Rafael:
- QUE PORRA É ESSA QUE VOCÊS ESTÃO FALANDO????????
Entrei no quarto e parti para cima de meu irmão. O joguei no chão e comecei a apertar o seu pescoço. Minha raiva era tão grande que nem meus pais conseguiram me tirar de cima dele. Eu gritando para meu irmão:
- Fala seu filho da puta, me conta o que você fez seu marginal.
Ele se debatia debaixo de mim tentando se livrar de meu aperto, ele já estava ficando roxo e mole quando senti alguma coisa batendo com força em minha cabeça e apaguei. Acordei algumas horas depois em uma cama de hospital com minha esposa ao meu lado. Estava confuso, tonto e com uma baita dor de cabeça. Aos poucos fui recobrando a lucidez e me veio o motivo de eu estar ali. Gritei:
- Cadê aquela marginal, eu vou acabar com a vida dele. Tentei levantar para ir não sei onde, mas uma vertigem e uma dor ainda maiores me fizeram deitar. Me debatia de raiva e minha esposa gritou para as enfermeiras. Eles vieram e me deram um sedativo. Apaguei de novo.
Quando acordei já sabia que não adiantava nada eu me revoltar, eles iam me apagar de novo. Resolvi me concentrar e controlar a raiva que sentia. Assim poderia sair do hospital e entender melhor aquela loucura toda. Minha esposa ainda estava do meu lado com um semblante preocupado. Para tranquilizá-la falei que estava mais calmo e que meu surto foi devido a um impulso que não pude controlar quando soube escutei a conversa. Ela me beijou aliviada e me disse que eu precisava me sentar com meus pais para saber toda a verdade.
Como o hospital era perto da casa de meus pais, fui levado para lá. Chegando lá a primeira pessoa que veio me receber foi meu tio Agnaldo. Foi ele que em desespero me deu a paulada na cabeça. Ele me pediu muitas desculpas, mas ele não viu outra opção já que ninguém conseguia me tirar de cima do meu irmão. Eu além de perdoar, agradeci por ele ter me impedido de virar um assassino. Aproveitei e perguntei onde estava meu irmão. Eles não me informaram, mas me tranquilizaram. Ele estava bem, apena com marcas roxas no pescoço.
Lembrei que fiz toda aquela cena na frente de meus pais. Ao mesmo tempo que me preocupava com o estado deles, estava muito triste também, afinal eles sabiam de tudo e esconderam de mim. Porque? Essa dúvida, em breve, iria ser esclarecida. Mas antes precisava descansar. Sozinho em meu quarto pesava com mais clareza. Lembro que na conversa, ouvi falar de filhas. Resolvi fazer uma busca nas redes sociais de todos os envolvidos. Procurei contato por contato. Nada de encontra nada suspeito. Imaginei que eu pudesse estar bloqueado e tive uma ideia. Fui no quarto de meus pais. Meu pai tinha saído, mas minha mãe estava dormindo. Aproveitei peguei seu celular e voltei para meu quarto. Sabia que ela não bloqueava o aparelho e assim pude fazer minhas buscas com mais calma. Entrei em seu WhatsApp e procurei por ligações recentes. Bingo. Um contato com fotos de duas crianças e DDD de Brasília. Era ela!
Renata.
Meu coração quase saiu do peito quando recebi a ligação da mãe de Rafael, relatando tudo o que aconteceu. Minha vontade era de pegar um avião e partir para lá. Minha agonia foi quebrada por uma ligação. Era a mãe de Rafa outra vez. Atendi rapidamente e quando falei oi, uma voz masculina, que eu conhecia bem gritou:
- Sua vagabunda, meretriz, sem coração. Como você pode fazer isso comigo? Você não tem alma. Você destruiu minha vida. Eu quase morri por sua causa. Você e o Leonardo se merecem.
- Você pode não acreditar, mas eu fiz tudo isso para te proteger. Não adianta perguntar a seus pais. Eles só sabem uma parte da verdade. A outra parte só eu e seu irmão sabemos. Não faça nenhuma besteira, estou indo para te contar toda a verdade. Falei e desliguei.
