Contratados: A Rendição - Capítulo 20

Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 4657 palavras
Data: 26/07/2024 23:40:29
Assuntos: Dor, Gay, Homossexual, segredo

CAPÍTULO 20

*** ANTHONY RODRIGUES ***

Na sala de casa, ando de um lado para o outro sem conseguir controlar meu próprio corpo. Olho para o relógio e respiro fundo pela milésima vez desde que acordei, sendo derrubado do sonho que foi o fim de semana para a realidade inadiável de precisar contar a verdade para Marcos.

Deus! Não era para ser tão difícil! Mas um momento depois do outro, nunca parecia o certo. Nunca parecia uma boa ideia abrir mão do agora por algo que aconteceu no passado e que vai impactar diretamente o futuro e eu disse amanhã. Amanhã vai ser uma boa ideia. Então, no sábado pela manhã, sou acordado por uma Isabella saltitante, literalmente.

Primeiro, levei um susto imenso, depois, me convenci de que ainda estava sonhando. Ao constatar que não, não poderia ser sonho porque a criança em cima de mim era feita de carne, osso e muita tagarelice, cogitei a hipótese de ter enlouquecido. Eu tinha certeza de que tinha dormido no veleiro, Isabella não poderia estar se jogando em cima de mim, certo?

Errado. Porque enquanto eu dormia, Marcos achou que seria uma excelente ideia levar Isabella até o Guarujá para que ela embarcasse conosco em um fim de semana em família. E foi. Foi uma ideia incrível, maravilhosa, mas que serviu como a desculpa perfeita para a minha covardia.

Mas, hoje não! De hoje não passa. De hoje não pode passar. Olho, outra vez para o relógio, desejando que nos últimos quinze segundos tenham se passado quatro horas, no entanto, ainda são duas horas da tarde exatamente como eram da última vez que chequei.

Sopro o ar pela boca e passo as mãos pelos cabelos sem jamais parar de andar de um lado para o outro. É possível que eu não consiga contar nada a Marcos quando ele finalmente chegar em casa, porque terei feito um buraco no chão, despencado vinte e três andares, atravessando tetos e paredes e caído morto.

Todo o meu corpo reage ao meu desespero. Minha pele está sensível; minha boca seca; minhas mãos suadas e até minha visão parece fora do normal hoje. Duas da tarde. Ainda falta muito para as seis da noite. Graças a Deus Isabella tinha uma atividade de dia inteira com a turma do ballet hoje. Não sei se eu seria capaz de esconder de alguém meu estado de agonia, muito menos da minha filha.

O interfone toca e uma corrente gelada atravessa meu corpo inteiro ao mesmo tempo em que meu estômago se aperta. Puta que pariu! Caminho em sua direção apressada e ansioso por nenhuma razão relacionada a quem quer que esteja do outro lado.

— Sim?

— Senhor Valente?

— Eu mesmo, Benício!

— O senhor tem uma visita.

##############

*** MARCOS VALENTE ***

O tráfego intenso de São Paulo não faz nada pela minha ansiedade. Encerrei meu expediente muito mais cedo do que o normal pela terceira vez em menos de quinze dias e que se foda. Agora eu realmente entendo o que João Pedro queria dizer.

Eu não tinha a intenção de deixar o escritório às duas da tarde de uma segunda-feira. Mas de nada adiantaria continuar lá se minha cabeça estava em casa, em Anthony e na maldita pergunta que não me deu paz o fim de semana inteiro. Por que, depois de tudo o que foi dito com palavras e silêncio, ele continuou fingindo que não existia nada entre nós na frente de Isabella?

Eu posso entender sua relutância em declarar, em voz alta, os próprios sentimentos, porque, porra! Eu mal consigo entender como é que eu posso estar tão disposto a fazer isso. O que quer que o impeça, eu não julgo. Nós temos muito tempo pela frente. Mas eu não consigo entender por que precisaríamos manter esse jogo de gato e rato inútil na frente da criança.

