prestígio crescente a cada cidadão que caía morto. Era assim que ele pensava.
Mike se juntou a eles ao perceber que nenhum dos dois tinha habilidade para a pesca. Mostrou ao garotinho como montar a isca no anzol e lançou a primeira demonstrando a técnica correta. O menino via nele o pai que jamais voltaria para casa e se afeiçoou a ele, encarando-o e sorrindo-lhe com frequência. Cerca de hora e meia depois, tinham oito percas prateadas no covo; duas delas pescadas pelo garoto que as foi trazendo para a margem numa euforia saltitante.
- Vai ser o nosso jantar. – disse a mulher, convidando-o a compartilhar a refeição com eles.
O menino adormeceu no sofá da sala, e Mike o carregou até o quarto sem ele acordar. A mulher lhe ofereceu cama e comida temporários em troca de uns consertos que a casa precisava, o que Mike aceitou, pois a proximidade do inverno dificultaria encontrar abrigo ao longo das estradas.
- Para onde está indo?
- Não sei! Desde que voltei ao país sinto não fazer mais parte dele. Qualquer lugar onde consiga arranjar algum trabalho e abrigo está bom para mim. – respondeu ele, sem perspectivas.
- As pessoas estão deixando o campo, a escassez de trabalho os está empurrando para as grandes cidades onde as indústrias que cresceram durante a guerra abastecendo os suprimentos nas linhas de combate são as únicas a se expandirem e oferecerem trabalho, beneficiadas pela guerra. – disse ela.
- Cresci e me criei no campo, não sei se me acostumaria a viver numa cidade grande. – afirmou o Mike.
- A necessidade nos faz acostumar a tudo! – devolveu ela, sabendo o que estava afirmando.
Em meados de março ele retomou sua caminhada, o clima começava a trazer dias mais amenos e não havia mais o que fazer por ali. O menino se agarrou a ele na despedida e foi o único que chorou. A mulher e Mike já não esboçavam os sentimentos, ou talvez nem os tivessem mais.
Ao longo da jornada, durante a qual fazia pausas para obter trabalho e abrigo, informaram-lhe que algumas pequenas indústrias estavam se instalando em Dayton às margens do lago Chickamauga, formado pelo represamento recente do rio Tennessee. Mike resolveu arriscar a sorte, não tinha uma profissão, nem uma habilidade específica, mas sabia se virar bem diante de um desafio.
Chovia naquela manhã quando caminhava na margem da estrada, o tempo mudara repentinamente devolvendo o final do inverno. Ele já estava encharcado até os ossos, o abrigo grosso de lã que também usou para se proteger do frio durante a guerra já estava puído e deixava passar a umidade. Ele já estava caminhando desde o começo da manhã e, até o meio dela não passaram por ele mais do que cinco ou seis veículos que não pararam para lhe dar carona, embora estivesse trajando seu uniforme de herói.
- Para onde está indo? – perguntou o jovem alinhado que dirigia uma picape GMC série CC apinhada de coisas protegidas por uma lona na caçamba.
- Qualquer lugar! – respondeu Mike, esfregando as mãos regeladas.
- Bem, não sei onde fica esse lugar, mas posso te levar até meu rancho que não fica longe daqui e onde pode trocar essas roupas molhadas. – devolveu simpático o rapaz.
- Ok! – aqueles olhos verdes tão expressivos e o sorriso gentil do jovem deixaram Mike inibido.
- Sou o Clark, e você? – perguntou o rapaz, quando Mike entrou na picape.
- Mike!
- Olá Mike! O que faz perdido nessa estrada? Ela é quase sempre deserta, mas isso vai durar pouco. Estão terminando de construir a intersecção com a US 27 que vai conectar Dayton a Chattanooga ao sul. – esclareceu Clark, o que pouco interessou ao Mike que se manteve calado. – Mora aqui por perto? – continuou Clark, ao pressentir que não teria sua pergunta respondida. – Eu me mudei para o rancho da família com a minha mãe há cinco anos atrás. Ela estava doente e queria voltar para a propriedade que herdou do pai, e da qual meu pai cuidou desde que se casaram. Morávamos em Nashville onde nasci e fui criado. O rancho sempre foi uma distração para o meu pai, mais do que uma segunda fonte de renda. – revelou o Clark, que percebia que seu interlocutor não estava muito interessado em seu falatório. Porém, Clark sentia necessidade de falar, ficou nervoso e tenso quando encarrou aquele rosto másculo e aqueles olhos tristes.
- Não sou daqui! – respondeu finalmente Mike.
- Enquanto você diz duas palavras eu digo vinte! Sou meio falante! Minha mãe já dizia isso para mim desde criança, que eu era muito tagarela! – que raios estava acontecendo comigo que não conseguia calar a boca e simplesmente dirigir debaixo daquele aguaceiro que engrossava cada vez mais?
Mike pareceu se sentir aliviado quando Clark estacionou a picape na garagem da casa, talvez o falatório terminasse. Era uma casa ampla e confortável. O caminho de algumas centenas de metros que levava a ela a partir do portão era todo gramado e intercalado por enormes carvalhos, olmos e abetos. Depois dela a propriedade se estendia para muito longe e onde se podia avistar um celeiro, e duas outras construções longas de telhado baixo, mais um galpão de dois andares. Ele observou tudo em silêncio, indiferente.
- Venha, vou te levar para o andar de cima, onde poderá tirar essas roupas encharcadas e tomar um banho, se quiser, vou providenciar toalhas, fique à vontade. – disse o Clark antes de desaparecer deixando Mike diante da porta de um banheiro de um dos quartos.
Ele se despiu lentamente, aguardando o retorno do Clark, pois não queria que ele o viesse com pouca roupa, mas ele demorava mais que o esperado. Será que o sujeito foi tecer a porra das toalhas? Por que ele sugeriu um banho? Devo estar fedendo, concluiu ele, antes de erguer o braço e cheirar a própria axila. É, não está lá grande coisa, mas que importa, quem manda o sujeitinho ter faro de cachorro perdigueiro?
- Aqui estão! Ainda não tirou todas essas roupas encharcadas? Pelo visto está querendo pegar um resfriado. Também coloquei um sabonete entre as toalhas. Desça quando estiver pronto, vou preparar alguma coisa para você comer, está quase na hora do almoço. – sentenciou o Clark gentil e atencioso.
- Qual é a desse cara? Oferece carona a um completo estranho coloca-o para dentro da própria casa e se importa com seu bem-estar, só pode ser um maluco! – pensou Mike enquanto deslizava o sabonete perfumado pelo corpo, deixando a água morna carregar a espuma para o ralo.
- Ah, só vim checar se está tudo bem! – exclamei quando me deparei com aquele macho enorme e sensual debaixo da ducha, o que o assustou e o fez cobrir os genitais. Tarde demais, eu já tinha visto o caralhão enorme e o saco não menos intimidador. – Você prefere um bife ou costeleta de porco? – perguntei, tentando não olhar diretamente para aquele corpão viril. – Ah, vou levar essas roupas molhadas para a lavanderia e jogá-las na máquina de lavar. – anunciei.
