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• Capítulo 6.1 ~ DE HEDONÊ À UMA ALGEA
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A tranquilidade de Dayana era inexplicável, ela manuseou o seu chaveiro com toda a calma que lhe cabia. Quando ouvi a conversação do vigia e da outra pessoa enquanto abriam a porta lateral do templo principal que dava acesso à capela onde eu e Dayana estava, meu coração batia tão forte que fazia estremecer o meu peito. No momento em que os dois homens conseguiram destrancar a porta, Dayana também conseguiu abrir a porta dos fundos da capelinha. Passamos furtivamente pela passagem e a fechamos bem devagar de modo a não fazer um único ruído, pois a porta já era bem antiga, Dayana nem arriscou trancá-la de volta na chave, apenas a escorou. Naquele momento tínhamos entrado numa espécie de depósito da capela. Com as chamas do seu novo isqueiro, Dayana vasculhava o local em busca de uma saída. Enquanto isso, pelas frestas da porta eu avistei luzes de lanterna e escutei as duas vozes novamente, dessa vez estavam um pouco mais perto. Confirmei que uma delas era realmente do vigia, já a segunda voz era impossível eu saber, mesmo que algo em meu interior dissesse que, de alguma forma, ela me era familiar. Eles caminhavam lentamente pelo salão, lançando as luzes de suas lanternas pelos quatro cantos daquele pequeno templo. Sussurravam coisas um para o outro, mas eu não consegui escutar nenhuma frase completa naquela hora. Pelo menos até o momento em que eles chegaram próximo do altar recém profanado por mim e Dayana e, enfim, notaram as velas acesas.
— Veja! As velas estão... Veja! Tenho razão, alguém ou alguma coisa esteve aqui! — disse o vigia assustado.
— O que exatamente tu ouviste? — perguntou o segundo homem.
— Bem... talvez gritos, talvez gemidos... eram sons quase bestiais.
"Psiu!", Dayana me chamou a atenção. Ela apontava para uma enorme estante de madeira que impedia a saída daquele cômodo. Estava bem em frente a porta que, provavelmente, poderia ser aberta pela terceira chave do chaveiro de Dayana. Era impossível para nós dois afastar aquela estante sozinhos e, mesmo que pudéssemos, ainda assim faríamos um barulho imenso. Só nos restava uma janela, localizada ao lado da porta travada. Investigamos as fechaduras e constatamos que estavam destrancadas, pois tinham oxidado e, talvez por isso, não podiam mais serem fechadas. Empurramos as duas bandas da janela com muito cuidado e analisamos o lado de fora. Demos de cara com um lindo jardim, cercado por uma mureta de pedra maciça que tinha menos de um metro. Não seria nenhum problema passarmos sobre ela, o problema era a descida pela janela que, ela sim, era bem alta.
— Eu pulo primeiro, sou mais alto e posso te sustentar do outro lado — sugeri.
— Ainda assim é um risco, mas tens razão — concordou Dayana.
Então eu subi na janela, atirei minhas pernas para fora e, aos poucos, suspenso pelas mãos, estiquei-me o mais próximo possível do chão. Assim que senti segurança, saltei. Meu pouso não foi nada mal. Sem me demorar, fiz sinal para Dayana jogar nossas mochilas para mim e sair depressa. Aparei nossos pertences e, em seguida, Dayana começava sua fuga mais ou menos da mesma forma que eu fiz. A diferença é que ela pendurou-se sobre o ventre, enquanto suas pernas formosas, cor de caramelo, pairavam para o lado de fora expondo, também, as polpas de suas nádegas pouco cobertas pela sua minissaia, muito menos pela lingerie e a meia arrastão. "Posso descer mais?", perguntou-me Dayana. Respondi que sim e confesso que, enquanto ela lançava suas pernas de cima da janela em minha direção, não consegui parar de admirar toda a sua protuberância ali exposta. Dayana me parecia perfeita em todos os sentidos e de todos os ângulos.
Consegui apoiá-la sobre meus ombros, então Dayana soltou suas mãos da janela e deixou-se cair de vez sobre mim e eu a sustentei com êxito. "Droga!", ela reclamou. Perguntei o que tinha acontecido. "Meu colar ficou preso em alguma coisa lá em cima", respondeu-me Dayana. Não tínhamos mais tempo para demorar naquele local, então ela mesmo deu de ombros e sugeriu que saíssemos dali o quanto antes. Pegamos nossas mochilas e corremos sobre a trilha do jardim, pulamos a mureta e descemos ladeira abaixo por dentro de um bosque.
