Um novo amor para recomeçar
Eu tinha me distraído olhando para ela que estava atrás de mim, achava que naquele momento a estava protegendo. Mas quando ela gritou eu olhei para ele novamente e ele estava com um revólver na mão apontando para mim.
Minha intenção era falar para ele se acalmar, mas não deu tempo. Edson, sem falar mais nada disparou, eu ouvi pelo menos três tiros. Neste momento fiquei totalmente perdido, ouvindo os tiros e os gritos da Carla. Me lembro de vê-lo correndo, depois disso tudo ficou escuro, não enxergava as pessoas em volta tentando ajudar e nem vi a ambulância chegando para fazer o socorro daquele ataque covarde.
Eu sempre soube que ele não valia nada, mas chegar ao ponto de atirar contra uma pessoa, isso era uma coisa inacreditável e eu só fui conseguir voltar ao normal nos meus sentidos algumas horas depois, quando já estava no hospital. Eu estava na sala de espera, próxima ao centro cirúrgico e o que me fez voltar ao normal foram as palavras do meu grande amigo Pedro e de meus pais, que tentavam a todo custo me acalmar.
Os tiros eram para mim, mas a Carla me empurrando para o lado acabou ficando na direção dos disparos. Dois deles a acertaram, um deles de raspão em sua cabeça, mas o outro acertou do lado direito do seu peito. A bala entrou um pouco acima do seio e abaixo do ombro. Mesmo não acertou nenhum órgão vital, causou uma grande hemorragia e fratura em algum osso do ombro.
Devido ao meu nervosismo, não sei precisar quanto tempo a cirurgia demorou. Conforme fui me acalmando percebi um curativo no meu rosto. O Pedro me explicou que um dos tiros passou de raspão perto do meu olho esquerdo e deve ter sido esse tiro que a pegou de raspão a cabeça do meu amor.
Eu estava desesperado, não me conformava dela ter tomado a frente e levado o tiro no meu lugar, eu estava tomado por uma raiva tão grande que se conseguisse encontrar com aquele verme, era capaz de matá-lo de tanto bater em sua cara.
Os pais da Carla também estavam ao meu lado, eu pedia perdão aos dois por tudo aquilo e falava repetidamente que os tiros eram para mim e não para ela. A sua mãe, que já sabia do nosso envolvimento, tentava me tranquilizar, dizendo que a única pessoa culpada por tudo aquilo era o crápula do Edson.
Olhando os dois esperando notícias da filha, me lembrei dos seus netos. Eles me tranquilizaram informando que a irmã da Carla, que veio da cidade deles, juntamente com eles e a Marcela, nossa amiga, estavam com os dois.
Depois de uma espera angustiante, no meio da madrugada quando terminou a cirurgia, o médico veio conversar conosco. Ele nos explicou que correu tudo bem com a cirurgia, a bala não tinha afetado nenhum órgão vital, mas era uma região bem complicada de mexer, eles tinham conseguido conter o sangramento, mas a hemorragia foi grande e ela estava muito debilitada, foram necessárias algumas bolsas de sangue e realizar uma transfusão para repor o sangue perdido.
O médico também nos explicou que ela ainda estava inspirando cuidados, mas que, já nas primeiras horas, ela deveria apresentar uma boa melhora, e no outro dia, conforme se confirmasse está melhora, ela iria deixar a UTI e seria transferida para o quarto.
Foi um grande alívio, todas aquelas notícias, mas a grande surpresa ele deixou para o final. Se dirigiu a mim e falou.
– Sr. Adriano, o Sr. é um cara de muita sorte, além de sua companheira estar respondendo bem a todos os procedimentos, daqui a alguns meses você vai ser pai de uma criança muito forte. Mesmo a mãe levando um tiro, perdendo muito sangue, aquele serzinho que se desenvolve lá dentro, não apresentou nenhum problema, tivemos que realizar alguns procedimentos, para estabilizar a mãe e ainda salvar o bebê, vocês serão pais de uma criança muito guerreira, meus parabéns.
Nesse momento eu caí de joelhos no chão. Eu chorava e agradecia muito por tudo aquilo, falei para ele que eu ainda não sabia da gravidez, que com certeza a Carla iria me dar a notícia naquela noite, mas fomos atacados antes dela conseguir contar. Os pais da Carla e os meus vieram me abraçar e comemorar por ela está reagindo bem e também pela criança.
