O Vizinho - Capítulo XIV

Da série O Vizinho
Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 7749 palavras
Data: 27/07/2024 22:49:33

CAPÍTULO XIV

*** ERIC VIANA ***

Ao olhar pelo olho mágico, não posso acreditar na cara de pau do infeliz. Oh, mentira! Eu, com certeza, posso sim, porque estou para conhecer alguém que merecesse tanto usar óleo de peroba como hidratante facial quanto Gustavo.

Nem mesmo me dou ao trabalho de responder, assim como não fiz questão de responder seus e-mails, mensagens, ou de atender seus telefonemas. Sem ter qualquer preocupação com o barulho, me afasto da porta, deixando-o sozinho do outro lado. Eu não quero fingir que não estou em casa, pelo contrário, quero que ele saiba que estou aqui e não quis atendê-lo.

Tive tempo o suficiente para pensar em tudo o que aconteceu duas noites atrás. Conversar com Lívia me ajudou, sim, a enxergar a perspectiva de Gustavo, mas enxergar e compreender são duas coisas muito diferentes. Entender foi fácil, ele estava jogando comigo, como disse que faria, e, quanto a isso, eu realmente não posso reclamar, porque ele me avisou.

Mas o que não consigo compreender é como ele é capaz de continuar agindo dessa forma depois de semanas, depois de... Depois do elevador... Minha mente teimosa sussurra, ainda que eu queira silenciá-la para sempre.

Depois do elevador, admito. O que quer que tenha acontecido lá, não foi jogo, não para mim. Por isso, perceber, ainda naquela noite, que para ele foi, atingiu-me como um tapa forte. Eu não estava preparado, eu estava me entregando, e agora sei que isso era tolice.

Respiro fundo, abrindo a porta da geladeira.

Ainda não decidi se quero manter essa aposta, porque, convenhamos, ela está perdida para mim. Não me apaixonarei por Gustavo. Estou construindo muros de vibranium ao redor do meu próprio coração depois de seus últimos deslizes, mas tampouco serei capaz de fazer que ele se apaixone por mim.

Não se depois dos esforços que colocaram minha própria sanidade em risco, ele ainda é capaz de ver tudo isso como um jogo, como uma aposta. Então qual seria o sentido de continuar? O sexo gostoso... Sim, o sexo é incrível, não há razões para não reconhecer... O melhor... Mas não sei se é o suficiente. Sendo honesto, gosto da companhia de Gustavo, ele seria um bom amigo, um amigo com benefícios sensacional, mas ter que ouvi-lo foder com outros quando eu não estivesse em sua cama, ou ele na minha, seria estranho, mesmo para mim.

— Eu sei que você tá aí, Eric... -Sua voz ecoa pela porta, e continuo não fazendo questão de responder.

— Eu posso te ouvir... -Balanço a cabeça e movimento a boca, sem emitir som algum, imitando sua postura sabichona. Jura que você sabe, Gustavo? Tá de parabéns! Quer uma estrela?

— Amor, vamos conversar... -Estreito meus olhos... Amor... Amor de cu é rola! Cretino! Bufo.

— Relacionamentos são resolvidos na base do diálogo! - É mesmo, Gustavo? E como é que você sabe disso? Baseado no seu imenso histórico de relacionamentos? Oh, espera... Ele está vazio! Debocho em meus próprios pensamentos.

— Eu sei o que você tá pensando, mas eu pesquisei! A doutora Gisa diz que comunicação é fundamental pra que qualquer relacionamento dê certo. -Diz, como se tivesse invadido meus pensamentos também, porque não basta que tenha invadido minhas tardes quando ainda era apenas um corredor anônimo, ou meus sonhos, noites depois, ou meu apartamento, com suas fodas sensacionais, ou minha vida, com seu empreendimento maldito, nem, por último, meu dia a dia, com essa aposta fajuta, condenado pela sua cara de pau desde o início. E quem diabos é doutora Gisa?

— A doutura Gisa é uma terapeuta de casal conceituadíssima! Ela tem um canal no youtube. -Essa é a frase que quebra toda a minha postura irritadiça e me faz gargalhar, ainda que tenha, mais uma vez, soado como uma invasão aos meus pensamentos mais privados. Mas qual é? Gustavo Fortuna estava pesquisando terapeutas de casais no youtube?

Rio, descontrolado, e fecho a porta da geladeira sem ter tirado nada lá de dentro. Curvo-me sobre o balcão precisando de apoio enquanto meu corpo se contorce em diversão... Lágrimas saem pelos meus olhos e é só quando acho que não vou aguentar mais, que realmente consigo parar de rir.

— Viu só? Eu te faço rir, me deixa entrar, lindo... Vamos conversar... -E, de novo, o maldito tom doce que não convence nem meu mindinho. Expiro com força, expulsando todo o ar que tenho em meus pulmões.

— Eu trouxe cheesecake... -arrisca, e eu reviro os olhos, sigo ignorando-o.

— Não adianta né? Você ainda tem a que eu te dei no dia dos namorados, acertei? -Em cheio. Inclusive, volto à geladeira e tiro de lá a travessa.

Corto uma fatia generosa e me sirvo dela. Gustavo continua com sua ladainha enquanto eu me sento no sofá e pego o controle da televisão, pronto para ligá-la no volume máximo e não mais ser obrigado a ouvi-lo, mas ele grita, me assustando.

— Porra! Ai! Eric! Me ajuda! -Estreito os olhos, desconfiado, porque isso soou muito falso. Jura, Gustavo? Você vai tentar me convencer de que se machucou?

— Ai, ai, ai, ai!!! -solta a sequência de interjeições e elas soam doloridas. Ouço, atentamente, suas batidas insistentes em minha porta. Elas não são fortes, apenas, frequentes.

— Eric, pelo amor de Deus! Eu acho que minha coluna travou, por favor, por favor!! Porra, Eric... me ajuda! -Não é o tom dolorido que me convence, mas o raivoso das palavras finais, porque é o tipo de reação que imagino que Gustavo teria, se abandonado em um momento de necessidade.

Resignado a ter que olhar para sua cara, já que não sou cruel o suficiente para deixá-lo se virar sozinho com a dor, levanto do sofá e caminho até a porta. Espio pelo olho mágico antes de abri-la e Gustavo está curvado, realmente parecendo sentir dor. Suspiro e giro a maçaneta.

