TINHA QUE SER VOCÊ - O5: ALVOS (JOÃO)

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 1942 palavras
Data: 21/03/2024 03:41:23

CAPÍTULO: ALVOS

NARRADOR: JOÃO

A noite que começou com a ternura do amor e a descoberta de minha verdadeira identidade desabou diante dos meus olhos quando o telefone tocou, interrompendo a paz que compartilhava com Hector. A voz trêmula de minha mãe, carregava um anúncio que transformaria minha vida para sempre: nossa casa estava em chamas.

A urgência na voz dela me cortou como uma lâmina afiada, e meu coração acelerou ao ouvir as palavras que anunciavam a tragédia. Saí da casa de Hector em um estado de desespero, tentando em vão entrar em contato com minha família enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto.

No caminho para casa, a crescente preocupação se transformou em horror quando avistei a rua bloqueada pela polícia. A fumaça densa cortava o céu noturno do Rio de Janeiro. O Hector estacionou o carro de qualquer jeito e seguimos em direção a minha residência, a polícia tentou intervir, mas os vizinhos me ajudaram afirmando que eu era um dos moradores do local.

A imagem que se desenhou diante de mim fez meu coração se despedaçar. O jardim, outrora exuberante com as flores cultivadas com carinho por minha mãe, estava agora reduzido a cinzas. A estrutura que abrigava tantas memórias, risos e afetos mal se reconhecia sob as chamas que a devoravam impiedosamente.

Encontrei meus pais e o meu irmão José, que foram amparados pela polícia. Todos de olhares vazios, observando o que restava da casa. Eu os abracei e choramos juntos. Éramos incapazes de compreender como o fogo havia destruído tudo.

A minha mãe estava em pedaços. Ela contou que alguém havia lançado garrafas incendiárias pela janela. Quando eles tentaram sair por causa do fogo, a porta estava emperrada, então, José precisou usar toda a sua força para derrubá-la, só que eles não tiveram tempo de salvar nada.

A rua estava repleta de curiosos, ávidos por detalhes sobre a tragédia que nos atingiu. A resposta, entretanto, seria encontrada nas investigações da polícia. Foram cinco horas de espera. O Hector saiu para comprar comida e, aos poucos, o sol aparecia no céu.

Enquanto os bombeiros combatiam as últimas chamas, meu coração pesava com a perda, mas a chegada dos pais biológicos, Jayme e Patrícia, trouxe uma amostra de solidariedade inesperada. Aparentemente, Hector explicou sobre o incêndio e eles decidiram ajudar os filhos.

Em um gesto de empatia, Jayme ofereceu abrigo para nossa família adotiva. Em meio às cinzas e destroços, os dois núcleos familiares se reuniram pela primeira vez em um mesmo espaço, ainda que sob as circunstâncias mais sombrias.

Hector permaneceu ao meu lado, oferecendo seu apoio incondicional. Os bombeiros, finalmente, apagaram todo o incêndio e concentraram seus esforços em buscar a fonte dos incêndios. Logo, um deles achou as garrafas e pediu para a equipe da polícia fotografar.

— Dona Esther e seu José, — Jayme pegou no ombro do meu pai. — eu sei que é muita coisa para absorver, mas vocês precisam descansar. Eu já pedi para prepararem os quartos de hóspedes para vocês.

— Obrigada. — agradeceu a minha mãe e aquela cena me fez chorar. Primeiro, ela passou pelo trauma de ser investigada pela polícia. Agora, vivia o drama de perder seu único bem.

— Eu vou ficar para conversar com os policiais. — Jayme se prontificou.

Eu não sei se foi o cansaço ou a dor de ter perdido tudo, mas apenas obedecemos. A Patrícia nos levou para a casa da família Telles. No trajeto, ficamos em silêncio, pois não havia clima para qualquer tipo de conversa. Eu percebi que as mãos do José estavam queimadas e cheias de uma pomada branca. Ele explicou que se queimou, pois parte da casa já queimava.

Sem ter o que fazer, deitei a minha cabeça no ombro do meu irmão. Eu deveria estar em casa para ajudar. Eles não deveriam ter passado por isso sozinhos, principalmente, o pai e a mãe.