Como nosso relacionamento estava no início e seus pais moravam em outro estado, eu ainda não conhecia pessoalmente o seu pai, somente a mãe que eu tinha conversado bem pouco, mas isso não foi empecilho para comemorarmos todos juntos, naquela sala de espera.
O médico ficou junto conosco por mais um tempo, seus pais e eu queríamos saber quando poderíamos entrar para ver como ela estava sendo que eu já queria entrar naquele momento mesmo.
Ele nos explicou que naquele momento não teria como conversar com ela, devido a anestesia que ainda estava fazendo efeito. Ela iria ficar em observação a noite toda, mas ele iria permitir que entrássemos no corredor de onde poderíamos vê-la através de uma janelinha de vidro.
Os pais dela entraram primeiro, ficaram uns quinze minutos e logo eu pude entrar e ficar observando aquela valente mulher, a mulher que salvou a minha vida, colocando a dela e a do nosso filho em risco, eu estava emocionado demais, não parava de chorar, choro de alegria, de muita emoção, por ela estar viva e se recuperando bem e ainda mais por estar gerando um filho nosso.
Não queríamos arredar os pés da sala de espera. Já estava amanhecendo e meus pais convenceram os meus futuros sogros a acompanhá-los até a casa deles para poderem descansar um pouco, tomar um banho e depois voltariam, eles concordaram, principalmente o pai da Carla, afinal ele tinha dirigido por algumas horas.
Eu e o Pedro ficamos por ali, conversamos. Contei para ele sobre os últimos acontecimentos. Ele ficou arrasado com tudo o que contei sobre a Cristiane, ele já sabia de algumas coisas, mas não de tudo, enquanto conversávamos, dois policiais civis chegaram por lá pedindo informações sobre a paciente que tinha sido baleada, a recepção era próxima de onde estávamos, avisaram a eles que eu estava junto no momento do atentado e que inclusive tinha sido atingido de raspão.
Eu estranhei a presença deles, mas o Pedro me explicou que enquanto eu estava recebendo os curativos e cuidados necessários, dois policiais militares vieram para tentar colher mais informações e que já estavam fazendo diversas diligências para tentar localizar o Edson.
Os dois policiais vieram até nós e se identificaram, explicaram que estavam ali para averiguar e colher todas as informações possíveis para poderem capturar o maldito.
Contei tudo a eles, falei quem ele era, com o que, e em qual empresa trabalhava, dei todas as informações que dispunha, contei de qual cidade o casal tinha vindo, falei que ele tinha ficado escondido durante um tempo em uma fazenda no interior do Mato Grosso, devido ao outro processo que estava respondendo, eles pediram para eu comparecer, assim que possível, em uma delegacia para dar meu depoimento, para poderem formalizar o inquérito.
Nessa conversa informal, comentei que ele tinha me ameaçado, mas que eu não tinha levado a sério, que os dois já estavam separados quando eu e ela começamos a nos relacionar, e quando contei que ela estava grávida e que devido aos tiros tinha um risco de perder a criança, os dois ficaram mais indignados ainda.
Me agradeceram muito por todas as informações e me garantiram que seria questão de horas até conseguirem colocar as mãos naquele bandido. Agradeci muito o empenho deles e garanti que, assim que possível, iria até a delegacia para prestar o meu depoimento.
Eu estava me sentindo muito mais aliviado com tudo o que eles me falaram, logo após os policiais saírem o Pedro insistiu comigo para eu ir dormir um pouco e tomar um banho, mas eu não queria sair do hospital de forma alguma, eu não tinha sono e nem fome, só queria ter notícias de meu amor e poder vê-la, para me tranquilizar realmente sobre seu estado.
A espera valeu a pena, por volta das dez da manhã, o médico veio conversar comigo que ela já estava acordada, que tinha perguntado sobre mim, queria saber se tinha acontecido alguma coisa séria comigo. Fiquei feliz demais e muito mais ansioso para poder entrar, vê-la e abraçá-la, ele permitiu, mas com muitas recomendações, claro que aceitei todas elas.
