CAPÍTULO 2: MÁGOAS
NARRADOR: HECTOR
Traidor. Bastardo. Infeliz. Dediquei dois anos da minha vida para esse cretino. Eu nem acredito que a Nataly estava certa. Que ódio, cara! Como o Alex teve coragem de largar um relacionamento de dois anos por causa de um estudante?
— Você está muito reflexivo, João. — comentei, sem tirar os olhos do trânsito, pois não confio nos motoristas do Rio de Janeiro.
— Amanhã tenho aula e vou ter que encontrar o Mauro. Não sei o que fazer. — ele explicou, olhando pela janela e suspirando forte.
— Ignora. É fácil. Se quiser eu te pego na escola amanhã e...
— Não precisa, Hector. Eu só quero esquecer esse dia escroto. Você pode encostar na esquina, por favor. — João pediu, liberando a fivela do cinto e saindo do carro.
— Boa sorte, cara. — desejei, enquanto o João fechava a porta e seguia para a sua casa.
"All by myself
Don't wanna be
All by myself
Anymore"
Enquanto a Celine Dion se rasgava para cantar essa música, o meu coração era dilacerado com as memórias que eu tive do Alex. Eu o conheci na faculdade. Era um menino vindo do interior para cursar Música em uma das melhores universidades do Estado. Ele já morava no Rio de Janeiro e havia saído de um relacionamento tóxico.
A primeira vez que o vi foi em um evento de calouros. A nossa conexão aconteceu de forma mútua, afinal, nos pegamos em todos os lugares daquela festa. O tempo passou e construímos uma relação legal. Quer dizer, eu achava isso.
— When I was young, i never needed anyone and making love was just for fun. Those days are gone! — eu cantei junto à Celine.
A casa do João não ficava tão distante da minha, mas eu teria que enfrentar o Alex mais uma vez, afinal, ele estava passando uma temporada no meu apartamento. Eu tenho medo de matar esse desgraçado traidor filho de uma puta! Ok, eu não vou desrespeitar a Soraia, a mãe do Alex. Ela não tem culpa se criou um filho escroto e traíra.
Estacionei o carro e não vi sinal da moto dele. Não o encontrei no apartamento. Então, aproveitei para fazer uma mala com todos os pertences do Alex. Roupas, objetos pessoais e documentos. Catei tudo aquilo que encontrei na frente e coloquei na mala.
Por algum motivo, eu não conseguia chorar. Acho que a raiva estava bloqueando todas as outras emoções existentes dentro de mim. Aproveitei para tirar todas as fotos dele que estavam nos porta-retratos da sala.
Eu estava sendo extremo? O Alex estava com esse tal de Mauro há três meses. TRÊS MESES! Como eu pude ser tão cego? Será que todas aquelas promessas de casamento eram verdadeiras? Eu sou tão estúpido. Sou tão cego.
— Hector! — exclamou Alex ao entrar pela porta. — Por favor, a gente precisa conversar. — ele pediu ao me ver com a mala na mão.
— A gente não tem nada para conversar, Alex. Eu só quero que você vá embora. — exigi, jogando a mala na direção dele.
— Pelo amor de Deus, Hector. Não vamos jogar....
— Cala Boca! — gritei, assustando o Alex, pois nunca fui de gritar com ele. — Não fala isso. Eu não joguei nada, porra. Eu nunca te trai. Nunca conversei com ninguém. — abri o meu celular e joguei na direção dele. — Eu sempre fui fiel a você.
— Eu errei, amor. Eu errei. Eu estava infeliz e não te sinalizei. Podemos tentar resolver e...
— Resolver? — questionei, tirando um papel do meu bolso e mostrando para o Alex. Era o print de algumas conversas que encontrei no celular dele. — Há quanto tempo? Você usou camisinha com essas pessoas?
— Eu... eu...
— Só vai embora daqui, Alex. Some da minha vida. — pedi, andando na direção da porta e abrindo. — Vá!
— Você tá estressado, amor. Vamos lá no morro para comprar umas...
— Alex, caralho! Sai fora da minha casa! — gritei, jogando a mala dele longe e apontando para a porta. — Vou chamar os seguranças.
Como dói ser escroto. Eu nunca me vi nessa posição. Nunca levantei a voz para o Alex, mas se tem uma coisa que não aceito é traição. Eu nunca fui um namorado relapso ou dei motivos para o Alex ficar infeliz.
