CAPÍTULO 5: A VERDADE DÓI
NARRAÇÃO: JOÃO
Eu nunca tinha parado para pensar na vida. Quer dizer, eu já tive momentos de devaneios, mas nunca parei de fato para analisar o todo. Você me entendeu? Eu sei que parece confuso, dentro de mim tudo é confusão. Às vezes, me pego chorando do nada quando escuto alguma música melosa ou com tradução triste. O Mauro deixou um vazio no meu peito, um sentimento ruim que está demorando para desaparecer.
Eu gosto de colocar todas as minhas energias nas tarefas da faculdade ou do meu serviço como 'menor aprendiz' na Gráfica Ribeiro, que consegui graças a indicação de uma professora. Estou trabalhando em uma camisa para o "Encontro" com Deus de uma igreja evangélica.
Aos poucos, aprendi a mexer em softwares de edição de imagem, não sou um profissional, mas dou para o gasto. Busco me aperfeiçoar assistindo vídeos no YouTube. É dessa maneira que aprendi diversas coisas, como por exemplo, inglês, informática básica e edição de imagens. Como os meus pais não tinham grana para pagar cursos, precisei encontrar os meus próprios recursos.
A camisa para o "Encontro" com Deus está na fase de impressão. Fiz um desenho baseado na própria marca da igreja e coloquei a frase "Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração". Obrigado, Google, pois de religião entendo muito pouco. É uma área pouco navegada pela minha família, nunca vi meus pais em igrejas, sejam elas católicas ou evangélicas.
Depois de alguns minutos, eu finalizei o trabalho e comecei a me preparar para a faculdade. Da gráfica até a universidade são alguns minutos a pé. É o tempo ideal para me lamentar e sabotar todo o meu futuro amoroso com suposições. A minha cabeça é um lugar fértil, apesar do José ser o irmão aventureiro, eu fiquei com a criatividade.
No trajeto para a universidade, eu atravessava um parque. Sempre via os casais apaixonados sentados no chão e aproveitando o clima agradável do Rio de Janeiro. Para uma pessoa com o coração partido, os apaixonados não passam de tolos. Em breve, um vai largar o outro e eles vão se tornar apenas sombras de um passado distante. Eu avisei que a minha mente é criativa, para o bem ou para o mal.
— João Victor Soares Guimarães? — questiona um homem, tocando no meu ombro e me assustando.
— Não. — a minha primeira reação foi mentir, afinal, não sei do que se trata.
— Eu me chamo Gustavo Alencar, — ele me mostrou uma identidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro. — estou com um mandado em seu nome. — Gustavo me mostrou o documento.
— Eu não fiz nada. — soltei, quase desesperado. O meu coração pulsou rápido ao perceber outros homens ao meu redor.
— Sabemos, cara. Mas você precisa vir com a gente. — o homem pediu, tocando no meu ombro e apontando para o carro da polícia.
— Eu, eu preciso avisar os meus pais e...
— Eles já estão na delegacia, João. Olha, você não fez nada de errado, viu. Você é a vítima. — disse o polícia, dessa vez com um tom de voz mais suave. — Me acompanhe e você vai entender tudo.
Sem ter outra opção, segui o grupo e entrei em um caso adesivado com a logo da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Eu enviei diversas mensagens para os meus pais, mas ninguém visualizou. Em seguida, tentei alcançar o meu irmão e o resultado foi o mesmo: fora da área de cobertura. Que merda aconteceu? Será que o Mauro fez alguma loucura? Ele postou alguma coisa nas redes sociais?
O caminho é torturante até a delegacia. Os policiais parecem bonecos de cera. Eles não fazem nenhuma expressão e tenho medo de que algo grave tenha acontecido com os meus pais. No meio do desespero, uma pessoa me vem à cabeça, o Hector. Com a esperança abalada, envio uma mensagem para o meu amigo com a localização do meu celular. Vai que estão me sequestrando. Para de besteira João, quem sequestraria um pobretão?