Eles me prepararam, colocando algumas roupas esterilizadas, afinal iria entrar na UTI, quando ela viu que eu estava entrando, começou a chorar de emoção, na verdade ficamos os dois chorando, só me foi permitido, segurar a sua mão. Ela me apertava a mão e tentava falar, mas ainda estava com a voz bem fraca, pedi para ela deixar eu falar e que ela deveria se resguardar, para ter uma excelente recuperação.
Fiquei alguns minutos na UTI, contei sobre o que o médico falou, mas não falei nada sobre o neném, eu queria que ela me desse a notícia da gravidez, afinal ela iria contar tudo na noite anterior. Mas tive que fazer diferente, porque ela depois de ficar mais tranquila com tudo, começou a chorar baixinho, olhava para mim e chorava, era nítido que queria me contar, mas estava achando que tinha perdido o neném. Eu percebendo sua aflição cheguei pertinho do seu rosto e falei:
– Meu amor, você é a mulher mais especial que eu poderia ter, além de salvar a minha vida, ainda vai me dar um filho, uma criança guerreira, que mesmo com tudo o que aconteceu, está crescendo firme e forte dentro do seu ventre, você não pode imaginar o quanto estou feliz com a sua recuperação e com a chegada de um serzinho que está vindo para iluminar ainda mais a nossa vida.
Quando terminei de falar, aí sim que que ela chorou, mas agora era de emoção, coloquei minha mão sobre sua barriga e em seguida me abaixei e dei alguns beijos falando:
– Meu filho, obrigado por você estar vindo nos dar ainda mais alegria, eu e sua mãe, vamos te amar muito, seus irmãos com certeza também, todos vão te amar muito, aguenta firme aí dentro, que logo a mamãe vai poder ir para casa e ficaremos todos juntos aguardando sua chegada.
Nesse momento sem nem pensar direito, me ajoelhei ao lada da sua cama, segurando sua mão perguntei:
– Carla, dentro de todo esse pesadelo que estamos vivendo nos últimos meses, estar junto com você foi a coisa mais importante que poderia acontecer em minha vida, eu te amo muito, essa noite eu iria conversar com você sobre nosso futuro, mas neste momento não preciso mais de nada para falar o que eu quero.
Respirei fundo e continuei;
– Carla você é uma mulher muito especial e muito importante na minha vida, eu gostaria de ter você junto comigo todo o restante de minha vida, você aceita ser minha esposa, você quer se casar comigo e juntos podermos criar nossos filhos todos juntos, vamos formar uma grande e feliz família.
Ela soluçava de tanto chorar, tanto que uma enfermeira veio ver o que estava acontecendo e quando ouviu e viu tudo o que eu falava começou a chorar junto.
Ela falando baixinho aceitou meu pedido e afirmou que iria me fazer o homem mais feliz do mundo. Dei um beijo em sua testa e precisei sair, já tinha ultrapassado o tempo que poderia ficar lá dentro. Eu estava nas nuvens, seria pai novamente e iria me casar com uma mulher espetacular.
Quando meus pais e meu sogros chegaram eu contei que tinha entrado que ela estava se recuperando muito bem, estava fraca ainda, mas reagindo muito bem a cirurgia. Quando contei sobre o pedido e principalmente por ela ter aceito, todos ficaram impressionados pela rapidez dos acontecimentos, expliquei o porquê de ter feito o pedido e devagar eles foram entendendo e aceitando os meus argumentos.
Ficamos quase o dia todo no hospital, eu já estava muito cansado, precisava tomar um banho e comer alguma coisa, o Pedro foi comigo até a minha casa, tomei um banho comi um sanduíche e apaguei. Dormi por algumas horas, acordei meio perdido. Acho que devido ao cansaço e a falta de horas de sono, demorei a voltar ao normal, o Pedro ainda estava lá e a Jéssica também, os dois estavam me aguardando acordar, não dormi muito tempo, mas foi um sono bem pesado, eles tinham preparado uma janta básica, mas muito gostosa, arroz com feijão e um bom bife acebolado.
Conversamos um pouco e resolvi retornar ao hospital para ter mais notícias.
A recuperação dela estava dentro do que os médicos esperavam, passei mais uma noite no hospital e, no outro dia pela manhã, ela foi transferida para um quarto, lá dentro pudemos conversar um pouco mais, eu sempre tomando muito cuidado com a forma que contava sobre os acontecimentos.