Tudo acontece muito rápido. Ele já está de pé, seus braços me envolvem e em passos absurdamente rápidos estamos dentro do meu apartamento, e eu imprensado contra a porta.

— Ah, seu cretino! -cuspo as palavras, e soco seu peito forte, mas ele sorri e me aperta ainda mais contra o próprio corpo. Isso não me para, continuo socando-o com força, uma com a qual ele parece não se importar. Ele cola a testa na minha e fecha os olhos, a sensação que a visão me causa não é bem-vinda. Como se não fosse suficiente o fato de que todo o meu corpo parece ter acordado simplesmente por sentir seu toque em minha pele. Traidor!

— Porra, Eric! Eu senti sua falta! Dois dias sem teu cheiro... Sem tua pele... -Abre os olhos e um sorriso cafajeste toma conta do canto de seus lábios quando ele diz: ͞ Homem mau!

— VAI EMBORA! -Grunho e ele lambe meus lábios rápido, como se soubesse que se tivesse demorado mais dois segundos, eu teria mordido sua língua. Na verdade, seu olhar de desafio me diz que sim, ele sabe.

— Não... A gente precisa conversar...

— Eu não quero conversar com você!

— Relacionamentos são feitos de coisas que nem sempre gostamos... Mas se queremos o que gostamos, precisamos ligar também com aquilo que não nos agrada...

Eu o encaro, incrédulo. Pisco meus olhos, atordoado, e lambo os lábios. Seus olhos acompanham o movimento, e não perdem quando mordo meu lábio inferior, sua boca toca a minha, parecendo riscar um fósforo em minha pele, arrastando-o centímetro por centímetro sobre a minha espinha. Maldito corpo traidor da porra!

Seus dentes roubam meu lábio dos meus, depois, seus lábios o chupam. Luto contra o impulso de fechar os olhos, e tento, com todas as minhas forças, manter a postura de combate, mas sei que estou falhando miseravelmente. Sem opções, apelo para algo que sei que vai pará-lo.

— Você quebrou minha confiança... -Imediatamente, seu rosto assume um ar sério e sua boca deixa a minha.

— Não quebrei não... -Inclino a cabeça, questionando-o sem dizer nenhuma palavra: ͞ Eu posso não ter dito o que fiz, Eric... Mas eu nunca te prometi que não faria... Eu sabia que você tinha expectativas e escolhi não as frustrar...

— Porque seria inconveniente pra você...

— Porque te magoaria, Eric... Você... Porra, Eric... Você endeusa a porra desse prédio!

— E por que me magoar te importa, Gustavo?

Ele franze o cenho e, agora, é em seu olhar que vejo a mágoa.

— Você realmente precisa me fazer essa pergunta? -desvio os olhos.

— Não sei... -digo, ainda não olhando para ele. Dois de seus dedos se apoiam sob meu queixo, obrigando meu olhar a voltar a encontrar o seu.

— Então deixa eu tirar suas dúvidas! -soa sarcástico: ͞ Eu me importo, Eric! Me importo pra caralho! Muito mais do que seria conveniente que eu me importasse, se você quer saber! Então, se quer me acusar, tudo bem, eu aceito, nós conversamos! Mas não seja a porra de um covarde dizendo coisas em que você não acredita só pra me acusar e afastar.

Ele solta meu corpo, afasta-se alguns passos para trás, vira-se de costas e deixa que seus olhos vagueiem na direção da janela. Apoia uma mão na cintura, passa a outra no cabelo, só então, volta a olhar para mim.

— Me desculpa... -Pede, dessa vez, não há a doçura fingida em seu tom. Há algo sério, e que realmente me faz querer escutar o que ele tem a dizer: ͞ Eu nunca tive a intenção de te magoar, ou de te enganar deliberadamente. No começo, foi pelo jogo, quanto menos você soubesse do que eu estava fazendo, melhor... Mas, depois... Depois, eu percebi que você reagiria exatamente como reagiu, e não sabia como lidar com essa perspectiva, então, simplesmente, me calei. E não, Eric... Eu não teria te contado se você não tivesse descoberto sozinho.

Responde à pergunta antes mesmo que eu a faça, e embora saber que ele sente muito e que se importa, faça com que eu me sinta menos idiota por cultivar os mesmíssimos sentimentos, não desfaz o fato de que ele me enganou, ainda que a sensação de traição não aperte mais meu estômago.

— Isso é tudo? -questiono, ele fecha os olhos e expira pesadamente.

— Não, Eric... Mas eu gostaria de conversar sobre o resto depois que já tivéssemos resolvido isso...

— Eu sinto muito, Gustavo... Mas não é tão simples assim! O quê? A doutura Gisa não te contou que problemas não são resolvidos da noite pro dia? -ironizo e ele estreita os olhos para mim.

— Ela é uma profissional competente e...

— Muito conceituada... -Digo, junto ele, as palavras que eu tinha certeza de que ele repetiria.

— Pode debochar à vontade, mas aquela mulher sabe do que tá falando! -declara com um orgulho descabido.

— Unhum... E o que ela tem a dizer sobre o tempo de duração de uma briga?

— Que depende da disposição do outro pra perdoar...

Ótimo. Nisso ela está certa. Ergo as sobrancelhas, dizendo que ele pode tirar as próprias conclusões a partir daí. Ele leva uma das mãos aos olhos, massageando-os.

— E você não tá muito disposto, é isso?

— Não mesmo! -digo com simplicidade, desencostando-me da porta e pronto para abri-la e mostrar o caminho para Gustavo. Mas o que ele faz? Começa a tirar o paletó enquanto caminha até a minha cozinha. Para ao lado do balcão, deixa a peça de roupa sobre ele e, depois, abre a minha geladeira.

Algo lá dentro cola um sorriso em seu rosto, provavelmente, a cheesecake que já teve mais de sua metade consumida, e ele pega uma garrafa d’água, fazendo-me resmungar, porque sei exatamente o que ele está prestes a fazer.

