Voltei a São Paulo e fui direto à casa dos meus pais. Contei-lhes que meu noivado tinha acabado, porém inventei uma história sobre estarmos brigando muito. Eles não podiam acreditar, pois Diana e eu sempre estávamos felizes juntos. No outro dia, peguei minhas coisas no apartamento em que ficava com ela já há mais de um ano.
Foi um sofrimento terrível, por uns dias, fiquei até meio abobado no trabalho ou em qualquer lugar que estivesse. Ninguém deixa de amar num piscar de olhos, mesmo sendo traído, pode estar ferido, com ódio, mas esquecer e seguir em frente é difícil. Eu realmente não estava bem e o contexto em que ocorreu a traição, acabou me deixando bem abalado, em alguns momentos, sentia falta de ar, taquicardia, uma agonia terrível.
Pouco mais de uma semana depois, Diana apareceu em minha casa na parte da noite e para não fazer uma cena, decidi conversar no carro dela. Ela começou a falar sobre reatarmos, chorou, disse que voltaria a fazer o tratamento e fez um mundo de promessas. Até acreditei em suas intenções, pois notei que minha ex-noiva estava sofrendo, suas lágrimas e nervosismo na voz não eram fingimento, entretanto, expliquei-lhe que poderia ir à psiquiatra com ela e se houvesse algo que pudesse fazer, a ajudaria, mas não seria possível reatarmos.
Diana acabou aceitando, creio que para mostrar que não era simplesmente uma safada traidora. Fomos ao consultório elegante de sua psiquiatra nos Jardins. Doutora Elizenos recebeu e deixou claro que só aceitaria falar sobre o caso de minha ex-noiva, porque a mesma estava presente e a autorizou.
Assim que entramos, o comportamento da médica me causou uma estranheza, parecia um pouco pálida, engoliu seco me encarando com olhos arregalados e ficou assim por longos segundos. Mas quando começamos a conversar, notei que era uma profissional bem capacitada. Além disso, os vários diplomas de cursos na parede, deixavam claro que era uma grande médica.
A doutora fez uma longa explanação sobre incontáveis tipos de parafilias, desde as mais leves, até as que são consideradas crimes, afirmou que alguns especialistas discordavam sobre quando deixava de ser parafilia e passava a ser transtorno parafílico, mas que a grande maioria concordava que quando a prática atrapalhava a vida pessoal, profissional e colocava em risco o próprio parafílico ou outra pessoa, era um transtorno.
No caso de Diana, a psiquiatra repetiu basicamente o que minha ex já havia dito, ela tinha dois tipos de parafilia ofaltofilia e morfofilia, mas era impossível explicar como começou.
-A cena que Diana viu do homem urinando e depois exibindo o pênis para ela, certamente foi o gatilho para que essas parafilias se manifestassem, mas não dá para cravar com 100% de certeza, se num outro momento, diante de outra situação, ela viria a manifestar esses desejos.
-E isso tem cura?
A doutora fez um gesto de canto de lábio, meio que deixando em dúvida.
-O caminho mais fácil é receitar remédios, mas aí a libido praticamente fica zerada, ou seja, ela não teria a manifestação do transtorno parafílico, mas, muito provavelmente, não sentiria desejo sexual ou se sentisse, seria com uma frequência bem menor, o que seria ruim para vocês. O mais indicado é terapia, já tinha indicado a Diana, mas ela desapareceu. A terapia costuma dar resultado, pode ter recaídas? Sim! Muitas pessoas conseguem controlar e até não ter mais o transtorno, já outras...Fazendo uma analogia simples, mas deixando claro que não são da mesma patologia ou gravidade, imagine alguém que fica 3 anos sem beber porque passou a frequentar o AA e está dando certo, só que aí, num determinado momento, seja por um estresse, perda de alguém, enfim, um motivo forte, acaba voltando a beber, é o mesmo que pode ocorrer na situação dela. O que é praticamente certo é que levando a terapia a sério e se conscientizando do problema, a pessoa terá bem menos chances de voltar a fazer.
Apesar de ser difícil entender tantos termos e de ter um diagnóstico subjetivo, vi que o caso de Diana realmente não era uma safadeza pura e simples, mas minha situação nesse caso era bem complicada: continuar com uma mulher com tal problema era impossível, por todo contexto que as parafilias dela tinham. Por outro lado, sair de cena após quase dois anos juntos, parecia não estar certo.
A única coisa que estranhei, como já citei, foi o comportamento da doutora, que mesmo durante as explicações, me olhava de um jeito que me deixava desconfortável.
Ao final, ela indicou que Diana fizesse terapia com uma psicóloga conhecida por tratar de casos assim.
Refleti muito e tive uma ideia meio maluca que propus a Diana, a de que poderíamos seguir morando juntos por um tempo, eu lhe daria todo apoio na terapia e no dia a dia, mas não mais como noivos ou namorados, não haveria mais sexo e muito menos casamento. Ela não gostou, porém viu nisso a hipótese de não me perder totalmente e talvez tenha acreditado que com o tempo e o sucesso do tratamento, voltaríamos às boas.