Ela queria ver os filhos, mas eles não poderiam entrar, então fiz uma chamada de vídeo e eles puderam conversar por alguns minutos, aquela breve conversa acalmou o coração dos três.
Foram necessários mais cinco dias de internação, somente quando tiveram plena certeza de que ela estava se recuperando bem é que deram alta, para poder voltar para casa.
Um dia antes de ir embora para casa, recebemos a visita dos policiais que estavam investigando o caso, os dois foram de uma sensibilidade enorme, perguntando somente coisas mais superficiais, eles sabiam muito bem sobre o estado que ela se encontrava, mas quando estavam saindo um deles me chamou de lado e pediu novamente para eu comparecer a delegacia, lá poderíamos conversar melhor e eu ajudaria muito a esclarecer muitas coisas que ainda estavam em aberto, concordei e combinei de ir no dia seguinte, quando os dois se despediram ela os chamou e perguntou se já tinham alguma pista de onde o Edson poderia estar e se logo iriam conseguir prendê-lo.
Os dois se olharam e um deles tomou a frente e respondeu que infelizmente ainda não tinham conseguido capturá-lo, mas que em pouco tempo iriam conseguir, já tinham algumas pistas e assim que tivesse alguma novidade iriam nos comunicar.
Ela estava com muito medo, não por ela, mas por mim, ela sabia muito bem que eu ainda estava correndo risco com ele solto, para falar a verdade eu também estava com um pouco de medo, afinal um louco daquele solto pelas ruas, deixava qualquer um com medo, ainda mais por ele já ter tentado me matar, eu iria precisar ter todo cuidado, para não ser surpreendido por ele.
No dia seguinte fomos para a sua casa, seu pai estava o tempo todo junto conosco, e sua mãe estava no apartamento junto com as crianças. Quando chegamos foi uma alegria imensa, as crianças festejaram demais a volta dela para casa, mas quando eu entrei ajudando a se locomover, a menina não reagiu muito bem.
– Mãe, por que o Adriano está te ajudando? Por que ele ficou todos esses dias no hospital com você? Vocês estão namorando? Foi por isso que o papai deu esses tiros em você? Eu não quero que ele venha ou fique aqui em casa, o papai pode ficar sabendo e vai ficar com mais raiva ainda e querer atirar de novo em você, mamãe por favor mande ele embora.
Falou isso chorando, ela estava muito assustada, saiu correndo para o quarto, na sala ficou uma situação muito constrangedora. A Carla ainda tentou chamá-la, mas sem sucesso, eu não achei ruim, afinal era tudo muito novo para as crianças, a separação dos pais, o atentado em que a mãe quase morreu, a cabecinha deles, com certeza, estava em parafuso com tantas informações e antes de ficar um clima ainda pior me adiantei:
– Calma Carla, ela está muito assustada, imagina como deve estar a sua cabecinha, essa reação é muito natural, não se preocupe que eu entendo muito bem tudo isso, por favor não brigue com ela, eu já vou indo, seus pais e sua irmã estão por aqui e vão te dar todo suporte necessário, vou ficar com o celular ligado o tempo todo, qualquer coisa e qualquer novidade, me liga por favor.
– Adriano, eu quero que você fique um pouco mais aqui, quero você por perto o tempo todo, estou com muito medo de você sair na rua sozinho, aquele louco pode estar escondido esperando te encontrar novamente. Não sei o que faria se acontecesse algo de ruim com você, eu não me perdoaria nunca.
– Calma meu amor, não vai acontecer nada, pode ficar tranquila, eu vou tomar o máximo de cuidado, e outra, ele sabe que a polícia está por perto, ele não vai ter coragem de vir nos procurar agora, sabe que logo vai ser preso, ele como todo covarde está muito bem escondido.
Me despedi de todos, a Carla chorava e continuava me pedindo muitas desculpas, fui embora com o coração partido, eu não queria ficar longe dela, mas não poderia ficar por ali naquele momento, eu precisava tocar minha vida em frente, não poderia me esconder com medo do Edson.