Mas, surpreendendo-me, Gustavo apoia a garrafa no balcão, abaixa-se e pega um copo no armário embaixo da pia. Depois, serve a água nele, e bebe. Afino os olhos, desconfiado. Quer dizer, desde quando ele sabe que copos servem para beber água? Não satisfeito, guarda a garrafa e lava o copo. Gustavo lava o copo, antes de sair da cozinha, caminhar até meu sofá, e jogar-se nele.

Observo seu passeio pelo meu apartamento, incrédulo. E é só quando o vejo prestes a comer a cheesecake que abandonei sobre o estofado para socorrer sua falsa crise de coluna, que finalmente desperto. Corro até ele, tiro o prato de sua mão e o coloco sobre a mesinha de centro. Paro a sua frente, encaro o homem imenso, sentado em meu sofá. Lindo, como sempre, lindo.

— O que você ainda quer, Gustavo? -questiono, inconformado. Ele me olha como se eu estivesse louco e inclina a cabeça.

— Conversar, ué...

— Nós já conversamos...

— Por cinco minutos? É claro que não! E eu já disse, tenho outro assunto pra falar com você... Senta aqui... -Bate no assento ao seu lado e eu jogo a cabeça para trás, fingindo estar em sofrimento.

Vou até a outra ponta do sofá e me sento, deixando três lugares entre nós.

— Sério, Eric?

— Sou todo ouvidos...

Apoio o queixo entre meus dedos polegar e indicador, puxo uma almofada, coloco-a sobre o colo, e cruzo as pernas em cima do sofá. Gustavo arrasta-se pelo sofá até que meus joelhos toquem a lateral do seu corpo e vira-se de lado para mim.

— E se o meu assunto for que eu to morrendo de saudades de você? -pergunta, perto demais, e eu estalo a língua escondendo o que sua proximidade provoca em mim, mas é em vão, porque, a essa altura, ele já está cansado de saber.

Seu rosto se aproxima do meu, chegando perto, muito perto. A ponta do seu nariz passeia pela minha pele, arrepiando-me inteira.

— Já faz dois dias, amor... Dois dias inteiros... Eu entendi... Fiz merda... Mas você já pode parar de me punir por isso...

— Eu não to punindo você... -As palavras saem entrecortadas, completamente controladas pela minha respiração falha.

— Então deixa eu te tocar? Eu to com tanta saudade da tua pele, da tua boca, do teu gosto, do teu cheiro, Eric...

— Gustavo... -tento repreendê-lo, mas o que sai é um choramingo.

— Você também tá com saudade, amor... Eu sei que tá... Deixa eu te tocar? Diz que sim?

MALDITO. CORPO. TRAIDOR.

— Você ainda vai ficar bravo por muito tempo, lindo? - Sussurra em minha orelha, antes de levar os dedos médio e indicador ao meu queixo, e virar meu rosto com delicadeza, dando à sua boca a chance de encontrar a minha.

Tento resistir, mas não quero, não de verdade. Ele me beija. Seus lábios tocam os meus com cuidado, reverência, quase como se cada centímetro de pele fosse um pedido de permissão diferente, é gostoso, mas Deus, já faz dois dias, e, para um viciado, à primeira dose depois de dois dias de abstinência, não é suave ou em pouca medida, é excessiva. E acho que já está mais do que claro de que sou, oficialmente, um viciado em Gustavo Fortuna.

Enfio a língua em sua boca, varrendo-a inteira. Seu gosto me invade, acelerando o ritmo do meu coração e do sangue que corre em minhas veias. Deus, eu senti saudades dessa boca. Seus braços envolvem meu corpo, puxando-o, e quando dou por mim, estamos deitados no sofá, enrolados em uma confusão de membros. Mãos que se apalpam e apertam simultaneamente, pernas encaixadas, bocas se devorando, e gemidos em diferentes escalas soando.

— Porra, amor! Não faz mais isso não... Eu vou enlouquecer se tiver que ficar mais de um dia sem te ver, sem te beijar, sem sentir teu cheiro, teu gosto... -diz com a boca colada à minha, ofegante, e apesar da doçura que sempre me inspira desconfiança estar em sua voz, seus olhos parecem tão honestos, que me sinto tentado a acreditar.

— E eu vou enlouquecer se você continuar fazendo esse tipo de merda...-rebato com o mesmo tom arrastado e sincero, antes de morder seus lábios só para lambê-los depois...

— A doutora Gisa...

— Porra, Gustavo! Será que você pode esquecer a tal da Gisa agora?

Seu riso soa enrouquecido, antes de ele descer a boca sobre a minha, completamente sério. Seus lábios, língua e dentes me devoram, e eu aproveito cada segundo. Seu toque é quente e me esquenta inteiro. É gostoso de um jeito natural, de um jeito que não deveria ser, de um jeito que não facilita nada que eu queira me reabilitar desse vício.

Gustavo não é um homem genérico. Transar com ele não é uma foda casual, é um acontecimento. Em instantes, minha roupa já não está mais no meu corpo e Gustavo toca minha pele nua. Mãos grandes e firmes me acariciam com reverência e força ao mesmo tempo.

A sensação faz o prazer brotar no fundo da minha barriga e escorrer entre as minhas pernas, ele nos vira, deixando-me deitado sobre o sofá, uma de suas mãos vai para as minhas, perdendo-as sobre a minha cabeça enquanto sua boca desce, escorrega pelo meu queixo, garganta, pescoço, clavículas, ombros. Tudo em mim está aceso Tudo em mim pronto.

Tudo em mim está quente.

Seus olhos procuram pelos meus, encontrando-os bêbados de tesão, de desejo. Seu nariz provoca e cheira minha pele e a expressão de apreciação em seu rosto me enlouquece tanto quanto o toque.

— Você é tão gostoso, amor... Tão gostoso... -A voz, doce, tão diferente daquela que tantas vezes ouvi através da parede do meu quarto, diferente daquela que só me entregava grunhidos e gemidos que não eram meus, agora, soa aveludada, rouca, desejosa, mas tão carinhosa.

Um carinho que eu não desejava, mas que recebo como se fosse tudo aquilo pelo que venho esperando há muito tempo a cada vez que ele me dá. É mais do vício. Mais daquilo que eu não quero, mas consumo desmoderadamente.

