CAPÍTULO: GRITO DE SOCORRO
NARRADOR: HECTOR
Que dor chata. Todo o meu corpo parece reclamar de dor. Cada batida do meu coração é um lembrete constante da brutalidade que vivi, da violência que assolou nossas vidas. Enquanto tento me mover na cama, sinto cada músculo protestar, cada articulação reclamar de dor. A Nataly decidiu dormir comigo e ficou responsável de dosar o meu remédio, aparentemente, ninguém confia os frascos tarja preta no viciado.
Além da dor física, a agonia de não ter notícias do João toma conta de mim. Há dois dias, vi o amor da minha vida ser arrancado de mim, impotente para detê-los, para protegê-lo. Tudo o que fiz foi tentar ajudar, e o preço que paguei foi uma surra que me deixou fodido.
Pela manhã, eu senti uma movimentação diferente na mansão dos Telles. A Nataly trouxe uma vitamina de maçã com aveia para mim. Os bandidos fizeram um estrago na minha boca, ou seja, vou viver de papinha por um bom tempo.
— O que tá acontecendo lá embaixo? — perguntei com dificuldade.
— Algo muito bom. — ela comemorou andando na direção da porta e a abrindo. — Seja bem-vindo, João. — desejou.
Era ele. Era o meu namorado. Por um segundo, pensei em se tratar de uma miragem, mas era o João entrando no quarto. Ele andou na minha direção e pude ver o pesar em seus olhos. Com delicadeza, o João tocou em meu rosto e começou a chorar. Eu o abracei e chorei junto. Finalmente, eu poderia descansar. A coisa mais importante para mim era a segurança do João.
— Desculpa. — pedi, chorando, enquanto o abraçava com força. — Eu não fui homem suficiente para te defender.
— Não, você salvou a minha vida. A ideia da tag foi genial. Você é o homem da minha vida, Hector. — ele garantiu. — Vamos ficar bem, meu amor. Vamos ficar bem.
João está a salvo agora, graças à minha ideia de usar a tag localizadora. Quando nossos olhos se encontraram novamente, depois de tudo, as lágrimas continuaram a cair, se misturando com sorrisos trêmulos e suspiros de alívio. Mas também havia culpa. João se culpava pelos meus machucados, enquanto eu me culpava por sua captura.
Ele explicou sobre o sequestro e as pessoas por trás de tal plano. Confesso que não fiquei surpreso. A Viviane e o Jorge sempre foram dois sanguessugas dentro da mansão. O importante era focar na nossa recuperação física e mental. Por causa da minha situação, a empresa me deu 10 dias de folga, dessa maneira, poderia focar em mim.
— Eu queria uma folga do trabalho. — comentou José entrando no quarto. O meu cunhado era folgado, mas adorava a sua companhia.
— Que folga, cunha. — respondi, enquanto uma enfermeira trocava os curativos.
— Você ficou com toda a glória do resgate do João. — ele sentou ao meu lado na cama.
— Qual é, você que conseguiu acessar o notebook do João e ajudou a polícia a achar a localização dele. Você é o herói, cunhado. — eu o elogiei, mas acabei fazendo uma careta quando a enfermeira retirou um dos curativos, mesmo com os medicamentos as dores continuavam insuportáveis. Qualquer movimento me fazia sentir dores.
— O herói sempre vai ser você, cunhado. É o herói da minha vida. — José se declarou, piscando de maneira exagerada. — Moça, — ele olhou para a enfermeira. — sabia que o meu cunhado já me beijou? — ele questionou, fazendo a moça rir.
— Idiota. Falta muito para o João chegar? — perguntei.
— Agora, o maninho deve estar na faculdade. Ele está cercado de seguranças. — explicou José. — Aparentemente, a vovó ainda quer nos matar. Por isso, estou aqui te enchendo o saco, pois estou fugindo do Goku.
— Goku?
— Sim, o segurança que os meus pais contrataram para me vigiar. Já viu o cabelo dele? Parece com o cabelo do Goku. Todo arrepiado para cima. — disse José nos fazendo rir.
À medida que os dias passavam, as coisas pareciam voltar ao normal, ao menos ao que costumava ser nosso normal. Mas à noite, quando o silêncio era ensurdecedor, os pesadelos vêm para me assombrar. Revivo cada soco, cada pontapé, cada momento de terror, como se estivesse preso em um loop interminável de agonia.
E então, em meio à minha angústia, à minha desesperança, uma ideia traiçoeira começou a se insinuar na minha mente: as drogas. Uma fuga temporária da realidade, uma maneira de entorpecer a dor que me consumia por dentro e por fora. Eu sei que é perigoso, que estou brincando com fogo, mas a tentação era irresistível.
No fundo, sabia que não era a solução. Que as drogas só vão me afundar ainda mais, me distanciar ainda mais de quem eu amo. Mas naquele momento de fraqueza, parecia ser a única saída, o único caminho para escapar do inferno que se tornou os meus últimos dias.
E assim, enquanto o mundo lá fora continuava a girar, enquanto as pessoas continuavam com suas vidas sem saber a dor que carrego, estou sozinho com meus demônios. E se eu usar só um pouco? Ainda tenho o contato de um fornecedor. No quarto, o João dormia ao meu lado, e a Nataly em um colchão no chão. Através de uma mensagem, o meu contato afirmou que pode entregar a droga.
