CAPÍTULO 12: CORDIALMENTE
NARRADOR: HECTOR
Olhando para além da tela do meu computador, tentei captar um pouco de ar fresco naquele escritório tão abarrotado de pessoas. O brilho da tela refletia o cansaço nos meus olhos, enquanto as demandas do trabalho se acumulavam como peças de um quebra-cabeça difícil de resolver. Estou em um lugar que, apesar de ser meu sonho profissional, às vezes parece um labirinto onde a exaustão é inevitável.
Estava tão focado em ajudar o João e suas famílias, que acabei me afundando em demandas e mais demandas atrasadas. No início, a minha jornada profissional parecia promissora e cheia de expectativas, porém, desde que me formei, o estágio continuou do mesmo jeito. O famoso 'início de um sonho/deu tudo errado'.
A realidade do dia a dia no escritório me envolveu em um ambiente tóxico, onde a pressão é constante e as relações são superficiais. Minha função, por exemplo, é criar, ajudar na execução e ser o responsável por dar vida às logomarcas das empresas parceiras, só que acabo fazendo o meu trabalho e de outros funcionários também. Às vezes, sinto como se eu fosse a única peça que encaixa nesse quebra-cabeça. O peso das responsabilidades é esmagador, mas a vontade de me destacar e superar as adversidades me impede de desistir.
O ambiente de trabalho é desafiador. As expectativas são altas, e as críticas, mesmo as construtivas, são frequentes. Eu me pergunto se vale a pena tanto esforço, mas, ao mesmo tempo, lembro-me da razão pela qual escolhi este caminho.
Após a morte dos meus pais, eu me vi sozinho, enfrentando um mundo que parecia indiferente. No início passei por dificuldades e me afundei em vícios, porém, o tempo me ajudou a colocar tudo em perspectiva e decidi trilhar meu próprio caminho. O dinheiro que herdei foi aplicado no banco, mas eu queria provar para mim mesmo, e para quem duvidava de mim, que eu poderia vencer na vida sozinho.
As noites são longas e solitárias, mas quando vejo uma logomarca ganhar vida, sinto um orgulho indescritível. Cada pixel, cada cor, são pedaços de mim impressos no trabalho que realizo. Apesar das pressões, eu me lembro da jornada que me trouxe até aqui e da promessa que fiz a mim mesmo de não me perder no meio do caos.
Ao fim do expediente, quando o escritório esvazia e as luzes se apagam, eu me pergunto se vale a pena. Sei que a resposta é complexa, mas algo dentro de mim diz que, apesar de todas as dificuldades, estou no caminho certo. Talvez o cansaço seja temporário, mas as artes são atemporais.
Após uma jornada de quase 12 horas de trabalho, cheguei no apartamento e encontrei uma concentrada Nataly olhando para a tela do computador. Ela estava em uma situação parecida com a minha, mas ganhava um salário cheio para todo o estresse e demandas.
— Vou pedir uma pizza, Nataly. — falei, mas a minha amiga não ouviu. — Nataly, hello! — exclamei.
— Oi, Sr. Teixeira! — a minha amiga olhou para mim assustada.
— Sr. Teixeira, — repeti, fazendo uma careta engraçada e sentando no sofá. — quem diabos é esse?
— Amigo, desculpa. — Nataly tirou os seus óculos e coçou os olhos. — Estou concentrada neste caso. Sr. Teixeira é o bondoso advogado que paga o meu salário.
— Entendi. — falei, tirando os tênis e colocando de lado. — Pizza?
— Minha metade é portuguesa. — Nataly levantou e esticou os braços para cima. — Ah, esqueci de te avisar, os Telles pediram para apagar qualquer menção ao rapto e abandono dos gêmeos. Essas famílias ricas são tão excêntricas, né?
— Ainda bem, o João deve tá muito feliz. — soltei e a Nataly me abraçou.
— E se o João está feliz, o Hector também está. — ela brincou, enquanto me abraçava.
— Cala a boca.
— É sério, amigo. Eu estou feliz por você. O João é um cara diferente. Diferente do traste do Alex, aquele cretino desgraçado. — Nataly só queria uma desculpa para xingar o Alex e eu não tirava a sua razão.
— Eu gosto do João. Não vou mentir, mas eu sinto uma resistência dele, sabe. Acho que ele ainda tem sentimentos pelo Mauro, o seu ex-namorado. — expliquei, então a Nataly se afastou e me encarou.
— Então, corre atrás do teu macho. Vai deixar um ex-namorado safado ganhar?
— Isso não é uma competição, Nataly. — me assegurei de ser sincero. — Eu me importo com o João e, apesar de eu ser emocionado, quero fazer as coisas direito dessa vez. — peguei o celular e pedi a pizza metade calabresa, metade portuguesa. — A pizza chega em 30 minutos. — coloquei o celular sob a mesa. — É a sua vez de descer e pegar. Vou tomar um banho.
Estava necessitado de uma ducha. Os últimos acontecimentos da minha vida tem mexido demais comigo, principalmente, com os meus sentimentos pelo João, que ainda gosta do ex. Parece até uma piada, né? Hector que amava João que amava Alex que amava Mauro que amava João. Obrigado, Carlos Drummond de Andrade.
Nos últimos dias, eu venho trocando diversas mensagens com o João. Por causa da rotina corrida, a gente só consegue se ver aos fins de semana. Neste sábado, por exemplo, teremos a grande festa de apresentação dos gêmeos para a alto sociedade carioca. Conhecendo os Telles como eu conheço, tenho certeza que de discreta a festa não vai ter nada.