Sua boca não para. Lambe, chupa e mordisca minha pele, alcança meus mamilos sensíveis e faz miséria deles.

— Eu quero você, Gustavo... Eu quero você.... -Choramingo quase em desespero, abrindo os olhos que se fecharam sem meu comando e encarando-o, enquanto ele mama um dos meu mamilos.

Seus dedos abandonam meu pau e ele desliza a cueca pelas minhas pernas, deixando-me completamente nu. Sabendo da minha necessidade, ou, sentindo a mesma que eu, levanta-se e começa a se despir, eu acompanho com os olhos, e é quase como um dejavu. Tenho a impressão de que já vivi esse momento. Eu, nu, jogado sobre meu próprio sofá, enquanto Gustavo se despe para me foder.

E já vivi mesmo, constato. Em meus sonhos, em algum dos muitos que tive ao longo dos meses, vivi exatamente esse momento. Quer dizer, não exatamente, porque não importava o quão bom fosse, ou quão delicioso Gustavo me fodesse, não era ele, não de verdade, e aqui é.

Sua camisa é a primeira peça de roupa a deixar seu corpo, o peitoral definido e bronzeado me deixa com a boca cheia d’água e eu abandono a inércia em que me encontro. Sento-me no sofá e estico as mãos, espalmando seu abdômen. A sensação da pele é quente sob o toque, deliciosa. Deslizo a ponta do nariz pelo caminho de pelos que desce e entra por dentro da sua calça, depois, refaço o caminho, de baixo para cima, com a língua, lambuzando-o com minha saliva.

Suas mãos terminam de desfazer o cinto, desabotoo os botões e desço o zíper à medida que Gustavo sai dos próprios sapatos. É um jogo de um para mim e dois para você. De repente, o ato de despi-lo tornou-se menos urgente e mais íntimo. Nossos olhos nunca se deixam enquanto peça por peça é jogada no chão, e quando está completamente nu, Gustavo tira uma camisinha da carteira, e sentase ao meu lado no sofá.

Ele me puxa para seu colo, sento-me encaixando-o entre minha bunda, suas mãos deslizam por toda a minha espinha até que uma esteja alojada na base de minha coluna e a outra em minha nuca, com apertos firmes, ele leva minha boca até a sua, e me beija. Rebolo em seu colo, esfregando seu pau duro, gostoso, em meu cuzinho, meus mamilos eriçados em seu tórax, arrancando gemidos de nós dois.

É lento.

É diferente.

É incrível.

É delicioso.

É perfeito.

As palavras sumiram. Correram, foram embora, nos abandonaram. Os únicos sons que ecoam ao nosso redor são respirações descompassadas e gemidos, grunhidos e rosnados. A vontade de senti-lo, completamente, inteiro, sem nada entre nós, me atinge como uma onda gigante e eu não me dou chances de pensar sobre isso.

Me levanto e, rebolando, encaixo-o em meu cu, desço devagar. O prazer se empurra para dentro de mim junto com seu pau, agarrando-me inteiro, me dominando por completo, preciso lutar para não fechar os olhos.

— Isso amor, olha pra mim... -É um pedido, uma ordem, é uma súplica, e eu não quero fazer nada se não atender, obedecer e conceder.

Ele me preenche com uma lentidão sofrida e deliciosa. Devagar, vou engolindo-o inteiro. Tomo sua boca, desesperado por sentir seu gosto na minha. As mãos de Gustavo escorregam no suor que se forma em minha pele, eu subo de novo, e desço, outra vez, lentamente, aproveitando cada centímetro. Ele geme baixinho, perdido no prazer, tanto quanto eu.

Tão gostoso...

Rebolo, uma, duas, dez vezes, até que eu já não seja capaz de lembrar nem mesmo meu nome, até que nada além de Gustavo dentro de mim seja importante, até que sejamos dois corpos suados deslizando um pelo outro, até que o prazer exploda de dentro para fora, me fazendo gritar feito um louco, convulsionar sobre suas pernas, e ele assuma o controle, estocando curto, rápido, e goze também.

Respiramos ofegantes com testas e bocas coladas por algum tempo. Os peitos subindo e descendo, as gotas de suor escorrendo, os fios de cabelo, grudados pelas testas, pescoços e costas, denunciam que, apesar de lento, cada segundo foi vivido em máxima intensidade.

E, como um relógio, minha gargalhada quebra o clima silencioso estabelecido entre nós, mas, logo depois, é seguida pela voz de Gustavo.

— A doutora Gisa tinha razão....

— Sobre o quê, Gustavo? -questiono tendo certeza de que ele vai me dar uma resposta besta.

— A melhor parte de brigar, é, definitivamente, fazer as pazes!

Gargalho mais alto. Ele aperta o abraço ao meu redor e derrubame sobre seu corpo no sofá...

— Cachorro!

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***** GUSTAVO FORTUNA ****

— Você tem certeza de que quer fazer isso, Gustavo? Quer dizer... É a sua família... - Eric questiona enquanto termina de arrumar sua bolsa para o fim de semana, e a prova incontestável da imensa quantidade de tempo que temos passado juntos se manifesta, eu reviro os olhos.

— Sim, eu quero, e se não quisesse, também não importaria... As meninas querem... E eu jamais negaria um desejo de aniversário às minhas sobrinhas...

O sorriso que toma seu rosto é uma carícia no coração do tio babão que sou.

— Elas são umas fofas. Mas são crianças, ficariam desapontadas na hora, mas, assim que entrassem no pula-pula, esqueceriam minha ausência!

— Que pula-pula? -Franzo o cenho.

— O da festa! Toda festa de criança tem um... -Não consigo evitar a gargalhada, porque tenho certeza de que não haverá um lá.

— Você é um fofo, amor... -Digo, me levantando da cama e os olhos de Eric deslizam por todo o meu corpo, apreciativos: ͞ E é melhor não me olhar assim quando minha mãe estiver por perto... Ela pode te achar assanhado...

— Gustavo! -Me repreende e me bate com a blusa que tem na mão. O estalo dói, porque o tecido é pesado.

— Ai, amor! E se você me marcar, ela também não vai gostar de você... Eu sou o bebê dela, poxa... - Eric me olha com uma expressão incrédula no rosto e balança a cabeça lentamente, de um lado para o outro.