Voltamos, no mesmo dia, teoricamente à nossa rotina, mas com o novo acordo. Procurei trata-la bem e conversávamos normalmente. Diana se mostrava arrependida por não ter dado continuidade ao tratamento, mas estava disposta a agora fazer tudo dar certo. Dormíamos na mesma cama, mas o máximo que rolava era ficarmos abraçados a pedido dela.
Dez dias depois, fui surpreendido com uma ligação da doutora Elize em meu trabalho, que sem cerimônias, disse:
-Após refletir muito e mesmo correndo um grande risco, preciso te contar a verdade sobre o caso da Diana...
-Como assim, doutora?! A senhora explicou tudo há uma semana!
-Bem, eu não pude dizer tudo por motivos de força maior, mas quero revelar a você em particular, pode vir ao meu consultório?
Mesmo estranhando aquilo, concordei e marcamos para o dia seguinte. A doutora ainda pediu que eu mantivesse sigilo total, pois Diana não poderia saber. Passei aquela noite bem tenso, o que de tão grave, a médica tinha a me dizer que minha noiva ou ex-noiva àquela altura não podia saber?
No dia seguinte, fui ao consultório e quando a doutora começou a falar, meu mundo desabou pela 2ª vez:
-Bem, Leonardo, tenho fatos bem desagradáveis para te contar sobre o caso da Diana. Eu omiti e até menti sobre várias informações naquela consulta, pois fui intimidada. Vou te contar desde o começo para que possa entender. Você sabe que o pai dela é um homem muito poderoso, além disso, ele conhece a minha família que é da mesma região, e foi exatamente por isso, que me procurou para tentar tratar de sua filha, no entanto, de maneira sútil, me ameaçou já no começo que caso um dia o problema dela se tornasse de conhecimento de outros, eu deveria contar uma versão que a colocasse como vítima total, doente que teve um surto. Diana passou a se tratar comigo, inclusive veio em algumas consultas quando já estava namorando você. Quanto ao diagnóstico que te passei dela, realmente é verdadeiro, porém há outras coisas que não pude dizer...
-Como assim não pôde dizer?
-Logo depois que você a flagrou com outro, tanto o pai quanto Diana estiveram aqui e me ameaçaram, disseram que em breve você viria ao consultório e que era para eu contar das parafilias dela, mas omitir outros pontos, além de afirmar que com o tratamento, havia grandes chances dela se curar, porém deixando uma brecha de que poderia ocorrer novamente, pois assim, se no futuro você viesse a descobrir uma nova traição dela, acreditaria que foi apenas uma recaída e que demoraria voltar a ocorrer ou nem ocorreria mais.
-Quais coisas que eles pediram para esconder?
-Como citei, a parte das parafilias realmente é verdade, mas Diana é manipuladora, metódica, perversa e sabe bem o que faz. Muitos que possuem o transtorno parafílico não conseguem controlar seus desejos e por isso acabam sendo descobertos pela falta de cuidado com os detalhes, já outros, como ela, são frios, cínicos e conseguem agir de maneira meticulosamente pensada para poder saciar seus desejos, não deixam pistas escandalosas para serem flagrados. Quando ia se encontrar com aquele homem em Rio Dourado, ela tinha todo um ritual, não ficava doida por ele e saía se esfregando nele em público, muito menos era louca de achar que poderia ter um romance com o sujeito e assim poder dar vazão ao seu desejo sem precisar esconder nada. Ela tinha controle sobre suas ações, fazia tudo bem pensado, pegava a bicicleta, ia por um caminho deserto, tampava a cabeça e parte do rosto, sempre quando já estava escurecendo, tomava banho na casa do amante, mas sem molhar os cabelos. Se fosse em uma cidade grande, dificilmente seria descoberta, talvez fizesse isso por anos e anos sem ninguém saber, o problema é que lá é um município muito pequeno, onde praticamente todo mundo se conhece.
-Bem, mas o fato dela tomar cuidados para não ser vista não a torna uma manipuladora, talvez, mesmo sentindo essa tara, ela tenha consciência de que não deveria tornar público.
-Sim, essa é a parte mais leve que você precisava entender, agora vem a questão da manipulação e da perversidade. A Diana consegue manipular até o pai, que é praticamente um coronel na região, desde o começo foi dela a ideia de que vocês morassem juntos em São Paulo, mas fez que você acreditasse que era um pedido do seu futuro sogro com a desculpa de que era para cuidar dela. Fora muitos outros episódios que ela narrou aqui, mas que não vem exatamente ao caso, onde o pai teve que obedecê-la. Outro ponto e esse é difícil, sua noiva disse que só se envolveu com o Jarbas, mas também não é verdade...
-O quê?!