O meu coração parecia que ia explodir. Eu peguei o telefone e entrei em contato com uma das minhas poucas amigas do Rio de Janeiro, a Nataly. Ela nunca gostou do Alex, mas pensei que era só implicância.
Nem preciso dizer que ouvi um sermão de quase uma hora. A Nataly é muito apaixonada em todas as suas falas e opiniões. Ela é uma mulher preta, alta e adora gesticular com as mãos.
— Você precisa excluir todas as tuas fotos com o Alex. — a Nataly sugeriu, pegando o meu celular e entrando no meu instagram.
— Fique à vontade, docinho. Eu só quero dormir e acordar daqui 10 anos. — comentei me cobrindo com o edredom.
— Não vai dormir nada, homem. Vai reagir. Tú não pode deixar pra macho escroto. — ela exigiu de maneira engraçada, enquanto apagava minhas fotos com o Alex.
Terminar é foda. O Alex fazia parte da minha rotina. Eu sentia falta dele, porém lembrava das mensagens e fotos picantes que eles compartilharam através das redes sociais. Por sorte, eu estava cheio de projetos da faculdade e me afoguei neles.
Algumas semanas passaram, o Alex insistiu muito para falar comigo, mas deve ter sido vencido pelo cansaço, pois eu não o atendi. Para escapar dos sentimentos conflitantes e das tentações que não posso me render, resolvi participar de um hackathon, uma maratona de programação e design. O evento aconteceu no Rio Grande do Sul, a minha terra natal e porto seguro.
Dois meses se passaram. A dor continua. Eu quase fraquejei e liguei para o Alex. Usava as redes sociais da Nataly para saber xeretar a vida do meu ex-namorado. Ele estava seguindo bem. Nos últimos meses fez uma tatuagem e pintou os cabelos.
Eu, por outro lado, continuava focado no trabalho e na faculdade. As festas de fim de ano chegaram e não quis esbanjar, pois queria economizar. A Nataly e eu planejamos uma viagem para a Europa e precisamos guardar uma grana para realizar esse sonho.
Em um sábado friozinho, eu comprei uma pizza e aluguei um filme pela TV a Cabo. Era um terror slasher dos anos 80, aqueles que são difíceis de achar na internet. Não estava nem um pouco afim de colocar vírus no meu computador com esses sites de procedência duvidosa.
De repente, a Nataly me ligou para sairmos. A minha amiga sabe como me convencer. Ela descolou ingressos para uma festa de calouros. Eu me arrumei sem vontade nenhuma, mas a maluca tinha razão. Eu precisava dar um jeito para superar a presença do Alex.
— Vamos, Hector. — a Nataly me apressou, antes de conferir o visual no espelho. — Os boyzinhos que me aguardem hoje. Estou sedenta.
— Você vai ser presa. Só vai ter novinho na festa. — brinquei, colocando minhas lentes de contato.
— Os novinhos são os melhores, meu caro amigo. Pega e não se apega. Você não transa há três meses, Hector. TRÊS MESES! — ela grita.
— Ei, eu... eu... eu sou um fracasso! — sentei no sofá e fiz um drama.
— Qual é, Hector. Você é bonito, alto e tem esses olhos perfeitos. Eu sei que você ainda tá sendo afetado por Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, mas precisa seguir. Ele te chifrou. Ele não merece o teu sofrimento. Então, — me entregando um pacote de camisinhas. — coloque o Hectorzinho para funcionar. Mas sem exageros.
— Tudo bem. — concordei.
Ao longo dos anos, as palavras Hector e exagero andaram de lado a lado. Percorri um caminho árduo para chegar até aqui. Precisei vencer vícios e controlar o meu destino, mas, claro que contei com a ajuda de pessoas especiais, como por exemplo, a Nataly, que sempre vigia a minha sobriedade.
— Dois drinks. — ela disse, enquanto colocava o salto alto.
— Três. Eu estou precisando. — implorei.
— Um e meio. — rebateu a minha amiga. — Não estou brincando, Hector. Manda quem...
— Pode e obedece quem tem juízo. — completei a frase.
O local da festa não é tão longe de casa, então pedimos um carro por aplicativo. Foda-se, Alex. A Nataly tem razão, eu não vou viver sob a sombra de um traidor. Ele fez uma escolha, que nos afetou e trouxe consequências para nossas vidas.