- Deixe-as onde estão! – exclamou o Mike com rispidez. – Não preciso que se incomode com isso!
- Não é incomodo algum! Ademais, você não pode vestir essas roupas ou guardá-las nesse saco antes de secarem! – retruquei ante o olhar enfezado dele; sem esperar por sua aprovação levei as roupas. Tem outras secas para vestir? Se precisar, tenho algumas para emprestar enquanto elas secam. Talvez tudo o que esteja nesse saco também está molhado. – E aí, o que vai ser, bife ou costeleta? – tornei a perguntar da porta.
- Tanto faz! – respondeu ele. Sujeitinho grosso, o que tem de bonito tem de bronco.
Quando me virei ele estava atrás de mim na cozinha com a toalha amarrada à cintura, os cabelos molhados e uma cara embaraçada e, o mais perturbador, sexy, muito, muito sexy, tanto que logo tratei de desviar o olhar daquele tronco enorme, largo e cabeludo para não parecer interessado.
- Acho que vou precisar daquelas roupas secas que você falou! – disse ele, um pouco constrangido por ter me respondido de forma rude.
- Venha comigo, vamos encontrar algo para você vestir. As minhas vão ficar pequenas em você, mas tenho algumas que devem servir. – devolvi, enquanto o levava novamente para o andar de cima e lhe entregava peças que estavam num canto do meu armário.
Ele olhava ao redor, examinando o quarto bem iluminado, a cama grande toda arrumada, sentindo o conforto que aquele ambiente inspirava.
- Vai precisar disso também, eu acho! – anunciei, ao tirar de uma gaveta, que fazia muito tempo eu não abria, uma cueca sobre a qual deslizei suavemente os dedos, num saudosismo que me deixou perturbado.
Com as roupas nas mãos, ele voltou a me encarar, não para ser grato, mas para insinuar que deveria deixá-lo sozinho enquanto se vestia. O que ele pensa, que vou roubar aquela coisa enorme do meio de suas coxas? Já começava a me arrepender de estar ajudando esse sujeitinho. Quando ele voltou a se juntar a mim na cozinha, onde eu dispunha o almoço na mesa, surgindo sem eu notar, fiquei uns instantes paralisado admirando sua figura imponente e, subitamente meus olhos se encheram de lágrimas que precisei secar rápida e disfarçadamente com as costas de mão.
- Ficaram bem em você! – exclamei com a voz embargada, sob um olhar circunspecto dele. – Sente-se!
Ele quase não falou durante todo o almoço, começava a suspeitar que não se sentia confortável na minha presença, mas fingi ignorar mais essa desfeita. Já a comida ele devorava como se estivesse há dias sem uma refeição decente. Atacou três costeletas fartando-se prazerosamente com elas, dava gosto de ver. Ao final de cada uma, pegava o osso na mão e roída os fiapos de carne ainda aderidos e sugava o suco até deixar o osso liso, exatamente como Jeff fazia. Dessa vez não consegui aparar a lágrima e ela caiu sobre a toalha, o que o fez me encarar. Desviei o rosto, mas já sabia que era tarde, ele a notara. Prontificou-se a me ajudar com a louça, mas eu dispensei, nesse momento precisava de um pouco de distância dele.
- Acomode-se na sala, terminando aqui vou lhe fazer companhia. – sugeri.
Ele ocupava uma das poltronas mais próximas das janelas, estava pensativo. Acendi a lareira e ele veio me ajudar com a lenha. Lá fora a chuva continuava mais gelada no que antes. Com o fogo a crepitar ele me inquiriu a respeito das pessoas que estavam nos porta-retratos sobre a cornija da lareira.
- É sua mãe? – perguntou a pegar o porta-retratos na mão e observar as três pessoas retratadas.
- Sim! Dois anos antes de falecer. - respondi
- Parece uma mulher classuda, e muito bonita! Bastante jovem ainda. – retrucou.
- Sim! Ela se foi cedo.
- E o rapaz, seu irmão?
- Um amigo! Jeff! – respondi. Ele ficou um tempo calado.
- Mora nas redondezas ou ainda em Nashville?
- Não! Ele morreu em combate no Pacífico no Mar de Coral a bordo do porta-aviões USS Lexington quando os japoneses o bombardearam no dia 7 de maio de 1942. – revelei tomado pela emoção. – Me desculpe, tenho umas coisas a resolver. Fique à vontade, volto quando terminar. – sentenciei apressado para poder sair o quanto antes dali e não cair no choro na frente dele.
- Posso ajudar com alguma coisa? – perguntou quando eu já estava saindo pela porta, sem obter resposta.
Sob a chuva corri até o celeiro sem me preocupar com uma capa ou um guarda-chuva, eu só precisava sair dali. Dois funcionários estavam guardando as compras que eu havia feito para a manutenção dos cavalos e os sacos de sementes e adubo para o início do plantio do sorgo. Ele ficou me observando correr na chuva e entrar no celeiro, e se perguntou que coisas tão urgentes eu tinha a resolver. Passei mais de duas horas no celeiro, juntando coragem para voltar a encarar as perguntas do Mike. Quando entrei em casa ela estava confortavelmente quente, imersa no silêncio. Encontrei-o meio encolhido sobre o sofá da sala, pois não cabia nele, e estava dormindo. A expressão relaxada do rosto, apoiado sobre a mão enorme de dedos grossos, o inspirar e expirar compassados e profundos da respiração expandindo aquele tórax enorme me trouxeram lembranças antigas, lembranças boas de quando eu era bem mais feliz. Peguei uma manta sobre a poltrona e o cobri cautelosamente com ela. Ele soltou um ronronado e ajeitou o corpão com um pequeno agito. Meus dedos tremiam antes de tocarem delicadamente a testa dele para afastar os cabelos. Num rompante ele acordou assustado, chegando a ficar sentado.
- Não sou desse tipo! Não faça mais isso! – vociferou irritado.
- Desculpe, eu achei que pudesse estar sentindo frio, por isso o cobri com a manta. – esclareci.
- Eu estou bem, não se incomode comigo! – devolveu ele, ainda ríspido.
- Me desculpe, mais uma vez! Não se zangue! – pedi carinhoso.
- Ok! Ok! Creio que também já é hora de eu partir. – disse ele, embora tudo estivesse indicando que o faria a contragosto.
- Ainda não me disse para onde está indo, talvez eu possa te levar, a chuva parou, mas está fazendo muito frio lá fora, é provável que volte a nevar esta noite se o céu abrir. – argumentei
- Não estou indo a nenhum lugar específico. Estou à procura de trabalho, onde o encontrar, é por lá que vou ficar. – respondeu.
- Que tipo de trabalho está procurando?
- Qualquer um que custeie minhas despesas e que me permita pagar por um abrigo. – respondeu.