Falei para minha mãe que precisava voltar para nossa cidade e enfrentar meus fantasmas. Pedi para ela cuidar das crianças, arrumei uma mala rápida e fui para o aeroporto.
Rafael
Depois que Renata desligou, fiquei encucado, com o que ela falou. Como assim só ela e meu irmão sabiam de toda a verdade? Precisava ir mais a fundo. Primeiro iria ouvir a versão de minha mãe e de meu pai. Depois iria atrás de meu irmão. Eu imaginava onde ele deveria estar. Antes precisava ligar para meu sogro. Ele me atendeu e falou que a filha já tinha deixado ele a par de tudo. Perguntou se eu estava bem e falou que eu precisava dar um encerramento no passado para que meu futuro fosse tão brilhante como era prometido. Me disse para ficar tranquilo e ficasse o tempo que precisasse, mas só voltasse livre das amarras do passado. Agradeci e desliguei.
Coloquei o telefone de minha mãe no lugar e desci para a cozinha, onde encontrei minha esposa e filha. O sorriso dela me confortou. Pegar minha filha no colo me fez ver qual era meu real objetivo na vida. Mas para que essa felicidade fosse completa eu precisava tirar a angustia que apertava meu peito. Quando meu pai chegou, uma hora depois, minha mãe já estava na cozinha conosco. Eles evitavam me olhar nos olhos, envergonhados e tristes com toda a situação. Interrompi o silencio e chamei os dois para a sala. Era chegada a hora da verdade.
A conversa foi tensa e recheado de pedidos de desculpas com argumentos de que fizeram o que acharam que seria melhor para mim. Contaram sobre a gravidez concebida em uma noite de bebedeira e sem proteção. Contaram sobre os planos e o teatro de todos. Fiquei enojado com tudo isso e decepcionado com meus pais. Já tinha a primeira versão. Faltavam duas. A do meu irmão e a da própria traidora. Mas afinal, que parte da história contada pelos meus pais era falsa. Lembrei que Renata me alertou a não acreditar em tudo o que ouvisse. Então...o que era verdade e o que era mentira. Falei para minha esposa que teríamos que ir para um hotel, pois não queria ser indelicado e me indispor com meus pais. Mesmo eles alegando que fizeram pensando em meu bem estar, não conseguia entender onde depressão, tentativa de suicídio e internação em uma clínica psiquiatras eram para o bem estar de alguém. Mesmo com mês pais me pedindo desculpas a cada cinco minutos e me implorando para que eu ficasse ali com eles, resolvi que no momento seria melhor ficar em um hotel. Mina esposa também entendeu mês argumentos e convenceu os dois que seria o melhor por ora.
Deixei minha esposa no hotel e falei que iria dar uma caminhada para relaxar. A noite já tinha chegado. Peguei o carro e fui dirigindo em direção a um endereço que minha família tinha. Era de uma casa a 15 min de distancia que meu pai comprou para fazer negócio. As vezes alugava, as vezes ficava vazia. Parei o carro a uns 100m de distancia e fui andando até chegar em frente à casa. As luzes estavam acesas e as janelas abertas, mas as cortinas escondiam quem estava lá dentro. Cheguei bem perto da casa e fiz uma ligação para o celular do meu irmão. Pude ouvir o som de telefone chamando dentro da casa. Me encaminhei para os fundos da casa. La eu sabia que tinha um quartinho de ferramentas. Peguei um facão e fiz um enorme barulho com umas latas que lá estavam. Voltei para a frente, afastei uma das cortinas e vi meu irmão se direcionando para a porta dos fundos. Entrei pela janela e sentei em um sofá que ficava de frente para o corredor que dava acesso aos fundos da casa. Coloquei o facão escondido atrás de mim e esperei. Menos de cinco minutos se passaram e ouvi passos em direção a sala. Quando meu irmão me viu, tentou partir para cima de mim. Eu levantei do sofá, mostrei o facão e falei para ele que seria melhor ele se sentar. Ele ficou pálido e vendo o ódio no me olhar me obedeceu. Quando ele se sentou cheguei perto dele com o facão, encostei a ponta dele em seu peito e disse:
- Eu quero saber de toda a verdade. Se eu desconfiar que alguma coisa que você falar não é verdade eu posso ficar nervoso e minhas mãos tremerem. Por isso não tente me enganar. Blefei.