Passamos, mais ou menos, dez minutos caminhando dentro daquele bosque até chegarmos em uma rua pavimentada outra vez. Subimos a tal rua, ela nos levou ao caminho entre o pátio do museu e a praça abandonada. Seguimos em direção à praça e, chegando lá, resolvemos nos abrigar em um coreto afim de respirarmos um pouco e digerirmos tudo aquilo. No centro do teto do coreto, uma luminária velha piscava incessantemente. Eu e Dayana nos entreolhamos sob as oscilações daquela luz e sorrimos com um certo alívio — eu, principalmente. Naquele instante, Dayana lembrou de uma coisa...
— Ah não! — Dayana resmungou novamente.
— O que foi desta vez? — indaguei-a com certo espanto.
— Meu casaco...!
Foi só naquela hora que também reparei... Dayana vestia apenas o seu cropped como roupa de cima. Comecei a criar toda uma cena em minha cabeça: o vigia e o outro homem, inspecionando toda a capelinha e encontravam as velas acesas por nós, as piolas de cigarro fumadas pela metade, o casaco de Dayana sobre o chão e o altar banhado com nossos excrementos imorais e nosso suor. E ainda tinha o colar de prata dela, preso na janela do depósito dos fundos. Imaginei de que forma aquilo poderia nos incriminar e concluí que era pouco provável.
— Ao menos ninguém pode saber de quem é, não é mesmo?!
— Tenho certeza que alguém já sabe — respondeu-me Dayana em um tom sério.
— Como?! Por que tu achas isso? — começava a me preocupar.
— Apenas repara no pátio do museu agora mesmo.
Virei-me subitamente e, por entre os combogós da mureta do coreto, olhei ansioso para o pátio. Para a minha completa surpresa, era o João que saía pela porta do Templo principal e, com o casaco de Dayana em um dos braços, se dirigia até sua motocicleta, que estava estacionada logo em frente a escadaria do museu. "Bem que, dentro da capela, algo me fazia achar aquela outra voz familiar", pensei. João montou na motocicleta, pegou o celular e o levou até o ouvido. Em seguida, o celular de Dayana tocou.
— Oi, querido! — ela atendeu.
~~ Onde tu estais agora?
A voz do João vazava pela saída de som do celular da Dayana e, no silêncio da noite, eu podia ouvi-lo claramente.
— Estou voltando para casa neste instante.
~~ Tu sabes que estou no Museu agora, não é?
— Sim, eu sei, querido.
~~ Tu sabes também que eu não ligo com quem tu ficas, mas...
Dayana não esperou o João terminar a sua fala e foi direto ao ponto.
— Sim, querido. Eu sei onde queres chegar com tudo isso. Reconheço que ultrapassei um limite e te pedir desculpas não será suficiente. Podemos conversar melhor em casa?
~~ Como quiseres, querida. Ainda deves estar com o teu amigo. Nos vemos em casa, então. Beijo!
— Obrigada por compreender. Até já. Beijo!
João deu partida em sua motocicleta e se foi subindo em alta velocidade a ladeira, ao lado da praça onde estávamos, em direção a pista.
Afinal, aquilo nem pareceu o início de uma discussão de relacionamento. Mesmo assim, eu sentia que o João estava furioso com aquela situação. Até aquele momento, eu ainda não tinha visto Dayana formar uma expressão de preocupação em seu rosto. Dizem que pra tudo existe uma primeira vez. Ela estava sentada no chão do coreto, olhando para o nada... parecia refletir sobre tudo. O seu celular ainda estava desbloqueado sobre a palma de sua mão direita, olhei-o rapidamente e me espantei com hora. Eram quase oito horas da noite! Foi na hora que Dayana voltou a si e encarou-me com a segurança de sempre.
— Bem... infelizmente precisamos ir, Ícaro — dizia ela se levantando do chão e, com as palmas das mãos, batia em sua minissaia para retirar a poeira.
— Dayana, eu...
Eu não sabia se me desculpava, nem pelo quê me desculpar mas, no meu íntimo, eu lastimava pela forma que o nosso encontro estava chegando ao fim. De alguma maneira eu me sentia culpado, pelo menos em partes, por aquilo.