***
A.:
Tem que ser rápido parceiro. N quero confusão pro meu lado. Manda o endereço.
HECTOR:
Localização
A.:
Chego em 10 minutos. Me espera na portaria. O valor é o de sempre.
***
Ok, Hector. Não seria a primeira vez. Eu saio de casa na direção da portaria. O fornecedor não demorou para chegar e com uma nota de R$ 100, eu consegui o pó que poderia dar um fim nessa dor. Eu andava com dificuldade por causa das pauladas que levou nas pernas. Tomei cuidado ao entrar na mansão, não queria ninguém me flagrando neste momento tão vergonhoso.
O saquinho de cocaína queimava minhas mãos, como se fosse feito de fogo, como se fosse a própria personificação da tentação. Eu tremia, perdido em um turbilhão de emoções conflitantes, incapaz de encontrar uma saída desta prisão. Eu só precisava de alívio, de uma pausa das minhas dores físicas e emocionais, enquanto o meu coração clamava por razão, por resistência contra o que me havia levado a esta situação.
Entrei no quarto, mas para chegar ao banheiro deveria passar próximo ao meu namorado e amiga, que nem imaginavam o que eu estava prestes a fazer. Quando dorme, o João abre a boca e fica tão adorável. Eu fiz uma promessa que não o deixaria triste. Eu também prometi para a Nataly que não usaria drogas. Eu. Eu. Eu preciso de ajuda. As lágrimas começaram a rolar no meu rosto. A voz estava presa dentro de mim. O grito de socorro precisa sair.
— Eu, eu, eu preciso de ajuda. — balbucio. Por causa da tremedeira, eu caí de joelhos no chão e acordei a Nataly. — Eu preciso de ajuda. — repito, chorando.
— Hector? — Nataly limpou os olhos e levantou da cama. Ela andou em direção ao interruptor e acionou a energia. — O que houve?
— Onde? — João também despertou confuso e viu a Nataly ao meu lado.
João e Nataly me encontraram ali, naquele momento de fraqueza, naquele momento de desespero, e suas expressões de preocupação e amor só aumentaram a minha dor. Eu os traí. Traí a confiança deles, traí as promessas que fiz. E agora, aqui estava eu, de joelhos no chão, chorando como uma criança perdida, sem saber para onde ir, sem saber como seguir em frente.
Nataly viu o que eu segurava, o veneno que quase eu consumia, e agiu como deveria. Ela tomou a decisão que eu não conseguia, jogando a cocaína na privada como se estivesse descartando um pedaço da minha própria destruição. Seus braços me envolveram em um abraço reconfortante, sua voz sussurrando palavras de consolo e força.
Enquanto ela cuidava de mim, João se aproximou, seu toque gentil como uma brisa suave em meio ao calor do deserto. Ele segurou a minha mão, seus olhos cheios de determinação, prometendo que não deixaria nada de ruim acontecer comigo. Sua voz era um eco da minha própria determinação, um lembrete de que juntos poderíamos superar qualquer obstáculo.
— Teu telefone. — pediu Nataly. Eu tirei o aparelho do bolso e entreguei para a minha amiga.
— O que você vai fazer? — perguntou João.
— Apagar todos os contatos dele. Chega de traficantes, Hector. Eu te amo, mas não vou mais passar a mão na tua cabeça. — garantiu a minha amiga, enquanto mexia no meu celular apagando todos os contatos. — A partir de hoje, — olhando para João. — vamos ficar de olho no celular dele e nas redes sociais. Qualquer conversa estranha ou contato desconhecido são sinais de perigo.
— Desculpa. — pedi com vergonha.
— Não, amor. Isso é uma luta que você vai sempre travar. Fora que você teve a atitude certa. Você sinalizou que precisava de ajuda. — afirmou o meu namorado. Ele não parecia chateado, apenas preocupado. — Eu sei que os machucados estão doendo, mas vamos pedir outras alternativas para o médico? Coisas mais naturais.
Entre soluções e suspiros, encontrei um lampejo de esperança dentro de mim. Apesar de todos os meus erros, apesar de todas as minhas fraquezas, ainda havia pessoas que acreditavam em mim, que estavam dispostas a lutar ao meu lado. E com esse pensamento reconfortante, prometi a mim mesmo que não desistiria. Que continuaria lutando pela minha sobriedade, um dia de cada vez, até encontrar a paz que tanto desejava.
— Vamos dormir? — perguntou Nataly, que se ofereceu para dormir na cama com a gente. — Meninos, por favor, sem saliências noturnas.
— Você não presta. — soltei, mas não tive forças para rir.
— Boa resposta, meu amor. — disse João, abrindo um espaço na cama para a Nataly.
À medida que a noite se arrastava, encontramos consolo uns nos outros, envolvidos em um abraço de solidariedade e amor. Sabíamos que a estrada à nossa frente seria difícil, cheia de desafios e tentações, mas estávamos determinados a enfrentá-la juntos, lado a lado, unidos pela força do nosso amor e pela promessa de um futuro melhor.