Finalmente, chegamos à delegacia de polícia. O estacionamento está lotado de carro. O policial Alencar abre a porta e aponta para a entrada do local. Respiro fundo e vou andando em direção as escadas, quase tropecei no primeiro degrau, entretanto, disfarcei e dei uma corridinha. Segurei firme nas alças da minha mochila e continuei a subir.
— Diz que isso não é verdade, mãe! — esbravejou José de uma maneira agressiva para a nossa mãe, que estava sentada em uma cadeira.
— Que porra é essa, José! — gritei, me aproximando e empurrando o meu irmão. — Isso é jeito de tratar a mãe?
— Filho. — a voz da mamãe estava fraca e seus olhos inchados.
Que porra? Eu queria matar. Eu queria explodir. O que fizeram com a mamãe? O José andava de um lado para o outro da delegacia. Ele ficava assim quando estava em pânico. Mais uma vez, respirei fundo e precisei buscar o adulto que habitava dentro de mim. Eu era craque em conflitos. Conseguia apaziguar qualquer bringa entre a mãe e o José. Não seria agora que a derrota chegaria.
— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — perguntei, olhando para todas as pessoas ao nosso redor.
— Ela! — gritou, José, apontando para a mãe. — Ela nos roubou, João. Ela nos roubou da maternidade!
— O quê? — soltei, mas tenho certeza que fiz o questionamento em voz alta. — Que história é essa?
— João, né? — um homem negro com os cabelos grisalho pegou no meu ombro. — Essa notícia não é fácil de digerir. O seu irmão nos entregou um pouco de material genético para um teste de DNA.
— Ok. Isso não pode ser verdade. — falei transtornado e me abaixando na direção da mãe, que chorava copiosamente. — Isso não é verdade, né, mãe? Eu sou o seu filho. — as lágrimas começaram a brotar do meu rosto.
— Delegado Pessoa, — o policial Alencar chamou a atenção do homem grisalho. — acho melhor irmos para um lugar mais privado. Esse espetáculo já chega aos ouvidos da imprensa.
— Tudo bem. João, José e Dona Esther, por favor, vamos para a minha sala. Precisamos ter uma conversa antes de tudo.
Isso não era verdade. Eu não aceitava. A Esther é a minha mãe. Ela me gerou e cuidou de mim nos últimos 18 anos. Eu quero arrancar a minha mãe daquela delegacia. Eu posso sentir o medo e desespero nos olhos dela. Deve ter uma explicação plausível para toda essa confusão.
— Não! — vociferei, olhando para os policiais. — Nós vamos para casa. Isso é uma grande confusão. Vocês têm o resultado do exame de DNA?
— Ainda não, mas é uma questão de...
— Não importa. — me assegurei de ser duro e passar segurança nas palavras. — Eu vou levar a minha mãe para casa.
— Você não ouviu, João? Ela nos roubou! — alarmou José, mas andei na direção dele e lhe dei um tapa no rosto.
— Você está falando da minha mãe. Da nossa mãe. — disse, apontando para a mãe, que continuava sentada e chorando. — Eu não sei que história te contaram, mas eu vou acreditar na mulher que cuidou de mim nesses 18 anos, que passou meses no hospital quando você quebrou a perna e que nunca deixou nada faltar. Eu vou acreditar nela, José. Tú faz a porra que tú quiser! E se tú gritar de novo com a mãe, eu não vou responder por mim. — gritei, limpando as lágrimas e estendendo a mão na direção da mamãe. — Vem, mãe. — E vocês, policiais, — olhei na direção deles. — que vergonha. Vocês deveriam estar protegendo pessoas de bem e não as ameaçando. — puxei a mamãe pelo braço. Só queria acabar com esse pesadelo.
Ao abrir a porta da delegacia, dei de cara com o Hector, que parecia preocupado. Eu não tinha forças para explicar toda a maluquice que estava acontecendo naquele lugar. Então, com uma voz fraca e roupa, pedi para ele me levar para casa. Sem entender, o Hector nos mostrou o caminho do seu carro. Ele entrou, mas eu fui no banco de trás com a mamãe. Eu a acariciei e beijei. Como o José tinha coragem de ficar com a nossa mãe? Eu não conseguia processar essas informações.