"Para de insistir, chega de se iludir
O que cê tá passando, eu já passei e eu sobrevivi
Se ele não te quer, supera
Se ele não te quer, supera"
O motorista colocou a pior seleção de sofrência que eu poderia escutar. Acho que sai do carro mais triste do que entrei. Por outro lado, ganhamos uma cerveja grátis. É difícil achar pessoas bacanas no aplicativo. Com certeza, darei nota 10 para o motorista e farei um ótimo comentário.
A entrada da festa estava lotada de jovens. O calor do Rio de Janeiro deu uma apaziguada, mas para precaver eu coloquei uma regata e bermuda, além de uma camisa enrolada na minha cintura. De acordo com a Nataly, piriguete não sente frio, ou seja, estávamos lindos e gostosos.
Nunca vi tantos garotos bonitos por metro quadrado. Os alunos dessa universidade são um espetáculo. Somos recebidos por um rapaz super educado que nos deu o copo da Calourada, aqueles que vem com um cordão. Em seguida, chegamos em uma espécie de portal colorido para tirarmos fotos.
A Nataly se esbaldou no cenário instagramável e aproveitou para fazer vários cliques, ainda mais quando o fotógrafo do evento chegou. Eu acabei tirando a foto padrão de quem não sabe tirar foto, ou seja, fiz o sinal de paz com a mão direita. Ao descer a pequena plataforma esbarrei em alguém e caímos no chão.
Para a minha surpresa era o João, o carinha que levou o chifre junto comigo. Ele está com um corte de cabelo diferente e parecia bastante fora de si. Com o baque, o joelho dele acabou machucado. Animado, o rapaz se levantou do chão e começou a dançar de um lado para o outro.
— Parece um boneco de posto. — digo, então tentei o controlar. — João, ei, João. — toquei em seu ombro.
— Oi? — ele virou na minha direção e nossos olhos se encontraram. — Dança comigo. — ele pediu e segurou em minhas mãos.
— Mas o seu joelh...
— Dança comigo, cara! — ele gritou novamente, e dessa vez, eu dancei ao lado dele.
"Extra! Extra!Não fique de fora dessa
Garanta seu ingresso pra me ver fazendo merda
Extra! Extra!Logo, logo o show começa
Melhor do que a subida, só mesmo assistir à queda"
Somos uma bagunça ambulante. Dançamos ao som da música de Gloria Groove e João não parece ligar para o seu machucado no joelho. O álcool nos torna invencíveis, né? De repente, o DJ pegou o microfone e gritou que era a hora do 'beijaço'. As diversas pessoas em nossa volta começam a se pegar. Eu lembro do Alex e dos conselhos da Nataly. Um beijo não vai matar ninguém, não é mesmo?
Os céus começaram a ser invadidos por fogos de artifício. Esse é um sinal do universo? O João olhou para cima e seus olhos brilharam nas cores dos fogos. Bem, não existe um momento melhor para beijar o ex-do-amante-do-seu-ex. Juntei toda a coragem existente dentro de mim e joguei todas as fichas na mesa.
Segurei o rosto do João, que permanece imóvel na minha frente e lhe dou um beijo. Ele tentou protestar, mas não liguei. O João me empurrou com mais força e olhei em sua direção de maneira engraçada. Então, a sua mão vem na direção do meu rosto. Caio no chão como uma pedra e fiquei sem entender a situação.
— Eu não sou viado, porra! — João grita, enquanto limpava a boca.
— Que merda, João. — falei indignado com a situação.
— Amigo! — uma desesperada Nataly corre na minha direção. — O que esse homofóbico fez?
— Homofóbico? Ele me beija a força e sou homofóbico?! — João questionou, apontando para mim e chamando a atenção de todos na festa.
— José! —alguém gritou na multidão e chega perto da confusão. — O que tú fez? — pegando no ombro do rapaz que me agrediu e olhando para mim. — Ei, — pegando na cabeça. — Hector? Caramba. — se abaixando. — Você está bem? Esse brutamontes te machucou?
É ele. É o João. Esse é realmente o João. Seus cabelos estão mais curtos, mas nada destoante do seu antigo penteado. Observei o rapaz ao seu lado e não acreditei. Eles são idênticos. Espera, não pode ser ou pode? O João é gêmeo. Caralho, beijei a pessoa errada!!!!!!!