A transição da casa destruída para a mansão imponente dos meus pais biológicos foi uma jornada surreal. O carro nos levou da tristeza das cinzas para a exuberância de um lugar que nunca imaginei chamar de lar. A mansão da família Telles se erguia majestosa diante de nós, uma visão que deixou meus pais adotivos boquiabertos.

Ao adentrarmos a propriedade, a expressão de espanto nos rostos do pai e da mãe era evidente. A grandiosidade da entrada, com escadarias imponentes e lustres reluzentes, parecia mais um cenário de filme do que a realidade para eles. A sala de estar, ampla e decorada com móveis suntuosos, era um universo desconhecido para meus pais adotivos, acostumados à simplicidade e ao calor de nossa antiga casa.

Patrícia, com sua gentileza característica, nos guiou pelos corredores que mais pareciam extensos apartamentos. Meu irmão e eu já estivemos outras vezes na mansão, mas a cada visita algo novo impressionava. Por exemplo, nunca subimos para a área dos quartos e fiquei chocada com cada detalhe, seja pela decoração ou tamanho.

Os quartos eram verdadeiras suítes, um contraste gritante com os cômodos modestos da nossa antiga casa. A admiração e perplexidade estampadas nos rostos dos meus pais eram palpáveis, e eu me vi dividido entre a gratidão pela generosidade dos meus pais biológicos e a saudade do lugar que um dia foi meu refúgio.

José estava visivelmente abatido. Além da queimadura em suas mãos, ele carregava dentro dele o peso do luto pela casa que perdemos e pelo trauma que ganhou ao enfrentar as chamas. Seus olhos não irradiavam a alegria habitual, e eu podia sentir a dor que ele escondia por trás de sua expressão reservada.

Patrícia, ao perceber a melancolia de José, ofereceu um sorriso acolhedor e um toque suave em seu ombro. "Estamos aqui para apoiá-los", ela disse com doçura, e aquele gesto me fez sentir que, mesmo diante do luxo que agora nos envolvia, a essência da família permanecia como a base sólida de tudo.

Conforme nos instalamos nos novos aposentos, Patrícia nos assegurou que roupas e objetos de higiene pessoal estavam sendo providenciados. A notícia trouxe um alívio temporário, mas eu ainda não conseguia escapar da sensação de perda e da incerteza que pairava sobre o futuro.

Patrícia também compartilhou a mensagem de Jayme, informando que a polícia estava iniciando uma investigação por atentado, pois as armas do crime haviam sido encontradas. A notícia trouxe uma mistura de alívio e apreensão, pois, embora estivéssemos seguros sob o teto dos meus pais biológicos, a verdade sobre o ataque à nossa antiga casa estava apenas começando a se desenrolar. Enquanto o luxo da mansão nos envolvia, enfrentávamos a difícil tarefa de recomeçar em meio às cinzas do passado.

Apesar dos sentimentos, eu só queria dormir. Que dia! Eu estou acabado. A mansão dos Telles, que agora servia de abrigo, nos oferecia segurança e conforto. Após tomar um banho demorado, peguei as roupas novas, que já estavam sob a cama, e vesti. Calado, o João entrou no banheiro e aproveitei para verificar meus pais.

Eles também já estavam trocados e faziam um lanche. No meio do desespero, o papai conseguiu salvar uma pasta cheia de documentos, mas a maioria foi perdida nas chamas. Retornei ao quarto e deitei na cama.

A noite anterior havia sido transformada para mim. A descoberta do amor, a entrega mútua e aqueles braços que só me davam acolhimento. É isso que significa o amor? Meu primeiro relacionamento não era um parâmetro saudável para mim, entretanto, o Hector estava me mostrando que era possível amar e ser amado.

Enquanto tentava processar tudo, notei alguém deitando ao meu lado. Era o José, que ficou observando o teto com um olhar distante. Havia algo passando na cabeça dele, eu podia sentir.

— Você está bem? Tipo, eu sei que é uma pergunta ridícula, mas como você está? — perguntei, rompendo o silêncio sendo que pairava sobre nós.