A mamãe estava abatida com toda a situação. Ela que sempre foi uma mulher solar e risonha parecia uma sombra sem nenhum sinal de vida. Quando chegamos em casa, preparei um chá de camomila e levei para a Dona Esther, que apenas chorava. Imagina você ser acusada de roubar os próprios filhos? O Hector continuava conosco, mesmo não entendendo a situação, o meu amigo quis ficar para ajudar.
Eu continuava com medo da reação do José, por isso não o dispensei. Ele sentou no sofá e cruzou as pernas. Seus olhos passeavam por toda a sala, talvez estivesse desconfortável com a situação?
— Mãe, a senhora precisa descansar. — eu pedi, depois que lhe entreguei a xícara de chá.
Depois de muito insistir, levei a mamãe para o quarto. Ela deitou na cama, ainda chorosa, mas foi vencida pelo cansaço e adormeceu. A notícia ainda martelava dentro de mim. A raiva nos olhos do José. O meu irmão era explosivo em diversas situações, mas nunca agiu com violência contra nós. Quer dizer, ele deu um soco no Héctor.
Corri para a sala e fui direto nos álbuns antigos da família. A mamãe havia separado as nossas fotos pela idade. Sentei no chão e tirei todos da prateleira.
— O álbum de recém-nascido. — falei, pegando o primeiro álbum da prateleira e abrindo. — Estão aqui, — soltei, olhando para as nossas fotos de recém-nascidos. — como pode?
— João, — Hector se aproximou e pegou no meu ombro. — o que está acontecendo?
— Eles estão loucos, Hector. — falei, provavelmente parecendo louco também. — A polícia disse que a mamãe nos roubou do hospital. Isso é impossível.
— João, eu...
— Cadê a Esther? — perguntou o meu pai ao entrar na sala como um foguete.
— Pai! — exclamei, levantando, correndo em sua direção e o abraçando. — Pai, eles estão ficando malucos. O José acreditou na história.
— Filho, eu sinto muito. — o abraço do meu pai era forte e acolhedor. — Eu preciso conversar com a sua mãe.
O meu pai é um homem baixinho, mas de voz grave e imponente. Eu já o vi sério por diversas vezes, só que dessa vez havia algo diferente. Ele nos deixou na sala e seguiu para o quarto. Sentei, a adrenalina corria por todo o meu corpo e a voz do José pairava sobre os meus pensamentos.
O Hector sentou ao meu lado e segurou na minha mão. É tão bom ter alguém para te reconfortar. Eu nunca fui um garoto popular, apesar de ter a mesma aparência do José, eu não puxei o seu lado extrovertido. Com certeza, ele estava na casa de um dos seus milhares de amigos, uma rede de apoio faz toda a diferença em momentos de desespero.
— Obrigado. — agradeci, sentindo o toque dele na minha mão direita.
— Tá tudo bem, João. As coisas vão se esclarecer. Você só não precisa fazer nada precipitado. — aconselhou Hector, arrumando os seus óculos de grau.
Para o meu espanto, os meus pais apareceram na sala. A mamãe com a expressão abatida e o papai sério. Ele pegou duas cadeiras e colocou na nossa frente. Eu estava tão perplexo com a situação que não soltei a mão do Hector.
— Filho, — disse a mamãe, antes de sentar e limpar as lágrimas. — você é meu filho, João. Eu sempre te amei e cuidei de você.
— Eu sei, mãe. Eu amo a senhora e o pai, mas essa acusação é falsa, né? — tentei me adiantar, louco para encerrar essa confusão.
— Não. — ela revelou e começou a chorar.
— Mas não te roubamos. — assegurou o meu pai.
— Então, eu não sou o filho de vocês? — questionei em desespero e não pude segurar as minhas lágrimas. Tentei levantar, mas o Hector não me deixou.
— Escute a história deles, João. Não faça nada precipitado, lembra? — ele assentiu com a cabeça e apertou a minha mão.
— Se nós não somos filhos de vocês, — respirei fundo e busquei toda a minha racionalidade para não explodir. — o que houve?