- Tenho cinco funcionários trabalhando no rancho, mas dentro de algumas semanas teremos que plantar o sorgo para o próximo inverno e a manutenção com os cavalos também está exigindo mais esse ano porque nasceram cinco novos potros. Posso precisar de um par de braços fortes como os seus, se estiver interessado. – propus.
- Não precisa dar uma de bom samaritano! Eu sei me virar! – retrucou ele
- Pela maneira grosseira com que responde às perguntas e insulta quem te ajuda eu não duvido que saiba se virar muito bem! – soltei irritado. Que mal eu fiz a esse sujeitinho para ser tratado dessa maneira?
Não sou desse tipo, afirmou há pouco. Não sou nenhum idiota que não percebeu o que ele quis dizer com isso. Nós gays estamos acostumados a serem chamados de – pessoas desse tipo – o tipo ninguém quer ter por perto, o tipo que é dado à imoralidade, o tipo que só serve para se tripudiar e divertir com ele.
- Me perdoe, não foi essa a minha intenção! – apressou-se a dizer, quando notou como sua atitude me magoou.
- Me perdoe você! Estou nervoso desde que você entrou na minha picape e não sei explicar porque! – devolvi, pois sabia que aquele homem estava mexendo por demais comigo, e que eu não deveria deixar isso acontecer.
- É temporário, vou aceitar! – disse ele, notando que estávamos nos indispondo um com o outro sem motivo.
- Posso te pagar US$ 15,00 por semana, o mesmo que pago aos outros funcionários, mais cama e comida uma vez que eles voltam para suas casas no final do dia e não dependem disso. – propus.
- Pode descontar a cama e a comida desse valor, e talvez haja um lugar no celeiro onde eu possa dormir. – retrucou ele. Eu já estava com uma vontade louca de enfiar a mão na cara desse sujeitinho, e precisava me segurar para não cometer um desatino.
- Não será necessário, e você pode ficar no quarto em cujo banheiro se banhou. Não precisa se preocupar, apesar de eu ser alguém – desse tipo – você certamente estará seguro lá, a porta tem uma fechadura. – macho cretino e arrogante, quem ele pensa que eu sou, algum pervertido?
- Lamento pelo que eu disse, não quis ofender! – exclamou
- Esqueça! Não vou me desgastar por bobagens! – retruquei chateado.
- Começo amanhã?
- Sim!
- Pode me falar um pouco mais sobre o trabalho, não quero parecer idiota na frente dos outros funcionários. – vai ser difícil, seu babaca, isso deve estar no seu sangue, pensei com meus botões. Por que cargas d’água esse sujeito tinha que ser tão gostoso e ao mesmo tempo tão irritante?
Conversamos até tarde da noite, fazia tempo que eu não tinha companhia e ele era um bom ouvinte, falava pouco e apenas me escutava tagarelar, talvez tenha até se entediado com a minha voz, mas soube disfarçar, se foi o caso. Só me lembrei do pijama cerca de meia hora depois de nos recolhermos, não é que ele trancou mesmo a porta do quarto.
- Mike! Ainda está acordado? Eu trouxe um pijama para você. – ele veio abrir a porta só com a cueca, através de cuja fenda da braguilha se podiam ver os pentelhos.
- Obrigado, Clark, é muito atencioso de sua parte! Embora eu esteja acostumado a dormir só de cueca. – afirmou ele.
- De qualquer forma vou deixá-lo com você, caso mude de ideia! Também há um cobertor extra no armário se sentir frio durante a noite. – informei
- Você olhou pela janela?
- Não, por que?
- Está nevando, como você falou! O céu está limpo e estrelado. – revelou
- Quem sabe seja um bom agouro para essa casa! Boa noite, Mike! Durma bem! – devolvi.
- Boa noite, Clark! Obrigado!
Ele estava na cozinha quando desci na manhã seguinte, preparando o café da manhã.
- O que faz aqui tão cedo? – perguntei
- Estou tentando encontrar as coisas para fazer o café. E, não é tão cedo, seus funcionários já estão trabalhando. Fui conversar com eles.
- Não precisa fazer isso, deixe que eu faço o café. Podia ter ficado na cama descansando mais um pouco. Você me pareceu bastante cansado ontem. – afirmei. Eu queria perguntar de onde ele estava vindo, mas ante o jeito reservado e a economia de palavras para responder as minhas perguntas, desisti.
- Eu estou bem, não se preocupe! Não quero que os outros pensem que tenho algum tipo de privilégio e, desde já, vou te pedir que me trate exatamente como trata os demais funcionários. – pareceu-me que a noite de sono não mudou seus modos, até o uniforme que eu havia colocado na máquina de lavar ele estava usando, amassado do jeito que estava. – Logo após o café quero que me mostre o que quer que eu faça.
- Você vai sair comigo, vamos à cidade! – devolvi. Ele me encarou por uns instantes, sem saber o que aquilo significava.
Descobriu quando entramos na primeira loja de roupas e eu pedi ao Sr. Richmond que me mostrasse calças, camisas, pijamas, camisetas, jaquetas, meias e cuecas que servissem nele.
- É algum parente? Está em visita à cidade? – perguntou curioso o Sr. Richmond que estava acostumado a me atender como um cliente preferencial de sua loja.
- De certa forma sim, Sr. Richmond! – respondi de pronto, o que o deixou sem entender o que esse – de certa forma – significava. Porém, contentou-se com a resposta evasiva, pois sabia que eu era bastante reservado com os assuntos privados.
- Então vamos lá! Deixe-me ver o que tenho com numeração grande, pois ele é bastante corpulento, muito parecido com seu amigo Jeff, que também não cabia em qualquer roupa. – continuou o comerciante, indo às prateleiras para buscar as peças.
- Que ideia absurda é essa? Sabe muito bem que não tenho como pagar por isso, e não vou ficar lhe devendo favores. – afirmou o Mike cochichando no meu ouvido enquanto sua mão esmagava meu braço.
- Encare como um presente! E, por favor, não volte a usar esse uniforme, especialmente tão amassado. Por que não vestiu as roupas que lhe dei ontem? – retruquei
- Não quero seus presentes! O que tem demais o uniforme, foi o que vesti nos últimos anos e ninguém nunca reclamou. – devolveu
- Acontece que a guerra acabou! Você não está mais nas Forças Armadas, não precisa andar por aí como se ainda fosse. Além disso, não gosto de te ver vestido nele. – retorqui apressado, antes que o Sr. Richmond notasse nossa discussão.
- Não preciso de tantas calças e camisas, duas ou três são o suficiente! – impôs o ranheta, separando-as das demais que o Sr. Richmond havia trazido ao balcão.
Comecei eu a escolher e separar as peças que achei lhe cairiam bem e, enquanto o monte crescia sobre o balcão o sorriso do Sr. Richmond ficava mais exultante, ao passo que a cara do Mike ficava cada vez mais amuada.