— Você tem certeza que quer fazer isso? Quer dizer, você nunca levou um namorado pra casa... Quer realmente que o primeiro seja eu? Um namorado de...

— De o quê, Eric? -questiono sério, sabendo exatamente o que ele pretendia dizer, e, subitamente, incomodado com isso. Seus dentes afundam em seu lábio inferior enquanto espero por sua resposta. Ele suspira, resignado, mas não engole as palavras que havia planejado.

— De mentira... Gustavo... Um namorado de mentira... -Nego com a cabeça, ainda mais incomodado com a afirmativa do que com a suspeita de que ele pudesse dizer algo assim. Acabo com a distância entre nós com apenas dois passos.

— E quem foi que te disse que você é um namorado de mentira, Eric? Porque eu acho que as últimas semanas podem ter algo muito diferente a dizer sobre isso...

— Você sabe exatamente o que eu quero dizer, Gustavo...

— Não, eu não sei... Você quer me explicar?

Ele bufa. Bufa. O homem bufa.

— Deixa pra lá...

— Deixa o quê pra lá?

— Essa conversa sobre namoro, Gustavo... Deixa pra lá...

— E se eu não quiser?

— Vou lamentar por você, porque eu não vou mais conversar sobre isso!

Puxo o ar com força, depois, expulso-o com a mesma intensidade. Balanço a cabeça, negando, sem entender a ele, com essa insistência, e a mim, por ter me sentido incomodado com algo que é notícia velha. Quer dizer, eu sei o que Eric pensa sobre nosso namoro desde o dia em que o inventei e praticamente o coagi a assumi-lo. Então, por que, agora, tanto tempo depois, eu to tão incomodado?

Porque faz tempo que ele se tornou de verdade, imbecil! Olho de soslaio para a minha própria consciência, não entendendo sua agressividade gratuita. Quer dizer, não discordo, então para que palavras tão agressivas? Eu nunca me esforcei tanto na vida por um cara. Verdade seja dita, nunca precisei e, os que quiseram me fazer suar, foram deixados para trás num piscar de olhos.

Mas Eric, não. Ele nunca me quis e, como um filme clássico da sessão da tarde, isso fez com que eu não apenas suasse a camisa, mas o corpo inteiro para tê-lo em minha cama. E, agora, eu tenho, então por que inferno a forma como ele rotula isso importa?

Não sei... Não faço a menor ideia... Balançando a cabeça em negativa, repreendendo a mim mesmo. Saio do quarto e vou para cozinha atrás daquilo que é fácil de entender. Programo a cafeteira de Eric e faço uma nota mental para trazer meu café para cá, o dele não é ruim, mas o meu é melhor...

Alguns minutos depois, ele chega à cozinha e, como se fosse uma dança ensaiada, começamos a preparar a mesa. Eu disponho os lugares, ele os pratos. Coloco as xícaras e copos, e ele os pães, geleias e torradas. Quando a cafeteira apita, sirvo meu café e a água quente para o chá dele. E, quando ele se senta, franzo o cenho.

— Que foi?

— Eu não gosto que você diga que o nosso namoro é de mentira... -simplesmente digo e suas sobrancelhas se erguem. Ele dobra os lábios para dentro da boca e passa alguns segundos pensativo, em silêncio. Dou a volta no balcão e sento-me ao seu lado, de frente para ele.

— Por quê? -finalmente responde.

— Porque não é... Talvez no começo tenha sido... Mas eu não acho que namorados de mentira sirvam uma mesa de café como uma dança ensaiada...

— Uma dança ensaiada? -questiona com um sorrisinho de canto e eu dispenso seu deboche com um aceno.

— Você entendeu...

— Isso não tem nada a ver com o namoro, Gustavo... -suspira: ͞ Eu acho que, em algum ponto do caminho, nos tornamos amigos... E amigos, sim, colocam a mesa como uma dança ensaiada...

— Amigos... -Testo a palavra... Não gosto. — E se eu não quiser ser seu amigo? - Eric ri.

— Eu vou lamentar por você, porque, aparentemente, é tarde demais pra isso... Dança ensaiada, e coisa e tal... -diz, vira-se para frente, retira o saquinho de chá, já molhado de sua xícara, e o deixa sobre o pires.

— Eu não me esforçaria tanto por um amigo... -Comento seco, também passando a prestar atenção em meu café.

— E quando foi que você se esforçou, Gustavo?

Olho para ele, ultrajado.

— Eu fingi uma crise de coluna por você, Eric! Uma maldita crise de coluna aos trinta e três anos! E eu assisti vídeos de uma terapeuta de casal por você! Foram horas de vídeo! Horas! Sabe quanto dinheiro eu deixei de ganhar ao fazer isso?

Aparentemente, esta manhã, acordei piadista, porque a gargalhada de Eric é alta o suficiente para tomar conta do apartamento inteiro, e eu desisto dessa conversa, pelo menos, por enquanto. Decido falar sobre o outro elefante branco na sala.

– Nós não usamos camisinha...

– Muito perceptivo, amor... -Debocha, e tenho vontade de reviraros olhos: ͞ Fica tranquilo, lindo... Sem doenças por aqui! Eu faço exames sempre... -Não gosto do que fica implícito em sua declaração.

– Então você costuma fazer sexo sem camisinha? -pergunto,soando amargo, não porque eu esteja preocupado com possíveis problemas de saúde, Eric é responsável demais, tenho certeza disso, mas porque gostei de pensar que o que fizemos foi diferente, pelo menos para mim, foi.

Sexo sem camisinha não é um luxo que eu me dê. Não era, não até ele.

– Claro que não, Gustavo! -responde indignado, mas a minha vontade é de sorrir: ͞ Eu faço exames porque ser gay pode ser uma merda...! -Torce os lábios em desgosto.

– Então por que nós transamos sem camisinha, Eric? Querdizer, ela tava ali, bem do lado...

– Isso te incomodou? -Questiona com o cenho franzido e eu me levanto. Prendo seu rosto entre as palmas da minha mão e colo a testa na sua.

– Só se eu fosse louco... -Sussurro em sua boca: ͞ Sentir você inteiro, gostoso, amor, apertado pra mim foi a melhor sensação do mundo...