Aquela noite foi bem difícil de dormir, quando eu estava quase conseguindo dormir, recebi uma ligação. Nem vi direito o horário, mas era madrugada quando o telefone começou a tocar, me assustei e atendi rapidamente, com medo de que tivesse acontecido alguma coisa com a Carla nem percebi o número que estava ligando.
– Olha lá … o cara que só está vivo por causa da “namoradinha” corajosa, mas pode ficar tranquilo, não precisa ter medo, por alguns dias vou ficar longe, mas os “seus” tiros logo chegarão ao destino certo, na próxima vez eu não vou errar e vou te mandar pro inferno, foi uma pena não ter conseguido acertar os dois, aí sim é que o serviço teria sido completo, vocês dois não perdem por esperar.
Ele desligou rapidamente sem esperar eu falar nada, fiquei bem preocupado, ele deveria estar por perto, tentei ver qual era o número, mas estava bloqueado, só aparecia como desconhecido, eu tinha colocado um aplicativo que gravava todas as ligações e percebi que a gravação tinha ficado perfeita.
No dia seguinte fui direto para a delegacia, os dois policiais e o delegado responsável pelo caso me receberam, quando fui começar o depoimento mostrei a gravação. Todos concordaram que ele provavelmente estava por perto, pediram se poderiam verificar meu celular, para tentar fazer a triangulação das chamadas e rastrear o local da ligação, combinei que mais tarde levaria para eles, eu iria providenciar outro aparelho reserva.
No meu depoimento eu iria tentar não falar nada sobre nossas aventuras liberais, mas foi impossível. Eu precisava contar sobre o contexto geral, abreviei o máximo possível, eu estava com vergonha de admitir as nossas aventuras para eles e para a escrivã. Na hora que comentei, um dos investigadores e a escrivã me olharam de uma forma diferente e não esboçaram nenhuma reação, o delegado e o outro policial deram aquela risadinha maliciosa, muito comum quando descobrem sobre o modo de vida que alguns casais vivem, mas eu já estava começando a me acostumar com tudo aquilo e nem dei bola.
Contei sobre o envolvimento da minha ex-mulher com o Edson, que eles tiveram um caso por algum tempo, que eu tinha descoberto e com isso teve a minha separação e a dele também, nessa hora um dos policiai brincou que se eu estava com a Carla para me vingar do Edson, falando que chumbo trocado não dói. O colega dele o repreendeu e, na hora, ficou um clima meio estranho, mas me concentrei em falar tudo o possível.
Fiquei lá por pelo menos umas duas horas, na hora de ir embora o policial que deu a bronca no outro me acompanhou até a saída, foi me explicando alguns cuidados que eu deveria ter. Quando saímos pela porta ele me falou baixinho que me entendia muito bem, que ele às vezes se aventurava no meio liberal, que eu não deveria levar em consideração seu amigo. Falei para ele ficar tranquilo que depois dos tiros eu não me abalava com mais nada.
Eu tentei voltar a minha rotina normal, voltei a trabalhar, eu precisava ocupar minha cabeça, porque senão eu iria ficar somente relembrando tudo o que aconteceu.
No final daquele dia eu queria ir visitar a Carla, até pensei em ir direto até seu apartamento, mas resolvi ligar antes, ela me atendeu rapidamente, perguntei como ela estava se sentindo, contei um pouco sobre meu dia, falei que estava com vontade de ir lá para poder lhe dar um beijo.
Nós estávamos falando por chamada de vídeo, na hora que falei do beijo, ela chorou baixinho e pediu para eu esperar mais uns dias, explicou que as crianças estavam cobrando muitas coisas dela, que naquele momento não poderia contar nada sobre nós dois e muito menos sobre o irmãozinho que estava chegando.
Concordei com ela, aquilo era o melhor a se fazer naquele momento delicado. Combinamos de que assim que possível, quando eles voltassem a frequentar a escola eu iria rapidamente visitá-la.
Aos poucos nossa rotina foi voltando ao normal, no dia que as crianças foram para a aula eu corri no apartamento da Carla. Eu não aguentava mais de saudades, queria beijá-la, sentir seu cheiro a maciez da sua pele e de seus cabelos, quando cheguei, nos deixaram sozinhos, não podíamos abusar, fiquei sentado ao seu lado na cama, nos beijamos, sentir seus lábios era como se minha vida se renovava, seus beijos eram maravilhosos.