-Pouco tempo depois de vir para São Paulo, Diana se envolveu com outros homens. Lembro-me dela ter citado 3; o primeiro era um desses vendedores ambulantes de CDs. Ficou atraída pelo fato do homem ser feio, desdentado e viver todo suado, devia ter uns 50 anos. Creio que transou com ele algumas vezes; depois veio um homem que trabalhava num bar, esse tinha uns 40 e poucos e o mesmo aspecto físico, só que parece que ele foi ao encontro usando um desodorante barato então, não tinha odores desagradáveis que a atraem e isso a irritou profundamente; finalmente, o último era um homem que ela o chamava de “o meu baiano”, também com mais de 50, barrigudo, não lembro a profissão desse, mas segundo sua noiva era igual ou melhor que o Jarbas tanto no quesito fedor, quanto na parte sexual. Depois, ela parou de vir aqui por muitos meses, então creio que devem ter tido vários outros e como com muitos, nem preservativo usava, acho prudente você fazer alguns exames.
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo:
-Mas como ela podia sair com esses homens aqui em São Paulo se passava uma parte do dia na USP e sempre estava em casa quando eu chegava? Será que ela não inventava isso? Tipo uma fantasia erótica porque queria ver o Jarbas?
-A Diana me relatava que esses encontros eram sempre após as aulas, mas para ganhar tempo, flertava vários dias antes com os escolhidos e depois marcava de pegá-los num determinado ponto, de lá, iam para um motel bem simples e se envolviam. Quando se satisfazia totalmente, tomava um banho e ia correndo para casa te esperar.
Fiquei devastado novamente, assim como no dia do maldito flagra que dei nela na casa de Jarbas. Tudo começou a rodar e a doutora me serviu um copo d’água.
-Respire. Sei que é difícil, mas, mesmo correndo riscos, não podia compactuar com a mentira. Se fosse uma outra situação, jamais quebraria a ética médica de contar o que a paciente diz, mas nesse caso, fui ameaçada.
-E o que a senhora disse sobre ela ser perversa? O que isso significa.
-Ah, sim! Trocando e miúdos, além das parafilias que já mencionei, Diana apresenta um grau médio de sadismo, pois nas relações com esses homens, gosta de agredi-los de maneira verbal e física, com tapas, socos e até chutes (nesse momento, lembrei-me dela batendo e xingando Jarbas), e também sentia um grande prazer em ver como você não notava, ela relatava que ficava excitada por ter um noivo lindo, apaixonado, bom de cama e fazê-lo de bobo, dizia “Às vezes, ele chegava todo carinhoso do trabalho e eu pensava, o trouxa nem imagina que há menos de duas horas, um fodido de um vendedor ambulante com mais de 50 anos e com o pau fedido, estava me gozando dentro de mim”.
Novamente senti tudo rodar, um tremendo mal-estar, mas para finalizar, perguntei:
-E por que raios a Diana quer ficar comigo? É tudo fingimento? Não, não pode ser, pelo menos do sexo, sei que ela gosta.
-Sim, ela nutre um sentimento por você, mas jamais deixará de fazer o que faz e com o passar do tempo, poderá passar a te tratar mal, pois estará enjoada. Quanto a parte sexual, de fato, ela mencionou que mesmo quando se envolvia com outros mais cedo, adorava fazer sexo com você. Ela é insaciável e pode fazer várias vezes no dia. Agora, não se engane quanto às lágrimas e o drama, pois essa moça é capaz de chorar por fora, enquanto se acaba de rir por dentro, por isso, digo, é uma manipuladora nata.
Tive uma reação de que me envergonho, mas a verdade é que diante de tais revelações, senti tanto ódio e tanto desespero que passei a chorar desesperadamente dentro do consultório. Um choro doído e forte de quem sente que perdeu tudo e não vê mais sentido no amanhã. A doutora passou-me a caixa de lenços e colocou a mão em meu ombro, falando suavemente para eu me acalmar, porém levei muito tempo para conseguir me recompor.
Antes de eu sair do consultório, a doutora pediu que não contasse a Diana que eu sabia de tudo, pois certamente, Andrade a prejudicaria. Sabendo da fama dele, concordei e disse que inventaria outra coisa para me afastar dela. Ela acabou me convencendo de que seria bom eu me tratar com um profissional para desabafar e receber um suporte naquele momento.
-Não preciso de médico, só quero esquecer que aquela praga maquiavélica entrou em minha vida.
-Veja bem, você está claramente abalado, pode vir a desenvolver uma série de transtornos a curto e a médio prazo se não buscar ajuda, se quiser, mesmo que “não oficialmente” digamos assim, pode conversar comigo, não vou te passar remédio nada, apenas ouvir e tentar ajuda-lo.
-Vou pensar. Agradeço por ter me revelado o que faltava saber sobre a Diana.
No caminho de volta, minha vontade era matar Diana, porém não valia a pena estragar minha vida por ela, tinha que arrumar um jeito de acabar de vez com a vadia, mas sem colocar a doutora Elize na história. Refleti com calma e decidi inventar uma história meio mirabolante de que meses atrás, um amigo meu disse que a tinha visto dentro do carro, entrando em um motel vagabundo com um coroa empresepado, mas que na época, não acreditei, porém agora, tinha me lembrado da história e tinha certeza de que além do Jarbas, ela saía com outros e não me contou mesmo depois do flagrante que dei.
Cheguei ao apartamento, Diana já estava me esperando, era hora de jogar na cara dela que a outra parte da farsa tinha vindo à tona.