— Ícaro, não te lamentes agora. Eu mesma não me arrependo de nada. Fique bem.
— Eu só...
— Tu só precisas enfrentar melhor os conflitos da vida — Dayana cortava minhas falas negativas com o seu realismo descontraído, nitidamente para não me deixar tão preocupado.
— É... tu tens razão quanto a isso.
— E sobre o quê eu não tenho?! — ela sorriu e deu um tampinha em meu rosto.
Nessa hora eu lembrei do beck de skunk que eu tinha bolado mais cedo na pista de skate, mas todo aquele acontecimento, no fim, acabou cortando o clima da nossa noite.
Saímos da praça e seguimos na escuridão até a parada de ônibus sob a tutela da lua cheia e a ruidosa cantoria dos animais noturnos da cidade. As vitrines dos estabelecimentos fechados refletiam nossas imagens em vultos apressados, mas ainda era possível perceber o meu semblante de perturbação com todo aquele embaraço recente. Dayana ainda carregava em seu rosto aquela firmeza quase inabalável. Eu gostaria de fingir tão bem quanto ela, pois não era possível que aquilo não tivesse a abalado de alguma forma.
Mesmo em um relacionamento livre como o de Dayana e João, imaginei que aquela nossa situação havia excedido alguns limites. Se por acaso descobrissem que ela tinha um laço com ele, João poderia ter seu emprego em risco. Esse é só um exemplo de muitas consequências possíveis. Pensei que, na melhor das hipóteses, responderíamos por invadir aquele prédio histórico. Enfim, nenhum dos meus achismos realmente aconteceu... felizmente. Porém, outras consequências além das profissionais e jurídicas também eram possíveis, como as emocionais. Essas, infelizmente, algo me dizia que com certeza aconteceriam.
Chegamos ao ponto de ônibus e, finalmente, compartilhamos os nossos contatos. Não demorou muito para que o coletivo 512 chegasse. O ônibus se aproximava e, enquanto Dayana fazia sinal de parada, eu pensava se me despediria dela com um aceno, um abraço ou um beijo. Mil coisas passavam em minha mente inquieta, eu não sabia se aquilo seria um "até logo" ou um "adeus". Esperava que fosse a primeira opção. Dayana interrompeu meus devaneios espremendo o seu corpo contra o meu em um caloroso abraço. Em seguida, olhou-me nos olhos e disse "Até qualquer dia, Ícaro!". Antes que eu a respondesse, deu-me um beijo molhado na boca e pulou para dentro do ônibus. Ainda acenou para mim da janela e, exibindo aquele seu sorriso enigmático, disse:
— Foi excitante e perigoso, como queríamos.
Sem dúvida tinha o sido. Ambos em níveis extremos. Respondi-a com uma suave piscadinha de olho e um movimento afirmativo com a cabeça. Dayana apenas manteve o sorriso e, depois, escorou-se no acento enquanto o ônibus partia.
No momento em que o coletivo retornou à pista, uma moto, de cor escura e com faróis apagados, surgiu repentinamente em alta velocidade. Na hora, pensei que o motoqueiro acabaria colidindo pois o motorista do coletivo poderia não tê-lo visto e não teria tempo de reação, mas a colisão não aconteceu. O motorista buzinou impulsivamente enquanto xingava o motoqueiro com uma infinidade de palavrões. Os faróis da moto só foram acendidos há mais ou menos uns cinquenta metros a frente, enquanto o motoqueiro dobrava à direita em um cruzamento.
* * *
O ônibus do meu bairro chegou uns dez minutos depois e eu pude respirar aliviado por não ter que ficar uma hora ou mais naquele ponto esquisito e quase sem nenhuma presença de luz. Já acomodado em um acento, peguei meu celular e vi que tinha uma SMS da minha mãe.
[MÃE] Segunda-feira, 19:15hr pm: Boa noite, filho! Eu e seu pai estamos indo reencontrar uma velha amiga que chegou de viagem no fim da tarde de hoje. Provavelmente voltaremos tarde. Deixarei o portão da frente aberto e a chave dentro do jarro das mini-rosas. Abraço!
Respondi a mensagem de maneira pragmática e torci para chegar antes deles. Já eram mais de oito horas da noite e eu não queria ter que dizer que atrasei porque estava em um encontro, nem queria ter que mentir para eles. Entretanto, a verdade atrairia um grande interrogatório e isso eu queria muito menos.