- Bem, dei-me ver, acho que temos tudo, não é Mike? Camisas, calças, cuecas, meias, camisetas, pijamas, jaquetas, jeans, é acho que é tudo por hoje Sr. Richmond. – afirmei, conferindo as peças. – Ah, suéteres, Sr. Richmond! Ainda vamos precisar de suéteres apesar do inverno estar terminando. – o dono da loja correu sem hesitar para o setor dos casacos e suéteres voltando com os braços carregados de peças. O Mike me encarou bufando feito um touro zangado.
- Até a próxima, Clark! É sempre um prazer poder atendê-lo! – exclamou eufórico com as vendas.
- Até mais, Sr. Richmond! Muito obrigado!
- Esbanjador! Só com o que o velho lucrou hoje com você não precisa mais vender nada pelo mês inteiro! – resmungou o Mike quando voltamos para a picape.
- O que você queria, continuar andando por aí com esse uniforme amarfanhado ou talvez até pelado, quem sabe? – inquiri
- Você vai descontar tudo isso dos meus pagamentos, entendeu? Isso é inegociável! – sentenciou rosnando. – Vou passar meio ano pagando por esse exagero! – eu comecei a rir, o que o deixou ainda mais zangado. – Ao invés de estar aqui comprando inutilidades eu deveria estar no rancho trabalhando como os outros funcionários.
- Agora vamos fazer uma visitinha aos Kinsley! Você vai gostar da Sra. Kinsley, ela sabe da vida de todos na cidade e não vai te deixar em paz enquanto não souber cada detalhe da sua vida. – afirmei caçoando da cara amuada dele, enquanto estacionava diante da loja de calçados.
- Não vou entrar aí! Se pensa que vou aceitar mais um único dos seus – presentes – está muito enganado! – impôs determinado
- Então se os sapatos e botas não lhe servirem, não venha reclamar comigo! Você podia ser um sujeitinho um pouco mais flexível! – exclamei, enquanto ele titubeava em me acompanhar.
- Raios de sujeitinho mais teimoso! – rosnou quando entramos na loja.
Como previ, foi a Sra. Kinsley quem veio me atender, enquanto o Sr. Kinsley apenas sorriu e acenou em minha direção. A Sra. Kinsley era uma mulher de meia idade cujo fogo entre as pernas continuava bem acesso. Eu tinha para comigo que ela tinha uma quedinha por mim, pois se insinuava discretamente toda vez que eu entrava na loja deles.
- Esse bonitão é algum primo seu que esteve combatendo na guerra? – perguntou de imediato, ao ver o Mike fardado.
- De certa forma sim, Sra. Kinsley! – respondi tão evasivo quanto para o Sr. Richmond. Ela obviamente não entendeu nada, mas sorriu gentil.
- Do que vai precisar hoje, Clark? Faz tempo que não o vejo pela cidade. Como vai o rancho, ainda com problemas? – eu já estava acostumado a esses interrogatórios, e o de hoje estava apenas começando.
- Botas, sapatos e chinelos para o Mike! – respondi.
- Ah, então o bonitão se chama Mike! – exclamou ela, se insinuando para o homem viril que estava diante dela. Ele, é claro, só faltou rosnar e avançar sobre o meu pescoço.
- Gosta desses modelos? – perguntou ela, apontando a vitrine cheia de opções, enquanto ele mal se dava o trabalho de examinar os calçados. – Que número você calça, meu jovem? A julgar por seu tamanho eu diria que 12,5, 13 ou até 14, estou certa?
- Treze! – respondeu o Mike.
- Então vejamos os modelos agora. – disse ela saindo disparada ao estoque onde voltou com um rapaz ajudando-a a trazer o que havia separado.
- Este e essa bota, é o suficiente! – disse o Mike, sem nem provar os calçados
- Sente-se e prove esses aqui! – ordenei, já sem paciência. – Quem é que compra calçados sem os provar?
- Vou provar apenas esse sapato e essa bota que vai ser útil para o trabalho!
- Você vai provar todos esses aqui, e pare de discutir comigo! Saco de sujeitinho ranheta!
- Quando voltarmos ao rancho vamos ter uma boa conversa, Clark! Esteja certo disso! – exclamou ele, o que fez a Sra. Kinsley nos encarar mais minuciosamente.
- Sabe o que dizem, Clark? Que o tamanho dos pés é proporcional ao tamanho do que vocês homens tem no meio das pernas. Se isso for mesmo verdade, o bonitão aí deve fazer sucesso com as mulheres. – sentenciou desaforada a Sra. Kinsley com um risinho malicioso.
- Estou certo que sim, Sra. Kinsley! Estou certo que sim! – retruquei, sabendo que a notícia de um suposto primo meu que regressara da guerra ia correr de boca em boca por toda cidade.
Quando chegamos ao rancho o Mike descarregou toda sua impertinência sobre mim, reclamou de todo aquele gasto que ele classificou de desnecessário e perdulário e até ameaçou partir por eu ser um teimoso com o qual ele não sabia se seria capaz de lidar.
- Faça como quiser! Vá embora! Fuja para sabe-se lá para onde! Corra atrás daquilo que nem você mesmo sabe o que quer! Eu não vou te segurar, não vou te cobrar nada, pode ir! – despejei furioso.
Ele saiu batendo a porta e rumou em direção ao celeiro, depois, acompanhado de um dos funcionários foi para os galpões dos estábulos. Ficou desaparecido a tarde toda. Os funcionários já tinham ido para suas casas e havia escurecido fazia algum tempo quando ele entrou pela porta da cozinha.
- Consertei as portas das baias dos cavalos que estavam com as dobradiças quebradas e ajustei e lubrifiquei as juntas do arado que estavam frouxas e ressecadas. O Joe me disse que pretendem começar a preparar a terra para o plantio do sorgo amanhã pela manhã. – informou
- É, vamos começar amanhã! – respondi desinteressado. – Está com fome? O jantar está quase pronto. Pode tomar um banho antes se quiser!
- É, vou fazer isso! – disse antes de subir.
Ele voltou trajando um dos jeans e uma das camisas que havíamos comprado naquela manhã. Caíram bem no corpão parrudo dele, deixando-o com uma aparência mais jovial e descontraída. Fingi não ter reparado nele.
- Pode se sentar, já vou servir a comida. – disse displicente
Durante um quarto de hora ele não abriu a boca, como na refeição anterior, devorou o que tinha no prato com um apetite de fazer inveja, o que me encheu de alegria, embora não o demonstrasse.
- Seus funcionários parecem ser pessoas bem legais, especialmente o Joe e o Adam. Foram muito gentis comigo. Pude notar o quanto gostam de você, me disseram que nunca tiveram um patrão tão atencioso. – sentenciou sem olhar para mim.
- São sim, eu gosto muito deles. Não sei o que seria de mim e desse rancho não fosse a ajuda deles. – retruquei.
- A velha tarada da loja de calçados, ela falou em problemas com o rancho. O que há de errado com o rancho, que problemas são esses? – perguntou interessado.
