TINHA QUE SER VOCÊ - 16: BOAS NOVAS (HECTOR)

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 1798 palavras
Data: 24/03/2024 01:54:05

NARRAÇÃO: HECTOR

CAPÍTULO: BOAS NOVAS

A vida é, por vezes, uma sucessão de eventos inesperados que moldam nosso destino. Para mim, esse destino foi esculpido nas sombras da tragédia, ou seja, a morte dos meus pais. Dessa maneira, fui acolhido pela família Telles. No entanto, a promessa de um novo começo logo se desfez diante do ambiente tóxico que habitava aquela casa.

O patriarca, Fernando Telles, e seu filho Jayme eram uma tênue apoio em meio à tormenta. No entanto, a esposa, Viviane, e o filho mais novo, Jorge, eram como sombras que tentavam apagar qualquer resquício de esperança em minha vida.

Viviane Telles, uma socialite arrogante, transformou minha existência em um pesadelo diário. Ela me acusava falsamente de roubo, lançando sobre mim suas palavras afiadas como facas. "Adotadinho de merda", ela me chamava, como se o simples ato de ser acolhido por sua família fosse motivo de vergonha. A cada dia, sua hostilidade crescia, tornando minha estadia naquele lugar um verdadeiro inferno.

Jorge, por sua vez, não ficava atrás da mãe sádica. Zombava de minha bissexualidade, atirava pequenos objetos em minha direção. Cada risada sarcástica dele era como uma punhalada em meu peito.

Foi em meio a esse tormento que encontrei refúgio nas drogas. Acabei fazendo aquilo que a Viviane havia profetizado em minha vida, eu roubei dinheiro deles para sustentar o vício. O tempo passou, e a tensão na mansão atingiu um ponto crítico. Viviane, mergulhada em sua própria loucura, quase matou Fernando Telles, antes de ser internada em um hospital psiquiátrico. O caos que ela deixou para trás foi como um alívio e uma maldição.

Ainda me lembro do dia em que soube de sua fuga do hospital, tremia na base e quase tive uma recaída. Seu paradeiro permanece desconhecido. Contei a história de Viviane para o João, que descobriu recentemente que a avó havia sido vista próximo a casa de sua família adotiva. Um circuito de câmeras flagrou a mulher descendo do carro da pessoa responsável pelo ataque à residência de João.

— Hector, essa mulher é o demônio. — ele afirmou, incrédulo após ouvir a história.

— Lúcifer é uma criança perto de Viviane Telles. Eu nunca entendi esse ódio dela pelas pessoas. — disse, acariciando a mão do meu namorado. — Sabe quem mais sofreu? A Patrícia. A Viviane fazia questão de salientar que a sua mãe vinha de uma origem humildade. Como se a pobreza fosse um motivo para lamentar.

— E o que ela fazia? — ele perguntou.

— Sua mãe? — abri um sorriso, pois eu amava a forma como a Patrícia enfrentava sua sogra. — Ela era demais. Sempre me defendia e peitava a Viviane. Teve uma vez que as duas se atracaram na porrada, depois que a tua avó jogou as roupinhas de vocês fora. Acho que na época, a Viviane já estava ficando louca.

— A Patrícia ganhou alguns pontos comigo. — João afirmou e deu uma risada.

— Você nem faz força para ser fofo, né?

— O quê? — ele tentou disfarçar.

— Você é o namorado mais fofo do mundo. — admiti, estacionando o carro na frente do emprego de João. Ele ia resolver algumas coisas, antes de ir resolver o problema da casa. — Cuidado, viu.

— Pode deixar, senhor. — ele se esticou na minha direção e me beijou na boca. — Dirige com cuidado.

Hoje o dia começou com tudo. Logo de manhã, o João jogou uma bomba no meu colo. De acordo com as investigações, Viviane Telles havia surgido das trevas. Segui para o trabalho no modo automático, enquanto o sol brilhava no céu, uma nuvem nublada perturbava os meus pensamentos. Não bastasse a pressão do trabalho, tinha que lidar com a ansiedade de ter essa mulher de volta à minha vida.