Quando eu já estava guardando o celular em minha mochila, ele tocou. "Droga! Eles chegaram!", pensei na mesma hora. Mas não eram meus pais que estavam ligando, era a Marina. Ainda considerei não a atender naquele momento, mas por fim decidi que era melhor atendê-la.
~~ Oi, querido! Desculpa te ligar de repente.
— Tudo bem, Nina. O que desejas?
~~ Bem... Queria tê-lo visto hoje, mas imaginei que não seria mais possível. Então te liguei. Tu podes conversar agora?
— Claro, mas estou no ônibus agora. Se achares melhor, ligo-te assim que botar os pés em casa.
~~ Não precisa, prometo que serei breve.
— Como tu preferires.
~~ Primeiro me dizes, estais realmente bem? Como anda teu ferimento? Não paro de pensar nisso desde ontem depois da confusão.
— Estou bem, querida. Não te preocupes com isso.
~~ Doeu-me não poder te ajudar naquele momento. À propósito, queria esclarecer algumas coisas contigo sobre o ocorrido de ontem, assim como já o fiz com o Nando.
Marina começou se desculpando pela confusão ocorrida na praia no fim da tarde do último domingo. Revelou-me ter ciência de que tudo aquilo foi causado pelo Leonardo e não por mim e pelo Fernando, como ela fez parecer no dia, mas explicou que precisou mostrar estar do lado do namorado para que ele não saísse ainda mais do controle.
~~ O Nando percebeu na hora, em meu íntimo imaginei que ele só estivesse seguindo o meu roteiro para não complicar mais a situação. Hoje tive a certeza quando o encontrei em sua casa.
Lembrei-me do Fernando, assim que a Marina deu-lhe um esporro depois da briga, dizendo que ela sabia a verdade. Não entendi na hora, mas agora faz todo o sentido. Percebi que ele conhecia a Marina muito melhor do que eu. Na verdade, o Fernando conhecia muito bem tanto a Marina quanto a mim.
~~ Ele me sugeriu falar logo contigo, mas me disse que tu estarias mesmo ocupado hoje. Arrisquei te ligar agora, porque não queria tocar mais nesse assunto amanhã.
— Não te castigues com isso, sinto-me melhor agora que me esclarecestes essas coisas.
~~ Que ótimo! Fico aliviada por saber que estamos bem.
— E o Leonardo? Como ele reagiu depois? Acredito que fará de tudo para que tu não sejas mais amiga minha e nem do Nando.
~~ Estou criando coragem para conversar com os meus pais... quero acabar meu namoro com o Léo.
— Sério?! Por causa de ontem?
Com certeza os pais da Marina, conservadores como eram, não seriam a favor do rompimento do seu namoro com o Leonardo, que frequentava a mesma congregação que e era de família influente, filho de amigos próximos deles. Seriam muito menos a favor desse rompimento tendo como causa uma mera briga do Leonardo com um homossexual e um estranho que eram amizades de Marina indesejadas por eles.
~~ Não é só pela briga de ontem... ~ Marina falava agora com a voz um pouco trêmula, como se segurasse um choro.
— Não?! Queres falar sobre isso?
~~ Já tem alguns meses que o Léo age com indiferença comigo, eu até sinto falta de quando ele só era arrogante e vaidoso. Mas ele tem sido até violento, como você e o Nando puderam ver.
— Estais me dizendo que ele também já foi violento contigo? — perguntei e temi uma resposta positiva, mas a Marina não foi direto ao ponto naquela hora.
~~ O Léo costumava vasculhar meu celular e meus cadernos durante o ensino médio. No começo eu repreendi essa atitude invasiva dele, deixava claro que odiava aquilo. Mas ele começou a ser mais discreto e, cansada de brigar, passei a fingir que não sabia que ele continuava fazendo.
— Isso é muito doentio!
~~ Hoje entendo que é uma forma de abuso e eu pensava que ele já tinha parado com esse costume, até dois meses atrás...
Marina começou a me relatar que, há dois meses, quando chegou em casa da igreja depois de uma atividade específica para as garotas da congregação, o Leonardo estava lá a esperando. Segundo ele, resolveu fazer uma boa surpresa e tinha se arrependido. Estava lá, na sala da casa de Marina, com uma cara de pouquíssimos amigos, enquanto a mãe dela cozinhava o almoço.