- Só a criação e a venda dos cavalos não são suficientes para custear as despesas do rancho, eram as hortaliças que produzíamos e vendíamos nos mercados e quitandas da cidade que garantiam a maioria das despesas. Era o meu .... era o Jeff quem cuidava de tudo antes de ser convocado para a guerra, eu nunca tive o mesmo tino para esse trabalho como ele. E, para piorar, no final do verão seguinte a partida dele, um temporal destruiu todas as estufas onde cultivávamos as hortaliças. Até agora não consegui reconstrui-las, não tenho como tirar os funcionários de seus afazeres e deslocá-los para a reconstrução das estufas. – revelei. – Acho que nunca fui um bom administrador, essa é a verdade.
- Percebe-se que não! Com tantos problemas passa uma manhã inteira esbanjando dinheiro com futilidades. – afirmou.
- Queria que eu o deixasse andando pelado por aí? Roupas e calçados não são futilidades! – devolvi exasperado. – Se bem que a ideia de te ver pelado não seria tão ruim assim! – emendei, lançando lhe um sorriso travesso.
- Você é mais safado que a velha tarada da loja! – devolveu rindo. Entendi aquela risada como uma proposta de paz entre nós dois. Algo me dizia que ele havia desistido de partir.
Foi a segunda noite que ouvi uma espécie de roncos, grunhidos agitados vindo do quarto dele, e resolvi averiguar o que estava se passando com ele. Bati na porta sutilmente, chamei por ele em voz baixa, mas ele não veio abrir a porta.
- Está tudo bem com você? – perguntei, e não obtive resposta.
Girei a maçaneta e a porta se abriu, ele não a havia trancado; talvez nossa discussão o tenha feito ver que eu não era nenhum tarado. Ele se revolvia, agitava os braços como se estivesse esmurrando algo ou alguém que o estava atacando. Gotas de suor escorriam por suas têmporas, ele todo estava suado, havia lançado boa parte do cobertor para fora da cama, e resmungava coisas sem sentido.
- Mike! Mike! – chamei, ajoelhado ao lado da cama. Ele continuava agitado, devia estar tendo um pesadelo.
Fui à cozinha e preparei uma infusão de ervas clamantes e voltei ao quarto dele. Ele estava quase atravessado na cama, uma das pernas pendia para fora o que fez com que a braguilha da cueca se abrisse e deixasse exposto o chumaço de pentelhos e a cabeçona arroxeada do falo.
- Mike! Mike! Está me ouvindo, Mike? – indaguei, elevando progressivamente a voz para que ele me ouvisse.
Como das outras vezes em que foi tirado dos cochilos ou do sono, ele despertou agitado abruptamente, e para variar, zangado por me encontrar tão perto dele.
- O que está fazendo aqui? Eu já não disse que não .... – esbravejou, me encarando desafiador
- Acalme-se, você estava tendo um pesadelo! Estava falando coisas sem sentido e socando o ar. Eu não toquei em você, juro! – sentenciei, sem deixar que ele terminasse a bronca. – Pode acreditar, não toquei num fio de cabelo seu, juro! Eu te trouxe uma bebida quente para se acalmar, tome, vai se sentir melhor depois. – ele continuou me encarando com desconfiança e, só então reparou que seu sexo aparecia através da braguilha escancarada, e fechou as pernas.
- Não gosto de chá! – afirmou
- Não é um chá, é uma infusão de ervas calmantes, vai te fazer bem!
- Dá na mesma! Isso tem um gosto horrível! O que foi que colocou nisso aqui, capim, urtiga, forrageiras para cavalos? – perguntou, fazendo caretas enquanto entornava os goles na boca.
- E um pouco de cicuta! – exclamei zombando. Ele me dirigiu outra careta, e eu ri.
Minutos depois de eu o deixar, o tempo suficiente para levar a caneca vazia até a cozinha e voltar, ele dormia tranquilo feito um anjo. Na manhã seguinte perguntei o que tinha sonhado, e por que o pesadelo o deixou tão agitado. Ele respondeu que não se lembrava, o que não me pareceu ser verdade. Desconfiei que algo o perturbava e, por isso, passei lhe preparar e levar a caneca de infusão todas as noites quando ia se deitar. Ele a tomava toda, sempre resmungando e me perguntando se eu o estava tentando envenenar com aquela droga intragável. Eu dizia que estava me empenhando, mas que, por alguma razão, o veneno estava demorando para agir. Como reclamava demais do gosto da infusão passei a adoçá-la com uma boa colherada de mel, e ele passou a bebê-la sem tanta má vontade. Ele apenas me devolvia uma careta, e eu ria, lhe desejava – boa noite – e saía do quarto que, aliás, nunca mais foi trancado.
Como desde que não contei mais com a ajuda do Jeff, me empenhei do plantio do sorgo daquele ano. Eram horas e horas de trabalhado árduo e estafante que só terminava com a lua já brilhando no céu. Após algumas semanas, o Mike liderava os funcionários como se ele fosse o patrão. Atendiam-no em tudo e aceitavam as tarefas como se já tivessem feito isso há muito tempo. Ante ao tanto que havia por fazer no rancho, ele os convenceu a trabalharem aos finais de semana quando, nas tardes de domingo os convidava a nos acompanhar nas pescarias no lago Chickamauga que acabavam só ao anoitecer, regadas à cerveja e conversas descontraídas, com os corvos cheios de peixes que íamos deitar sobre as brasas quando chegávamos ao rancho.
O Mike parecia estar feliz com a atual situação, estava mais expansivo e menos resmungão. Ainda se fechava no quarto durante a noite e evitava a todo custo ficar com alguma parte do corpão exposta na minha frente, mesmo quando estava com os funcionários executando alguma tarefa, bastava eu me aproximar para ele se apressar em vestir uma camisa e cobrir seu tronco másculo.
Após o jantar, ele não se demorava muito me fazendo companhia, ou ia para o quarto, ou se debruçava sobre uns croquis misteriosos que ficava desenhando sem me contar do que se tratava, ou acabava pegando no sono esparramado no sofá. Era nessas ocasiões, observando-o cochilar feito uma criança, que eu ficava tentado a afagar seu rosto, a acariciar o peito e os ombros largos, a beijar sua testa e aninhar meus dedos em seus cabelos. Contudo, me controlava a muito custo, sabia que isso o deixaria furioso e, quando arriscava um pouco, ele acordava e me dava uma bronca.
- Já te falei para não fazer mais isso! Teimoso do cacete! Não sou nenhum cachorrinho para você ficar acariciando! – vociferava ele.
- Só quis afastar essa mexa de cabelo da sua testa! Não vou roubar nenhuma parte de você, fique tranquilo!
- Deixe tudo como está! Não quero que mexa comigo quando estou dormindo!
- Sim, senhor mandão!
Com o sorgo plantado, ele veio me propor que reconstruíssemos as estufas para as hortaliças. Os croquis nos quais trabalhava estavam desenhados detalhadamente todos os esquemas da construção e montagem das estufas. Fiquei espantado com a habilidade dele, parecia serviço de um engenheiro.