Ele começou a suar frio e gaguejar, mas conseguiu responder. – Ok, eu vou falar.
Ele falou por mais de uma hora sobre a Renata não ser a santinha que eu achava que era. Disse que uma noite ele tinha visto ela pagando um boquete para outro cara do lado de fora de uma Boite e quando ela o viu, falou que faria qualquer coisa para que ele não contasse para ninguém. Como ele já estava muito bêbado, ele acabou comendo-a ali mesmo. Ele ainda disse que falou com ela sobre camisinha e ela falou que não estava no período fértil. Mas ela acabou engravidando e que queria ficar com o pai do filho dela. Depois eles falaram com os pais dela e com nossos pais e juntos montaram toda aquela farsa. Conhecendo meu irmão e sua índole, sabia que existia muita mentira na versão dele. Mas infelizmente sabia que alguma coisa era verdade. Falei para ele que quando a verdadeira história viesse à tona e alguma coisa que ele tenha me falado não fosse verdade o seu carma iria chegar mais rápido do que ele pudesse se defender. Falei para ele sumir o mais rápido que ele pudesse da minha vida. Sai e fui para o hotel. Levei algumas coisas para comermos e quando cheguei minha esposa me perguntou onde eu tinha ido. Falei a verdade para ela e que foi uma conversa entre irmãos. Ela relaxou. Faltava apenas uma pessoa e depois tentar achar a verdade.
Renata
Assim que cheguei a primeira coisa que fiz foi ligar para Rafael. Ele me atendeu e me deu um endereço de um hotel. Fui imediatamente para lá. Já eram 9:20hs da manhã. Cheguei no hotel e fui imediatamente direcionada para o quarto dele. Fui recepcionada por uma linda ruiva que tinha uma bebê mais linda ainda no colo. Presumi ser a esposa e a filha de Rafael. Ela me convidou para entrar. Ele me recebeu numa pequena saleta do quarto onde havia uma pequena mesa e quatro cadeiras. Foi difícil olhar para ele depois de tudo o que fiz ele passar. Ele me comprimento de forma fria e sem cerimonias começou a falar.
- Bom dia Renata. Não quero perder tempo com falsidades. Você veio falar, então fale. Minha esposa está a parte de tudo e vai participar dessa conversa. Quero adiantar que já ouvi as versões dos meus pais e do meu irmão. Por isso peço que fale a verdade.
- Eu vim aqui para isso, não vou omitir nada. Minhas escolhas me trouxeram a esse momento e eu por respeito ao que sentia por você não vou omitir nada, mesmo que isso doa em você e destrua todo o respeito que um dia teve por mim.
Rafael
Ouvi dela uma história que me deu nojo. Ela não escondeu nada. A transa com Priscila, as pegações com primos e outros homens. A fase da boate e as suas transas anais, boquetes e sarros com rapazes desconhecidos. Me falou que mesmo assim se guardou para mim e que quando a coisa ficou séria resolveu abandonar aquela vida desregrada. Mas o que mais me surpreendeu foi o que ela me contou sobre o dia fatídico, quando meu irmão a flagrou. Me contou sobre as chantagens e as diversa vezes que ele a obrigou a transar com ele em troca de silencio. Os seus pais e os meus foram convencidos por uma história diferente que ela e ele produziram. O motivo era buscar uma forma de se separa de mim para que eu não sofresse. Durante todo o seu “depoimento” em forma de desabafo ela teve que parar por diversas vezes para se recompor. O choro dela na maioria das vezes era cheio de dor e remorso.
Depois de ouvir as três versões percebi que ali ninguém era santo. Todos fizeram escolhas por mim. Ninguém sequer se preocupou em saber o que eu acharia melhor. Fui tratado como um inválido incapaz de resolver meus próprios problemas. Na versão de minha mãe era toda verdadeira para ela. Na versão do meu irmão tinha claro um intensão de se proteger e colocar a culpa de seus erros nos outros. Era típico dele. Mas na versão de Renata eu pude ter certeza que era a verdadeira. Eu a conhecia e o fato de ela não esconder seus podres, se expor de uma forma explícita apenas para que eu tivesse acesso a verdade, me convenceram. Ela não queria me reconquistar, mas conseguir meu perdão e poder seguir a vida sem esse peso na consciência.