– Gustavo... -Choraminga, e sei que minhas palavras o estão excitando.

– Eu estou limpo, e por razões óbvias, abrir mão da camisinha nunca foi uma opção antes, mas se você se sentir seguro, eu quero continuar onde estamos... O que você acha? -Acaricio suas bochechas e não desvio os olhos dos dele nem por um instante.

– A gente pode começar agora? -pergunta manhoso e eu gargalho.

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— Tem certeza que é essa entrada, Gustavo? A saída pro centro da cidade fica mais pra frente... -Eric pergunta, fazendo-me gargalhar.

— Você sabe que eu fui criado aqui, certo?

— Sei, ué, mas vai que foi um ato falho...

— Não foi... -Rio baixinho, já imaginando a reação de Eric...

O carro avança pela estrada íngreme, deixando vegetação e imensos portões de outras propriedades para trás.

— Eu adoro ver vídeos imobiliários de mansões... -Comenta com os olhos fixos em cada um dos portões pelos quais passamos e, muitas vezes, erguendo o pescoço, tentando espiar um pouco mais por trás deles.

— Quê? -pergunto, franzindo o cenho e ele gargalha.

— Exatamente!! Exatamente! Eu tinha certeza que gente rica não vasculha o youtube atrás de casas pra comprar! -Sua risada soa alta pelo carro e eu balanço a cabeça em negação, desistindo de tentar entender. Quando se cansa de rir, finalmente me explica.

— São vídeos de corretores apresentando casas de luxo, mansões. Eles se autointitulam corretores de alto padrão. Mas isso nunca fez muito sentido pra mim, quer dizer, se eu tivesse dezesseis milhões pra pagar em uma casa, eu não procuraria por ela no youtube! E você não fazer ideia de que esse tipo de coisa existe, só confirma minhas suspeitas de que, não, gente rica não procura mesmo casas no youtube.

Balanço a cabeça, finalmente entendendo, e, concordando.

— E como é que isso se tornou seu passatempo preferido?

— Ah, um dia eu tava zapeando pelo youtube, procurando alguma besteira pra ver, um vídeo desses apareceu, e eu nunca mais parei... É bom e ruim ao mesmo tempo, sabe?

— Explica pra mim, lindo...

— É bom porque eu posso sonhar com lugares absurdamente lindos... Mas é ruim, porque me lembra que eu não sou pobre, Gustavo... Eu sou ridiculamente pobre. Tem gente nesse mundo que é tão rica, mas tão rica... Que faz minha conta bancária parecer uma bolsinha de moedas.

Sem conseguir me conter, gargalho e Eric vira-se para mim com o cenho franzido. Ele leva alguns segundos para entender o que me causou tanta diversão.

— A sua conta bancária faz a minha parecer sua bolsinha de moedas, não faz? -pergunta, desgostoso, fazendo-me gargalhar mais.

— Eu não tenho uma bolsinha de moedas, amor... Mas, se eu tivesse... Sim... Provavelmente, ela se pareceria com a sua conta bancária... Mas não se preocupe, eu quero você pelo seu corpo gostoso... -Pisco.

— Vai à merda Gustavo!

Finalmente nos aproximamos dos portões da residência Fortuna e Eric emite um som de descrença. Seus olhos tornam-se ainda mais atentos, como se tivesse medo de perder qualquer detalhe.

— Amanhã eu te mostro cada cantinho, prometo! -A única resposta que recebo é um aceno de cabeça, aparentemente, sua mente está ocupada demais com a casa da minha infância.

Tudo bem, talvez casa seja um eufemismo. A propriedade da minha família tem doze suítes e uma residência para funcionários, isso deve dizer algo sobre seu tamanho. Eu, sinceramente, não sei como minha mãe é capaz de morar aqui sozinha, mas ela é apaixonada por esse lugar e, não importa o quando Rodrigo e eu já tenhamos insistido, se recusa a deixá-lo.

Cruzamos o vasto gramado até a porta de entrada na imensa fachada pintada em um elegante tom de bege. O estilo colonial está por todos os lugares. Nos telhados, nas molduras de portas e janelas, e no formato da construção. Estaciono o carro na porta, sabendo que, em breve, alguém virá tirá-lo daqui, e dou a volta.

Ao chegar do outro lado, encontro Eric com a porta aberta e as pernas penduradas para fora do carro alto, mas ainda observando a imensidão da construção a sua frente com um olhar que não pode ser definido como nada além de embasbacado, e me faz sorrir.

— É tão bonito... Parece um palácio... -Diz em voz alta, mas não parece estar falando comigo, então não respondo. Pego sua mão e ele parece ser despertado de seu estado de apreciação. Desce do carro, ainda com a cabeça inclinada para cima, recusando-se a parar de olhar.

— Era um palácio, na verdade... Um presente do imperador ao aniversário de oito anos de uma de suas filhas... -Conto a história ancestral da casa, uma que ele ouvirá a exaustão até amanhã à noite, porque minha mãe adora contá-la a toda e qualquer pessoa que visite a casa.

— Isso faz todo sentido do mundo... -diz baixinho, enquanto subimos as escadas: ͞ Gustavo, espera! Nós não pegamos as bolsas!

— Alguém vai levar pro meu quarto...

Eric para de andar. Olho para ele com o cenho franzido e seus olhos estão enormes e piscando freneticamente, quase como em um tique nervoso.

— Seu quarto? Nós vamos dormir no mesmo quarto? -faz a pergunta mais óbvia desde “qual é a cor do céu”, e sem que eu queria, ou possa controlar, minha expressão deixa claro o que penso a respeito da questão. Ele expira, balança a cabeça em concordância e volta a andar. Tento pegar sua mão, mas ele não deixa e é a minha vez de parar nossos passos.

— O que está acontecendo, Eric? -Cruzo os braços na frente no peito, esperando por sua reposta e é breve, mas por um segundo vejo a dúvida cruzar seu olhar. Ele esconde rápido, rápido demais, quando eu nem mesmo queria que ele tivesse escondido.

A sensação me é estranha, desconhecida, no entanto, eu realmente gostaria que ele confiasse em mim o suficiente para me falar de todas as suas dúvidas e medos. Por quê? Deixo a questão de lado, por enquanto, e me aproximo dele, que ainda não me respondeu nada, e, agora, morde o lábio inferior, entregando sua ansiedade, apesar de se manter em silêncio.

Parados bem no hall de entrada da casa, nos encaramos por vários segundos antes de ele desviar o olhar. Aproximo-me dele, ergo seu queixo devagar, apoiando-o sobre meus dedos indicador e médio, e quando seus olhos encontram os meus, ergo as sobrancelhas, encorajando-o a dizer o que quer que o esteja incomodando, mas não funciona, porque ele continua calado.

— O que há de errado, amor? -Sussurro sobre seus lábios, seus olhos se fecham brevemente. Ao se abrirem, há neles uma determinação que não estava lá antes e que me faz sorrir. Eric nunca foge da briga, mesmo quando não há necessidade de brigar: ͞ Sabe o que mais a doutora Gisa diz sobre relacionamentos, amor?

Isso arranca um sorriso dele

— Que o primeiro pilar é a comunicação, o segundo, a sinceridade. Vamos lá, lindo... O que é que tá te incomodando? Conta pra mim...

Vira o rosto, acariciando sua bochecha com a minha. E, depois, cola nossas testas, deixando nossos olhos tão próximos, que mesmo que quisesse, seria incapaz de esconder algo de mim.

— Eu não acho certo fazermos algo assim por uma aposta, Gustavo... É a sua família... É um momento importante... Eu... suspira: ͞ Eu...

— Você...

— Eu não quero roubar isso de você... -Mentiroso. Cada palavra que disse, foi verdadeira, menos essas últimas. Qualquer que seja o motivo para ele não querer fazer isso pela aposta, não é esse. E eu realmente não me importo, porque, até segundos atrás, eu nem mesmo me lembrava que a maldita aposta existia.

— É só isso? -acaricio sua bochecha com o polegar e ela faz um aceno com a cabeça, concordando.

— Então tá tudo resolvido, isso nunca foi pela aposta... Sempre foi pelas duas garotinhas que querem o tio com nome de príncipe aniversário delas...

— Gustavo...

— Você disse que era só isso... -Lembro.

— E você é um homem cuja cara de pau não tem limites. Eu não to falando sobre estar aqui, to falando sobre ser apresentado como seu namorado, sobre dormirmos no mesmo quarto, sobre a sua mãe ser levada a pensar que eu sou a primeira pessoa que você traz pra casa...

— O que tem tudo isso?

— Você tá tentando me irritar de propósito, Gustavo?

— Talvez... -mordo seu queixo, e ele afasta o rosto do meu.

— Gustavo! -me repreende, e eu sorrio.

— Você é impossível! Por que você não tá me levando a sério?

— Porque eu não vou ter essa conversa de novo, Eric... Eu não acho que nosso namoro seja de mentira, independente das motivações dele, e também não gosto que você pense nele desse jeito, mas, quanto a isso, eu nada posso fazer... O que eu não vou, é te apresentar como meu amigo, porque não é isso que você é!

Ele respira profundamente e os dentes procuram o lábio inferior para descontar nele toda a ansiedade que a mente sente.

— Promete pra mim que isso não é parte do seu jogo, Gustavo?

— Até você falar, eu nem me lembrava dele, amor... -Ele fecha os olhos e descansa a testa na minha. Balança a cabeça devagar, para cima e para baixo, e, quando volta a abri-los, expira forte, e afasta-se de mim, entendendo a mão. Sorrio. Finalmente.

Voltamos a andar, atravessamos salas e corredores, passamos por funcionários que nos cumprimentam com sorrisos satisfeitos, até alcançarmos a saída lateral que dá acesso aos fundos da propriedade, onde acontece a festa.

— Aquilo ali é um castelo? -Eric pergunta piscando os olhos e eu rio, porque, sim, é um castelo.

— É... e eu duvido que você encontre um pula-pula...

— Mas é claro que não! Quem vai se importar com um pula-pula quando se tem um castelo, Gustavo? Não seja estúpido... Deus, eu fui estúpido! A conta bancária das suas sobrinhas, provavelmente, também faz a minha parecer um porta niqueis.

Ele olha para as mãos, como se tivesse se lembrado de algo.

— Os presentes, Gustavo! Os presentes! Será que vão levar eles pro seu quarto também?

— Não... Eles devem colocar junto com os outros!

— Ah, não, Gustavo! Eu comprei diários! O que meninas que tem um castelo em sua festa de aniversário de oito anos vão fazer com diários? -questiona, parecendo realmente frustrado.

— O mesmo que meninas que tem pula pulas em suas festas de aniversário fariam, Eric... Escrever...

— Gustavo...

Viro-me em sua a direção e levo a mão que não segura a sua até seu rosto. Ele olha para mim, e seu olhar deslocado me incomoda.

— Não surta, amor! É só dinheiro!

Um som de desgosto sai de sua garganta.

— Você diz isso porque tem muito...

— E ter pouco não muda nada... É só papel... Um papel poderoso, mas, ainda assim, é só papel...

Lambe os lábios, conformando-se, e voltamos a caminhar. Avisto Rodrigo e Camilla conversando com um grupo de amigos e me aproximo deles. O sorriso da minha cunhada ao ver Eric poderia servir de ponte entre os oceanos, de tão grande.

Apresentações rápidas são feitas, porque há outras pessoas ao nosso redor, mas posso sentir a animação de Camilla fluindo em ondas, e ela não demora nem mesmo dez minutos para nos separar do grupo com uma desculpa qualquer sobre o bolo. Imediatamente, ao estarmos somente os quatro, abraça Eric, como não fez antes.

— É um prazer conhecer você, Eric! As meninas passaram dias falando sobre o tio príncipe! Eu estava muito animada para te conhecer...

— Imagina! O prazer é meu! Suas filhas são umas fofas! — responde, e, curiosamente, vejo sua pele ficar um pouco avermelhada. Isso me diverte, Eric? Envergonhado?

— Onde elas estão? As meninas?

E, como se atraídas pelas perguntas, as duas surgem correndo em nossa direção, preparo-me para o meu abraço duplo, mas não é o que acontece, as duas abraçam Eric, ao mesmo tempo, quase derrubando-o, sem me dar sequer um olhar e eu me sinto ultrajado. Quer dizer, elas são duas, poderiam, pelo menos, ter se dividido.