- Não tenho capital para tudo isso! O rancho está dando prejuízo desde que o meu ...., desde que o Jeff partiu. – afirmei.
- Bem, eu também pensei nisso! Quando estive na cidade conversei com um tal Sam Fletcher, ele criava cavalos no Nebraska e está interessado numa parceria com alguém que disponha das instalações. Nem metade dos estábulos está ocupada agora, podemos firmar um contrato oferecendo a estabulagem, pois toda estrutura já está montada; em contrapartida ele se encarrega do manejo e da doma, inclusive dos nossos animais, deixando-os prontos para a venda. Com isso podemos contar com dois dos funcionários que ficariam livres para outras funções no rancho. – fiquei olhando para o entusiasmo dele enquanto expunha o plano e, de repente, estava com os olhos marejados.
- Acha que esse tal Fletcher é confiável? Ele está de acordo com essa proposta? – perguntei, disfarçando a emoção.
- Ele só está esperando a minha resposta para trazer os cavalos e os funcionários dele para deixar tudo acertado. – respondeu ele, o que me indicava que ele também havia arquitetado tudo aquilo. – E eu pessoalmente, vou me encarar de vigiar o sujeito de perto, pode confiar! – asseverou, esperando minha aquiescência.
- Ok então! Vamos fazer!
- Agora de volta à questão das estufas. Negociei as madeiras para construí-las com o Sr. Robinson da casa de materiais de construção. Ele vai nos fornecer madeira para três estufas, inicialmente, que vamos pagar em seis meses com o salário que você destinou a me pagar. US$ 15, por semana totalizam US$ 60, ao mês e US$ 360, em seis meses, o que cobre o custo das madeiras e também de alguns outros itens que vamos precisar. Eu já deixei os primeiros US$ 60, com ele e fiquei de avisar quando deve entregar o material. – não aguentei mais, subi a escada correndo e me atirei sobre a cama, aos prantos. O destino me tirou um Jeff, mas estava colocando um Mike na minha vida.
Ele demorou a aparecer, bateu na porta de leve, apesar de haver uma fresta aberta. Eu estava encolhido em posição fetal sobre a cama, pensando em tudo aquilo que ele propôs, pensando em como estava me ajudando com o rancho, pensando em como ele estava cuidando de mim; há tanto tempo eu não sentia isso.
- Está tudo bem, Clark? – perguntou, enfiando a cabeça pela porta.
- Sim! Sim, está!
- Fiz alguma coisa que você não gostou? Se não concordar é só me dizer, eu desfaço os acordos que fiz. – disse ele, sentando-se na beira da cama.
- Não! Não, você não fez nada errado! Concordo com tudo, não precisa desfazer acordo nenhum. Só não concordo que aplique seu salário no rancho. Temos que encontrar outra solução para isso.
- O que foi então, se não fiz nada de errado? Quanto ao meu salário, discutimos isso depois. Você saiu correndo e veio para cá, achei que não gostou do que fiz.
- É por que sou um idiota! Não ligue! – respondi lutando para conter a emoção.
- É o Jeff, não é? Ele te ajudava a cuidar do rancho, não é? O Jeff não era seu amigo, ela era seu ... – ele não ousou terminar a frase.
- Sim! Ele e eu nos amávamos, ele era meu parceiro! – confessei
- Não me pareço com ele, mas tenho notado que de alguma forma te faço lembrar dele. Foi por isso que saiu correndo para o celeiro debaixo da chuva quando te perguntei quem era ele naquele porta-retrato, ao seu lado e da sua mãe; foi por isso que seus olhos se encheram de lágrimas quando me viu vestindo as roupas dele; e o mesmo aconteceu agora há pouco enquanto eu te expunha minhas ideias, não foi?
- Não pude lhe dar um enterro, os corpos desapareçam no mar quando o USS Lexington explodiu. Tudo o que me restou dele foi o que dois oficiais da marinha me entregaram alguns meses depois de sua morte, uma bandeira dobrada com uma Purple Heart e uma Silver Star por bravura em ação contra um inimigo do país. Eu só queria ele de volta, nada mais. – respondi, chorando. Ele saiu discretamente do quarto, e eu adormeci com as recordações flutuando na minha mente.
Eu havia imaginado o nosso sócio no haras, Sam Fletcher, como um homem de meia idade, cabelos já um pouco grisalhos, um tanto de sobrepeso no corpo e um sotaque típico do meio oeste americano, que os habitantes do Nebraska juram não ter. No entanto, no meio da manhã em que ele apareceu junto com os caminhões que trouxeram os cavalos e alguns funcionários, me deparei com um homem alto, musculoso, de queixo anguloso, rosto hirsuto, uns 35 anos e um tronco que mais se parecia com a muralha de contenção da represa Hoover. Ele veio direto a mim quando me avistou, as pernas grossas metidas num jeans justo davam passadas largas e firmes.
- Você deve ser o Clark! – exclamou em meio a um sorriso largo, me estendendo a mão e apertando a minha com força entre a dele, que chocalhava dando a impressão de que ia arrancar meu braço.
- Sim, sou eu! Prazer em conhecê-lo Sam! O Mike disse que você viria com os cavalos hoje, infelizmente ele precisou ir até a cidade resolver algumas questões. Posso ser útil em alguma coisa?
- Não tem problema, meus rapazes vão cuidar de tudo! Mas eu agradeço se puder me mostrar as instalações nas quais devo alojar meus cavalos.
- Claro, Claro, venha comigo eu lhe mostro!
- O Mike não me disse que o dono do rancho era um rapaz tão jovem! Herdou a propriedade? Não é comum um jovem como você viver na zona rural, longe das comodidades e agitos da cidade. Gosta de cavalos, Clark? Eles são a minha paixão desde criança. Infelizmente ainda não consegui adquirir algumas terras para montar um haras, por isso dependo dessa parceria. – ele era bem falante e espontâneo, tinha uma simplicidade rústica e contagiante.
- Sim, herdei a propriedade e parece que não sou a pessoa mais indicada para administrá-la! Também gosto de cavalos, acho-os animais elegantes e que transmitem força e determinação.
- São exatamente assim! Por isso, domá-los é um exercício de paciência e dedicação. Refiro-me a doma racional é claro! – eu mal conseguia acompanhar as passadas dele, embora fossemos quase da mesma estatura. – Sabe cavalgar, Clark?
- Sim, aprendi ainda pequeno com meu pai quando me trazia para o rancho durante as férias escolares.
- Ótimo! Vou passar por aqui de vez em quando para supervisionar o trabalho dos meus funcionários e então, vou te convidar para cavalgarmos por aí. A região é muito bonita, como deve bem saber. – A minha introversão contrastava demais com a expansividade dele, mas ele parecia estar gostando dessa timidez que eu tentava disfarçar.
Os rapazes que ele trouxe consigo e que ficariam no rancho cuidando dos cavalos eram dois sujeitos simpáticos que logo se enturmaram com os meus funcionários. Levou pouco mais de duas horas para eles estabularem os animais e os deixarem descansar do transporte que os estressou, tudo vigiado de perto pelo Sam.