Depois que todos tínhamos absorvido toda aquela informação, chegamos a uma conclusão em consenso. Meu irmão tinha que pagar por tudo o que causou a todos. Independente de que todos os envolvidos na farsa tenham suas parcelas de culpa, meu irmão passou dos limites. Ele, chantageou, estuprou, traiu, enganou. Ele tinha que pagar. Ele, até o momento, só tinha se dado bem. Fizemos um acordo para que o carma chegasse a ele também. Primeiro contamos a verdade aos nossos pais e a mãe de Renata. Meus pais ficaram horrorizados e não o viam mais como filho. O deserdaram e o expulsaram da casa onde ele estava. Ele, arrogante como sempre, falou que não precisava deles e saiu sem ao menos se despedir.
Uma semana se passou e Leonardo desembarcava em Brasília. Foi direto para a empresa para receber um comunicado do RH de que não fazia mais parte da empresa. Ele tentou dar uma de macho, mas os dois gigantes que estavam dentro da sala do RH o fizeram desistir. Saiu rapidinho e com o rabo entre as pernas. Foi para a casa descansar e pensar no que poderia fazer. Quando entro na portaria do prédio foi informado pelo porteiro de que havia uma ordem de despejo para ele e que seus objetos pessoais estavam em um depósito. Ele mais uma vez tentou crescer para cima do pobre do porteiro quando de dentro de uma sala, mais dois gigantes o deixaram sem ter o que fazer senão sair. Desempregado, deserdado, despejado ele saiu do prédio e caminhou pelas ruas do bairro completamente zonzo de tanta pancada. De repente uma moto parou do lado dele, o carona desceu e perguntou:
- Você é o Leonardo?
- Sim sou eu. Respondeu.
Seis tiros foram ouvidos. Um corpo que cai. Uma vida que se vai. E olha que não tinha nenhum Hitchcock na direção. Juro para todos que antes disso, tudo o que se passou com Leonardo foi obra em conjunto de meus pais, de Renata, da mãe dela e minha. O que aconteceu na rua podemos imaginar um monte de coisas. Afinal ele não era flor que se cheire. Eu queria que ele ficasse na terra para pagar seus pecados em vida. Afinal aqui se faz aqui se paga. Mas quem seu eu para discordar dos desígnios de Deus. Nem sei o que foi feito do corpo.
Renata voltou para casa e para as filhas devidamente perdoada. Mesmo assim não mantivemos mais contato. Sei que meus pais foram em Brasília ver as netas algumas vezes e me contaram que ela conheceu alguém e se casou. Minha relação com meus pais ficou bem estremecida, mas na balança da vida eles acertaram mais do que erraram e com o tempo pude voltar a ter um relacionamento de pais e filho.
Quanto a mim, me formei, assumi meu cargo na empresa, fiz Pós graduação e assumi a siderúrgica quando infelizmente meu sogro faleceu. Em casa, três crianças abençoadas davam uma deliciosa canseira em mim e em Maiara. Agradecia a Deus todo o dia a vida que ele me proporcionou. Aprendi a entender que nada acontece por acaso e existe um ditado que era perfeito para nós. “Há males que vem para o bem”. Consideramos um livramento e amadurecimento.
As vezes a noite eu ficava em silencia em minha cama e pensava em tudo o que se passou em minha vida. Me lembrava de como era minha vida lá no início antes de conhecer a Renata. E me vinha uma música que resumiu tudo isso.
No Início:
“Levava uma vida sossegada
Gostava de sombra e água fresca
Meu Deus quanto tempo eu passei
Sem saber.”
Quando pensava em meu irmão:
“Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar”.
E quando pensava o quanto ainda me magoava tudo o que passei:
“Não vale a pena esperar, oh não
Tire isso da cabeça
E ponha o resto no lugar”
Com certeza quando Rita Lee compôs essa música lá nos idos de 1972, os motivos tivessem sido outros. Mas para a minha vida os motivos foram esses.
Fim.