~~ Ele tinha ido ao meu quarto, sem que minha mãe percebesse, e pegou o meu celular em cima da minha escrivaninha. O Léo sabia que eu não levava celular para a igreja...
— O que deixou ele tão irritado afinal?
~~ O Léo vasculhou todas as minhas mensagens e encontrou, na parte de rascunhos, uma SMS não enviada onde eu fazia uma declaração de amor...
— Declaração?!
~~ Léo queria explodir em fúria, vi nos olhos dele, mas minha mãe estava lá e ele se limitou a me perguntar insistentemente pra quem que eu pretendia enviar aquela mensagem.
— Tu revelaste?
~~ Confesso-te, pensei em mentir e dizer que era para ele. A mensagem não tinha nomes e nem algo muito específico, mas era nítido que não era pra ele. O Léo não é idiota. Além de tudo isso, a mentira é um pecado que eu não gosto de cometer...
— E o que disseste para ele?
~~ Que não importava o destinatário, que eu me arrependi antes de enviar por isso estava nos rascunhos, que eu assumia o meu erro e aceitaria as consequências... Mas o Léo não aceitou aquilo tão fácil, jurou que se vingaria de mim e não pararia até descobrir quem era o meu verdadeiro amor.
— Deve estar sendo muito difícil para você, Nina.
Quando finalizei minha última fala, Marina não suportou mais oprimir sua tristeza e se pôs a chorar. Entre soluços e fungadas de nariz me revelou que o Leonardo começou a ficar com outras garotas para ela saber e que chegou ao ponto de enviá-la pelo celular uma foto dele na cama com uma colega da igreja cobertos apenas por finos lençóis.
— Não consigo externar o quão condenável foi essa atitude dele — eu tive muita pena da Nina ouvindo essa situação, estava verdadeiramente revoltado — apesar de tudo, tu não mereceste isso!
~~ Esse fato ocorreu na última sexta-feira à noite... Serviu de combustível para minha coragem... Decidi que não ia mais me esconder... Foi quando te enviei aquelas mensagens.
— E pediu para eu ir até sua casa no sábado... Então...?!
~~ Sim! A declaração de amor em meus rascunhos era pra você, Ícaro! Não te faças de bobo. Não menti quando te falei que deixaria o Léo em troca do teu amor, mesmo antes de conhecer o teu prazer... Delicioso prazer...
— Não estou me fazendo de nada, Nina... Eu apenas...
O que eu tive vontade de dizer é que, sabendo de tudo aquilo naquela hora, a impressão que tive é de que também fui usado como uma vingança. Mas pensando melhor, a Marina já havia deixado muito claro os seus sentimentos por mim. Mesmo que eu tenha servido à sua vingança, seus desejos eram genuínos. Ela me deixou romper as correntes das grades de seu jardim, afinal.
~~ Tudo bem, querido... Tu não precisas me explicar nada. Inclusive, já falei demais e tomei muito do teu tempo. Só queria esclarecer essas coisas e ter a certeza de que tu estarias bem.
— Eu espero que tu consigas resolver tudo isso da melhor forma. Se precisares de algo para isso, e eu puder ajudar de alguma forma, estarei aqui.
~~ Eu criei esse problema, tentei aceitar as consequências, mas agora me encontro em uma posição humilhante. Agradeço tua disposição, mas terei que por um fim nisso sozinha.
— De toda forma, estarei aqui para te apoiar.
~~ Seu apoio é algo que, com certeza, precisarei... ~~ sua voz ganhou um tom de malícia nessa fala.
— Não me referi a esse tipo de "apoio" — brinquei sinalizando ter percebido as segundas intenções da Nina.
~~ Apenas queria descontrair um pouco ~ retrucou desconcertada ~ Mas, confesso-te, Ícaro, que não consegui esquecer o último sábado. Jamais senti algo tão gostoso em toda a minha vida.
— Tu dizes isso porque foi a tua primeira e única experiência até então.
~~ Ainda assim continua sendo a sensação mais prazerosa que já senti.
Eu não poderia admitir para a Marina, mas a nossa transa foi uma das melhores que já tinha tido até ali. Mesmo com a falta de experiência dela, ela conseguiu me estimular deliciosamente até o meu ápice. Só de lembrar já me deixa excitado.