Como se não fosse o suficiente, a cada dia, João e eu ficávamos mais próximos, intensificando nossa relação. Ele era o meu porto seguro, mas, ao mesmo tempo, a presença iminente de Viviane pairava sobre nós, ameaçando a felicidade que estávamos começando a construir juntos.

O trabalho iniciou com uma reunião caótica. Elise, a minha chefe, despejou uma lista interminável de demandas sobre a mesa, como se fosse um desafio pessoal para me testar. Sabia que o meu trabalho estava em jogo; a possibilidade de ser efetivado na empresa era real.

Durante a reunião, Silas, um colega que parecia ter prazer em minar meus esforços, tentou desacreditar a minha última arte. Insinuou que estava fora dos padrões pedidos pela empresa. Aquilo me atingiu em cheio, mas não podia permitir que ele acabasse com o meu esforço.

Respirei fundo, mantendo a calma, e apresentei prints dos feedbacks positivos dos clientes sobre as artes que criei para a campanha do orgulho LGBTQIA+. Não era momento de recuar. Eu precisava provar meu valor não só como profissional, mas como alguém que não se curva diante das adversidades.

— Viu, Silas. — Elise tirou seus óculos de grau e ficou em pé. — Você deveria aprender mais com o Hector, um dos estagiários mais notáveis que já passou por este escritório. — pegando no meu ombro. — Continue o ótimo trabalho, filho. Eu sei que você dá conta. — saindo.

Depois da reunião, me retirei para a minha mesa e continuei trabalhando sem deixar as críticas abalarem meus projetos futuros. Eu sou um bom artista, e os clientes eram a prova viva disso.

No entanto, nos intervalos entre layouts e campanhas, os pensamentos me levavam para a Viviane. Imaginava o estrago que ela poderia causar na vida da família do João. Aquela mulher era uma força destrutiva que não descansaria até alcançar seus objetivos egoístas.

E se eu? Não, Hector. Nem pensar. Eu não posso deixar essas situações me abalaram. Porém, à medida que a tarde avançava, a dualidade entre a busca pela sobriedade, a construção de um relacionamento sólido com o João e o desafio constante de me provar no trabalho se tornava uma equação complicada.

Mas, como um equilibrista talentoso, eu persisti, esperando que o fio da sanidade não se rompesse sob a pressão acumulada. Graças aos deuses dos designers, eu consegui finalizar todas as peças e enviei para aprovação. Antes de sair, a Elise me chamou em sua sala.

Em quase dois anos, acho que foi a primeira vez que fui convidado a entrar naquele local. A decoração, assim como de toda empresa, era em tons brancos. Na parede, quadros com cursos, prêmios e reportagens decoravam e davam uma verdadeira importância para o trabalho da agência. Será uma forma de impressionar os futuros clientes? Talvez.

— Com licença, Elise. — caminhei na direção de sua mesa. — Você me chamou.

— Hector? — ela estava tão concentrada na tela do computador que não percebeu a minha presença.

— Desculpa, eu posso voltar depois. — falei, parando de andar e esperando uma resposta.

— Para com isso, garoto. Entra logo. — ela pediu, prendendo os cabelos pretos em um rabo de cavalo. — Olha, amei o que você fez com o Silas na reunião. Recebi algumas reclamações sobre o comportamento dele. Infelizmente, o desgraçado traz resultados.

— Imagino. — afirmei, sentando na cadeira à sua frente.

— Então, — ela pegou um papel e começou analisar como se uma decisão estivesse sendo tomada. — eu sei que não sou a pessoa mais fácil para lidar. — dando uma risadinha. — Geniosa como um capeta. São palavras do meu pai, eu amava aquele velho maluco. Enfim, eu estive de olho nos seus últimos trabalhos. E, meu amigo, que profissional. Eu seria louca se te perdesse. Então, quer ser efetivado?

— Efetivado?