Conversamos bastante, contei sobre as investigações, que ainda não tinham conseguido achá-lo, mas que os policiais quase todos os dias me passavam as informações possíveis sobre a investigação.
Já tinha se passado um mês daquela noite horrorosa, o procedimento no meu celular não tinha dado em nada, não conseguiram nenhuma pista e ele ainda não tinha sido preso. A cada dia ficávamos com mais certeza de que ele não seria preso.
As ligações voltaram a acontecer, com ameaças cada vez maiores, ele sempre fazia da mesma forma, falava, rapidamente desligava e sempre de um número privado.
Eu não sei ao certo o que aconteceu, mas uma noite, em uma dessas ligações, ele se descuidou e consegui gravar o número e o principal, o código de área do número que ele me ligava, ele estava no estado vizinho, perto da cidade dos pais da Carla. Depois fui saber, ele estava no sítio de um parente dele, mas na hora eu nem percebi o horário que era, já era de madrugada. Liguei rapidamente para o investigador e ele com uma voz de muito sono e de raiva por ter sido acordado, me atendeu, passei as informações e ele me garantiu que no dia seguinte já iria começar as novas buscas, mas pediu para eu guardar segredo e não falar nada com ninguém, inclusive para a Carla, mesmo a contragosto concordei.
Dois dias depois recebi uma das melhores notícias possíveis, ele tinha sido encontrado e capturado e seria transferido para nossa cidade, e como ele era considerado foragido por dois crimes a sua situação ficaria complicada. Na mesma hora liguei para a Carla e lhe dei a notícia, ela e todos a sua volta comemoraram muito, aquela prisão representava um alívio gigantesco em nossas vidas.
Mas como tudo tem um porém, a minha aproximação dos filhos da Carla estava muito mais complicada do que poderíamos imaginar, ainda mais quando o pai foi preso, eles me culpavam a todo momento pelo que estava acontecendo, nesse tempo eles já sabiam que a mãe entrou na minha frente para tentar fazê-lo não atirar e me salvou, eles dois não aceitavam nenhum tipo de contato entre nós dois, principalmente a menina, eu não sabia ao certo como agir.
Nossas vidas estavam voltando totalmente à normalidade, exceto pelos nossos encontros por causa das crianças, nós dois conversávamos todos os dias, a todo momento tentávamos encontrar uma solução para aquela situação horrível que nos encontrávamos.
Um dia a Carla conversou com a mãe e explicou que precisava contar para as crianças sobre a gravidez, a barriguinha já estava começando a ficar aparente, ela tinha dado a desculpa que deveria ser por causa da cirurgia, mas não estava mais conseguindo esconder a verdade. Minha futura sogra, assumiu a frente das coisas, pediu para eu ir à sua casa no próximo fim de semana, que iríamos sentar todos juntos e dar a notícia de nosso namoro e da chegada do neném. Ela explicou que seria mais fácil contar tudo de uma só vez, porque o choque seria um só, assim poderia ser um pouco mais fácil para eles absorverem as informações.
No sábado fui para ao nosso encontro com medo da reação deles com a Carla, iria ser muito difícil eles aceitarem tudo, mas não tinha mais como esconder. Quando cheguei no meio da tarde, a Carla veio me receber com um enorme sorriso, seus olhos brilhavam de poder me receber em sua casa, mas ao mesmo tempo demonstrava um pouco de medo com o que poderia acontecer dali pra frente.
Quando os dois me viram na sala, já ficaram arredios, mas a avó com jeitinho pediu para eles se sentarem que nós tínhamos que ter uma conversa muito séria, que eu e a mãe deles tínhamos algumas coisas para contar para eles.
Eles se sentaram em nossa frente e ficaram esperando, a Carla iria começar a falar, mas segurei em sua mão e perguntei se eu poderia falar primeiro, ela concordou e eu, respirando fundo, contei tudo.
– Olha gente eu e a mãe de vocês precisamos conversar sobre um assunto muito sério, nós dois não queremos esconder nada de vocês e de mais ninguém.
Eles me olhavam bem desconfiados.
– Eu e mãe de vocês, começamos a conversar depois que nos separamos, saímos algumas vezes somente como amigos, mas devagar nos apaixonamos, nós dois nunca tínhamos tido nenhum tipo de envolvimento antes.