~~ Inclusive, Ícaro... Desde aquele dia, todos os dias até aqui, desejei pecaminosamente te fazer fonte do meu prazer outra vez. Queria que soubeste disso também.
— Eu estaria mentindo se te disseste que não adoraria te possuir novamente daquela forma, mas não quero brincar com os teus sentimentos.
~~ Tu tens responsabilidade afetiva, afinal. Uma pena que a luxúria seja o teu ímã. Do contrário, tu serias um ótimo parceiro ~~ Nina carregou a voz em um tom descontraído, mas ainda era possível sentir um pouco de sinceridade em sua fala...
Não nego que a Marina foi muito assertiva nessa hora, ao menos em respeito à luxúria. Pois Dayana, por exemplo, não demonstrava de fato nenhum amor por mim, mas a lascívia que envolvia os nossos encontros me deixava completamente entregue a ela. Já a Marina era doce, tinha um jeitinho peculiar, era o que muitos homens chamariam de ninfeta, porém dotada de uma certa inocência.
~~ Enfim, querido... Espero te ver amanhã. Estou com saudades.
— Nos veremos sim, querida.
~~ Então, até amanhã e que tu tenhas uma boa noite de descanso.
— Desejo-te o mesmo, Nina. Cuida-te! Até amanhã.
Quando Marina finalizou a ligação, eu já estava bem próximo do meu bairro. Segundos depois desci em meu destino e me dirigi até a minha casa. Durante aquele curto percurso eu revivia em minha mente os deleitosos — e delituosos — minutos que tive com Dayana naquela capelinha, sob a luz das velas gastas que conflitava com a intensa escuridão do local. Lamentei ter terminado da forma que terminou.
* * *
O relógio marcava oito e meia da noite quando cheguei em minha rua. Estava torcendo para meus pais não terem chegado ainda e, para minha sorte, realmente não tinham. Ainda pensei em chamar o Fernando pra conversar, mas sua casa estava fechada e com as luzes todas apagadas então fui direto para casa. Fui até o jarro das mini-rosas pegar as chaves, depois fui direto para o meu quarto e tomei um banho revigorante que pareceu lavar até a minha alma, mesmo sabendo que isso era impossível. Pude dar uns dois tragos naquele skunk tranquilo, abriu-me o apetite e então fui jantar. Estranhamente eu não tive vontade de ouvir música naquela noite, o que já era meu ritual pré descanso mas a minha cabeça estava muito ocupada lidando com tudo o que tinha acontecido até ali, desde o sexo maravilhoso com Dayana, à nossa fuga da pequena capela e, também, a ligação de Marina. Uma noite agitada e com muitas nuances. O que eu não esperava é que mais uma coisa ainda estava para acontecer.
Por volta das nove e vinte daquela noite, recebi uma notificação de SMS em meu celular. Era Dayana. Abri na mesma hora para ler, era uma mensagem curta mas foi reconfortante como uma massagem em meu ego e também me deixou mais aliviado. As coisas parecia ter terminado bem afinal.
[DAYANA] Segunda-feira, 21:24 pm: Adorei a nossa aventura, Ícaro. Durma bem!
Enquanto eu pensava na melhor forma de respondê-la, uma segunda SMS chegou, porém essa acabou com o clima da minha noite e eu desejei nunca ter a lido. Era uma mensagem ainda mais curta, quatro palavras apenas, mas que penetraram em meu peito como a lâmina de uma faca super afiada. O pior é que eu não poderia fazer nada quanto aquilo, nem mesmo o direito de se sentir mal eu tinha. Eu havia escolhido entrar naquela situação e, pela primeira vez, sentia-me ferido ao me envolver com alguém. Tinha que ser logo com Dayana?!
[DAYANA] Segunda-feira, 21:31 pm: Estou noiva do João.
O noivado significava o começo da vida a dois de Dayana e João, o que seria o fim para nós. Fiquei confuso, não era para aquilo ter sido doloroso para mim. Entretanto era como se eu tivesse tido Hedonê em meus braços, banhando-me em um júbilo de prazeres e, horas depois, uma Algea*¹ tomasse o seu lugar trocando todo o regojizo por dor, sofrimento... e algumas lágrimas.
(Continua...)
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*¹ Algeas são daemones da mitologia grega responsáveis pela dor, tanto física, quanto mental e emocional. Divindades opostas à Hedonê.
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