- Bem! Estão instalados, posso tomar meu rumo. Eu gostaria de ter trocado algumas palavras com o Mike quanto aos detalhes das funções dos meus funcionários para estabelecermos uma rotina, mas eu volto amanhã, se ele não estiver muito ocupado. – conforme ele falava, tive a nítida sensação que ele pensava que o Mike era uma espécie de capaz do rancho.
- Pode falar comigo sobre isso, se quiser! Contudo o Mike não deve demorar. Talvez aceite almoçar comigo enquanto discutimos esses detalhes. – notei que ele ficou visivelmente feliz com o convite, e me perguntei a razão de ele lançar aqueles olhares sobre mim. Teria algum fofoqueiro da cidade insinuado algo sobre a minha sexualidade? Eu tinha para mim que ninguém sabia algo a respeito, pois quando o Jeff morava comigo e com a minha mãe, sempre fomos ultra discretos. Depois me conscientizei que um boato não precisava de provas concretas para se tornar uma verdade.
Tenho que confessar que o Sam me deixou muito impressionado, em tudo, diga-se de passagem. Tanto seu conhecimento sobre a criação de cavalos, quanto a maneira de domá-los e até, por que não, aquele seu físico másculo e viril. Afinal, apesar dos últimos acontecimentos pesarosos da minha vida, eu continuava a ser um homem que gostava de homens, particularmente os do tipo do Sam. Ele foi se entretendo comigo, esqueceu-se ou relegou o que tinha a fazer para poder ficar comigo, desfrutando de uma companhia que parecia lhe agradar muito.
- Há tempos não conheço alguém tão interessante quanto você, Clark! E preciso te dizer que estou gostando muito! – exclamou ele, em dado momento da conversa.
O que ele exatamente quis dizer com isso eu não entendi, ou talvez não estivesse acreditando. Será que esse cara curte homossexuais, ou já se envolveu com algum? Ele não podia ter chegado a essa conclusão por eu ser extremamente discreto, sem nenhum sinal que colocasse minha masculinidade em dúvida; contudo, era notório que se sentiu atraído por mim. Despedimo-nos no final da tarde quando ele deu carona para os funcionários dele voltarem para suas casas. Havíamos passado a tarde conversando sem o notar. O Mike regressou pouco depois da partida dele, quando lhe contei tudo sobre o nosso encontro.
O Sam voltou dois depois, veio direto para a casa procurando por mim. O Mike estava construindo as estufas, e eu estava prestes a me juntar a ele e aos empregados para dar uma força quando o Sam me propôs uma cavalgada pelas trilhas que circundavam o lago Chickamuaga, pois fazia uma tarde amena de sol fraco. Hesitei em aceitar o convite, afinal eu não podia jogar toda a responsabilidade e trabalho das estufas sobre as costas do Mike. Mas, o Sam soube ser convincente usando seu charme sexy que a camisa ligeiramente aberta tornava impossível de contrariar. Para desencargo de consciência fui avisar ao Mike que ia dar uma volta, mas que não me demorava, e me comprometi a recompensar minha ausência daquela tarde começando bem cedo na manhã seguinte. Não recebi mais que um grunhido como resposta dele.
O passeio foi mais um momento divertido e muito prazeroso com o Sam. Havia algo nele que deixava as pessoas ao seu redor contagiadas com sua alegria e simplicidade. Por conta disso, demorou mais que o planejado. Quando chegamos aos estábulos os empregados já tinham encerrado o expediente e ido para casa. O Sam se encarregou de desatrelar os animais, levá-los até as baias e repor o suprimento de água e comida. Pouco antes de entrar em sua picape, ele se aproximou perigosamente de mim; digo perigosamente, porque fazia muito tempo que não sentia o calor de um homem tão próximo, ainda mais quando esse calor fez meu cuzinho piscar excitado.
- Precisamos repetir isso mais vezes, não acha? Foi muito bom ter a sua companhia, Clark!
- Sim, com certeza! Também gostei da sua companhia, Sam! – exclamei, enquanto ele levava a mão para o meu rosto de deslizava as costas dos dedos em seu contorno, o que fez minhas pernas bambearem.
- Boa noite, Clark! – eu me esquivei um pouco do abraço dele, ainda não me sentia seguro de deixar um homem que mal conhecia me tomar nos braços.
A sodomia era considerada um crime capital em todo o país e punível com prisão prolongada ou morte. Cidades pequenas como Dayton eram ainda mais severas nos julgamentos de sodomia que quase nunca passavam pela Justiça oficial e era executada às margens da lei. Daí o grande receio de qualquer homossexual ser descoberto e linchado pelos que se intitulavam defensores da honra e dos bons costumes.
- Passeiozinho demorado esse! Achei que fosse passar a noite fora com o Sam! – afirmou o Mike assim que entrei em casa.
- Acabamos nos distraindo e indo longe demais, só na volta percebemos o quanto havíamos nos afastado. – respondi inocentemente, sem notar a contrariedade estampada na cara zangada dele.
- Desculpe, a janta vai atrasar um pouco, mas vou procurar ser rápido! Está com muita fome? Como foi com a construção das estufas? Amanhã vou te ajudar o tempo todo, prometo! – asseverei
- Acabei perdendo a fome! Vou subir, boa noite! – rosnou ele
- Como assim, perdeu a fome, Mike? Você trabalhou o dia inteiro e eu já te conheço o bastante para saber que deve estar faminto feito um lobo! São só mais alguns minutinhos, me conte como foi com as estufas. – insisti
- Amanhã você confere se fiz meu trabalho direito! Boa noite! – exclamou, subindo a escada.
Ainda tentei chamá-lo quando a janta ficou pronta, mas, ao bater na porta do quarto dele, ele a havia trancado novamente. O que deu nesse sujeito? Será que vai começar tudo novamente? Acabei jantando sozinho, apesar de já ter deixado previamente preparados uns escalopes cobertos de cogumelos que só precisei esquentar no forno e fazer o purê de batatas que ele tanto gostava.
- Mike! Mike! Está dormindo? Abra a porta Mike, trouxe sua infusão de ervas para não ter pesadelos, abra! – ele não respondeu, mas eu tinha certeza que ele não estava dormindo ainda. – Mike, o que deu em você? Por que está me tratando assim? - diante do silêncio dele, deixei a caneca fumegante ao lado da porta e fui para o meu quarto.
Passava da meia-noite quando ouvi os grunhidos roucos e agitados dele. A caneca continuava do lado de fora da porta com o conteúdo completamente frio. Eu não ia me deixar intimidar por uma porta trancada, havia mandado fazer uma chave reserva e a abri com ela. O Mike chutava tudo a sua volta, estava novamente atravessado na cama com o corpo todo suado, lutando com os travesseiros e balbuciando frases ininteligíveis.