— Sim. O horário continuaria o mesmo, mas o salário seria maior, igual as responsabilidades. — Elise explicou, apoiando os cotovelos sob a mesa e sorrindo de uma maneira estranha.

— Elise, eu preciso te confessar que...

— Temos plano de saúde, vale alimentação e refeição, além de férias. É pegar ou largar, companheiro. — Elise me cortou, enquanto mantinha o mesmo sorriso estranho.

— Eu sou um ex-dependente químico em recuperação. — soltei, fechando os olhos. — Eu sei que vocês verificam os antecedentes criminais. Meio que fui preso por um tempo. Entendo se não quiser mais trabalhar comigo, Elise.

— Uau. — Elise levantou da cadeira e caminhou até a sua bolsa. — Pega. — jogando uma moeda na minha direção.

— Hum. — balbuciei, analisando a moeda e observando o número 10 cravado nela.

— 10 anos sem colocar um único pingo de álcool na boca. Sério, nem enxaguante bucal uso. — revelou a minha chefe, sentando e cruzando as pernas. — Eu sei que as pessoas podem nos julgar, Hector. Mas só nós vamos entender a batalha interna que enfrentamos todos os dias. Seja pelos problemas, conquistas e decepções. Os nossos fantasmas sempre vão aparecer de uma forma ou outra, mas nós conseguimos. Estamos sóbrios.

— Eu, eu, eu aceito, Elise. — afirmei, colocando a moeda sob a mesa.

— Hector, se um dia precisar de um ombro amigo, a porta da minha sala estará sempre aberta. — disse Elise.

******

HECTOR

Adivinha?

JOÃO

Pegaram a Viviane?

HECTOR

Não. Infelizmente, não é uma notícia tão boa assim :(

JOÃO

Vc não tá me ajudando, bb

HECTOR

Fui efetivado na empresa. Tive uma conversa muito boa com a minha chefe. Inclusive, falei sobre as coisas que a empresa precisa mudar, principalmente, sobre a rivalidade no escritório.

JOÃO

Uma coisa boa! Obrigado, universo! Estou aqui na prefeitura com os meus pais e o José.

HECTOR

Se quiser posso pegar vcs, que tal?

JOÃO

Não precisa. A Patrícia tá aqui tbm

HECTOR

TDB. Eu te encontro mais tarde?

JOÃO

Claro. Temos um bom motivo para comemorar.

HECTOR

Perfeito. Vou ligar para a Nataly. Podemos ir em um lugar legal. Vou te avisando. Te amo.

***

Pera aí. Escrevi 'te amo'? Olhei para a tela do celular incrédulo. O primeiro 'eu te amo', que falei para o João foi através de uma mensagem de texto? Que tipo de homem eu sou? Meu Deus. Dá para pagar? Não, dois riscos azuis. Ele visualizou a mensagem. Como eu pude ser tão descuidado? E agora, o que eu digo para o João?

****

HECTOR

SOS

NATALY

Chora?

HECTOR

Mandei um 'eu te amo' por mensagem para o João

NATALY

E o problema?

HECTOR

O problema é: o primeiro eu te amo que mandei para o meu namorado foi em uma mensagem de texto.

NATALY

Xi. Tá surtando, né?

HECTOR

Mais ou menos. Na verdade tô

NATALY

(mensagem de voz): Ei, o João te ama também. Você foi precipitado, mas não faz disso uma grande coisa. O João é um cara do bem. Não chega nem perto dos trastes que você já namorou. Agora, respira junto comigo, vai. Um, dois, três. Respira e inspira. Respira e inspira.

***

Respira e inspira, Hector. Você não pode fraquejar agora. É verdade, o João é a melhor escolha que eu fiz em muito tempo. Ele é carinhoso, um ótimo ouvinte e sabe dar bons conselhos, além de lidar como um profissional com as minhas inseguranças e traumas. É isso, eu vou fazer de tudo para fazer esse garoto o mais feliz do mundo. Será que vou conseguir?

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 9 estrelas.
Incentive Escrevo Amor a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários