Ela me encarava com uma certa preocupação e respirou fundo, duas vezes antes de continuar:
- Eu gosto do Rick…
[CONTINUANDO]
- Puta… que… pariu…, Nanda! - Falei e me sentei, olhando invocado para ela: - Porra! Isso que é castrar um homem sem colocar a mão.
Nesse momento, qualquer resquício da minha excitação já tinha ido embora. Passei a olhar em volta para localizar minha cueca ou a bermuda, intencionado em sair dali o quanto antes e não sabia sequer para onde, mas ela pousou suas mãos sobre o meu braço, com um olhar ainda mais preocupado, entretanto ao mesmo tempo bastante decidido e isso me deixou curioso:
- Por favor, deixa eu explicar?
- Explicar!? Tá de brincadeira, né? Só pode…
Apesar de tudo, a forma como ela me encarava me desencorajou a sair. Eu estava tão cansado de tudo e todos, e disposto a não mais continuar vivendo de mentiras ou meias verdades, que acabei ficando. Assim, mesmo meio desacorçoado, decidi assumir o risco de ouvir o que eu não gostaria e assenti com a cabeça. Ela metralhou sem pestanejar:
- Eu gosto dele, bastante, muito mesmo, mas não o amo: o meu amor é só seu!
Apesar de não gostar do tema “Rick” em nossa conversa, gostei da sua entonação e do rumo que aquela prosa tomava. Ela continuou:
- Na terça, quando eu discuti com o doutor Galeano, saí de lá brava, justamente porque ele acabou me fazendo ver que eu gostava muito dele. Acho que essa era uma verdade que eu estava tentando esconder de mim mesma e... Por isso, eu estava tão complicada aqui em casa com vocês.
- Tá! E por que você quis me confessar isso justamente agora e principalmente aqui, hein!? - Falei indicando a nossa cama.
- Porque… Porque eu sabia que você estaria mais relaxado, tranquilo, menos arredio…
- Ahhhhh tá! Amansou o corno primeiro… Entendi! - Falei, zombando e ainda bastante invocado.
- Por favor! Por... fa... vor… - Ela pediu, olhando-me temerosa, mas decidida: - E porque eu queria que você soubesse que eu realmente gosto dele, talvez até tenha realmente me apaixonado por ele, mas passou! E se não passou ainda, vai passar, porque você é o meu amor, é quem eu quero junto de mim para o resto da minha vida. Ele será só uma lembrança boa, como tantas outras que já tive depois que decidimos entrar nesse meio.
Certamente a confissão devia estar fazendo bem para ela, pois seu semblante parecia bastante sereno e se aliviava conforme ela ia se despindo daquelas amarras psicológicas para mim. Já o meu, devia estar o pior dos piores, pois ela me olhava com uma certa apreensão, talvez até com alguma pena e isso me incomodava ainda mais, num círculo vicioso perene. Ela, então, acariciou o meu rosto num momento em que eu havia desviado o meu olhar, perdido para o nada de uma parede vazia, levando meu foco novamente para ela:
- Eu te amo! Eu nunca deixei de te amar, nem um instante sequer da minha vida, nem mesmo no auge da minha, sei lá, paixão por ele. Sei que te magoei e te peço perdão de todo o coração por isso. Só que eu tenho certeza também do que eu sinto por você e sei que você também me ama. Então, por favor, me dá uma chance de recuperar a sua confiança e me ajuda a nos acertarmos.
- Tá… - Resmunguei, sem conseguir esconder a minha chateação: - Mas antes me responde uma coisa? Por que você acha que somente gosta dele ou está apaixonada, sei lá, e que isso, na verdade, não é amor?
Ela sorriu docilmente para mim e ainda com a mão em minha face, respondeu:
- Ah, essa é fácil: porque não sinto por ele o mesmo que sinto por você! Não é a mesma coisa mesmo! - Frisou sem desviar seu olhar de mim: - Gosto muito dele, mas é de ficar, beijar, até transar, mas eu não tenho medo de perdê-lo, tanto que estou aqui, com você. Já quando imagino a possibilidade de te perder, isso me dá um pânico, uma falta o ar, o chão some, dá uma vontade danada de chorar. Eu só não consigo viver sem você. É isso…
Aquilo me surpreendeu imensamente e antes que eu dissesse algo, ela própria se adiantou:
- Uma vez você falou numa tal “paixão de pica”. - Riu meio timidamente, talvez ainda temerosa em me desagradar e explicou: - Acho que é isso! Gostei de transar com ele e acabei confundindo as coisas por um momento.
Apesar da pancada que tomei com aquela revelação dela gostar do Rick, senti sinceridade em suas palavras e uma sensação estranha, agridoce, ruim mas também boa, tomou-me por saber que ela queria lutar pela gente.
[...]
Foi uma das melhores transas que tivemos em tempos. Gozei como nunca e o Mark, apesar de uma única vez, foi daquelas bem caprichada, farta, sem qualquer economia de material. O melhor foi eu ter conseguido colocar tudo o que me engasgava para fora. Bem, pelo menos quase tudo. Preferi guardar alguns detalhes para mim para não correr o risco de perder a conexão com o meu marido. Entretanto, eu sabia que, um dia, eu teria que me abrir totalmente e só esperava poder contar com sua compreensão quando chegasse essa hora.
Voltei a trabalhar na segunda-feira seguinte e meu rendimento voltou a ser o mesmo de sempre. Seu Paulo voltou a insistir em me mandar para o treinamento nos “States”, mas eu ainda estava em dúvida quanto a isso e em dívida com o meu marido. Tudo isso dificultava uma decisão equilibrada e que agradasse a todos, mas eu precisava decidir e seria logo.
Nesse meio tempo, uma questão da empresa precisava ser decidida numa reunião de cúpula e com certa urgência, mas dado o sigilo da informação, não quiseram realizá-la virtualmente, para evitar um risco de vazamento por “hacker”. Eu teria que ficar três dias na capital e avisei o Mark, convidando-o para irmos juntos, inclusive, levando as meninas se ele quisesse, mas apesar de tentador, seria impossível, pois elas estavam em época de provas e ele tinha compromissos inadiáveis com clientes em seu escritório. Acabei tendo que ir sozinha.
Como não gosto de dirigir em rodovia, fui de ônibus até São Paulo e de Uber até o hotel. Fiquei hospedada num quatro estrelas no centro da capital, o que facilitou meu deslocamento, feito apenas por metrô e alguns poucos metros a pé até o escritório central, onde seriam realizadas as reuniões. Sem querer entrar em detalhes, era sobre um novo produto que estava sendo desenvolvido e que poderia gerar milhões em retorno, mas ainda havia uma dúvida sobre a viabilidade de sua inserção no mercado nacional, principalmente por conta de brechas na Lei de Patentes de nosso país e eles queriam o parecer dos diretores. Estranhei o fato de eu estar lá, afinal, eu não era uma diretora e isso eu deixei bem claro quando perguntei ao seu Paulo o motivo de eu estar ali:
- Você já é muito bem conceituada na empresa, Fernanda, aliás, só falta a conclusão de um certo curso para que você seja efetivamente promovida.
- Seu Paulo, como o senhor me coloca numa situação dessas sem eu ser diretora de nada, então?
- É só uma questão formal. Todos aqui já te consideram. A única que ainda parece em dúvida é quem mesmo? Ah, sim, a própria diretora, dona Fernanda Mariana.
Tive uma vontade imensa de xingá-lo, mas me contive, aceitando aquelas explicações sem mais “poréns”. As reuniões do primeiro dia giraram praticamente para a apresentação do produto, suas questões técnicas e mercadológicas, e todo o seu potencial de retorno financeiro. Um engenheiro teceu as explicações técnicas por longuíssimos minutos e depois recebemos relatórios para analisarmos. Notei que ele, ao me entregar o meu relatório, foi um tanto quanto atencioso demais, fato que o seu Paulo deve ter notado também, pois desviou sua atenção de mim com perguntas sobre o produto. Não fiz questão de seu interesse, afinal, o meu estava totalmente focado em uma única pessoa naquele momento, o meu marido. Foi um primeiro dia sem nenhum atrativo e voltei ao meu hotel no final do dia, pouco antes das 19:00. Após o jantar, fiz uma chamada de vídeo para o Mark, contando genericamente o que estava acontecendo:
- Hummm… Diretora, hein!? Ai, que poderosa… - Falou como se fosse um gay afetado para rirmos: - Tá quase sendo promovida de onça para leoa.
- Tô é com saudade do meu Rei Leão. - Falei, piscando um olho.
- Nu! Que brega… Melhor a gente mudar de assunto. - Falou, rindo.
Conversamos várias amenidades e aproveitei que ele é advogado, fazendo algumas perguntas sobre a Lei de Patentes, mas, como vivemos numa cidade do interior, ele nunca se dedicou em aprofundar seus conhecimentos sobre o tema, justamente pela inaplicabilidade local. Disse que daria uma estudada a respeito, mas orientou-me a, sendo realmente necessário, procurar a orientação de um advogado especializado no assunto. Após isso pedi para falar com as meninas e trocamos boas risadas com as histórias da Mirian sobre o seu dia a dia na escola. Já passava das 22:00 quando me despedi deles, com a promessa de nos falarmos no dia seguinte novamente.
No dia seguinte, uma quinta-feira, tudo caminhava para ser uma cópia do dia anterior: reuniões, apresentações, comparativos com relatórios de unidades internacionais, etc. Relatei a minha conversa com o meu marido e o seu Paulo concordou que a orientação especializada seria imprescindível, mas improvável dada a imediatidade das decisões a serem tomadas:
- Será que o dr. Mark não participaria conosco virtualmente, Fernanda? - Perguntou-me.
- Eu teria que conversar com ele, seu Paulo, pela questão dos compromissos que ele já tem assumido, entende?
- Faça isso, por favor.
Saímos para um café, já devia ser umas 15:00 e liguei para o Mark, explicando. Ele disse que poderia participar, mas que, mesmo lendo a lei e algumas doutrinas a respeito, achava ser melhor que procurassem ajuda especializada. Outra novidade foi um telefonema que recebi da Denise que ficou sabendo, não sei como, que eu estava na capital e me intimou para um jantar. Eu havia visto uma propaganda de um restaurante novo em um shopping do centro, bastante simpático e descolado, então aproveitei para unir o útil ao agradável, combinando com ela de nos encontrarmos e jantarmos por lá. As 16:00, durante uma reunião, Mark participou remotamente da nossa reunião, onde ouviu as dúvidas dos diretores e explicou o seu ponto de vista, mas, ao final, orientou-nos novamente a, apesar de suas orientações, procurarmos um advogado especializado no tema, para não corrermos nenhum risco indesejado.
Meu dia no escritório central se prolongou bem mais do que eu imaginava e quando terminamos nossa última tarefa, já era noite. Decidi ir como eu estava para o shopping, de executiva, formal, mas sem deixar de ser um pouco sensual, então apenas retoquei a maquiagem e ajustei o decote da minha camisa, dentro do meu “tailleur”. Era quase 20:00 quando cheguei no restaurante e claro, mesmo não querendo, chamei um pouco de atenção. O lugar estava tomado por pessoas, cheio mesmo, mas como eu havia feito uma reserva, fui encaminhada até uma mesa e dez minutos depois Denise chegou, também muito bem vestida, mas num estilo mais despojado, com um vestido vermelho médio que se moldava muito bem as suas curvas. Quando ela se aproximou, levantei-me para cumprimentá-la, mas ela, ao me ver, olhou de baixo a cima e não perdeu a chance de brincar:
- Você deixa o Mark em casa para vir dar uma de executiva na capital, né, Nanda!? Que roupa é essa, mulher?
- Acabei a última reunião agora há pouco, nem tive tempo de voltar ao hotel; mas quanto a biscatear, pode ficar tranquila, estou duas vezes mais comprometida como a esposa do Mark.
- Hummm... Que inveja, viu!?
- Uai, é só você comprar uma roupa igual a minha!
- Não… Inveja de não ser a esposa do Mark.
- Ah, biscate! - Falei e ri.
Ela riu também e nos abraçamos. Sentamos e pedimos dois drinks. Começamos a papear e rir das lembranças, mas logo ela perguntou como eu e o meu mozão estávamos após aquele maldito jantar com o Rick. Expliquei que tudo ainda era bem recente, mas que a gente vinha se entendendo cada vez melhor. Ela ficou feliz por nós e parecia ser bem verdadeiro aquele sentimento. Isso me encheu de alegria e fiquei feliz por tê-la como uma amiga, cada vez mais querida. Desistimos do jantar e pedimos uma porção mista quente e fria, e investimos numa degustação dos vários drinks que eles serviam na casa.
O papo estava uma delícia e eu quase me esqueci de ligar para minha família, mas decidi fazê-lo dali mesmo, após pedir licença à Denise. Fiz uma chamada de vídeo e logo o Mark nos atendeu:
- Ó só quem tá comigo aqui, mor. - Falei e virei o celular para a Denise.
- Oi, mineirinho gostoso. Eu vou levar a tua mulher para o mau caminho, tá? Perdeu, bobão... - Ela brincou, rindo à beça, certamente já sob efeito do seu segundo ou terceiro drink.
Mark conversou poucas coisas com ela, mas consegui ouvir um bem claro e límpido:
- Juízo vocês duas, hein!?
Ela, já bem altinha, deu uma gostosa e escrachada gargalhada. Pouco depois, minhas filhas surgiram e conversei um pouco com elas também, mas como estava no meio do restaurante, com pessoas indo e vindo, falando e se divertindo, além do som ambiente, nossa comunicação ficou bastante prejudicada. Despedi-me delas, combinando de ligar no dia seguinte, na hora do almoço para colocar a fofoca em dia e pedi que vigiassem o pai na minha ausência. Elas adoraram tal obrigação... Troquei mais umas poucas, mas deliciosas palavras com o Mark e ele insinuou que eu e a Denise corríamos um certo risco:
- Não entendi. - Falei para ele nesse momento.
Ele deu uma certificada se não havia ninguém por perto de si e falou com um sorriso malicioso estampado no rosto:
- Briga de aranha, Nanda! Se bem que vocês podem estar depiladas, daí é rinha de lagartixa.
- Ah, Mark… - Resmunguei, mas sem tirar um sorriso do rosto: - Credo!
Despedimo-nos e voltei a papear com a Denise, que, por ter ouvido a sugestão dele, agora ria sozinha até que eu a encarei:
- Olha que eu topo, hein!? - Brincou.
- Você também, Denise!? Pode parar, hein? Não sou chegada nesse trem aí não, sô!
A noite seguia, a porção diminuía e nossos drinks variavam de tempos em tempos. Quando já eram quase 22:00 da noite, precisei usar o banheiro. Até que foi rápido: a fila nem estava tããão grande assim, mas na saída um baita homem, posicionado de costas, praticamente bloqueava a minha passagem. Pedi licença e fiquei estupefata quando ele se virou para mim:
- Oi, Nanda.
- Rick!? Mas que caralho da porra dos quintos dos infernos você está fazendo aqui, cara?
- Eu, hein!? Nossa! Eu… Eu moro aqui na capital, esqueceu? Se alguém aqui tem direito de fazer essa pergunta, e seria como muito mais delicadeza, seria eu. - Falou, sorrindo.
- Ó… Minha amiga está me esperando e não quero deixá-la sozinha na mesa, então, “inté”…
- Não, não, espera…
- Rick, não!
- Por favor, só quero trocar meia dúzia de palavras com você.
Fiz algumas contas mentais rápidas e falei:
- Só nessa frase, você já falou onze! Então, sua cota já foi batida e com sobras. Dá licença?
- Nanda, por favor… - Pediu já segurando meu braço, mas com suavidade, sem exagero algum.
Respirei fundo, profundamente contrariada, mas não queria criar caso e se eu não aceitasse, ele não me deixaria ir, a menos que eu fizesse um escândalo, coisa que eu não estava a fim de fazer. Então, falei que iria apenas avisar a minha amiga e voltaria. Fui até a mesa e falei para a Denise que surgiu um imprevisto e eu iria conversar rapidamente com alguém, mas já voltaria. Ela deu um sorriso malicioso:
- Alguém, né? Safada! Eu sabia que você ia aprontar… Por acaso esse senhor imprevisto não teria um amigo, teria?
Meu semblante não devia estar combinando muito bem com sua análise e ela desconfiou de algo antes que eu saísse de lá:
- Quem é esse alguém, Nanda?
Não respondi, mas levantei as sobrancelhas e virei o meu drink, fazendo ela deduzir imediatamente:
- Ah, você só pode estar de brincadeira!? O Rick! Aquele filho da puta dos infernos está aqui? Pode esquecer, senta aí! Não! Melhor ainda: vamos embora agora e ele que vá para a puta que o pariu!
- Nossa! E depois a boca suja sou eu...
- Tô falando sério, Nanda: não… vai… lá! - Falou pausadamente para dar maior ênfase, com um olhar irado: - Você vai acabar fazendo cagada e eu não vou ser cúmplice. Eu não… Quer saber, vou ligar para o Mark agora mesmo se você não sentar essa bunda nessa cadeira aí, ou sair comigo. Não brinca comigo, Nanda!
- Calma, Denise, vê se toma mais um drink e relaxa! Eu vou ali e converso com ele rapidinho e só para você não ficar desconfiada, vamos ficar… - Olhei na direção em que ele estava e indiquei com meu indicador: - Ali ó, no rumo do banheiro. Vou fazer questão de ficar em um lugar que dê para você nos ver.
- Ah, Nanda…
- Relaxa! Eu não vou fazer nada mesmo. Só vou ter uma conversa rapidinha com ele e já volto. Já passou mesmo da hora de eu dar um basta nisso sem depender de um macho para fazer por mim. Dessa vez, vou fazer o que já deveria ter feito.
Mesmo sob os protestos dela, eu fui. Onde eu falei que iria ficar, fiquei e chamei o Rick para perto. Ele naturalmente me convidou para sua mesa, apesar de estar acompanhado de um outro rapaz de idade aproximada da dele que eu não conhecia, mas recusei. Ele insistiu, até mesmo colocando a mão em meu braço novamente, mas, além de eu recusar, fiz uma cara feia para ele, que me largou no ato. Então, convidou-me para irmos até o barzinho e isso não me parecia um problema, concordei e fiz um sinal para a Denise, indicando a direção do bar. Ela me encarou parecendo uma fera prestes a dar um bote e negou com a cabeça, mas eu insisti, afirmando com a minha, fazendo com que ela erguesse ambos os braços, claramente chateada, mas que serviu apenas para chamar dois garçons para sua mesa, distraindo-a.
Assim que nos sentamos em banquinhos no bar, o Rick pediu um uísque e eu uma água, sem gás, sem gelo, sem nada, já indicando que eu seria o mais transparente e chata possível. Ele começou a falar e como eu imaginava, falou bem mais que meia dúzia de palavras. O discurso eu já imaginava também: saudade, amor, que ele poderia me fazer feliz muito mais que o Mark, etc. e tal. Apesar de tê-lo ouvido, sinceramente ignorei a maior parte do que disse. No final, fiz questão de ser o mais clara possível:
- Amo o meu marido! Amo o Mark de todo o meu coração. Nada, nem ninguém irá mudar isso, nem mesmo você. Será que você consegue entender isso, Rick?
- Mas e eu? - Perguntou, aturdido com a força das minhas declarações.
- Você é só uma… uma boa, uma ótima lembrança! É uma pessoa que gosto muito, muito mesmo, mas não tem espaço para você na minha vida nesse momento. Meu marido é tudo pra mim, minha família é tudo pra mim e você… bem, você é uma pessoa que eu espero, um dia, poder chamar de amigo.
- Amigo!? Vou ser relegado a posição de um simples amigo? Tudo isso por causa da insegurança do seu marido? Você vai deixar ele te controlar assim?
- Não se trata de controle, Rick, sim de cumplicidade. Nós combinamos os limites da nossa relação e eu os extrapolei. Para piorar, você tentou várias vezes me tomar dele, o que fez que ele não se sentisse nada confortável com você.
- Mas eu posso te fazer feliz, muito mais do que ele faz, Nanda.
- Olha só, o Mark já me faz feliz o suficiente, acho até que muito mais do que eu tenho merecido. Não me leve a mal, mas se eu tiver que fazer uma escolha, escolho ele. Simples assim!
- Esse seu marido é mesmo um frou…
- Pode parar, Rick, nem começa! - O interrompi quando vi que ele iria começar a ofender o Mark, já com um dedo em riste, quase encostando em seu nariz: - Não ouse falar mal do Mark. Você enche o peito e tenta botar banca quando ele não está por perto, mas quando ele está, você fica mansinho. Então, não abra a boca se for para falar mal dele, ok?
- Mas, Nanda, eu…
- Não! - Voltei a interrompê-lo: - Quer ser meu amigo, me conquiste e isso você já conseguiu, eu gosto mesmo de você; mas se quiser ser próximo de mim, bem próximo mesmo, você precisa conquistar o meu marido.
- Credo, Nanda, o que é isso? Conquistar o seu marido!?
- Isso… Essa é a verdade! Sou casada, amo o meu marido e não quero me divorciar dele. Talvez, e eu digo um talvez muito hipotético, se um dia você entender isso de verdade, de coração mesmo, e não tentar tomar o lugar dele, a gente até possa se reaproximar. Caso contrário, o melhor para nós dois é que você siga a sua vida e eu a minha, entendeu?
Se ele não havia entendido antes, mesmo quando o Mark lhe disse isso naquele jantar tempos atrás, agora parecia ter entendido com todas as letras e de uma forma mais clara que um cristal da Baviera. Ficamos em silêncio e dei por encerrada nossa conversa, tanto que me despedi e me levantei para voltar a minha mesa. Antes que eu saísse, porém, ele segurou minha mão e perguntou:
- Posso só te fazer uma pergunta?
- Pergunte.
- Como faço para ser amigo dele?
Essa pergunta era, aliás, é muito boa, afinal, meu marido é o típico capricorniano: exigente, objetivo, desconfiado e metódico! E como ele sempre estaria desconfiado das intenções do Rick, seria difícil existir uma amizade verdadeira entre eles. Preferi não ser tão clara assim com o Rick e disse que seria uma luta árdua depois de tudo o que havia acontecido entre a gente, mas se ele fosse sincero, talvez conseguisse encontrar uma forma. Por mais suave que eu tenha sido, ele ficou meio desolado com a minha resposta e me desculpei por qualquer coisa. Quando me virei para sair, ele novamente segurou a minha mão e a levou até sua boca, beijando-a suavemente:
- Espero um dia gozar da confiança dele para poder tê-la em meus braços novamente.
- É... Tá! Mas enquanto não acontece, o melhor que temos a fazer é seguirmos os nossos caminhos. - Falei olhando em seus olhos e depois ainda toquei em seu rosto: - Desculpa mesmo por qualquer coisa e obrigada de coração pelos bons momentos.
Virei-me para voltar à mesa e a Denise estava a metros da gente, olhando-me invocada, mas agora com um estranho sorriso de satisfação no rosto. Encarei-a e a peguei pelo braço, voltando para a nossa mesa. Assim que nos sentamos, respirei um audível:
- Ufa!
- Ufa, digo eu… - Ela resmungou ao se sentar: - Caralho! Juro que pensei que você não fosse dar conta. Teve uma hora que pensei que vocês fossem se pegar. Ah, mas se você faz isso… Eu já estava indo lá para entrar no meio e quebrar o pau com os dois. Daí, agora, chegando lá, ouvi aquela conversinha de despedida e… O que aconteceu, afinal?
Contei para ela tudo o que havia falado com ele, tim-tim por tim-tim, e, por fim, conclui o óbvio:
- Acho que eu fiz hoje o que eu deveria ter feito há muito tempo, lá no comecinho. Deixei claro para ele e para mim mesma quem é realmente importante na minha vida, e vou te falar… - Fechei os olhos, coloquei os cotovelos na mesa e cobri meu rosto com as minhas mãos, sentindo um alívio, um orgulho de mim mesma, mas estranhamente querendo chorar: - Acho que ele entendeu dessa vez e eu... eu... também…
Denise ficou em silêncio por um instante, mas depois retrucou:
- Sei não, hein!?
- Sabe não o quê, Denise!? Você está duvidando de mim? - Olhei para ela, sem saber que uma lágrima já descia pela minha face.
- De você, até não, mas dele…
- Bom, pois eu acho que sim, aliás, tenho quase certeza que, dessa vez, ele entendeu. Inclusive, deixei bem claro que para que alguma coisa possa existir entre a gente, ele terá que conquistar a confiança do Mark e que isso não será nada, nada fácil, senão, nada feito.
- Se você diz… - Ela resmungou, ainda descrente, bebendo um bom gole de seu drink, olhando firmemente para os meus olhos.
[...]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NAO SER MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.