No sábado, acordei antes de Anthony e decidi preparar um café da manhã. Enquanto saía do quarto sorrateiramente para ir até a cozinha, Isabella preencheu meus pensamentos. Senti saudades dela e me dei conta de que desde que voltamos da lua de mel, eu nunca mais havia me afastado da criança. Ri de mim mesmo ao constatar o quanto eu havia sido domesticado e o quanto eu estava feliz com isso.

Não foi difícil tomar a decisão de levar Isabella até nós. Na verdade, gostei da perspectiva de podermos introduzir nossa relação em um ambiente em que esse não seria o foco, afinal, eu tinha certeza de que estar em alto-mar aguçaria a curiosidade incontrolável da menina. Meu esposo tornou tudo muito mais fácil dormindo até tarde. Assim, houve tempo o suficiente para toda a logística e, ainda assim, surpreendê-lo.

Contudo, apesar de os dias a bordo da Molly terem sido incríveis, não foram como imaginei. Depois de ser acordado por uma criança empolgadíssima, Anthony deixou o quarto trazendo consigo a distância que sempre impunha entre nós quando Isabella estava por perto. A princípio, achei que eu pudesse estar imaginando, mas quando tentei beijá-lo e Anthony virou o rosto, ficou muito difícil dizer para mim mesmo que eu estava enganado.

O beijo foi só a primeira das coisas que me foi negada. Não houve toques ou mais uma noite dormida lado a lado. Eu dormi em um quarto e Anthony em outro, com Isabella. Não foi nosso melhor momento, mas também não fiquei chateado. Afinal, eu havia tomado uma decisão sem conversar com Anthony antes. Ele tinha o direito de não concordar e eu não faria caso sobre isso. Conversaríamos quando chegássemos em casa.

Porém, ontem, quando chegamos, Anthony capotou logo depois de colocar Isabella para dormir e eu me conformei em ter seu corpo aninhado ao meu outra vez, ansioso, depois de apenas uma noite longe, como o maldito viciado que me tornei. Dormi me perguntando o que poderia o estar segurando, acordei com a mesma pergunta na cabeça e não tive paz durante a manhã ou o início da tarde, até que simplesmente desisti. O que quer que seja, nós podemos resolver, eu só preciso que Anthony fale.

Passo pela portaria do prédio e cumprimento Benício. O concierge é, como sempre, solícito e eu entro no elevador, porque hoje é uma daquelas raras ocasiões em que ele já está esperando por mim.

Tiro o celular do bolso, conferindo as mensagens enquanto subo os andares até a cobertura e quando ele apita, avisando a chegada ao meu destino, saio de dentro dele sem nem mesmo levantar os olhos. No piloto automático, deixo a pasta sobre o aparador do hall de entrada e continuo a caminhada na direção da cozinha, onde imagino que Anthony esteja a essa hora.

— Boa tarde. — Interrompo meus passos quando sou cumprimentado por uma voz masculina e levanto os olhos para encontrar Anthony, de pé, branco feito um papel, e um homem alto e loiro parado bem atrás dele. Que porra é essa? Franzo o cenho para a cena no mínimo intrigante.

— Boa tarde — respondo e o silêncio que se segue é o ambiente ideal para que minha mente comece a idealizar os cenários mais mirabolantes possíveis. A proximidade dos dois só não é mais alarmante do que a expressão no rosto do meu marido que continua estático depois do que parece uma eternidade.

Ele ainda não diz nada quando me aproximo e meço o indivíduo dos pés à cabeça. Sua idade provavelmente está mais próxima da de Anthony do que da minha, ele veste um terno caro, é alto, seus cabelos loiros estão penteados para trás e há algo em seus olhos que chama minha atenção. Uma familiaridade que eu não consigo entender.

O silêncio se estende entre nós três. E me parece que tanto quanto eu, o homem está esperando que Anthony faça as apresentações. Olho para ele que inacreditavelmente, parece se tornar mais pálido a cada segundo, dando asas a pensamentos que eu não quero ter, mas que ficam cada vez mais difíceis de evitar quando ele reage desse jeito ao fato de eu ter chegado mais cedo em casa e o encontrado com um homem que eu nunca vi na vida, mas que sua postura corporal me diz que ele conhece muito bem.

— Marcos. — Anthony finalmente encontra a própria voz e minha garganta fecha com a perspectiva de que ele diga a famigerada frase “Não é nada disso que você está pensando.” Mas suas próximas palavras, apesar de serem completamente diferentes, não fazem nada para me ajudar a voltar a respirar. — Marcos, esse é o Danillo, o pai de Isabella.

##############

Continuo olhando para as portas fechadas do elevador mesmo depois do que parecem horas desde que ele levou embora Danillo Mendes de Carvalho, a porra do pai de Isabella.

— Marcos... — A voz de Anthony atrai minha atenção para ele que parece ter perdido pelo menos vinte centímetros de altura desde a última vez que o vi. O rosto limpo está assustado e sua preocupação com o que está prestes a acontecer é óbvia pela maneira que se encolhe.

Apoio todo o peso do corpo em uma única perna e levo os dedos polegar e indicador aos lábios. O observo por minutos o suficiente para que as coisas se tornem mais claras, só que elas não se tornam. Tudo continua tão fodidamente absurdo agora quanto era há mais de quarenta minutos quando Anthony disse: “Esse é o Danillo, o pai de Isabella.”

Fecho os olhos, dobro os lábios para dentro da boca, passo a língua sobre eles, umedecendo-os e balanço a cabeça levemente para os lados. Abro os olhos e fixo-os em meu esposo, ele é a imagem do desespero. Rosto pálido, olhos atentos, respiração irregular, mãos amassando o tecido da roupa e dentes mordendo com força o lábio inferior.

— Você consegue me explicar o que está acontecendo aqui? — pergunto e um riso baixo deixa minha garganta à medida que sou atingido de novo e de novo pela realidade que não quero reconhecer. — Por quê — aponto para as portas fechadas do elevador —, eu tenho quase certeza de que não só acabei de conhecer o verdadeiro pai da Isabella como também acabei de descobrir que ele não fazia ideia de que era pai até ler uma matéria na porra de uma revista de advocacia três dias atrás! — As últimas palavras saem empurradas entredentes enquanto fecho os olhos e aperto em punho minha mão livre.

— Eu-Eu — gagueja e agora meu riso já não é baixo. Ele é alto para tentar se equiparar ao meu desgosto e à sensação de traição que está tomando cada parte do meu corpo.

— Você o quê, Anthony? — digo devagar, degustando o sabor amargo das palavras na intenção de que ele torne as coisas mais reais. — Você mentiu pra mim? De novo? — Balanço a cabeça e começo a me mover, a andar de um lado para o outro. Arrasto a mão pelo cabelo e paro de costas para meu esposo mentiroso.

Puxo uma inspiração profunda, tentando me controlar, porque se eu deixar a raiva tomar conta de mim, tenho certeza de que vou me arrepender depois, mas, caralho! Puta que pariu!

— Alienação parental, Anthony? Sério? Isso é crime, porra! Crime!

— Marcos, vo-você não entende! — se defende, mas ele deveria escolher melhor as palavras, porque a última coisa que estou disposto a tolerar agora são acusações.

Não dele. Não agora. Não quando eu mal posso lidar com o fato de que há menos de uma hora eu estava pensando sobre como achei ter visto amor em seus olhos quando tudo o que havia neles eram mentiras. Porra — rio de mim mesmo —, babaca.

Definitivamente, babaca.

— Eu não entendo... — repito, buscando o inalcançável. Sentido. Ele simplesmente não existe. — Eu não entendo? Então, por favor, me explica, Anthony? O que é que eu não entendo? — Viro-me para ele encontrando seu rosto molhado de lágrimas o que só me deixa mais puto, porque meu primeiro instinto é engolir minha frustração, decepção e mágoa para que ele não chore. Mas tudo tem um limite e descobrir outra mentira com certeza é o meu. — Que você continua me fazendo de trouxa uma vez depois da outra? Ou será que é o fato de você mentir pra mim com a cara mais lavada do mundo? Jurando que não me esconde nada só pra nos momentos mais inacreditáveis, surpresa! Eu descobrir que, sim! Você esconde! O que é que eu não entendo, Anthony? Que você não me respeita? Que de todas as pessoas do mundo, eu fui amar justamente você? A porra do homem que não cansa de me fazer de otário?

Atiro contra ele as palavras que deveriam ser ditas em um momento muito diferente desse. Agora, elas não passam de munição e eu espero que não só acertem o alvo como que façam também um bom estrago.

Qualquer cor que planejasse voltar ao rosto de Anthony vira as costas e sai correndo de volta para o lugar em que esteve se escondendo. Mais branco do que nunca, ele me encara com olhos arregalados e o tremor que assalta todo o seu corpo é visível mesmo relativamente distante como estou.

— Vo-vo... — Sua boca se abre e ele se esforça para falar, mas sua voz parece ter seguido o mesmo caminho do sangue em seu corpo e a abandonado. Fecho os olhos, apertando-os. Incapaz de continuar testemunhando seu sofrimento mesmo que exista uma parte de mim que queira causar a ele tanto desgosto quanto estou sentindo.

Quando volto a abrir os olhos, encontro os de meu esposo ansiosos para que eu o ouça, contudo, a única coisa que posso administrar nesse momento é a raiva pulsante em minha cabeça.

— O q-que você disse? — ele finalmente consegue perguntar e eu rio sem achar graça nenhuma.

— O quê? Que eu te amo? — Balanço a cabeça, concordando. — Você não sabia certo? É claro que você não sabia! — Jogo as mãos para o alto dramaticamente e balanço a cabeça, negando. O sorriso teatral em meu rosto é dolorido, mas se essa porra é um espetáculo, que seja dos bons! — Porque você só acredita em mim quando eu estou sendo o babaca que você espera tão ansiosamente que eu seja! — acuso, Anthony engole em seco e nega freneticamente.

— Você não está sendo justo! Você pode me acusar de muitas coisas! Mas não pode me acusar de não acreditar em algo que nunca me disse! — rebate, choroso.

— Nunca te disse? Porra, Anthony! O que você queria? Uma faixa? A porra de um contrato? Assim você teria ouvido, certo? Porque que eu me lembre, tudo o que eu tenho feito é amar você em cada ação, em cada dia, em cada caralho de momento em que eu olhei pra você, porra! Eu amei você quando eu ainda nem sabia o que isso significava, e aí o que você faz? Você mente! Manipula, esconde e foge! Você esconde de mim que... — Expiro com força, sem conseguir continuar a atirar todas as palavras que quero na velocidade que quero, porque não há pulmão no mundo que possa armazenar oxigênio o suficiente para isso. — Ah, caralho! Quer saber? Eu não posso ter essa conversa com você agora, Anthony, eu simplesmente não posso! — Viro as costas para sair da sala, mas o tom sussurrante de sua voz puxa os fios da marionete fodida que sou.

— Eu queria contar... — Sua entonação é mais um golpe que me acerta e esse é só mais um motivo pelo qual essa conversa precisa acabar.

Eu estou puto demais, fodidamente puto e, ainda assim, a dor dele me dói. O que é ridículo, já que o único que tem o direito a se sentir traído, frustrado e decepcionado aqui sou eu.

Infelizmente, para mim, independente dessa certeza, ver o hoemm forte que eu sei que ele é reduzido a desculpas chorosas de um menino assustado acaba comigo. É só por isso que não volto a lhe dar as costas e o deixo falando sozinho, apesar de ser justamente isso que eu deveria fazer.

Mas não sendo capaz disso, também não economizo nas palavras. Se ele quer ter essa conversa agora, então vai ter que lidar com isso.

— Ia? É claro que ia! Quando? Quando Isabella tivesse trinta anos? — debocho.

— Não! Não! — responde com desespero, sua voz se torna alta apenas por tempo o suficiente para dizer essas duas palavras, porque as próximas saem, outra vez, sussurradas. — Eu ia contar no fim de semana, eu só... Eu não consegui.

— Não conseguiu? É essa a sua justificativa? Você não conseguiu? Eu te perguntei mais de uma vez! Só na última semana eu devo ter perguntado umas trinta e em todas elas você fugiu! Mudou de assunto! Meses atrás, Anthony! Meses atrás eu perguntei se ainda tinha alguma coisa que eu precisava saber e você mentiu na minha cara! — Nego e abro os braços, precisando expulsar de mim toda a indignação que domina meu corpo, mente e alma. Olho para Anthony que parece cada vez menor, encolhendo-se. O rosto está vermelho, assim como seus olhos. Os rastros de lágrimas em seu rosto são tantos que já desenharam nele um mapa tão confuso quanto o do metrô de São Paulo. Desvio o olhar e franzo a testa, porque eu simplesmente não consigo entender como ele foi capaz de continuar mentindo para mim. — Você despejou palavras mentirosas como se elas fossem verdades e não teve qualquer pudor em me deixar acreditar nelas, Anthony! — Agora, há muito mais dor do que raiva em minhas acusações. — Como você pôde? — Mordo o lábio e ergo as sobrancelhas. Olho para o chão. As palavras ditas enquanto ele achava que eu estava dormindo tomam minha mente de assalto, transformando o que era confuso em caos. Por que ele faria isso? Por que ele mentiria se achava que eu nem mesmo estava escutando?

— Eu queria contar, eu juro que queria, mas nunca parecia ser o momento certo...

— E agora parece o momento certo, Anthony? Esse momento parece certo pra você?

Meu esposo balança a cabeça de um lado para o outro, pisca os olhos rápido, move as mãos levando-as ao rosto e chora. De um jeito muito mais doloroso do que chorou em meus braços na manhã seguinte ao aniversário de Isabella, ele chora e a sensação que tenho é a de uma mão se enfiando em meu peito e estrangulando meu coração.

Desvio os olhos e luto contra cada fibra do meu ser que quer atravessar a distância entre nós, abraçá-lo e dizer que está tudo bem, pedir que ele não chore.

— Puta que pariu! — Levo às mãos aos cabelos e os puxo, tentando entender o que está acontecendo comigo. Por que caralhos eu não consigo me concentrar em um único sentimento? Por que caralhos eu não consigo entender como eu mesmo me sinto diante de uma situação em que a reação adequada é óbvia?

Anthony começa a se mover e eu levanto os olhos para sua figura bagunçada. Adicionando ainda mais incompreensão ao estado caótico dos meus pensamentos, ele sai do modo estático e passa a andar de um lado para o outro, como se apenas falar não fosse o suficiente para que suas palavras ganhem a força de que precisam.

Ele puxa várias respirações enquanto move os braços para cima e para baixo. Engole soluços, fixa os olhos nos meus e um som baixo como um sopro deixa seus lábios.

— Você não faz ideia do que é ter medo de perder o que nunca teve, Marcos, eu — recomeça a tentar se explicar, mas eu o interrompo ainda na primeira frase.

— Não? E o que é que você acha que está acontecendo agora, Anthony? Porque amor não é o suficiente pra lidar com essa porra! Amor não sustenta decepções e frustrações uma vez atrás da outra! — Só percebo que estou gritando quando as palavras já estão voando para fora da minha boca como adagas em um jogo de tiro ao alvo.

— Eu estava sozinho! — grita de volta e é patético que isso me deixe um pouco menos agoniado por vê-lo reagir. Por querer que ela reaja, não por mim, mas por si mesmo. — Você nunca esteve sozinho! Você não faz ideia de como é!

— E não teve um dia desde que você entrou na minha vida que eu não tenha feito o meu melhor para que você nunca mais se sentisse assim! Então me desculpa se eu não acho que isso seja justificativa! — Esgotado, é como eu me sinto ao dizer essas palavras. Mas sou surpreendido por sua resposta que começa exatamente no mesmo tom gritado que ele usou antes.

— Você fez! Você fez e o que eu deveria fazer, Marcos? Abrir mão de, pela primeira vez na vida inteira, ter me sentido amparado? Eu não menti pra te fazer de idiota! Há meses, eu menti porque não era da sua conta! Você disse com todas as letras que o nosso casamento era uma fachada! Eu esperava por isso, eu estava pronto pra isso! Eu poderia lidar com isso e as minhas mentiras nunca te afetariam!

— E depois, Anthony? E quando eu te perguntei sobre isso no nosso casamento, depois de te dizer que se você tivesse me contado a verdade, nada daquilo jamais teria acontecido? E na ilha, no barco? Quando eu te disse que honestidade era fundamental? E todos os dias desde então quando eu perguntei pra você se você estava bem? Se existia alguma coisa te incomodando? — Quanto mais argumento, pior me sinto. Porque na tentativa de mostrar a ele minha visão sobre tudo, eu apenas fortaleço minhas próprias certezas e decepções.

— Eu sempre estive sozinho, Marcos. Eu não espero que você entenda. Mas seria mais fácil se entendesse. Eu sempre estive sozinho... — Passa as mãos pelo rosto de baixo para cima, arrastando lágrimas que ainda deslizavam pelas bochechas até a raiz e depois pelo comprimento dos cabelos. — Se você entendesse, entenderia que quando as coisas começam a mudar, a primeira reação natural é duvidar; a segunda negar; e a terceira, ficar apavorado... Eu não tinha ninguém e, de repente, eu tinha você. De repente, você estava jantando comigo todas as noites, beijando a minha filha, lhe trazendo presentes, lhe prometendo festas e construindo fortalezas anti-monstros. Deus, Marcos! Você estava mostrando pra ela que existe um mundo melhor, uma vida melhor que eu não podia dar e que não tem nada a ver com dinheiro.

— Anthony! Não é sobre isso!

— É sim! — grita ainda mais alto e seus olhos estão do tamanho de pratos. — É sim! E você precisa entender que é a mesma coisa! — Balança a cabeça de um lado para o outro várias vezes. — Que eu menti pra um homem que não devia ser nada além de um vínculo empregatício esdrúxulo, mas que a cada dia se transformava no porto seguro que eu nunca achei que teria. — Anthony inclina a cabeça levemente para o lado como se estivesse que suas palavras provocassem algum efeito em mim. É uma expectativa vã, porque embora suas palavras façam sentido, elas ainda não são o suficiente. — Não era pra ser da sua conta, mas, de repente, você estava dormindo na mesma cama que eu e Isabella, de repente, mesmo sem querer, você estava sendo mais do que nós nunca tivemos e eu não podia, eu simplesmente não podia querer o que nós nunca tivemos, Marcos! — O choro ameaça tomar o controle outra vez do corpo trêmulo. Anthony fecha os olhos, respira fundo, aperta as mãos em punho e passa algum tempo assim antes de voltar a falar. — Eu nunca quis ser um filho da puta, eu nunca quis te fazer de idiota! Só que as coisas foram saindo do meu controle, eu comecei a achar que o universo estava rindo de mim e eu só queria dizer que ninguém estava achando graça. Eu só queria dizer que ninguém se importava comigo e que estava tudo bem, que eu estava bem. Eu só queria dizer ao universo que não era justo que ele, de repente, me mostrasse que algumas pessoas vivem diferente, que não era justo que ele usasse pra isso justamente você, que nunca ia querer ser diferente, e fazer eu me perguntar, de novo, de novo e de novo, a cada hora, dia, momento, segundo e milésimo de segundo, se alguma coisa que você estava fazendo podia significar mais, porque eu não tinha a menor ideia se você queria mais. Eu só queria dizer ao universo que era injusto me fazer sentir inveja da minha filha, porque pra ela era fácil aceitar você sem questionar, sem temer. Mesmo que eu estivesse apavorado que daqui a dois anos se tornasse difícil, se tornasse impossível, mesmo que não tivesse uma noite que eu não perdesse pelo menos uma hora de sono me perguntando se Isabella me odiaria quando a gente se divorciasse, porque não importava o quanto você fizesse, não era seu trabalho mantê-la segura, era meu, Marcos! Era meu! E eu estava falhando e falhando, e continuo falhando, todo santo dia! E é uma merda que tem alguns dias em que tudo o que eu queria era ser um garoto normal de vinte e um anos e dói que eu não seja, dói não poder ser. Dói tanto que eu queira ser e não possa, não deva e queira, porque a minha filha não tem culpa! — Anthony balança a cabeça, reafirmando em gestos o que diz em palavras e eu poderia suportar se isso fosse tudo, mas não é. Agora sua voz é um fiapo de tremores e desespero. As lágrimas descem em cascata pelo seu rosto e mesmo que suas palavras não diminuam minha decepção, a agonia que elas transbordam é tão grande que é impossível não colocar meus próprios sentimentos de lado. Há tanta dor, tanta dor nas palavras sem pausas, pontos ou vírgulas de Anthony que eu não seria capaz de continuar lhe fazendo acusações e lhe causando mais dor mesmo que eu não sentisse por ele o que eu sinto. — Ela não tem culpa, Marcos. Ela não faz ideia do que eu sinto quando me abraça, quando sorri pra mim e quando me olha como se eu fosse seu mundo inteiro. — Seus olhos se fecham e permanecem assim enquanto suas próximas palavras passam pelos seus lábios parecendo lhe causar dor física a julgar pelas expressões doloridas que tomam conta de todo o seu rosto. — Ela não faz ideia de que às vezes, quando eu estava sozinho e muito, muito, muito cansado ou com medo, muito, muito medo, eu imaginava um mundo em que ela não existia.

Seu corpo inteiro está tremendo agora, se sacudindo em espasmos involuntários que repudiam as palavras que acabou de dizer. Anthony está em agonia e eu me pergunto há quanto tempo. Há quanto tempo ele se sente assim? Há quanto tempo ele foge? Há quanto tempo ele se esconde? Há quanto tempo ele é consumido por se sentir sozinho, completamente sozinho e culpado? Tão absurdamente culpado.

Eu não consigo piscar, o ar está preso em meus pulmões, porque minha respiração está suspensa. Observo Anthony com toda a atenção do mundo, preocupado que se eu desviar os olhos dele por um instante que seja, o homem se desfaça. Ele abaixa a cabeça e esfrega as mãos no rosto.

Quero me aproximar, quero tocá-lo. Deus! Eu nunca quis tanto, eu nunca realmente precisei tanto ter certeza de que alguém ficaria bem, não como eu preciso agora que Anthony fique.

Eu quero lhe dizer um zilhão inteiro de palavras. Quero lhe dizer que ele está enganado, mas a sua dor parece ter me congelado no lugar, eu nunca soube que alguém poderia sentir tanta dor e continuar inteiro. Eu nunca soube que poderia sentir tão profundamente uma dor que não é a minha. Eu nunca soube que poderia me sentir ser estilhaçado apenas por ver alguém sofrer.

O rosto de Anthony se ergue e eu me obrigo a manter os olhos abertos.

— Então me diz, Marcos. De onde é que eu deveria tirar coragem pra abrir mão de, pela primeira vez na vida, não me sentir assim? Eu nunca quis te fazer de idiota. Eu só... Eu só sou covarde demais.

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Comentários

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já desconfiava que ele não fosse o pai , mas pensava que fosse o seu pai . por essa eu não esperava. amém

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Caralho. Um abraço, só um abraço era tudo que Marcos precisava ter feito. Nem uma palavra era preciso. Só um abraço. Agora chega, acho que vc também está maltratando de mais a gente.

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