— Tio Eric! Você veio! -Alice fala, envolvendo os braços no pescoço de Eric em um abraço apertado quando ele se abaixa para ficar da mesma altura das meninas.

— Eu não perderia o aniversário de vocês por nada! Só se faz nove anos uma vez, não é verdade? -Alícia inclina a cabeça, pensativa, e então pergunta:

— E não é assim com todas as idades?

Não consigo conter uma risada, nenhum dos adultos consegue, aliás. Mesmo que Alícia pareça realmente intrigada com a questão. — É forma de falar, filha! -Camilla explica e ela balança a cabeça, concordando, e tomando o lugar da irmã no pescoço de Eric quando Alice se afasta. Depois de as duas terem-no abraçado, imagino que finalmente será minha vez, mas, ao invés disso, cada uma delas pega uma das mãos de Eric.

— Vem tio! Vem conhecer nosso castelo! -E o arrastam na direção da imensa estrutura montada para a alegria de garotinhas cujos passatempos preferidos são assistir filmes da Disney, deixando-me para trás, completamente abandonado.

— Mas que porra... -As palavras saem automaticamente pela minha boca enquanto observo a distância entre nós e os três se tornar cada vez maior. A gargalhada de Rodrigo atrai minha atenção e até mesmo Camilla está segurando o riso enquanto estapeia o marido para que ele se controle.

Meu irmão bate em meu ombro, tapinhas que nada têm de consolo e tudo têm de deboche.

— É, irmão! Parece que, oficialmente, o tio Gustavo foi trocado... -Volta a gargalhar, escandalosamente, e não há nada que eu possa dizer para rebater, porque, aparentemente, ele está certo.

Atraída pelo escândalo de Rodrigo, minha mãe começa a caminhar na nossa direção, vinda sabe Deus de onde, já que até agora eu não a tinha visto.

Ela, sim, me abraça apertado assim que nos alcança. Depois, acaricia meu rosto com as palmas das mãos pequenas e sorri para mim do jeito que só ela é capaz. Seus olhos se estreitam, analisando-me indiscretamente.

— Tem um brilho diferente nesse olhar... -Ouço Rodrigo se engasgar com a bebida e olho para ele com uma expressão de cansaço estampada no rosto.

— É claro que tem, mãe! Eu to vendo a senhora, e já fazia tempo demais! -Volto a abraçá-la, apertando-a forte contra mim, e ouço sua risada gostosa, desdenhando da minha declaração.

— Oh, meu amor! Eu sei que você está com saudades dessa velha mãe, mas esse brilho nos seus olhos não é pra mim não... Eu espero que seja para aquele rapaz bonito que saiu daqui arrastado pelas nossas meninas... - comenta como se estivesse falando do tempo, e eu estou pronto para rebater, quando ela muda drasticamente de assunto.

— As crianças amaram o castelo, não é Camilla?

— Sim, sogra! Elas adoraram... Meninos e meninas! As meninas podem ser princesas, e os meninos, guerreiros, embora Alícia já tenha se autoproclamado a chefe da guarda real de Alice.

É impossível não rir com o comentário, porque soa exatamente como o tipo de coisa que minha sobrinha faria. A alguns metros, vejo Eric sendo coroado pela rainha Alice, e, depois de ser obrigado a dar voltas e voltas, finalmente é liberado, mas sendo obrigado a trazer uma coroa sobre a cabeça, o único adulto que usa uma, diga-se de passagem, e eu não consigo evitar o sorriso.

Acompanho seus passos firmes em nossa direção, meu olhar desce pelo seu corpo. Seu olhar vacila por alguns segundos quando percebe nossa nova companhia, apesar disso, não para nem desvia o caminho, continua até nos alcançar. No entanto, ao invés de caminhar até mim, para a alguns passos de distância. Minha vontade é de bufar, porém, me controlo, e corto eu mesmo a distância entre nós. Envolvo um braço ao redor de sua cintura e beijo sua têmpora, antes de fazer as apresentações.

— Amor, essa é minha mãe... -O olhar com a sobrancelha arqueada da minha mãe não poderia ser mais indiscreto, assim como o riso de Rodrigo e o grito que se segue depois de Camilla beliscá-lo. Franzo o cenho sem entender o que desencadeou as reações, e, só depois de pensar um pouco, me dou conta. Puta que pariu, Gustavo!

Um silêncio incômodo se estende no meio tempo em que levo para entender a situação, e Eric termina de se apresentar.

— Olá, dona Cecília. É um prazer conhecê-la, eu sou Eric. — Minha mãe sorri para ele com gentileza, mas olha para mim quando fala.

— Eric? -Porra! Expiro, frustrado. Porque eles não poderiam ser mais indiscretos que isso, poderiam?

— Meu namorado, mãe... Eric, meu namorado... -Digo o que ela espera ouvir e seu sorriso se transforma em algo quase assustador, de tão grande, branco e gentil. Seus braços envolvem Eric com carinho e por alguns instantes, seu olhar deixa muito claro toda a confusão que sente, antes que ele esconda, outra vez, os sentimentos de mim, e do resto do mundo. O rosto de Rodrigo está torto, contorcido, com toda certeza, se controlando para não rir e levar mais beliscões da esposa.

Não sei se o tomo pelo frouxo que é, ou se me sinto grato por menos essa questão constrangedora. Eu, realmente, não imaginei algo assim. Depois desses primeiros momentos, minha família se comporta, e, mesmo que eu continue sem o abraço das minhas sobrinhas até o fim da festa, tudo corre bem.

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Comentários

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Dizer que foi bom seria uma sacanagem, foi excelente, triunfal como você descreve as situações, de tão real dá pra se sentir presente na cena. Não sei por que do Eric ter essa fixação por esse prédio, tudo ficaria muito mais fácil se ele aceitasse comprar um imóvel em outro lugar e investisse mais nesse relacionamento que tem tudo para ser um conto de fadas, até castelo já temos, ahahahahahaha. A família já aprovou, toda a família, só falta essa bicha parar de frescura e dar valor ao que realmente é importante.

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