— Eu perdi o meu carregador.

— Ah, — levantei da cama e peguei minha mochila. — porque não disse antes? Essa correria foi foda. — comentei, pegando o recador e entregando para o José.

— Valeu. — ele agradeceu, pegou o carregador e colocou o celular para carregar. José voltou para cama e deitou.

— É cedo, mas é bom a gente tentar dormir. Não pregamos os olhos. O pai e a mãe já estão alimentados. — falei, mas percebi que o José estava chorando. — Ei. — me virei na direção dele e acariciei o seu rosto.

Eu não sou uma pessoa de tocar. O José é. Ele ama abraçar e apertar. Meu irmão revelou que estava com medo. Nunca o vi tão assustado e impactado por alguma coisa. Geralmente, o fraco da família era eu. Sempre fui o mais doente, o mais traumatizado, o mais dependente.

— Medo? — questionei, pois o meu irmão parou de falar. — Por quê? O incêndio, — parei para pensar nas possibilidades e olhei para as suas mãos. — você escapou ileso, mano. Poderia ser pior. — José desviou o olhar, incapaz de me encarar.

— Não é só sobre o incêndio, João. Alguém tentou fazer isso com a gente. Pensei muito sobre a vida. Estamos aqui, hoje, e amanhã? Quem garante que estaremos seguros?

Aos poucos, compreendi a magnitude do trauma que José carregava. Ele viveu todo o trauma. Eu estava namorando. Que merda, João. Eu deveria estar ao lado dele. Em seu depoimento para a polícia, José contou que viu uma pessoa estranha no jardim, quando tentou sair para verificar a porta que estava trancada por fora. De repente, garrafas foram jogadas pela janela e o fogo se alastrou em menos de cinco minutos.

— Eu sei que eu deveria ser forte, mas é difícil, João. Toda essa situação, eu não sei. — José afirmou e sua voz trêmula partiu o meu coração.

— Você não precisa ser forte o tempo todo. Nós somos irmãos, podemos compartilhar esses momentos de medos e fraquezas. Estamos aqui um para o outro, sempre. — o consolei, pegando em sua mão e tocando com carinho.

— Obrigado, João. Às vezes, esqueço que dividi o útero contigo. Pena que eu nasci primeiro, né? — ele brincou, limpando as lágrimas e bagunçando os meus cabelos.

A conversa abriu uma porta para a compreensão mútua. Estávamos mais conectados do que nunca. Acabei me aninhando ao lado do José e dormimos meio que abraçados. Acho que devia ser assim no útero da nossa mãe. Nós dois juntos contra o mundo.

Acordei no meio da madrugada com um frio horrível. Também, o José roubou todo o edredom para si. Tudo bem, ele merece mais do que eu. Levantei e usei a lanterna do celular para me guiar até um enorme guarda-roupa. Será que eu consigo chegar em Nárnia? Para de viajar, João. São quase 2h. Amanhã vai ser um dia tenso.

Percebi uma conversa do lado de fora no corredor. Eram as vozes de Patricia e Jayme. É pecado ouvir a conversa dos pais? Eu não sei, mas eu ouvi o Jayme falando sobre a investigação policial. Pressionei o ouvido contra a porta e a conversa fluía de maneira tranquila.

— Não é possível, Jayme. Essa mulher de novo. — lamentou Patrícia, que parecia realmente abalada.

— Já pedi proteção policial para os gêmeos e os pais deles. Eu não vou permitir que ela fique entre nós.

No auge da minha curiosidade, eu segurei a maçaneta da porta, mas não sabia que ela era tão sensível, então acabei abrindo a porta e cai de cara no chão assustando meus pais biológicos. O Jayme usava a mesma roupa de antes, enquanto a Patrícia vestia um pijama de seda (talvez?).

— Filho! — ela exclamou e me ajudou a levantar. Filho? Às vezes, esqueço que eles são meus pais.

— Estou bem. Desculpa. — lamentei.

— Jayme, Patrícia. — olhei para eles e fiz a questão de milhões. — Quem está atrás de nós? — eles se entreolharam e Patrícia começou a chorar.

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