- Mike! Mike! Acorde. – precisei sacudir o ombro dele para tirá-lo daquele transe. Ele me encarou um tanto quanto perdido. – Você teve outro pesadelo, Mike! Por que não tomou seu chá? Você é muito teimoso, sabia! – ele não disse nada, apenas se agarrou a mim e deixou a cabeça pender sobre meu ombro. – O que foi, Mike? Que pesadelos são esses que te deixam tão abalado? Eu estou aqui, Mike, me conte! – eu o abraçava e acariciava sua nuca; aos poucos ele foi se deitando no meu colo.
- Não me deixe sozinho! – exclamou
- Não vou te deixar sozinho! Eu estou bem aqui, não vou a lugar algum! Vou te ajeitar sobre os travesseiros e ficar ao seu lado até você adormecer, Ok? – demorou um bocado até ele se acalmar, eu estava capengando de sono velando o dele quando me reclinei na cabeceira da cama e adormeci.
Quando amanheceu, ele estava encaixado atrás de mim, um braço circundando minha cintura e minha bunda encaixada na virilha dele, onde a ereção havia escapado da braguilha da cueca e estava alojada no meu rego coberto tão somente pelo tecido fino da calça de pijama. Seu hálito morno resvalava no meu cangote. Estávamos tão entrelaçados em conchinha que suspeitei de aquilo não ter acontecido por acaso, mas que ele se acoplou a mim ao se sentir excitado com a minha bunda. De qualquer maneira, eu não queria ficar ali até ele acordar e, de repente, achar que eu tinha feito aquilo de propósito, dando-lhe chance para me acusar de o assediar.
- Aonde vai, nem amanheceu direito? – perguntou com a voz bem menos sonolenta do que eu imaginava quando tentei escorregar sutilmente para fora da cama.
- Me desculpe, acabei pegando no sono, juro que não foi intencional. Sei que não quer que eu o toque. – respondi
- Não precisa ir se não quiser! – surpreendi-me com a afirmação. Afinal, ele não se dizia – não ser desse tipo – o que mudou?
- Acho melhor voltar ao meu quarto! Não quero que pense que me aproveitei da situação!
- Sei que não fez isso! Fique! – retrucou, rolando o corpão pesado para cima de mim.
Fiquei encabulado quando ele começou a me encarar sem dizer nada. Não demorou ele tocou meu rosto com as pontas dos dedos, um espasmo percorreu minha coluna e parou no meu cuzinho, uma vez que sua ereção se fazia bastante presente comprimida contra a minha coxa. Ele foi se inclinando devagar sobre mim, o rosto ficando cada vez mais próximo até sua boca tocar a minha. Outro espasmo percorreu meu corpo, dessa vez por inteiro. Fui abrindo lentamente os lábios quando senti os dele quentes querendo se encaixar nos meus. O beijo começou tímido e desajeitado, mas à medida que a umidade de nossas bocas se intensificava, o beijo seguia o mesmo caminho, até a língua dele penetrar minha boca e se alojar na garganta. Ambas as mãos dele entraram por baixo da jaqueta do meu pijama, erguendo-a até a altura dos mamilos onde elas se fecharam esmagando meus peitinhos. Gemi libidinoso e me contorci, a excitação se apoderava de mim e meu pinto endurecia vergonhosamente atestando que a investida estava me deixando com tesão. As mãos dele deslizaram ligeiras das tetas para as nádegas levando com elas a calça do pijama e desnudando minha bunda. O Mike apertou as nádegas polpudas que preenchiam completamente suas mãos enormes e vorazes. Soltei mais um gemido, o que colocou um sorriso discreto em seu rosto. Ele terminou de tirar a calça do pijama pelos pés e se encaixou entre as minhas pernas abertas, roçando o pauzão melado nas minhas coxas. Agarrei-me aos seus ombros, o esquerdo tinha uma cicatriz grande e disforme que chegava até a base do pescoço.
- O que foi isso? – perguntei, tocando-a delicadamente
- Queimadura por fragmentos de uma granada! – respondeu
Comovido, puxei-o com força para um beijo, enquanto minhas mãos deslizavam sobre suas costas. Ele me virou de bruços, encaixou e esfregou o cacetão duro entre as bandas profundas da minha bunda e eu comecei a gemer rebolando e empinando o rabo. Guiando com a mão a caceta sobre meu ânus, ele a empurrou para dentro do meu cuzinho que foi se alargando para deixar a cabeçona deslizar suave nas profundezas das minhas entranhas. Apesar da dor, a penetração gentil dele foi muito prazerosa. Eu gemi e me agarrei aos lençóis, enquanto ele abraçava meu tronco e socava o pauzão forte e fundo em mim. O prazer se apoderava de todo meu corpo fazendo-o estremecer. Ele entrava e saía do meu cuzinho com um vaivém firme e ritmado, enquanto meus esfíncteres apertavam o caralhão dele engolindo-o com avidez. A cada estocada os pentelhos dele tocavam na portinha do meu cu e o sacão dele batia no meu reguinho apartado. O Mike tinha uma pegada forte e devia estar há um bom tempo sem transar, pois bombava meu cu com tanta gana que eu me sentia empalado pelo cacetão grosso dele. Ele arfava no meu cangote, mordiscava minha orelha e me perguntava se estava sendo muito bruto.
- Não Mike, você é um macho maravilhoso! Goza em mim, Mike! Goza, me enche de porra! – sussurrei cheio de tesão. Antes mesmo de ter concluído meu pedido, eu me esporrei todo com aquele cacetão pulsando no meu cu.
- Você tem uma bunda tão linda, tão carnuda e macia, vou acabar te arrombando todo! – grunhia ele quando senti a rola inchando no meu rabo e ele se estremecer todo.
Ele se agarrou mais forte ao meu tronco, enfiou o pauzão até o talo e soltou os jatos de porra pegajosa no meu cuzinho, enquanto urrava lambendo e mordendo minha nuca. Depois de um tempo, o caralhão ainda pulsava atolado no meu cu, e meus esfíncteres o mastigavam como se quisessem que ele nunca mais saísse dali. Estávamos com a respiração acelerada e a adrenalina que agitara nossos corpos ia se diluindo lentamente. Quando ele puxou o pauzão para fora do meu rabo, ele ainda pingava algumas gotas de esperma cremoso, que caiam sobre as minhas nádegas. O Mike rolou para o lado com braços e pernas bem abertos, me encarava com um sorriso de satisfação.
- Você é gostoso para caralho, Clark! Muito, muito gostoso! – exclamou.
- Fico feliz que tenha gostado! Você também é muito gostoso, Mike! – devolvi, beijando e acariciando seu peitoral peludinho.
Durante o restante do dia, enquanto eu o observava ao trabalhávamos com as estufas, me conscientizei que não podia me apaixonar por ele, não podia deixar que aquele esperma que formigava no meu cuzinho há horas me fizesse esquecer que ele só estava ali temporariamente, que partiria tão logo descobrisse para onde queria ir. E, desde então, implantou-se uma tristeza em meu peito que talvez nunca teria fim.