A menina iria falar alguma coisa, mas a Carla pediu para ela esperar eu terminar de falar.
– Como eu ia dizendo, nós dois nos apaixonamos, nós gostamos demais um do outro, estávamos começando a namorar, quando tudo aconteceu, infelizmente ela ficou bem mal, mas agora já está recuperada, não tem mais nada, aliás tem sim, tem uma coisa maravilhosa que está acontecendo e nós dois precisamos contar para vocês.
Nesse momento a Carla não se aguentou e tomou a palavra.
– Crianças o que o Adriano está querendo contar é que nós dois vamos continuar a namorar, e não vai demorar muito tempo vamos nos casar, nós dois gostamos muito um do outro, aconteceram muitas coisas ruins nos últimos meses e principalmente nos últimos dias, mas também está acontecendo uma coisa maravilhosa, mas antes eu preciso tentar explicar para vocês algumas coisas.
Carla respirou fundo e continuou:
– Eu sei que vocês ainda acham e torcem muito para que eu o pai de vocês possamos voltar a morar juntos, mas mesmo antes do atentado, isso não iria acontecer, o pai de vocês e a Cristiane, mulher do Adriano, fizeram algumas coisas muito erradas, essas coisas prejudicaram algumas pessoas, principalmente nós dois, então ele se separou da Cristiane e eu do pai de vocês, somente depois da separação é que nos dois começamos a conversar. Com o apoio, ficamos muito amigos e com isso, começamos a ter um sentimento mais forte, um pelo outro.
As crianças começaram reclamar novamente, mas ela não deixou e continuou falando, tentando explicar e contar tudo.
– Calma meus queridos, deixem a mamãe terminar, eu sei que tudo isso é muito complicado para a cabecinha de vocês, são muitas coisas diferentes acontecendo na vida de nós três, mas podem confiar na mamãe, eu nunca iria fazer nada que pudesse prejudicar vocês, você dois são o amor da minha vida, vocês dois são a melhor parte de tudo o que aconteceu até hoje na minha vida. Mas agora, além deste amor entre eu e o Adriano, está acontecendo uma coisa maravilhosa e a nossa conversa aqui hoje é para nós dois contarmos tudo para vocês.
Nessa hora a menina deu grito com a mãe e foi saindo da sala, mas a vó a mandou esperar que ainda não tinha terminado nossa conversa, a menina muito a contragosto voltou e ficou de pé, de frente para nós, esperando a sua mãe terminar de falar e a Carla continuou:
– Como eu estava falando, eu e ele nós nos amamos e temos duas notícias maravilhosas para dar para vocês. A primeira, como já disse, é que vamos nos casar e a segunda, e muito mais importante, é que a mamãe está grávida e vocês dois vão ganhar um irmãozinho.
A sala ficou em silêncio por um tempo, todos se olhavam, mas ninguém falava nada.
O que aconteceu a seguir foi uma série de grandes surpresas.
A primeira foi o menino que achávamos que estava sendo influenciado negativamente pela irmã, deu um grito reclamando e falando que não queira um irmão, que já tinha uma irmã e não precisava de ninguém a mais na vida deles, saiu correndo para seu quarto. Mas a grande surpresa foi que a menina não reclamou, ela ficou parada olhando nós dois, não falava nada, parecia que estava congelada com o choque da revelação que a mãe acabara de fazer, mas após alguns segundos veio e se sentou no colo da mãe, deu um grande abraço e mostrando uma grande maturidade para sua idade falou:
– Nossa mamãe que noticia doida, eu vou ter mais um irmão ou talvez uma irmã! Eu nem sei falar o que estou sentindo, fiquei muito feliz mamãe, eu te amo!!
Se levantou e veio em minha direção, me abraçou, me deu um beijo no rosto e pediu para eu cuidar muito da sua mãe e do irmãozinho que iria chegar.
Olhou para a avó e comemorou.
– Vó! Eu vou ganhar mais um irmão!!
Naquele momento estávamos verdadeiramente começando uma nova família. Não sabíamos o que fazer, era muita felicidade.
Nós dois achávamos que a partir daquele dia tudo iria ser mais fácil, mas estávamos muito enganados. No decorrer da gravidez teríamos muitas surpresas.
Continua...