Já pedi para o meu crush se preparar para qualquer situação. Eu sei que ele não gosta de nada muito chique ou fora de sua realidade. Neste meio tempo, a Patrícia tem me usado para chegar aos filhos, principalmente sobre o gosto deles. Eu expliquei mais de 20 vezes, que os gêmeos não estão acostumados com esse tipo de atenção exacerbada. "Menos é mais", digitei para a esposa de Jayme.
***
João:
Ei, tá acordado?
Hector:
Pra vc? Sempre!
João:
Besta. A Patrícia mandou as roupas para a festa de amanhã.
[Foto]
Hector:
Um príncipe.
João:
Não faz o meu estilo
Hector:
Eu sei, mas você fica lindo usando qualquer roupa
João:
Você vai, né? Eu preciso de você ao meu lado. Desculpa, eu sei que deve ser chato e você tem suas próprias coisas para fazer, mas você me meteu nessa confusão.
PS - não estou te acusando, apenas apontando o óbvio
Hector:
Eu aceito a culpa, Sr. Pode me repreender do jeito que achar melhor.
João:
Bobo. Preciso ir dormir.
Hector:
Boa noite. Dorme bem. E vai dar tudo certo, eu prometo. Vou até sair cedo do estágio.
***
Não vou conseguir sair cedo do estágio. Que droga! Que droga! Que droga! Logo hoje que o João precisa de mim. O idiota do supervisor de marcas esqueceu de me enviar as mudanças da logomarca da Samsung. Agora, estou correndo contra o tempo para fazer um trabalho decente e conseguir pegar a família do João para a festa dos Telles. O que eu faço? Concentração, Hector. Você é capaz.
Tive que travar uma luta contra o relógio. A arte do cliente precisava ser finalizada antes que eu pudesse ir embora e correr em direção à festa que apresentaria os gêmeos para o mundo.
As horas passaram, repletas de ajustes, reuniões e contratempos. Meus olhos estavam vidrados na tela do computador, pois o desafio da construção de uma identidade visual dependia da minha atenção total. Cada detalhe importava, e o resultado final deveria ser impecável. Eu não podia deixar o cansaço e a preocupação se transformarem em desleixo.
Desviar de problemas se tornou o meu mantra do dia. Colegas de trabalho exigindo ajuda em projetos, videochamadas inoportunas, e até mesmo a máquina de café decidindo apresentar problemas, consegui desviar de tudo. E, exatamente às 18h, a arte ficou pronta e aprovada pelo chefe de projetos.
Com pressa, peguei as chaves do carro e enviei uma mensagem para o João, mas os Telles haviam mandado um motorista particular para pegá-los. Eu deveria ter desconfiado que o Jayme faria algo do tipo.
O trânsito, mais uma vez, parecia conspirar contra mim, mas o atraso estava fora de cogitação. Aproveitei o sinal vermelho e olhei para o celular, vendo mensagens dele sobre a festa e sentindo o meu coração acelerar ainda mais.
Estacionei de qualquer jeito na gigante garagem dos Telles e pude ouvir a música animada sendo abafada pelo burburinho da alta sociedade carioca. Apressei o passo em direção ao local onde João estava. No entanto, o que encontrei ali não era a cena que eu imaginava. João conversava com Mauro, seu ex-namorado, um maldito fastasma que adorava atrapalhar a minha vida.
Engoli em seco, tentando esconder a surpresa e a frustração. Ao me aproximar, percebi que o João não estava confortável com a situação. Os olhares estranhos, as expressões carregadas, indicavam que havia uma história ali.
— Oi, João. — soltei, torcendo para não ter alterado o tom de voz.
— Hector! — ele exclamou indo na minha direção. — Graças a Deus. — ele me abraçou.
— O que esse babaca tá fazendo aqui? — questionei, ainda o abraçando e olhando com desdém para Mauro, que evitava o contato visual.
— A versão curta da história, o pai do Mauro agora é vice-presidente das empresas Telles. — ele explicou me apertando forte e percebi que estava tremendo. — O Jayme pediu para a gente conversar. Eu quase contei toda a verdade, mas...
— Você só pode tá de brincadeira. — soltei, revirando os olhos e cortando o João. — Esse cara merece uns socos.
— Sem violência. — o João se afastou e, finalmente, pude vê-lo com a roupa social.
— Uau. — disse. — Você está lindo.
— Você também. — ele afirmou, tirando um fio de cabelo que havia caído no meu rosto.
— Vem. — peguei em sua mão e o levei para uma outra área da festa. — Cadê o José?
— Comendo, com certeza. — afirmou João, sorrindo e tive que fazer um esforço enorme para não beijá-lo.
Pessoas. Pessoas dançando. Pessoas conversando. De repente, o Jayme me roubou o João e o apresentou para uma pessoa aleatória. Ele parecia orgulhoso em mostrar os filhos, após anos de luta e buscas. Olhei em volta à procura de José. Porém, assim como João, ele estava sendo apresentado para um grupo de pessoas, que sorriam e prestavam atenção na história de Patrícia.
— E aí, cara. — Mauro brotou ao meu lado. — Sem ressentimentos. — pegando no meu ombro e apertando.
— Você só pode tá de brincadeira! — exclamei, mas percebendo que não era momento de barraco.
— Escuta aqui. Eu preciso te dizer uma coisa. — ele se aproximou quase me abraçando. — O João é meu. E eu consigo tudo o que quero, como por exemplo, o Alex. Eu vou recuperar o João de um jeito ou de outro. Então, eu peço cordialmente, Hector, saia do meu caminho.